Capítulo XXVI
Entro no quarto de tio Oliver e sinto meu coração se partir ao vê-lo deitado sob a cama com um semblante dolorido e a camisa coberta de sangue. Arabella pressionava seu peito tentando conter o sangramento com uma gaze, e minha família toda suspirou ao me ver entrando ao lado de Violetta.
— Ah filha, que bom que está bem. — mamãe me abraçou forte e começou a tocar em mim procurando qualquer sinal de ferimento.
— Ela está bem, o soldado Carter a levou para um dos esconderijos no fundo do palácio que papai criara para emergências. — Violetta explica e papai leva a mão a testa.
— Irei dar um cargo maior a esse rapaz, já perdi as contas de quantas vezes ele salvou a vida de Cecília.
— Que-rida. — diz tio Oliver com a voz fraca. Ando rápido até a cama e seguro em sua mão, olhando para o rosto preocupado de Bella.
— Tio Oli, o que aconteceu? Onde está o médico?
— Está chegando, Ceci. — responde Arabella.
— Não se preocupa minha sobrinha, fo-foi apenas de raspão. O importante é que você está bem. — ele aperta a minha mão e sorri com dificuldade. Olho preocupada para os meus pais e os vejo respirar fundo.
— Precisamos aumentar as muralhas do castelo. O que aconteceu hoje foi inadmissível. — diz papai, saindo a passos pesados do quarto e deixando um silêncio total no quarto.
Ninguém sabia o que fazer, ou o que dizer. Todos começaram a entender, naquele momento, a gravidade da situação em que estávamos passando. A minha família estava, pela primeira vez, verdadeiramente com medo. Até Violetta, que sempre fora a mais durona, não conseguia dizer uma única palavra.
O médico chegou e começou a cuidar rapidamente de tio Oliver, contando com a ajuda de Bella, que parecia ser completamente imune a visualizar sangue e feridas abertas. Todos saíram do quarto, deixando meu tio descansar.
Andei pelo caminho de volta até meu quarto sentindo um enorme nó formado em minha garganta conforme via os guardas cuidando dos corpos dos criados que morreram, e segurei a mão de mamãe, Violetta e Arabella. De alguma forma, sabíamos que aquele gesto nos daria forças, e por isso, passamos o resto da noite juntas.
Rainha Anna passou o resto da noite acariciando o cabelo das três filhas, enquanto os olhos das três iam se fechando cansados, lentamente. Eu sabia disso porque eu era uma delas, e naquele momento, nunca me senti tão grata por ter uma mãe tão forte e firme.
Meu coração se partia ao pensar em todos os criados que haviam morrido brutalmente, e a última imagem que veio em minha mente antes de ter a consciência levada pelo sono, foi os olhos suplicantes de Margot, que eu não pude salvar.
Acordo sentindo um cotovelo bater em minha face e escutando um grito de alguém caindo da cama. Eu devia ter aprendido desde que criança que dormir com as minhas irmãs nunca fora a experiência mais confortável do mundo.
Me levantei com o corpo dolorido, e acabei dispensando as minhas criadas do serviço do dia. Depois do ocorrido de ontem, sabia que todos precisavam de um descanso. Tio Oliver estava se recuperando bem, mas todos ainda estavam abalados.
Quando voltei ao meu quarto tive a sensação de estar sendo seguida. Virei meu rosto na esperança de encontrar Apolo e soltei um ar frustrado ao ver Niklaus me encarando com a mesma expressão de sempre de poucos amigos.
Fechei a porta tentando ter um pouco de privacidade e senti um aperto no peito ao ver um bilhete em cima de minha escrivaninha. Quando me aproximei, percebi que havia uma rosa branca por cima dela. Sorri ao perceber que pela primeira vez em muito tempo, não era um bilhete de morte.
"Encontre-me nos estábulos quando o sol se pôr. Vou esperar por você, minha princesa."
