Capítulo 13
Um dia depois, uma equipe de trabalhadores do continente enviados por ordem de Adrian Saramago chegou a ilha para reparar os danos. Jogaram os cascalhos e as pedras no mar e, quando partiram, o único sinal visível da tragédia era a parede branca onde outrora foram os terraços.
Alba passava quase que o tempo todo trabalhando no escritório, de modo que mal sabia o que se passava pelo resto da casa. Porém, um fato não lhe passou despercebido: a chegada de duas hóspedes, na semana seguinte.
Os planos da Condessa Helena Saramago eram cristalinos como as águas do mar. Seu filho Diogo voltara para casa e aquela era a melhor hora para lhe arrumar uma nova esposa. Por isso, convidara Paula OLiveira e sua mãe para passarem uns dias na ilha, já que a irmã caçula estava agora estudando nos Estados Unidos. Acompanhadas de uma legião de empregadas e um cachorrinho poodle, enjoado e que não parava de latir um minuto se quer de tanto que era mal-criado e mimado por suas donas acomodaram-se na propriedade Saramago.
Alba estabelecera de volta sua rotina de trabalho, mas sentia muita falta das visitas ao berçário e da companhia da babá Sara Carter às refeições.
A babá ainda se recuperava dos ferimentos e, deixando a Condessa Helena Saramago encarregada dos cuidados com o neto, Alba só o via quando Diogo o levava ao escritório. Ele crescia a olhos vistos e ficava mais ligado ao pai a cada dia que passava. Para ela, isso era uma fonte de imenso prazer. Do mesmo modo que era um grande pesar saber que Adrian estava ali, debaixo daquele teto, sem se decidir a voltar à Espanha.
Às vezes, sozinha em seu quarto à noite, ela escovava vigorosamente os cabelos, na tentativa de tirá-lo da cabeça. Mas, com as janelas abertas, acabava sempre ouvindo o som de músicas e risadas, percebendo que nos salões da mansão os Saramago estavam divertindo Paula e sua mãe.
Recostada no parapeito da janela, com o ar fresco da noite a lhe bater no rosto, Alba tentou imaginar como seria ser uma mulher rica, com tempo e dinheiro de sobra para aproveitar os prazeres da vida, sem ter que se preocupar em trabalhar duro para poder sobreviver. Uma mulher assim seria o par ideal para um dos irmãos Saramago. Não ela, que não passava de um lanchinho rápido como dizia Shawn, que ficava trancada no escritório, digitando o dia inteiro sobre um laptop.
Ao ouvir o som da música, Alba não pôde deixar de lembrar-se da noite em que dançara com Adrian, seguindo seus passos com tanta facilidade, como se uma espécie de mágica a conduzisse através da música. Lembrou-se da força daquele corpo másculo e cobriu seu rosto corado com as mãos. Era inútil negar o poder que ele exercia sobre ela. Era um encanto, um feitiço que só seria quebrado no momento em que se separassem para sempre.
Alba então começou a torcer para que ele fosse embora da ilha e, a cada novo dia, temia dar de cara com sua figura gigantesca pelos corredores.
O trabalho era sua distração e ela digitava com vontade o dia todo, só parando quando a empregada chegava com a bandeja do lanche. Então, inevitavelmente, lembrava-se da primeira vez em que Adrian lhe mandara um copo de vinho e biscoitos de chocolate suíços.
Todas as manhãs, era o mesmo vinho e os mesmos biscoitos. A tarde, era um bule de café fresco e uma fatia de bolo de frutas. Mas, como não gostasse de doces, ela reduzia o bolo a migalhas e alimentava os pássaros que vinham cantar em sua janela. Então tomava seu café fresquinho em paz, na doce companhia de seus novos amiguinhos cantores.
Shawn Diamonds, felizmente, havia parado de aborrecê-la. Nas poucas vezes em que cruzaram pelos corredores, ele se limitava a dar-lhe um seco bom-dia e passava reto, sem mais nenhum comentário.
Alba ficara sabendo, através de Diogo, que Diamonds conseguira ganhar a aprovação da Condessa Helana Saramago. A condessa o achava atraente, divertido e atencioso e tudo indicava que ficaria satisfeita em tê-lo como genro. Porém Adrian e Diogo continuavam firmes em suas convicções de que o tal ator não passava de um grande sem-vergonha.
Agora, recostada no parapeito da janela, bebericando seu café amargo, Alba sabia que seu maior problema naquela casa era Adrian Saramago. Por mais que tentasse concentrar-se no trabalho e pensar em outra coisa, sua figura misteriosa invadia-lhe a mente, deixando-a confusa e atrapalhada.
Por isso, quando a porta do escritório se abriu e o tão temido señor apareceu-lhe à frente, sua xícara quase voou pelos ares. E, pelo olhar furioso que ela lhe lançou, Adrian percebeu imediatamente que não era bem-vindo.
— Ainda bem que cheguei na hora da sua pausa para o café. — Explicou ele. — Não gostaria de interromper seu trabalho, pois sei muito bem o quanto ele significa para você.
Alba preferiu ignorar o sarcasmo daquelas palavras.
