Capítulo XXXIII
O mar era bem mais silencioso do que eu imaginava. Depois de um dia inteiro observando as gaivotas voando em busca de peixes, senti Aland sentar ao meu lado depois de estabilizar o timão.
— Conversa comigo, Qhana. Não consigo imaginar que você era tão quieta antes de Dazzo.
— Como você imagina que eu era? — brinquei com os meus próprios dedos.
— Alegre, divertida, cheia de esperança. Sei que nos conhecemos há apenas duas semanas e isso é pouco, mas eu não acredito que você andava parecendo uma princesa devastada.
— Você não está fazendo com que eu me sinta melhor.
— Eu estou tentando fazer com que você queira se sentir melhor. — ele segurou a minha mão e a beijou.
Bom, pelo menos agora eu não podia dizer que ele nunca tinha feito isso comigo, mesmo que o significado do gesto agora fosse diferente. Não era nenhum tipo de flerte. Ele estava tentando me confortar.
— Me dói profundamente vê-la se afogar em tanto sofrimento sem que eu possa fazer nada para aliviar essa dor.
Seus olhos estavam em um tom de roxo mais vibrante e estudavam o meu rosto. As palavras dele entraram em mim, como um bálsamo que eu sabia que precisava. Era bom estar com ele. Eu me sentia bem, e ele me dava espaço. Eu nunca pensei que precisava tanto de um amigo como ele até agora.
— Você tem razão. Eu acho que já me afoguei o suficiente. — sorri um pouco, com vontade, pela primeira vez. Uma lágrima veio junto, mas Aland não parecia se importar. — Preciso aprender a nadar.
— Posso te jogar no mar?
— Foi metafórico.
— Não sei o que essa palavra significa.
— Não foi no sentido real. — o empurrei de lado com os ombros. Ele fez o mesmo de volta.
— Bom, então eu te jogo e te salvo de novo, já que você não quer aprender a nadar no sentido mezafórico. Eu sou um ótimo nadador.
— Metafórico! — o corriji, me permitindo sorrir mais um pouco. — Você nada e voa, já entendi que nada pode te deter, grande Aland.
— Eu nem sabia que era capaz de voar, Bella. Acredite, foi tão assustador para mim como foi para você.
— Você não me contou essa parte.
— Se te contasse, você teria se desesperado e iria derrubar nós dois.
Era verdade. Eu seria, provavelmente, dejeto de cobra nadadora no momento.
— Eu nunca te perguntei, como você se sente com tudo isso.
— Apesar de ser metade dragão, eu ainda sou homem, Qhana. Falar sobre sentimentos não é o meu ponto forte.
— Eu sei, mas é que deve ser estranho ter... escamas e não se queimar.
— Não é apenas estranho por fora. — ele me olhou, soltando os ombros. — Há uma parte em mim, interna, que ainda é um pouco... animal. Eu escuto mais, sinto mais... tato, olfato, tudo fica mais aguçado.
Ele fechou os olhos, enquanto o vento bagunçava o seu cabelo.
— Posso escutar, de olhos fechados, a batida do seu coração e a sua respiração. Sei quando está nervosa, quando está triste, com medo, e bom, eu queria escutar um pouco de como seria quando você está feliz.
Me senti um pouco... invadida. Como assim ele escutava o meu coração? Senti as minhas mãos suarem.
Ele abriu os olhos e sorriu.
— Bom, no momento você está nervosa.
— Não acho que seja correto escutar o coração dos outros.
— Eu não escuto porque quero. Apenas...acontece. Assim como foi com as asas. Em um momento de desespero, eu só pensei em tirar você daquela água e elas apareceram. É instintivo. Não espero que entenda. Sei que deve ser um pouco repulsivo para você.
— Repulsivo? Aland, eu nunca me senti assim.
— Atrativo não é. Você sempre se afasta quando eu fico perto de você.
— Não é isso, é só que...
A culpa me atingiu. Como eu ia explicar a ele que eu não conseguia afastar a sensação de que estava traindo Harry toda vez que ele se aproximava? Era justamente o contrário.
Ele não era repulsivo, e eu não o via como um dragão. Se fosse, eu estaria bem mais tranquila. Ele era um homem. E uma dama nunca se sentiria totalmente livre e à vontade ao lado de um homem bonito.
— Eu entendo, Bella, não precisa se explicar. — ele se afastou, depois da minha longa divagação em silêncio. Me levantei a tempo de segurá-lo pelo braço.
