Capítulo 10.1 - A má escolha
Ele sorriu com a intensidade da resposta e então, durante alguns instantes, ficou calado e pensativo, deixando Alba ouvindo os trovões assustadores que estavam apavorando a cidade inteira.
Ela estava surpresa com sua própria coragem de falar sobre o amor, com um homem que já experimentara sua doçura e seu sabor amargo. Justo ela, que nunca vivera uma paixão arrebatadora — O que sentia por Adrian era um emaranhado de sensações estranhas e confusas e, se voltasse a ilha Saramago, deveria se manter longe dele, para evitar problemas.
De súbito, Diogo começou a falar, interrompendo seus pensamentos.
— Você me fez uma proposta, senhorita Perez. Não está interessada na resposta?
Ela começou a suar frio.
— É claro que estou.
Ele se recostou na cadeira e acendeu um cigarro.
— Se veio aqui para me fazer sentir culpado, conseguiu seu objetivo. Pois bem, senhorita Perez, você conseguiu. Volto para casa, se você vier comigo.
De uma forma ou de outra, Alba jamais havia esperado por uma resposta.
Durante o tempo todo, tinha certeza de que ele iria recusar. E agora ela teria de acompanhá-lo. Fora esse o acordo... Fechou os olhos por um momento e imaginou-se de novo naquele propriedade imensa, ouvindo as ondas baterem com força nos penhascos... e sentiu um arrepio na espinha.
— E... Eu estou muito contente com sua decisão, Diogo.
Ele pegou a conta que o garçom tinha acabado de deixar em cima da mesa e examinou-a.
— Não se preocupe mais com minha mãe, senhorita Perez. Vou providenciar para que ela não a aborreça mais. Prometo que sua estada na nossa ilha, de agora em diante, vai ser muito agradável. Você gostou do almoço?
— Gostei sim, obrigada.
Diogo chamou o garçom, pagou a conta e olhou pela janela.
— Essa chuva não vai parar tão cedo e eu acho melhor deixarmos para ir embora amanhã. Você se importaria em passar a noite aqui?
— De jeito nenhum.
Na verdade, ela sentiu-se aliviada com a sugestão, pois não se sentia preparada para voltar a propriedade Saramago imediatamente. Precisava de tempo para se acostumar com a ideia, colocar seus pensamentos confusos em ordem e se preparar para ver Adrian de novo. Deveria pedir a Diogo que tomasse providências para que seu irmão também não a aborrecesse?
Oh, Deus! Suas pernas tremeram ao se levantar da mesa. Qual seria a reação de Diogo, quando descobrisse a verdadeira razão de sua fuga da ilha?
Ela o acompanhou até a recepção e ficou ali, perdida em pensamentos, enquanto ele a registrava no hotel, por sua conta. Alba tentou protestar, dizendo que fazia questão de pagar a diária, mas ele nem tomou conhecimento.
— Você é minha convidada, não se esqueça. Quem paga as coisas aqui sou eu.
Depois informou à recepcionista de que a mala dela estava em seu quarto e pediu para que fosse levada para seus próprios aposentos.
— Vamos sentar um pouco na sala de estar?
Ele a conduziu até uma sala de janelas multicoloridas, que dava para um jardim cheio de plantas e diversas rosas vermelhas. Sentaram-se num sofá em frente à lareira e, após acender um cigarro, Diogo pediu para que ela lhe falasse sobre Javier.
Alba percebeu que, agora que tinha tomado sua decisão, ele parecia mais calmo. Ela conseguira o que todos julgavam impossível. Fora uma grande vitória de sua parte. Um prazer enorme iluminou-lhe o coração e ela começou a responder às perguntas sobre o bebê de Carmem.
Sim, ele estava crescendo a cada dia que passava e era uma criança saudável e alegre. Sim, ele ainda adorava espirrar água durante o banho, seus dentinhos de leite estavam aparecendo e já começava a querer engatinhar.
Diogo deu um sorriso.
— Ele é tudo que eu sempre quis num filho, senhorita Perez...
Ela pensou um pouco, antes de dizer.
