Capítulo 2
Observo os pingos de chuva se estatelarem no chão, e aos pouquinhos se unirem, formando poças d'água por toda a extensão da rua estreita. Tomo o cuidado de não molhar os meus sapatos brancos, uma decisão burra usá-los em um dia como este, eu sei. Seguro firmemente o meu guarda-chuva preto, comum e sem graça contra o peito, tentando apressar o passo antes que a chuva decida ficar mais forte e vença essa corrida.
Thiago, que está comigo, começa a fazer gracinhas, ameaçando me jogar em uma poça de lama ou pisar acidentalmente em meus sapatos. Ele é irritante na maioria das vezes, sabe como me irritar, uma coisa quase incomum. Prefiro não o confrontar, sei que ele é louco e pode cumprir o que fala.
Chegamos até o IFSC antes da chuva. Encaro as nuvens carregadas e o céu escuro, nublado e sem nenhum sinal do sol. Parece até que está de madrugada, mas se formos parar para pensar, 6:30 é madrugada. Não, não é, mas para mim é. Entro no Campus e solto um suspiro aliviado, a minha aparência deve estar um desastre, mas se a chuva tivesse vencido essa corrida eu estaria pior. Isso é fato.
Desarmo o meu guarda-chuva e olho ao redor procurando Lena e Lucas, já Thiago vai ao encontro de Nicolas, que está sentado em um dos bancos esperando o horário da aula. Algumas garotas estão ao seu lado o comendo com os olhos e, eu tenho certeza de que Lena surtaria ao ver isso.
Segundos depois, Elena e Lucas entram no Campus ensopados e gargalhando, essa é a vantagem de morarem perto um do outro. Os dois caminham até mim e sorriem, mas o sorriso de Lena some ao ver a cena no banco. Lucas parece não perceber, pois continua sorrindo.
— Elena é muito devagar, cara — Lucas brinca, tentando parar de rir.
Meu amigo passa as mão pelos cabelos enrolados, que estão com um aspecto molhado. Um belo contraste com a sua pele cor de chocolate.
— Cala a boca — Elena revida e cai na gargalhada, desviando o olhar do banco.
— Dois gatos molhados. Vão acabar ficando doentes.
— Que nada, a minha saúde é de ferro.
Lena mostra o braço sem músculo algum para dar ênfase e Lucas e eu rimos, fazendo-a nos acompanhar.
— Vou ao banheiro, vem comigo? — Pergunto usando o nosso código de quando algo está errado. Elena já muda a sua postura e a sua expressão passa de brincalhona para séria em questão de segundos.
Caminhamos lado a lado até o banheiro mais próximo, já que temos dez minutos até as aulas começarem de fato. Enquanto ela pega alguns papéis para tirar o excesso d'água, eu retiro o meu celular da cintura. É um ótimo esconderijo. Ante bandidos, ante água e ante outras coisas.
Encaro Elena, receosa. Ela provavelmente surtará quando eu mostrar a mensagem, já que sempre surta. Respiro fundo e espero ela terminar de tirar o excesso de água do cabelo. Ela ri, contando alguma piada na qual eu não presto atenção. Tudo que quero descobrir é: quem é esse Ruan e porque ele mandaria essa mensagem.
Talvez tudo não passe de um exagero, mas algo me diz para não deixar isso de lado.
— Ok! Agora me fala o que aconteceu — ela pede com o semblante sério, cruzando os braços.
— Recebi essa mensagem ontem no parque — conto enquanto lhe entrego o meu celular.
Elena lê com pressa e arregala os olhos, abrindo a boca incrédula. Seu olhar intercala entre mim e o celular, ela está confusa e perplexa.
— Ok! Agora me fala o que aconteceu — Lena pede com o semblante sério, cruzando os braços.
— Eu recebi essa mensagem ontem no parque.
Entrego-lhe o meu celular. Elena lê com pressa e arregala os olhos, abrindo a boca, incrédula. Seu olhar intercala entre mim e o celular, ela está confusa e perplexa.
— O que?! Ah, meu Deus! Como? Quero dizer, quem é Ruan?! — Elena berra, surtando literalmente. Eu sabia que ela reagiria assim, senão fosse assim, não seria a Elena que eu conheço.
— É isso que quero saber, Lena.
Pego o meu celular de volta e o coloco em seu esconderijo secreto.
— Não faço ideia de quem ele é ou do porquê mandou isso.
— Você tem certeza de que não conhece nenhum Ruan?
— Tenho — afirmo, passando a mão pelo rosto. Caso eu conhecesse algum Ruan, com certeza me lembraria. — O pior é que a conta dele é privada e eu não pedi para seguir, eu teria que responder a mensagem primeiro e eu não sei se devo fazer isso.
Ela encara o celular outra vez, fazendo um careta.
