Capítulo Quatro- Daphne
Não havia nada nesse mundo que me preparasse para aquilo. Não havia nada no mundo que se assemelhasse ao ruído que meu coração fazia. Minhas pernas tinham uma leve tremedeira, meu estomago embrulhava e uma leve tontura me tomou.
Meu vizinho tinha os cabelos castanhos pouco acima dos ombros, próximo a nuca e uma barba farta. Os olhos verdes arregalados com a surpresa e a mão nitidamente apertando o corrimão da escada. Ele não ousou dar outro passo, enquanto eu me esforçava a movimentar as pernas. Naquele instante, eu lamentava muito, porém, eu agiria sim como uma covarde.
Eu puxei o ar em meus pulmões e virei, sentindo o peso nas pernas. Dei alguns passos atrapalhados e parei quando ouvi sua voz. Eu pude jurar que meu coração havia feito o mesmo.
— Daphne...
A voz dele estava um pouco diferente. Um pouco grossa, mais madura e inacreditavelmente, ainda era bonita.
Eu fiquei parada, ouvindo seus passos avançar pela escada e pararem atrás mim.
— É você mesma, ou estou vendo coisas?
Eu não respondi. A voz não saía, pois havia um nó impedindo que isso acontecesse.
— Daphne... — ele disse novamente e colocou a mão sobre meu ombro.
Foi aí que eu reagi. Como um mecanismo de defesa, meu corpo se afastou com o toque e eu me virei para vê-lo. Não consegui dizer uma palavra sequer, apenas olhei para seus olhos profundos.
— O que está fazendo aqui? — perguntou com cautela, a expressão ainda de surpresa.
Weston Sancliff estava ali, bem na minha frente e ainda por cima, era meu vizinho. Estava difícil associar tudo aquilo. Então, como algo natural em mim, eu dei as costas e saí correndo, passei pela porta e continuei pela estrada vazia, sem olhar para trás. Algum tempo depois, entrei em casa sem ter o cuidado de fechar a porta. Eu só queria poder respirar, porque os olhos dele ainda faziam com que eu prendesse a respiração.
Eu sabia que ele havia entrado na minha casa, porque inexplicavelmente, eu podia sentir sua presença e eu sabia que eu teria que enfrentá-lo. Me virei e olhei diretamente em seus olhos.
— O que faz aqui? — perguntou novamente.
— Eu moro aqui — respondi tentando fazer minha voz soar calma.
Ele franziu a testa e olhou em volta.
— Desde quando?
— Desde sempre.
Ele assentiu e ficamos parados olhando um para o outro, como se estivéssemos com medo de falar algo errado. Como se só nossas vozes, nos quebrassem.
— Por que você veio morar aqui? É algum tipo de brincadeira? — perguntei.
— Eu não sabia que você morava aqui, se é o que está insinuando. Eu nem sequer sabia sobre você por todos esses anos.
— Não acredito que seja uma coincidência.
— E não é. Pelo que vejo, isso foi um plano do meu pai.
— Não entendo.
— Meu pai havia comprado esta casa há alguns anos. E quando ele morreu, recebi a documentação.
Demorei alguns segundos para falar.
— Steve morreu? — eu perguntei, sentindo as lágrimas formarem em meus olhos.
— Sim.
— Há muito tempo ele não ligava. Tentei falar com ele algumas vezes, mas, ninguém atendia ao telefone. Agora entendo. Sinto muito! — eu enxuguei os olhos.
Ele inclinou a cabeça para o lado, me estudou por um tempo e perguntou:
— Mantinham contato?
— Sim.
— Isso explica muita coisa. Inclusive o fato de ele saber onde você morava. Ele nunca me disse nada.
— Eu nunca o permiti que dissesse algo sobre mim, assim como eu nunca quis saber nada sobre você.
Ele assentiu lentamente.
— Não entendo por qual razão Steve faria isso.
— Também não faço a mínima ideia.
Ele colocou as mãos no bolso e olhou para o chão, um pouco sem jeito.
— Você parece bem.
— Você também — eu retribuí.
Alguns segundos de silêncio tinha o poder de transformar a atmosfera em algo constrangedor.
— Bom, foi bom ver você, apesar de tudo — e como a mão, gesticulou em minha direção.