— Já lhe passou pela cabeça que Carmem pode ter mentido? Ela queria deixar a ilha Saramago e sabia que você iria lutar pela custódia do menino... Tudo bem, ela não costumava mentir, mas as pessoas vão a extremos quando querem muito alguma coisa. E ela morou na ilha tempo suficiente para descobrir o quanto os Saramago eram orgulhosos. Carmem sabia muito bem qual seria sua reação, se dissesse que Javier era filho de seu amante.
Diogo olhou para Ela. A sala estava na penumbra, iluminada apenas por fracas luzes de abajur e pelo fogo da lareira.
— Você acredita mesmo que Javier seja um Saramago?
— Acredito, Diogo.
— Mas não se esqueça de que ele pode ser um Saramago, mesmo sem que eu seja o pai...
Ela desviou o olhar, sem saber o que falar, e foi aí que decidiu contar a Diogo a verdadeira razão pela qual deixara a ilha Saramago. Respirou fundo para ganhar coragem e começou a relatar os acontecimentos, desde a festa até a súbita aparição da Condessa Saramago em seu quarto.
— Então ele achou que nós deveríamos nos casar. Estava preocupado com minha reputação, com o que as pessoas iam dizer de mim e disse que as regras de comportamento da Espanha também se aplicavam a sua propriedade. Seu irmão estava apenas sendo gentil, Diogo. E eu não podia aceitar aquele pedido absurdo. Então, fiz minha mala assim que o dia clareou e pedi a Tim que me levasse de volta a cidade para que eu embarcasse de volta ao meu país. Ele pensou que eu precisava pegar uma carta de recomendação e foi por isso que me trouxe até aqui.
Diogo afundou-se no sofá e tragou seu cigarro demoradamente.
— Que coisa incrível... Adrian a pediu em casamento e você não aceitou!
— Eu... eu não podia aceitar, Diogo. Ele só estava sendo gentil e honrado...
— Honrado?
— Isso mesmo. Adrian poderia muito bem ter saído do quarto e me deixar ali, desmoralizada. Mas não. O que ele fez? Ficou firme e me defendeu do único modo que julgou conveniente. Acho que ele pensa mais em espanhol do que em inglês... Diogo ficou ali sentado, pensando no que tinha acabado de ouvir, e de súbito seu rosto se transformou.
— Você disse tudo, senhorita Perez. No que diz respeito ao relacionamento homem e mulher, Adrian é mesmo um homem honrado. Por Deus, eu deveria ter percebido isso antes! Adrian jamais me trairia, ele é tão correto que chega a ser odioso. Por que eu fui dar ouvidos a tantos comentários sórdidos, nem pensei direito, Adrian sempre fou polido e muito educado com Carmem e até preferiu me deixar no comando de tudo. Adrian viajou o tempo todo enquanto eu e Carmem estavamos na ilha.
Levantou-se imediatamente e começou a andar de um lado para outro da sala, as tábuas velhas rangendo sob seus pés. Alba ficou ali, sentada, observando-o a tirar a pesada carga que carregava nos ombros, desde a morte de Carmem. Sentiu uma enorme alegria dentro de seu coração e pôde até imaginá-lo entrando no berçário e abraçando o menino que nunca deixara de amar.
— Quero voltar para casa agora! — Exclamou Diogo, dirigindo-se para a porta.
— Espere aqui. Vou procurar Tim!
Alba deu um sorriso de pura satisfação. Diogo compreendera que seu meio-irmão era inocente e, agora, a família voltaria a ser unida e feliz. Só havia um problema naquilo tudo. A própria Alba não acreditava muito em tal inocência...
Adrian Saramago podia ser perigoso e era melhor manter distância dele, para não se dar mal.
Dez minutos depois, Diogo voltou à sala.
— Eu tinha pedido a Tim para que esperasse um pouco, mas parece que ele ganhou um dinheirinho jogando dardo e voltou para casa, feliz da vida, esquecendo do mundo. Acho que só poderemos ir embora amanhã, quando ele vier apanhar a correspondência.
"Graças a Deus", pensou ela. Voltar para a propriedade agora e dar de cara com Adrian era a última coisa que queria.
Como se lesse seus pensamentos, Diogo continuou.