— Acredite em mim, não é o que está pensando. Eu vejo você, e não me importo se você escuta mais, pega fogo ou voa. Imagino que a sua capacidade de escutar a minha respiração e os meus batimentos podem te fazer saber se estou mentindo. Estou dando permissão agora, então pode conferir.
O peito de Aland subiu e desceu, em uma respiração pesada. Os olhos dele mergulharam nos meus, e eu soube que ele realmente estava escutando o que quer que fosse que os meus sentidos revelassem sobre mim.
Quando terminou, ele pareceu mais aliviado, e baixou o olhar para a minha mão em seu braço enrijecido. Senti meu rosto queimar de vergonha.
— Qhana...
— Lá está. — o interrompi, soltando a mão. A terra de Irina já estava à frente, assim como os diversos cargueiros que conferiam o carregamento e controlavam a rota de navegação. — Chegamos.
***
O barco foi ancorado e, quando nós descemos, os homens armados disseram que demoraria até que a inspeção de segurança fosse feita e o documento de autorização saísse para que continuássemos seguindo caminho na parte do
mar que eles reivindicaram.
Sim, as leis de Irina eram ridículas a esse ponto. Eles se autodeclaram donos da parte do mar que ligava Irina à Vermênia.
— O futuro Rei está na cidade. — um dos homens gritou ao outro, enquanto passava um carregamento de caixas.
Estremeci. Arthur realmente estava aqui.
— O de cara branca e cabelo grande? Não acredito que a nossa Princesa se rendeu a esse lambido de Dazzo. — ele cuspiu. — Odeio esse reino.
— De onde vocês vieram? — o homem da inspeção parou na nossa frente, com um papel e pena na mão. Todos os outros pararam para ouvir nossa resposta.
— Áquiles. — Aland respondeu. Todos sorriram.
— Ah, ótimo reino. Queríamos nós ser governados pela Princesa Ella.
— Bela mulher. — os outros suspiraram.
— Escuta, vocês terão que esperar os outros navios serem liberados para seguirem com o seu. A sua dama pode querer esperar enquanto dá uma volta na cidade. Aproveita e compra alguns acessórios de ouro, ela parece estar precisando. — ela me olhou torto de cima a baixo.
Desde quando eu tinha ficado tão lastimável? Qualquer um antigamente não negaria ao dizer que eu era a mais bela princesa dos oito reinos!
— Iremos dar uma volta e retornamos, então. — Aland me empurrou pelas costas, me instruindo a andar.
— Você ouviu o que ele disse?
Ele baixou os lábios ao meu ouvido.
— Ouvi, Qhana, estou sentindo a sua raiva. Se acalme.
— Eu não quero me acalmar!
— Duas pulseiras de ouro por apenas dez mil moedas iranas! — um anão gritou, carregando uma grande quantidade de jóias presas em um pano grande que ele segurava ao lado do corpo.
Quando entrei mais na cidade, vi que não era apenas ele. Eu nunca tinha visto uma rua com tantas mercadorias caras em toda a minha vida. O chão era tão limpo que eu tinha certeza que podia me sentar ali sem sujar o vestido. Todos gritavam ao mesmo tempo:
— Sapatos de couro...
— Bolsas de marca...
— Pingentes de diamante...
— Anéis de compromisso...
— Anéis sem compromisso...
— Chapéus para você, moça, não ficar feia com sardas...
Parei, com a boca aberta, diante do anão dos chapéus. Eu tinha sardas, e elas eram bonitas!
As mulheres passavam de braços dados com os maridos, com roupas tão luxuosas que eu comecei a pensar que Beaumont era um beco sem moda e sem classe. Eu nunca pensei que viajaria tanto ao ponto de conhecer as divergências de cada reino.
Depois de andar pelas ruas e sorrir de uma piada que Aland tinha contado, uma fortaleza de vigia com guardas me chamou atenção. Um homem loiro estava na sacada, conversando com outro de cabelo preto que estava de costas. Por algum motivo, eu não consegui parar de olhar para os dois.
Uma sensação de agonia me percorreu quando apertei os olhos e vi o loiro sorrir. Era Arthur, mas essa não foi a pior constatação. Aland encarava, preocupado, a minha expressão de horror. Horror porque eu estava vendo um fantasma.Um fantasma ao lado do meu pior pesadelo.
O homem ao lado de Arthur era Harry.
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