Capítulo XVII
Quando a tatuagem brilhou por poucos segundos, cogitei a possibilidade de eu estar vendo coisas. Não fazia sentido sermos o casal escolhido por Dara e Damon. Harry não me amava. Ele ainda possuía sentimentos profundos por Jenny dos quais nunca iria esquecer.
Não havia espaço para mim. Além do mais, ele não acreditava em tatuagem ou em lenda alguma. Então, tentei não pensar sobre ela.
Assim, passei boas horas acordada, sentindo a cama fria pela falta dele.
Peguei a agulha e linha e bordei um cachecol preto, desistindo de lutar com a preocupação insípida em meu coração de que ele também sentisse frio durante as noites.
Harry não estava em casa, no dia seguinte, quando eu parti. Percebi que seria mais fácil assim. Sem despedidas. Tudo que eu tinha era duas cartas apoiadas por um canivete. A primeira era a anulação do casamento, que tinha Jacob como testemunha. A segunda era composta por apenas doze palavras.
Leve o canivete e o mantenha escondido caso precise.
Se cuide, Bella.
As lágrimas desceram sem a minha permissão. Eu deveria estar preparada para isso. Para sair daqui. Foi tudo o que pensei durante semanas e, agora, eu não podia deixar de pensar que me sentia como uma planta sendo arrancada à força do jardim.
Coloquei o cachecol e o anel de casamento na mesa, e decidi manter amarrada a fita ao pulso. Não consegui me livrar dela, mesmo sem saber o que as palavras significavam. Me despedi das minhas flores, da minha árvore e da cabana. Eu nunca pensei que fosse sentir falta de um lugar tão simples como aquele.
Enxuguei meu rosto com as costas das mãos e tentei me recuperar. Eu me casaria novamente, e amaria o meu marido. Encontraria o amor do qual sonhava e moraria em um belo Palácio ou uma bela casa, com servos que nunca mais me deixariam limpar nada e uma banheira que não se comparava a um balde.
Coloquei Harry — o coelho — em uma gaiola e entrei na carruagem.
— Para onde, milady?
— Beaumont! — respondi, firme, tentando encontrar de volta o caminho que eu parecia ter perdido. Havia sido uma curva na estrada. Uma curva longa da qual eu passaria a vida tentando esquecer. — Quanto fica?
— Já estou pago, milady. A estrada é longa. Terá que pegar uma embarcação em Dazzo e outra em Áquiles para conseguir chegar ao seu destino.
— Tudo bem. Poderia, só, parar em um local antes?
— Certamente. Estou à vossa disposição.
Abracei Tiana, ignorando os clientes barbudos que gritavam para que eu parasse de atrapalhar a chegada da cerveja. Eu também iria sentir falta dela. Tinha ganhado uma amiga. A única amiga que já tive na vida, que não fosse as minhas irmãs.
— Aqui, o dinheiro para a sua viagem. — ela me estendeu um saco grande de moedas.
— Por que está me dando todo esse dinheiro?
— Foram da venda dos seus vestidos, os que você fez a mais além dos que doou para as meninas.
Olhei, desconfiada, para o saco.
— Tem certeza que eu ganhei isso tudo?
Tiana gaguejou, evitando me olhar, quando um grande chapéu cor de rosa entrou em minha frente.
— Com licença, onde posso encontrar a cabana do Duque Harry August? — reconheci a voz fina e me virei, surpresa ao ver a Princesa Poppy.
Seu cabelo loiro estava preso em um penteado elegante e seu vestido azul celeste era de uma seda tão delicada que eu me imaginei com um igual. Ela retirou o chapéu rosa claro bordado com rendas e envolto em um laço branco, e
me olhou, parando de sorrir.
— Olá, como vai? — ela acenou com a cabeça, com uma educação forçada.
— Bem. — forcei a educação de volta, sem me dar ao trabalho de devolver a pergunta.
— Fica depois da rua de pedras, entrando na floresta e seguindo pelo norte, mas creio que ele não esteja lá, no momento. — Tiana respondeu. — Quer que eu o avise que passou por aqui?
— Não será preciso, nós marcamos de nos encontrar. Esperarei na modista. Muito obrigada. — ele sorriu, saindo sem se dar ao trabalho de se despedir.
— Bella, tenho certeza que não é nada demais. — Tiana me olhou, solidária.