— Eu já ia recomeçar, para falar a verdade. Por isso, se veio procurar Diogo...
— Não vim procurar Diogo coisa nenhuma, senõrita. Estou aqui porque quero
falar com você.
Era o que faltava. Falar com ele agora, a sós no escritório, era a última coisa que Alba queria.
Adrian aproximou-se e entregou-lhe uma caixinha de veludo onde se lia o nome de um joalheiro da cidade de Saramago.
— Pode ficar tranquila. — A voz dele tinha um inegável tom de ironia. — Isso aqui não é um anel de noivado.
Ela abriu a caixinha e sentiu uma grande alegria ao ver a pedra de Jade e a corrente que aquele sem-coração do Shawn Diamonds tinha estragado, de propósito. Examinou a jóia com cuidado e sorriu, satisfeita. Estava perfeita e brilhante, como se fosse nova.
Olhou para Adrian, agradecida. Pelo menos uma vez na vida, ele lhe fizera um benefício.
— Muito obrigada... — Disse ela. — Quanto lhe devo?
No mesmo instante, um brilho perverso surgiu nos olhos do señor.
— Muito bem, señorita. Já que insiste em me pagar, que tal fazê-lo com um beijo?
Ela mordeu os lábios.
— Por favor... Estou falando sério...
— E por acaso um beijo não é um negócio sério?
— É, mas não nesse caso. Gostaria de lhe pagar pelo conserto da minha jóia. Importa-se de falar quanto foi?
— Já lhe disse o preço. Quer que eu repita?
Ela ficou vermelha de raiva.
— Você não me leva a sério, não é? Se não parar de me aborrecer, vou falar com seu irmão e...
Alba nem chegou a terminar a sentença, porque, num gesto rápido, Adrian tirou-lhe a caixinha da mão e puxou-a com força contra si.
Ela começou a se debater, mas nem por isso ele a largou. Ao contrário. Apertou-a com mais força ainda e deu um sorriso cínico.
— Você é uma diaba de saias, senõrita... Gostaria de saber como se comportaria, no momento em que um homem a tivesse sob seu completo domínio...
— Pois fique sabendo que ninguém vai me dominar!
— Acontece que você já foi dominada, uma vez e pode ser que aconteça novamente . Está em meus braços e eu sou muito forte...
Ela o encarou, desafiante.
— Você está quebrando uma regra desta casa, señor. Não disse que, enquanto estivesse empregada nesta propriedade, eu estaria segura?
— Você não se considera segura, presa nos meus braços?
— Nunca me senti tão insegura em toda a minha vida!
— Por acaso está querendo me elogiar ou me ofender?
— Tire suas próprias conclusões Don Saramago!
— Mas que diabos! Como você é fria, senõrita! Não mudou em nada depois de tudo... Ele mordeu em seus lábios e ficou em silêncio. E, dizendo isso, afastou-a com um empurrão. Livre, Alba foi se refugiar do outro lado da escrivaninha.
— Eu... eu estou muito agradecida por ter mandado consertar minha jóia, Don Adrian. Agora, importa-se em me deixar a sós?
Ele acendeu um cigarro e recostou-se na janela. Não parecia disposto a ir embora.
— Quero que use ele amanhã à noite, está bem?
— Amanhã à noite? Por quê? Alguma comemoração especial?
— Não sei se você sabe, amanhã é a véspera da entrada do verão, dia da conquista desta ilha pelo meu antepassado. Essa data é muito comemorada aqui por essa região e, após o jantar, uma grande fogueira é acesa para afastar os maus espíritos da casa. Os ciganos da região vem para tocar suas guitarras e as cigans vão dançar. Tenho certeza de que você vai gostar. Meu povo emana alegria por onde passa. Alguns dizem que nesse dia Zein e sua mada esposa Alícia passeiam por esta propriedade enquanto o lugar bate nas rochas do penhasco e deois os dois são visto pela praia indo em direção ao seu navio fantasma. Afinal, as coisas sobrenaturais devem fasciná-la, não é?
Ela deu um suspiro de pura irritação.
— Não, as coisas sobrenaturais não me fascinam. Ao contrário do que você pensa, não fico tremendo de medo de fantasmas aqui nesse escritório que tem fama de ser mal-assombrado. Mas seria interessante participar da festa. Obrigada pelo convite.
— Não tem nada que agradecer. Você vai gostar de ver a fogueira acesa, cujas chamas têm o poder de afastar para sempre os demônios e as bruxas... Assim dizem os antigos que vieram antes de mim e de você senõrita. Mas eu duvido que ela possa afastar o destino quando ele teima em nos confrontar.
Um sorriso irônico apareceu nos lábios de Alba.
— Nesse caso, acho que não deveria chegar perto dessa fogueira, señor...
— Quer dizer que, a seus olhos, eu sou o próprio demônio, não é? — Seu tom
de voz era sarcástico, cínico. — Você adoraria se eu evaporasse numa nuvem e nunca
mais aparecesse? Fale a verdade... Então posso chegar a conclusão que você também deseja a minah morte, como todos os demais.