— Eu tenho raiva de quem coloca a conta privada e ainda tira foto das costas em uma linda paisagem, qual foi. Como vamos stalkear? — Elena pergunta indignada e eu gargalho alto.
— Lena, você faz isso.
— Caso a parte, Laura. Caso a parte. E se for alguém do campus querendo falar com você, mas não consegue porque tem vergonha?
— Você enlouqueceu? — pergunto, franzindo o cenho.
— Pensa comigo, talvez seja alguém próximo de você, que tem vergonha de dizer que gosta de você, e por isso criou um perfil falso.
— E quem faria isso? Não falo com muitas pessoas, precisamos concordar.
Encosto-me na pia do banheiro e cruzo os braços. Às vezes Elena vai um pouco longe demais.
— Igor? — Ela pergunta em um tom óbvio e eu faço uma careta.
Igor é um garoto do primeiro ano que vive me dizendo coisas horríveis, aquelas cantadas com cara de Google. Não quero ficar com ele e nunca sei como dizer isso.
— Não, eu tenho certeza de que ele não faria isso — murmuro — e ele não teria motivos para criar uma conta falsa, já faz isso pessoalmente.
— Só tem uma forma de descobrir quem foi que enviou isso aí, se foi o Igor ou se esse Ruan realmente existe.
— Que forma? — Pergunto, desconfiada. Elena nunca foi muito sã, tenho medo do que ela possa fazer.
— Deixa comigo, eu sei o que faço. — Ela pede, piscando o olho direito e antes que eu possa a repreender e pedir para que ela pense antes de fazer besteira, o sinal toca.
— É melhor irmos.
— Por mim matávamos aula hoje — ela sugere.
Balanço a cabeça em negativa e ela resmunga. Seguro em seus ombros e a empurro para fora do banheiro feminino, na direção onde Lucas está. Infelizmente os únicos que tiveram a felicidade de ficar na mesma sala fomos eu e Lucas. Elena está na mesma sala que Thiago e Nicolas, o lado bom é que uma amiga de infância sua também está, então ela não fica tão sozinha.
☀
A professora de física está explicando o conceito da física ondulatória de forma mais aprofundada, mas infelizmente não consigo prestar tanta atenção como deveria.
Olho o meu celular de cinco em cinco minutos por causa da mensagem, mas até agora não obtive nenhuma resposta. Em um dos intervalos entre uma aula e outra, Lena me aconselhou a mandar uma mensagem perguntando quem é ou se eu o conhecia. Achei um conselho legal e segui.
Faltam 15 minutos para a hora do almoço, mas faz muito tempo que faltam 15 minutos. A hora parece não passar quando estamos com pressa. Lucas está sentado do meu lado fazendo as anotações em seu caderno, o que é um milagre porque é raro ele copiar alguma coisa do que os professores dizem. Ele me encara, ergue uma sobrancelha e pergunta:
— O quê?
— O quê, o quê? — Pergunto de volta sem entender.
— Mano, tu tá tansa?
— Você que está me deixando confusa, Lucas.
— Tá bom — ele diz, voltando a atenção para o caderno.
— Lucas.
— Diz logo o que você quer, Laura — ele pede e ri em seguida, fechando o caderno e guardando o lápis. Depois ele se arruma na cadeira e me encara à espera de que eu diga alguma coisa.
— Olha, eu recebi essa mensagem no parque ontem — falo de uma vez, mostrando o celular. — Você sabe quem é Ruan?
— Não faço ideia, mas acho que o Nicolas deve saber.
— O Nicolas? — Pergunto-lhe sem entender o porquê Nicolas conheceria o garoto da mensagem.
— Porque ele pode ser o dono do perfil, Laura. — Lucas sugere em tom óbvio. — Já pensou que pode ser um perfil falso?
— Em primeiro lugar, é claro que não pode ser o Nicolas, já que ele gosta da Elena. E em segundo lugar, o perfil tem mais de dois mil seguidores, não pode ser falso.
— Não tem como saber. Hoje em dia qualquer um pode comprar seguidores, principalmente quem tem muita pila².
Não pode ser ele, não mesmo, até porque ele estava no parque conosco na hora em que a mensagem foi enviada. Ele estava bem ali do lado de Elena no carrinho, não tem lógica ter sido ele.
— Elena diria que você está brisado.
— Elena é uma vaca — Lucas brinca e caímos na gargalhada.
O sinal finalmente toca e nós dois nos levantamos, pegando as nossas mochilas e saindo da sala o mais rápido que podemos. A fila na cantina é imensa e hoje é o meu dia e o do Thiago de enfrentar os mortos de fome. Todos os dias nos revezamos para enfrentar a fila, quando chega a nossa vez, os nossos amigos entram na nossa frente e todos pegamos ao mesmo tempo. Essa técnica perfeita deixa muitos estudantes irritados e já fomos acusados de coisas que eu prefiro nem lembrar.