— Não somos mais casados, não é mais da minha conta com quem ele se encontra. — disse, sentindo um gosto amargo na boca.
Se ainda me restava alguma dúvida sobre ir embora, agora, não existia mais. Deixei o ciúme me consumir. Talvez o problema não fosse as memórias de Jenny. Talvez ele só preferisse outra esposa que não fosse a mim.
O cocheiro apareceu na taverna pedindo que eu me apressasse se ainda quisesse chegar ao porto na manhã seguinte. Peguei o dinheiro, sem ter mais tempo para questionar, e me despedi de Tiana e Jacob.
A estrada foi mais longa do que eu pensava. Quando o sol se pôs e a escuridão chegou, meus olhos pesaram. Harry — o coelho — dormia profundamente em meu colo. A carruagem, então, deu um solavanco. Consegui pegar o meu bichinho a tempo, antes que ele se machucasse, e o coloquei de volta na gaiola.
— Perdão, milady, a estrada de Dazzo está péssima. — o cocheiro gritou. Abri a pequena cortina da carruagem, vendo que caía uma chuva forte.
— Já estamos em Dazzo?
Ele não me respondeu. A carruagem parou e foi aberta abruptamente em seguida. Dois homens grandes de armadura me puxaram para fora e me seguraram pelos braços. Tentei perguntar o que estava acontecendo, mas eles fingiram não me ouvir. Um homem grande em um cavalo parou em minha frente, parecendo não se importar com a tempestade que descia.
Ele desceu do corcel, com as botas longas pisando forte na poça de água. Seu cabelo loiro era longo, alcançando o peitoral, e ele era maior e mais forte que Harry. Uma máscara dourada ocupava metade do seu rosto. Tentei dar um passo para trás, com medo, mas os guardas me seguraram. O homem, que imaginei ser o líder deles, se aproximou e deu uma risada.
— Não acredito. Princesa Arabella?
O Príncipe Arthur me analisou, de cima a baixo, enquanto sorria. Eu demorei para reconhecê-lo em meio àquela trovoada. O cabelo dele tinha crescido desde o último baile em que o vi, quando ele dançou com Violetta, e não havia máscara.
Seus homens me soltaram e o cocheiro, que estava sendo ameaçado com uma espada na garganta, foi ordenado a me levar em segurança até o Palácio de Dazzo.
— Não posso deixar uma dama sozinha em uma estrada tão perigosa como essa. — foi o que ele disse, antes de entrar na carruagem comigo.
Arthur pediu perdão pela péssima recepção e me assegurou que me levaria ao porto, no dia seguinte, quando o tempo melhorasse. Ele não parecia ser o tipo de homem que aceita um não como resposta, e o canivete que Harry me deu não era capaz de me ajudar a fugir de sete homens gigantes.
Não demorou para chegar ao Palácio, que parecia mais uma fortaleza. Os muros de pedra eram tão altos que eu não conseguia sequer enxergar onde terminavam. Tudo estava coberto de neblina, e o castelo dele era escuro, com cortinas pretas.
Senti um calafrio, me lembrando do que minha mãe e Harry tinham dito sobre ele. No entanto, ele havia sido educado e gentil, desde então.
— Gostaria de trocar as roupas molhadas, minha cara Princesa? Minhas criadas irão ajudá-la para que possa se juntar a mim em um jantar de forma mais confortável.
— Agradeço a gentileza, obrigada. — assenti, enquanto uma serva me guiava pela rampa.
Orei mentalmente, grata pela falta de escadas.
Ela possuía um corpo franzino, cabelos escuros e dentes tortos. Parecia nova demais para trabalhar. Três lacaios carregavam as minhas malas que tinham sido retiradas da carruagem.
— Aqui está o quarto de hóspedes, Alteza. — ela disse, sempre olhando para o chão.
— Muito obrigada. Qual é seu nome?
— Eu não tenho nome, Alteza. — ela se curvou. — Me perdoe por não poder respondê-la. Pode me chamar como quiser. Deseja que eu a ajude a retirar o vestido?
— Não é preciso.
— Chamarei outra serva de que goste mais, então, Vossa Alteza.
— Não, não é isso. — a olhei, sentindo um aperto no peito ao ver que ela parecia estar com medo de mim. — Desejo apenas me trocar sozinha.
Ela me olhou, assustada, e fez uma reverência.
