Capítulo XLI
Gritei por Harry até sentir a minha garganta doer. Em todas elas, a minha voz era engolida pela escuridão dura e fria, dissipando-se sem deixar vestígios. Meu coração batia descompassadamente, cada pulsar ecoava no vazio que me cercava. Eu estava perdida e sufocada, como se estivesse caindo em um abismo insaciável.
Tudo passou quando meus pés tocaram no que parecia ser grama, e a luz apareceu, em uma mudança de cenário tão discrepante que me fez piscar repetidamente.
Uma música linda e alegre tocava ao fundo, parecendo ser tocada por um piano perfeito. O céu estava limpo, coberto por poucas nuvens brancas que decoravam o azul aconchegante. Percebi que não sentia mais frio. Estava fresco, com um leve cheiro de orvalho da manhã.
Parecia um Jardim dos Sonhos.
Segui um som de risadas, e encontrei três mulheres sentadas em um piquenique. Consegui reconhecer o Palácio ao fundo. Era Beaumont. Era, exatamente, Beaumont. A minha casa.
Uma das mulheres retirou o chapéu e me encontrou com o olhar, os cabelos ruivos soltos se destacando no ambiente. Ela sorriu e se levantou, e instantaneamente, dispensando a realidade, eu me joguei em seu abraço.
— Mãe!
— Minha Arabella, por onde esteve? — ela afagou a minha cabeça, como fazia quando eu era pequena, e me aconchegou em seus braços. Era a pele dela, o cheiro dela de lavanda com rosas.
— Ah mãe, tanta coisa aconteceu! Há tanto que eu preciso te contar.
— Bella sempre fala demais. — era a voz de Violetta. Me virei para encontrá-la, vendo ela sorrindo ao lado de Cecília.
— Conte depois, venha comer, tem muita coisa aqui e eu estou de dieta. — Ceci ajeitou o laço do chapéu no queixo de forma elegante.
Sem pestanejar, eu me sentei.
Mamãe segurou em minha mão.
— Então filha, me conte, o que você ia me dizer.
— Pretendem mesmo comer tudo isso sem mim? — a voz grossa e cheia de ternura que eu nunca mais pensei que fosse escutar apareceu atrás de mim.
Meu coração palpitou. Era o meu pai. Era, mesmo, o meu pai.
A reação de me levantar e me jogar em seus braços foi tão rápida que ele gargalhou.
— Essa é nova, está me preferindo? Você sempre anda na barra da saia da sua mãe.
— O papai é meu Bella, pode largar! — Ceci gritou, e imediatamente todos começaram a falar ao mesmo tempo.
Parecia um sonho. Um sonho que, eu sabia, já tinha sido realidade. Quanto mais eu tentava me lembrar como tinha ido parar ali, mais as lembranças me puxavam, como se fossem duras e acabassem com a felicidade. Então, voltei a focar na minha família.
Era uma das minhas memórias preferidas, As que eu guardava no fundo do coração, quando eu me sentia completamente feliz, e tudo daria certo. Me pareceu uma linda possibilidade. Ficar ali, onde meu pai estava.
Onde a minha mãe não estava se sentindo sozinha. Onde Cecília nunca tinha perdido nenhum bebê, nem Violetta tinha vendido o próprio coração e sofrido nas mãos de uma feiticeira. Onde eu não tinha me casado, e estava segura, com a minha família.
Casamento. Eu tinha me casado. Algo em minha mente tentou me puxar para trás novamente. Interrompi a conversa e segurei no braço de mamãe.
— Mãe, onde está Harry?
Uma linha de bordado tinha aparecido em minha mão, e sem perceber, comecei a bordar.
— Harry? — mamãe cerrou os olhos por causa do sol. — Aquele garoto que você brincava quando era criança? Ora filha, ele deve estar no reino dele, por que se preocupa? Não precisará casar tão cedo, apenas quando quiser, todos os homens mais bonitos estão disponíveis, nem suas irmãs se casaram ainda.
Engoli uma saliva. Aquilo parecia estranho. Eu estava me esquecendo de alguma coisa. Harry... tinha algo sobre Harry... algo importante. Por que eu estava pensando no garoto que me atormentava na infância? Na última vez eu chutei as canelas dele.
— Que pergunta estranha, Bella. — Vi arqueou as sobrancelhas. Mamãe comeu um pão e me estendeu uma cesta de frutas.
— Toma filha, coma uma maçã, está precisando comer algo.
Encarei a linda cesta de frutas, e senti meu estômago roncar. Eu estava mesmo com fome, e elas estavam tão bonitas e brilhantes que peguei uma na mão até perceber a pulseira estranha em meu pulso e uma marca esquisita gravada, como uma pintura.
O que era aquilo?
— Coma logo porque temos um baile para organizar. — Cecília me repreendeu.
Levei a maçã à boca, até perceber que eu deveria me lembrar de onde aquela pulseira e a marca vieram. Uma voz, então, surgiu como uma lembrança boa.
Um amor que não se pode morrer, lembra?