Infelizmente não paro de pensar no que Lucas insinuou, algo totalmente fora de cabimento, mas se ele disse é porque tem motivos para desconfiar dele. Será que Nicolas andou dizendo ou fazendo algo que eu não tenha percebido?
Também fico me perguntando porque estou tão obcecada por essa mensagem. Não faz sentido. No fim das contas será só um idiota de bobeira.
Para a nossa sorte, a fila não está tão grande assim e até que foi rápido. Os calouros que não formularam uma estratégia estão sempre no final, só ficamos atrás do pessoal do terceiro e quarto ano, que está nesse ramo há anos. Às vezes nós compramos comida na cantina, às vezes saímos por aí para comer e às vezes trazemos de casa.
Nos reunimos em uma mesa aleatória e começamos a comer. Nenhum de nós está falando um A, de tanta fome que estamos. Quem diz que estudar não cansa deveria estudar mais vezes para ver o que nós, meros estudantes, passamos todos os dias por longos 12 anos.
Tomo um gole da fanta uva que estou dividindo com Elena e ela me encara, pensativa. Será que descobriu alguma coisa? Uma pena eu não poder falar nada, porque Thiago está almoçando conosco e Nicolas também.
O meu celular apita e eu o pego rapidamente. Ele respondeu! Então isso significa que não é o Nicolas. Abro um sorriso enorme sem perceber, só percebo quando Elena pigarreia e me encara, mostrando Nicolas e Thiago com o olhar e revirando os olhos em seguida.
Não consigo prender a risada e acabo rindo alto, as pessoas devem achar que eu sou maluca.
— Para de ser louca, Laura — Thiago pede.
— Então. — Elena começa. — Eu estava pensando em ir à praia agora, vocês vem?
— Eu vou — concordo animada.
Uma das vantagens de termos vindo para o campus Florianópolis é essa. A praia é bem perto, não é bem a praia que gostaríamos, mas é legal andar no calçadão e dar uma respirada.
— Também — Lucas confirma, arremessando a sua latinha de refrigerante no lixo, comentando com Nicolas que essa jogada foi de mestre, literalmente.
— Se todo mundo vai, eu também vou — Thiago diz, levantando-se. — Vamos, Nicolas?
— Vocês acham que dá tempo? — Nicolas pergunta, olhando descaradamente para Elena, que fica nervosa.
— Se corrermos, dá — minha amiga o responde.
Elena assume a sua postura de durona, olhando-o. Os dois ficam assim, um encarando os olhos do outro e eu preciso me segurar para não surtar.
Nos levantamos e começamos a caminhar até os portões do Campus. Chego um pouco mais perto de Elena e nós duas ficamos por último, uma distância boa para os garotos não escutarem. Ela continua andando e por um segundo me encara, pedindo para dizer o que aconteceu na hora do almoço e alegando que a minha risada me entregou.
— Ele respondeu.
— Mentira! Eu avisei que ele iria responder, eu avisei!
— É, mas ele só disse "Alguém que você vai gostar de rever." — sussurro, nervosa.
— Ah, meu Deus! — Elena sibila perplexa. — Laura, ele disse rever. Isso significa que ele conhece você e que você também o conhece.
— Também pensei nisso, mas não consigo pensar em ninguém.
— Vamos montar uma lista com caras que você conheceu nos últimos dezesseis anos e achar o sujeito — Lena brinca.
— Meu Deus, Elena. Você não existe! — Exclamo com uma voz fina e entusiasmada, depois nós duas rimos.
— Assim que chegar em casa você precisa perguntar o que ele viu de estranho na sua foto — Lena incentiva, empolgada.
— Fechado.
Continuamos andando até alcançarmos os garotos. Nos envolvemos tanto nessa rápida conversa que nem percebemos quando ficamos para trás.
Lucas me abraça e eu o abraço de volta. Ele ama abraços com seu jeito carinhoso e fofo.
Thiago nos encara e murmura um "Oh! Que fofos." Reviro os olhos e Elena ri, Nicolas a encara por um tempo, mas ela não percebe. Ele também não diz nada e Thiago o cutuca. Agora eu entendo quando Elena diz que não sabe qual é a dele. Garoto confuso...
Meus pelos se arrepiam e fico tensa de repente, com a sensação de estar sendo observada. Olho para trás de relance e vejo algumas pessoas do IFSC atrás de nós, provavelmente com o mesmo intuito. Balanço a cabeça de um lado para o outro, achando que estou pirando, só pode.
Uma sensação estranha toma conta do meu ser, como um pressentimento. Algo me diz que alguma coisa muito ruim está para acontecer.
☀
Tanso¹: Gíria catarinense, que tem o mesmo significado de "burro, idiota, bobão" e etc.
Pila²: Gíria que se refere a dinheiro. Muito usada em SC.
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