— Não sei se posso dizer o mesmo — retruquei.
Ele torceu os lábios rapidamente e com um aceno de cabeça, saiu, me deixando com o coração carregado de tristeza. Não que ele já não tivesse feito isso em algum momento de nossas vidas.
Eu estava deitada olhando para o teto. Já passavam das duas da madrugada e o sono não vinha. Todas essas horas foram terrivelmente angustiantes. Meu ex-marido estava há alguns metros da minha casa e isso me incomodava.
Weston estava diferente. Um pouco mais magro, talvez, ainda assim, muito mais bonito do que eu me recordava. Estava usando uma barba, o cabelo um pouco cumprido e definitivamente, aquilo combinava com ele.
— Não posso fazer isso — eu disse em voz alta, ainda olhando para o teto.
E como se eu não me ouvisse, levantei-me e fui até meu closet. Coloquei um enorme casaco em cima da minha camisola, meias e desci, colocando minhas botas que estavam próximas à porta. Lá fora era frio. Eu estava prestes a fazer algo que talvez eu fosse me arrepender e ainda assim, eu faria.
Um fio de luz vinha de sua sala, então, me aproximando um pouco mais, eu bati em sua porta. Alguns segundos depois, eu pude ouvi-lo destravar algumas trancas e seu rosto apareceu entre a brecha da porta. Ele me olhou um pouco confuso e retirou a corrente que nos separava, dando passagem para que eu entrasse.
Eu fiz isso.
Ainda calada, eu me aproximei de sua lareira, onde o fogo estava acesso. As janelas que foram destruídas pela tempestade, agora, estavam fechadas com algumas tábuas. O ambiente estava aquecido, não tanto quanto minha casa, onde havia um aquecedor moderno, mas, perto da lareira havia um calor gostoso e reconfortante.
Weston estava descalço, usava uma calça de moletom um pouco baixa em seus quadris e o abdome a mostra. Havia algumas tatuagens em um dos seus braços e fiquei curiosa sobre o que poderiam ser. Os cabelos estavam bagunçados e por mais que eu tentasse não focar no seu corpo, eu não obtinha sucesso. Agora mais magro, Weston era muito mais definido. Na época em que tudo aconteceu, ele havia emagrecido sim, no entanto, de uma forma doente. O que eu via ali era um homem saudável, que não lembrava nem um pouco o Weston que eu havia abandonado.
Vestiu a camiseta que estava sobre uma poltrona, olhou a forma como eu apertava meu casaco e se retirou sem dizer uma palavra. Ele foi até a cozinha, fez alguns barulhos e retornou com duas xícaras. A fumaça saía de dentro delas e quando ele me estendeu a mão, percebi que Weston havia me dado uma xícara de chocolate quente. Ele apontou para uma poltrona perto da lareira e eu me sentei. Ele fez o mesmo, sentando-se na que ficava em minha frente.
Dei um gole no meu chocolate quente, olhando para a lareira, sem ao menos ter ideia de como começar uma conversa. Eu o olhei e ele ainda nem tinha dado um gole no seu chocolate, apenas me olhava com uma expressão de questionamento.
— Pretende ficar aqui por muito tempo? — perguntei.
— Aqui é minha casa.
Eu concordei.
— Por que veio?
— Não consegui dormir — eu disse.
— Eu também não.
Ele deu seu primeiro gole e afastou o olhar. Sua mão jogou uma mecha de cabelo para trás.
— Eu compreendo que a presença um do outro é algo perturbador. Nenhum de nós imaginava que isso poderia acontecer.
— Sim... — falei um pouco baixo.
— E você deve ter mil perguntas, assim como eu.
— Eu tenho, mas, não sei se quero fazê-las.
— Ainda assim, foi por isso que você veio.
Eu levantei e coloquei a xícara sobre a cornija e fiquei de costas para ele, com minhas mãos na cintura.
— Eu... eu não sei o que dizer sobre tudo isso — fiz um gesto no ar, com a mão. — Todos esses anos eu me mantive longe de qualquer coisa que lembrasse você. Agora, você está bem aqui. Não sei como reagir diante dessa situação.
— Há tanta raiva em sua voz.
— Não é raiva — eu disse olhando para ele. — É algo que nem sei qual nome dar, mas, não é raiva. Rancor, talvez.