Ela pegou a caixinha de cima da escrivaninha e voltou a examinar a jóia.
— Por favor, Don Adrain, pare de me provocare deixe de ser dramático. Olhe, eu já estou atrasada com meu trabalho e, se não se importa, gostaria de continuar e...
Ele a interrompeu.
— Você está me mandando embora?
— Estou!
— Quer dizer que não me quer aqui, ao seu lado, não é?
— Isso mesmo!
— Hum... Então me diga uma coisa. Quem é que você quer, perto de você?
— Ninguém!
— Ora, senõrita, não minta para mim, nem para você mesma. — Adrian olhou em volta, como se estivesse visualizando Alba sozinha com Diogo naquele escritório, os dois muito envolvidos em suas conversas. — Meu irmão e Carmem formavam o casal mais estranho desse mundo. Eram pessoas totalmente diferentes, que não tinham assunto quando terminavam de se beijar. Mas com você tudo é diferente, não é? Devem se entender muito bem, em todos os aspectos...
— Eu... eu não sei do que você está falando.
— Não se faça de boba. É claro que você me entende!
— Ora, me deixe em paz! Será que não posso trabalhar sossegada?
— Você não engana ninguém, senõrita. Pensa que não percebi tudo? Diogo se transformou no seu herói e você acha que está apaixonada... — Ele aproximou-se de Alba e tocou-lhe os cabelos. — Só gostaria de saber se meu irmão consegue deixá-la excitada, do jeito que eu consigo...
Ela esquivou-se daquele toque.
— Como você é pretensioso! Você não me excita coisa nenhuma!
Adrian começou a rir.
— Não? Então por que fica toda trêmula, quando eu me aproximo? Você nunca vai conseguir ficar longe de mim senõrita!
— Eu... eu tremo de raiva, isso sim!
— Não minta para você mesma, senõrita Perez... Por que não admite que me deseja?
Lembra-se daquela noite, quando Helena apareceu de surpresa no seu quarto? Se ela não tivesse nos interrompido, sabe Deus o que teria acontecido...
Falar daquela noite nefasta era a última coisa que Alba queria naquele momento. E o pior de tudo é que Adrian tinha razão. Quando ele se aproximava, seu corpo ficava trêmulo de tanto desejo...
— Mas como você é desagradável! — Ela gritou. — Quer fazer o favor de me deixar em paz?
E, colocando os óculos, sentou-se à escrivaninha e voltou ao trabalho. Então, a porta se abriu, dando passagem a Diogo Saramago. Franziu a testa ao ver o irmão ali, parado perto da janela.
— Você por aqui? — Seu tom de voz indicava que ele não estava muito satisfeito com o que via. — Espero que não esteja atrapalhando Alba.
— Como se eu pudesse atrapalhar uma jóia de eficiência... — Adrian falava com ironia. — Sabendo que esse é o santuário onde vocês confabulam sobre o grande livro, só dei uma parada para respirar um pouco desse ar mágico. Não estou atrapalhando, estou, senõrita? Além disso, resolvi dar uma olhada no presente que meu pai me deixou. Como deve saber Diogo eu o rejeitei demais todos esses anos. Acho que é hora de descobrir o que tanto o meu pai queria me dizer, mas não teve oportunidade.
— É claro que não. Quando estou entretida com meu trabalho, nem me dou conta de interrupções sem importância... Disse ela estranhando a última parte daquela conversa.
Diogo começou a rir.
— Já estava na hora... Aquele diário é muito raro e...
— A resposta é não Diogo!
— Mas eu nem disse anda ainda.
— Eu não vou e nem permito que você o use em seus escritos. Falou Adrian com ferozcidade.
— Espero que algum dia acabe mudando de ideia Adrian. Ele suspirou desanimado e continuou falando. — Mas isso também o coloca em seu devido lugar, irmão! E já que estamos aqui, os três, gostaria de deixar bem claro que a senhorita Perez não quer nem mais ouvir falar sobre aquele seu pedido de casamento absurdo. Ela deixou essa casa por causa daquela bobagem!
— Mas acabou voltando...
— Na minha companhia, diga-se de passagem. Já falei para minha mãe e agora estou falando para você. Ela está nesta ilha, sob minha proteção!
— Hum... Como você é galante, hermano! E, como a senõrita deve ficar tranquila, sabendo que está protegida... Mas me diga uma coisa, señorita: por que será que tem tanto medo de mim? Será que isso se deve ao fato de eu ser muito parecido com meu ancestral, que dizemraptou uma donzela inocente e a levou para o mar?
Por acaso tem medo que eu repita o mesmo gesto?
Alba achou melhor não responder. Ficar quieta agora parecia ser a melhor saída.
— Nesse caso senõrita... — Continuou ele —, é melhor tomar cuidado quando for passear sozinha na praia de novo... Ou talvez leve o Diogo para ser seu segurança pessoal.
Diogo Saramago ficou revoltado.
— Encoste um dedo nela e...
Adrian o interrompeu.
— E o quê, hermano? Vai por acaso me desafiar para um duelo como antigamente?
2433 Palavras
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