Como ela não tinha nome? Era órfã? Por que tinha tanto medo nos olhos?
Me troquei, colocando um dos vestidos mais simples que havia costurado da mala, e saí do quarto, vendo um guarda enorme de cabelos ruivos e barba longa parado na frente. Engoli uma saliva, e segui outra serva idosa, que disse que me acompanharia até a sala de jantar.
O Príncipe me esperava, com uma taça de vinho na mão. Ele se levantou, quando eu entrei, e se curvou.
Não havia mais ninguém na imensa mesa de 32 lugares.
— É uma honra tê-la em meu reino, Princesa Arabella, mesmo que tenha sido em circunstâncias atenuantes como esta torrencial chuva. Queira se sentar. — ele estendeu a mão à outra extremidade da mesa, e o lacaio puxou a cadeira.
— É muita gentileza sua me abrigar até que o tempo melhore. — sorri, começando a sentir medo de estar ali. Não havia um único som além do vinho que era derramado sob a minha taça.
— Soube que se casou! Onde está o seu marido? — ele perguntou, de forma direta, enquanto a máscara dourada reluzia junto com os garfos de ouro.
Engoli em seco, sentindo minhas mãos suarem frio.
— O casamento foi anulado.
— Oh, eu sinto muito. O que aconteceu?
— Não éramos compatíveis. — respondi, percebendo como a frase soava mentirosa. Eu não queria pensar nele.
O cordeiro foi servido em meu prato, com um molho vermelho escuro em cima. Parecia sangue.
— Não entendo como um homem possa deixá-la escapar. — ele me olhou, como se eu fosse uma presa. — Como fará, então, para assumir o trono de Beaumont sem um marido?
— Creio que os boatos também tenham chegado até aqui. Não há de ser um problema. A minha irmã e o meu cunhado já voltaram, foi apenas um mal entendido.
— Deve estar com uma certa falta de informação, minha querida. A Rainha Cecília e Rei Apolo não voltaram. O Conselho dos Oito Reinos me enviaram uma carta hoje para decidir o que será feito.
Senti meus membros congelarem.
— O que disse?
— Posso mostrá-la agora mesmo. Sohan, por favor, traga a correspondência que chegou pela manhã. — ele pediu ao que parecia ser o seu guarda pessoal. O homem se curvou e saiu. — Não irá comer?
Olhei para o prato, sentindo o embrulho no estômago. Peguei uma azeitona,
que parecia livre do molho, e levei à boca. Ele sorriu, satisfeito.
A carta chegou. Abri o papel e li, incrédula ao encarar o selo real dado por Irina. Não estava no tempo ainda. Era a forma que a Rainha Keisha havia encontrado de atacar a imagem de Beaumont.
Pelos reinos, o que farei?
— Parece preocupada. — Arthur disse, me lançando um olhar solidário.
— Nada que não possa ser resolvido. — o lancei um sorriso falso. Todo o meu mundo parou. Pensei instantaneamente em mandar uma carta para Harry. Éramos amigos, e ele disse que me ajudaria, mas agora não adiantaria mais, já que a anulação do casamento já estava feita.
Arthur se levantou e andou até a minha direção, se ajoelhando em minha frente.
Estremeci.
— Parece estar com medo de mim, Arabella. É por causa da máscara? Sei que parece repugnante...
— Não, eu não pensaria em algo assim. — o interrompi, me sentindo mal no mesmo instante. A máscara provavelmente escondia uma cicatriz, e eu, mais do que ninguém, sabia como era se sentir assim.
— Sou sozinho, e sei que o meu Palácio parece assustador durante a noite, mas gostaria de pedir que passeasse comigo durante a manhã. Podemos conversar melhor e nos conhecer, com mais calma. Eu realmente gostaria de te perguntar algo importante. Deixarei o coche preparado para que vá embora durante a tarde. O que acha?
— Tudo bem. — assenti. Parecia o mais educado a se fazer.
— Não gostou da comida, não é? Peça o que quiser, o Palácio é seu. — ele sorriu, olhando para o meu prato intacto.
— Estou apenas cansada.
Ele assentiu e estendeu a mão, para que eu me levantasse. Gentilmente, ele me levou até o quarto e beijou os meus dedos sob a luva.
— Até amanhã, linda princesa. Tenha bons sonhos.
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