— Não se preocupe, senhorita Perez. Pretendo falar com Adrian e pedir para que ele pare com essa história de casamento. E vou providenciar também para que minha mãe nunca mais a aborreça.
— Você precisa fazê-la entender que só estou voltando a ilha para terminar o trabalho e nada mais que isso na verdade. — Alba falava com tanta intensidade que sua voz até chegava a tremer. — O fato de eu estar voltando em sua companhia só vai fazer com que ela me odeie ainda mais.
— Ódio é uma palavra muito forte...
— Sua mãe também é uma mulher forte. Ela não tem medo de falar o que pensa, mesmo que isso magoe as pessoas.
— E ela magoou você?
— Muito.
— Ela a tratou como se você fosse... uma mulher qualquer e leviana?
— Isso mesmo. E acredite, Diogo, de leviana eu não tenho nada. Não sou o tipo de mulher que tem necessidade de atenção por parte dos homens o tempo todo. Tenho meu trabalho, ele me satisfaz e não quero sair por aí, me aventurando em casos amorosos que não levam a nada.
— Sabe de uma coisa, senhorita Perez? A seu modo, você é tão forte quanto minha mãe. Você a considera uma esnobe, fútil, mas não se esqueça de que ela foi a segunda mulher de um homem por quem tinha uma verdadeira idolatria. E, no fundo, ela sempre soube que nunca conseguiu substituir, no coração do marido, a tempestuosa cigana espanhola que deu à luz Adrian. Além disso, eu não sou o filho mais velho e jamais herdarei a propriedade Saramago. Tudo isso a magoa demais, sabe? Acho que é essa a razão de tanta amargura, e de tanta implicância com Adrian. Ele é o primogênio e tem todo o direito perante a sociedade.
— Você se incomoda por não ter sido o filho mais velho?
— Seria bom possuir a ilha Saramago um dia, mas eu cresci sabendo que meu irmão na Espanha a herdaria. A propriedade está em nome dele, embora minha mãe tenha sempre insistido que a forma de casamento de meu pai com a mãe de Adrian pudesse ser considerada nula pelos tribunais. Eu duvido! Meu próprio pai fez o seu testamento assim, o seu desejo final era que a ilha ficasse com Adrian.
— E que forma de casamento foi essa?
— Eles se casaram segundo os rituais do povo cigano.
— Unidos pelo sangue...
Alba fechou os olhos, encantada, imaginando as chamas das fogueiras, o lenço de seda unindo os pulsos sangrando dos jovens apaixonados. A música alegre deveria ter preenchido a noite e, mais tarde, a noiva cigana e o marido descendente de um dos mais temiveis corsário da Espanha teriam entrado na tenda montada em cima da colina iluminada pelas estrelas, para consumar o casamento...
— E o que aconteceu depois da morte da mãe de Adrian?
— Quem lhe disse que a mãe dele morreu? Diogo perguntou estranhando a pálidez dela.
— Dara, a mãe de Adrian, não conseguiu se acostumar com a vida na ilha, como sabe os ciganos são nômades, e principalmente ficar longe de seu povo e de seus parentes. Ela odiou essas terras assim que desembarcou aqui e desde o princípio deixou claro isso para todos. Minha mãe na época era considerada afilhada do nosso avôs. Depois do nascimento de Adrian Dara acabou voltando para a Espanha, levando-o junto. Meu pai, como era de se esperar, começou a se sentir muito sozinho e, depois de algum tempo, casou-se com minha mãe, que tratou de ficar grávida logo para assegurar o casamento como deve imaginar, mas o destino pregou-lhe uma boa peça, Zandra nasceu e depois eu. De qualquer forma nenhum de nós dois herdaríamos as terras Saramago. Meu pai na verdade, ele nunca conseguiu amá-la, do jeito que amou Dara a cigana espanhola... Sei que minha mãe é uma mulher difícil, mas ninguém pode mudar sua própria natureza, não é? Nossos destinos estão em nossos gens...
— Não nas estrelas? — Murmurou Alba.
— As estrelas estão fora do nosso alcance... Mesmo quando podemos vê-las nos olhos de outra pessoa. Sabe meu irmão Adrian sempre diz isso. Ele carrega a sabedoria cigana!...
1976 Palavras
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