Traduzo a frase e levo o pequeno papel amassado ao peito. Era dele. Havia sido real. Toco em meus lábios me lembrando do que acontecera na noite anterior e sinto meu coração ansioso me causar arrepios. Nós realmente iríamos nos encontrar, não havia sido um sonho.
Tomo um banho demorado sorrindo de orelha a orelha e coloco um vestido bonito, de rendas turquesas. Não acreditava que agora possuíamos um código secreto. Havia começado a amar o fato de que quase ninguém conhecia a língua de russo.
Quando desci, tomei o meu desjejum com minha família e passei boa parte do dia ajudando papai a reparar os danos do palácio. Contratamos mais uma boa parte de servos vindos do vilarejo para consertar as partes do castelo que haviam sido destruídas, bem como ferreiros para fornecer armas mais firmes e construtores para reforçar as muralhas do castelo.
Quando o sol já estava começando a se pôr, crio uma desculpa a meu pai e desço rápido as escadas ansiosa para encontrar Apolo. Uma mão em meu ombro me assusta e me interrompe antes que eu estivesse na metade do caminho.
— Ceci? Aonde está indo quase correndo dessa forma? — era Violetta. Me viro frustrada ao vê-la me encarando de sobrancelha erguida, e tento pensar rapidamente.
— Cavalgar. — solto nervosa e percebo o quanto a mentira fora ruim quando minha irmã se pôs a rir.
— Péssima desculpa, irmãzinha. Todos sabem que odeias andar a cavalo.
— Mas...
— Olha, não me interessas o que ia fazer. Ao contrário de você e Arabella, não perco tempo de minha vida tentando investigar os afazeres de minhas irmãs. Só vim te pedir um favor.
— Violetta Beaumont me pedindo um favor? Estás com febre? — toco na testa dela e recebo um tapa no braço.
— Não comece.
— Como espera que eu lhe faça um favor me dando um tapa? Terá que se esforçar mais, Vi. — cruzo meus braços e a olho sorrindo.
— Eu só queria que você pedisse a papai para que fizesse algum tipo de homenagem aos servos que morreram no ataque. Não é justo a vida deles terem ido embora como se não tivessem valido nada. — ela olha para baixo e eu sinto um aperto no peito, que veio junto com um enorme sentimento de culpa.
Mais uma vez, reconsiderei se Violetta não deveria estar em meu lugar.
— Eu... nem sei o que dizer. É uma ideia maravilhosa, você mesma deveria falar com papai. Ele ficaria orgulhoso.
— Prefiro que você diga, ele sempre a escuta mais. — ela respira fundo e se vira, começando a sair. — Era apenas isso, obrigada Ceci.
— Vi... — tento a chamar mas já era tarde. Ela já havia ido embora.
Mexo em meus próprios dedos me lembrando da face de Margot antes de morrer, e percebo que fiquei tempo demais repassando tal cena quando olho ao meu redor e percebo que estava começando a escurecer.
Meu encontro com Apolo.
Estranho o fato de Niklaus não ter aparecido em meio ao meu erro de ter me prolongado demais parada após a saída de Violetta, e entro rápido no estábulo. Não havia ninguém, além dos belos cavalos. Eu havia chegado tarde? Ele já havia ido embora?
Suspiro triste e me viro para sair, até que sinto uma mão me puxar para dentro do quartinho dos fundos. Uma boca encontra a minha, e eu me recupero do susto sentindo o gosto dos lábios do homem que eu amava.
— Pensei que não viria. — ele diz tocando meu rosto quando nos separamos do beijo.
— Me perdoe por ter demorado, Vi me parou no caminho. — respiro fundo e admiro cada traço de sua face. Como eu parecia estar morrendo de saudades dele mesmo sentindo seu corpo colado ao meu?
— Niklaus a seguiu?
— Não. Na verdade, ele tem se saído um péssimo guarda. Não tem realmente nenhuma chance do meu antigo voltar ao posto? — envolvo meus braços em seu pescoço e o vejo sorrir de lado.
— Não mais, minha princesa. Seu pai me encontrou mais cedo e me deu um cargo maior. Está olhando agora para o novo líder da guarda real do castelo.
— Que ótima notícia! — sorrio e o beijo de novo, sentindo seus braços me envolverem.
— Com certeza. Com o salário que irei ganhar, poderei colocar minha mãe e meus irmãos em uma casa maior. Além disso, pegarei mais turnos de trabalho e começarei a guardar dinheiro para comprar algumas terras e um anel que seja pelo menos digno para poder lhe dar...
— Apolo pare. — toco em seus lábios o interrompendo. — Como assim trabalhar mais? Os únicos horários que possui livre são os de desjejum e os de dormir.
— Não preciso dormir tantas horas assim...
— 5 horas de sono são muitas horas? — o olho em choque.
— Tecnicamente, já sacrifiquei um pouco dessas horas quando treinei uma certa princesa.
— Como? — abro a boca surpresa. — Eu...eu não sabia...
— Ei, eu não me arrependo. Estou fazendo isso por nós. — sua mão entra em meu cabelo e eu apoio minha testa na dele. — Eu amo você. Todo o esforço que eu tiver de fazer, eu farei.
— Me prometa pelo menos que irá tomar cuidado. Tenho medo de que em algum momento acabe se machucando...
— Eu prometo, minha Cecília. — ele segura a minha mão e a beija, me causando um arrepio mesmo por dentro da luva. — Entretanto lamento informa-la que passarei alguns dias fora. Descobri uma boa pista acerca da localização dos invasores, e estou partindo a cavalo ao anoitecer com mais alguns guardas.
— O quê? Como assim? — pergunto sentindo um aperto no peito.
— Se lembra da carta que recebeste quando foi envenenada?
— Sim.
— Então, eu tenho investigado a tal erva que lhe causou o sono profundo e descobri que a mesma só nasce em uma região específica de Beaumont, ao leste, quase perto da fronteira com o reino de Allis. Parece que é uma espécie de planta rara que algumas feiticeiras usavam em algumas lendas antigas. O local certamente não deve possuir muitos moradores, por isso, será fácil encontrar mais pistas sobre a pessoa responsável pelas ameaças contra você.
— Eu quero ir junto.
— Decerto irei fingir que não escutei tal coisa. — ele sorri sem humor e dá um passo para trás.
— Apolo, eu estou falando sério. Quero ir. Não posso ficar aqui parada enquanto você sai para Deus sabe onde procurar um assassino ou uma assassina que possuiu um exército suficiente para invadir o castelo.
— Cecília não! Você não irá, e ponto final. Não irei começar uma briga com você por isso.
— Mas eu não quero brigar! — dou um passo para frente e toco em seu braço, aproximando nossos corpos novamente. — Só... não quero ficar longe de você. E se algo acontecer...
— Não irá. — ele solta os ombros e me abraça, dando um beijo no topo de minha cabeça. — Eu irei acabar com esse pesadelo, minha princesa. Não posso permitir que alguém ameace você e continue respirando.
— Volte para mim. — o beijo e sinto ele retribuir com intensidade. — O mais rápido que puder.
— Eu tenho algo para te dar. — ele retira algo do bolso, e coloca em meu dedo. Sinto meus olhos se encherem de lágrimas quando percebo que era um anel de palha. — Sei que não possui valor algum, mas quero que guarde como uma prova de nosso compromisso. Prometo que a darei algo melhor quando voltar e conseguir o dinheiro que falta.
Eu não precisei responder. Selei nossos lábios novamente com o coração apertado, sabendo que eu não importava o que acontecesse, nada seria capaz de mudar o que eu sentia por Apolo Reid Carter, e orando mentalmente para que ele voltasse o mais rápido possível, inteiro para mim.
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