Deixei a maçã cair no chão.
Harry. Eu precisava encontrar Harry. Estávamos procurando o Cristal, e ele desapareceu pela porta. Aqui não era real. Nada disso era real, e por mais tentador que fosse, eu não podia mais ficar aqui.
Comecei a ver o meu próprio corpo do lado de fora, como se eu estivesse assistindo a mim mesma sentada ali, assistindo a minha própria memória. Eu sorri, e comi a maçã.
Eu era uma menina. Uma menina coberta de sonhos e de ilusões, trancada segura em minha casa. Parecia um paraíso, e era o que eu queria. Tudo perfeito. Uma realidade sem sofrimento e sem situações perigosas, mas faltava algo.
Percebi que o sofrimento sempre vinha acompanhado do amor. Cecília gerou uma vida, e sofreu porque o amou. Apolo trouxe amor a vida dela, assim como Christian transformou Violetta. O sofrimento fazia parte da melhor coisa da vida delas, assim como fazia parte da minha.
O nosso pai morreu tentando nos salvar. Me casar com Harry foi como uma avalanche, que me arrastou e me trouxe até um porto seguro, que eu descobri que ficava dentro dos braços dele depois de quase morrer estando fora.
Fora, eu conheci Aland em meio a uma enorme carga de sofrimento, e o despertei de uma maldição que o levou a ser um líder de uma nação para acabar com a escravidão. Agora, milhões de vidas poderiam ser salvas.
Se eu ficasse aqui no meu mundo perfeito, jamais sofreria, mas também, jamais
saberia o que é amar. Tudo era escrito por meio de lágrimas e sorrisos, e tudo apontava para um amor maior que não era capaz de ser explicado ou entendido.
Fechei os olhos, me despedindo com lágrimas da voz de papai, e da presença da minha família. Foi doloroso, mas assim como todas as outras dores, eu sabia que essa era necessária. Eu não podia ficar em um sonho, e esquecer de viver.
Quando abri, o ar estava coberto por uma atmosfera brilhante, refletida em paredes cristalinas, e diversas esferas transparentes flutuantes giravam ao redor da sala etérea, como bolhas de água.
Senti o chão macio sob os meus pés descalços, como se eu estivesse pisando em algodão, e percebi que a minha roupa havia mudado para um vestido branco e leve.
Tentei me aproximar das esferas, percebendo que cada uma retratava algum momento da minha vida, em idades distintas. Em uma delas, eu engatinhava até a minha mãe. Na outra, eu me casava com Harry. Quando tentei olhar a terceira, um barulho de rochas se quebrando preencheu o ambiente.
Um grande Cristal, então, subiu do chão e se formou no centro da sala, tão belo e brilhante que fez a sala inteira refletir luz. Comecei a tremer, com medo do que fazer, até que ele se moveu.
Como pétalas de flor, o Cristal se abriu em cinco partes e uma enorme criatura com forma de coruja apareceu, com grandes olhos cristalinos. Suas plumas eram brancas como neve, suaves e etéreas, e quando ela abriu os olhos em minha direção, eu estremeci.
— Ah, há quanto tempo eu não sou despertada! Forte Arabella, eu estava esperando por você.
Forte. Esse, definitivamente, nunca foi um adjetivo que usaram para me descrever.
— Me esperando? Como sabia que eu viria?
— O destino traçado não pode ser mudado. Você poderia chegar aqui de diversas formas, mas sozinha ou acompanhada, chegaria. Fico feliz que tenha sido acompanhada.
— Onde está Harry?
— Ele está bem, andando também segundo o próprio destino. Não se preocupe agora. Vocês morreriam um pelo outro, ambos sabem isso, dentro do coração. É raro encontrar um amor assim. Tolo, mas raro. — a coruja abriu as grandes asas. Atemorizada e sem saber como me portar, me encolhi e abaixei a cabeça.
— Não se curve, só há um único ser superior que deve ser adorado, eu sou apenas um ser criado que concede um desejo.
— Perdoe-me, não sabia como agir, Celeste.
— Meu nome não é celeste, sou uma criatura celeste. Meu nome não importa, pois quem sou não é importante, o que vale é quem você é.
— Como assim, quem eu sou? — dei um passo à frente, confusa.
— Não há nada mais importante, deve se conhecer.
— Todos que passaram por aqui souberam te responder?
— Muitos foram os que passaram, poucos os que conseguiram. Muitos morreram, poucos encontraram a vida. — ela bradou ainda de forma enigmática, com uma voz tão bela que parecia angelical. — Sua mãe fora uma delas.
— Minha mãe? — a encarei, coberta de surpresa.
— Eu disse que ela passou, não que conseguiu. Não era o destino dela. Era o seu. Ambas são muito parecidas. Um dos pégasos que a trouxe era dela, por isso você sentiu a conexão e a vontade de proteção.
— Como? Como isso é possível? A minha mãe não era da Vermênia.
— Há muitas formas de me encontrar, em muitas lendas. — a coruja fez um barulho noturno. — Agora me diga, quem é você?
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