Ele respirou fundo e me olhou triste.
— Como posso fazê-la não sentir mais rancor?
— Não pode, Weston. Porque eu sou como boa quantidade de cacos de vidro. Se você tentar colá-los, acredite, não terá sucesso. O rancor sempre estará lá, toda vez que você tentar consertar.
— Eu quebrei você.
— E eu fiz o mesmo. Talvez, eu também sinta isso por mim mesma.
Ele não disse nada. Olhei para o fogo na lareira queimando a lenha e respirei fundo.
— O que você fez durante esses anos?
Continuei de costas esperando sua resposta.
— Eu... — ele parou por alguns segundos — eu fui morar com meu pai.
— Por quanto tempo?
— Desde o divórcio, até sua morte. Claro, neste período eu estive em algumas clínicas de reabilitação.
— Você ainda...
— Não! — ele me cortou. — Já faz quase dois anos.
Eu soltei o ar como se eu estivesse segurando, esperando ansiosamente por aquela resposta.
— Eu fico feliz por você.
Ele fez um movimento com a cabeça.
— Creio que foi difícil.
— Muito.
Eu dei um fraco sorriso e me sentei novamente.
— Você ainda trabalha em alguma galeria? — questionou.
— Não como antes. Eu crio algumas telas.
— Que bom — ele sorriu. — Você sempre foi talentosa com isso.
— Obrigada. Eu realmente faço o que gosto.
— Eu vejo.
— E você está com alguém?
A pergunta saiu um pouco desesperada, eu sabia. Era totalmente desnecessária, já que nada que fosse relacionado a ele nesse sentido, me interessava — pensava eu.
— Eu tive alguém, mas não foi nada sério. E você?
— Eu tenho alguém... Quer dizer, a gente sai de vez em quando — respondi pensando em Nate.
— Isso é bom — falou um pouco tenso.
— Você... — dissemos ao mesmo tempo.
Weston pediu que eu falasse primeiro, mas eu recusei.
— Daphne, eu sei que tudo entre a gente acabou de uma maneira dolorosa, no entanto, não tenho a intenção de atrapalhar sua vida. Eu não fazia ideia de que você morava aqui e tenho uma suspeita de que meu pai queria que nos encontrássemos. Não me pergunte o motivo. Eu apenas quero deixar claro que eu não irei procurá-la, se esse é seu medo e se depender de mim, ninguém saberá o que houve entre a gente. Pode ficar tranquila quanto a isso.
— Eu apenas não quero reviver o passado.
— Tem medo de que eu seja seu vizinho drogado?
— Eu não disse isso.
— Não dessa forma.
Talvez Weston estivesse certo. Ver Weston fazendo todas aquelas coisas faria com que eu revivesse cada minuto do passado e o passado era algo que eu vinha tentando deixar esquecido, por todos esses anos. E infelizmente, a imagem de Weston na minha frente fazia com que elas vazassem de onde as guardei.
— Eu não quero ser rude, mas sua presença me assusta.
— Eu estou envelhecendo e tenho estado tão cansado de tantas coisas. Eu tenho vários cortes dentro de mim, Daphne. Eu sou uma ferida andante, que dói sempre que alguém toca e estou cansado disso. Eu não quero remoer o passado com você, porque vai doer em nós dóis, então, acredite quando eu digo para ficar tranquila.
Eu senti um aperto em meu coração quando eu ouvi a forma que ele descreveu sua dor.
— Eu não mantenho muitas amizades por aqui. Apenas os Carlson. Eles são ótimos vizinhos e eu ficaria grata se eles não soubessem de nada.
Weston concordou.
— Eu preciso ir.
Me levantei e ele fez o mesmo. O olhei por mais alguns segundo e dei as costas.
— Daphne...
Sempre que ele dizia meu nome, meu coração mudava o ritmo. Eu o olhei e ele parou tão perto, me fitando com seus lindos olhos.
— Estou feliz que esteja bem.
— Eu digo o mesmo sobre você.
Os segundos passavam e Weston parecia enfrentar uma luta interna. Eu sei, porque era dessa forma comigo.
— Adeus, Daphne!
— Adeus! — e dizer aquela palavra doeu tanto quanto o dia em que deixei meu lar.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro