Capítulo XXIX
As moedas foram suficientes. Quando entrei na hospedaria, conheci uma realidade que era, em níveis extremos, bem divergente do luxo que eu possuía no castelo. As tábuas rangiam, a comida era semelhante a uma lavagem de porcos, a cama era quase tão rígida quanto o chão e a banheira parecia não ser limpa desde que fora comprada.
Nunca pensei que passaria por tal situação em toda a minha vida. Talvez Violetta sempre tivera razão, eu realmente cresci com privilégios demais e poderia ser considerada um pouco fresca. Respire, Cecília! Seja simples. Não há como piorar.
— Senhora, poderia me informar onde se encontra o vaso para necessidades básicas? — pergunto parando a senhora corcunda dona do local ainda tentando modificar a voz, e a vejo me olhar de cima a baixo.
— Tem um buraco logo ali. — ela aponta o dedo para o buraco nojento em que saía baratas, e eu sinto a ânsia de vômito surgir. A mesma sorri mostrando os poucos dentes que tinha, e retira uma coxa de galinha do bolso, arrancando um pedaço na boca. — Aceita?
— Não, obrigado, estou satisfeito com a refeição servida mais cedo. — minto e seguro na porta no quarto. Eu precisava sair deste lugar.
— Que tipo de homem fresco é você? É estrangeiro? — ela franze os olhos tentando se aproximar, e eu desço a capa tentando esconder ao máximo meu rosto.
— Basicamente. Tenha uma boa noite.
— Ei... — ela tenta dizer e eu fecho a porta em sua face.
Olho ao meu redor e solto os ombros. Em toda a minha vida, eu nunca imaginei que estaria passando por tal situação, mas de alguma forma, eu sentia que estava no local onde eu deveria estar. Me deito retirando a parte grossa da armadura, e observo o teto fitando uma estrela que era visível devido ao buraco no teto. Senti uma lágrima descer, e a limpei pensando se tudo isso valeria a pena.
Eu não estava louca, estava? Minhas irmãs não poderiam estar certas. Eu estava lutando pelo homem que eu amava. Ele faria o mesmo por mim. Ele se arriscou em meio a isso tudo por minha causa. Era minha culpa. Ele precisava estar bem. Aperto os olhos e de alguma forma, peço a aquela estrela para que eu o encontrasse.
Esteja vivo, Apolo... esteja vivo para mim.
Acordo sentindo meu corpo inteiramente dolorido. Me lembraria de valorizar mais a minha cama, meus sais de banho, e principalmente, as minhas criadas. Arrumo as minhas coisas buscando coragem suficiente para ir a tal cabana de pedra, e abro a porta velha do quarto escutando um barulho de conversa no andar de baixo.
— Princesa desaparecida? Ora essa meu senhor, pensas mesmo que se a tal princesa metida fugisse do palácio e do conforto real dela, ela se hospedaria logo aqui? — era a voz da velha da coxa de frango. Sinto meu coração se acelerar ao perceber que todos já haviam dado a minha falta, e aperto os olhos torcendo para que o guarda fosse embora.
— São ordens do rei. Devemos entrar em todas as casas e vasculhar cada canto de Beaumont. Agora saia! — reconheço a voz grossa de Niklaus, e ouço os passos de botas pesadas subindo as escadas. Fecho a porta às pressas e olho desesperada para a janela. Era muito alto, eu não conseguiria pular.
Começo a escutar as portas dos outros quartos serem arrombadas e os gritos dos outros hóspedes gerando brigas. Eles não podiam me achar. Eu não iria embora, não agora! Não sem encontrar uma pista que seja sobre Apolo.
Ando de um lado para o outro sentindo minhas mãos suarem, e paro diante a um espelho quebrado. Eu não era Cecília. Meu disfarce, era isso! Meu disfarce me salvaria. Eu só precisava descer de cabeça baixa e sair daqui sem ser reconhecida.
Abro a porta engolindo uma saliva, e tento fazer a melhor postura masculina que conseguia. Os inquilinos ainda gritavam alto com os guardas reclamando da invasão, e usei isso a meu favor. Passei ao lado deles. Uma mão puxou meu braço. Cada parte de meu corpo ficou completamente petrificada.
— Ei, aonde pensas que vai? Esse uniforme é da guarda do palácio! É um dos nossos?
— Sim, estou com outro grupo. Adiantarei o serviço e irei para a próxima casa. — digo sem me virar.
O desespero que eu sentia era tão grande que pensei se eu não o teria transparecido através de minha voz. Os poucos segundos de silêncio que se passaram me fizeram pensar que sim, e que tudo estaria jogado fora. Ele iria me pegar. Eu voltaria ao castelo e tudo estava perdido.
— Certo! O encontraremos lá. — sua mão me solta e eu abro o olhos, completamente incrédula. Saio depressa antes que o meu alívio fosse por água a baixo, e me misturo em meio a população do lado de fora.
O sol que encontrei ao chegar à rua me surpreendeu, mas não mais do que observar uma quantidade ainda maior de soldados por todos os lados. Eu estava cercada. Avisto um vendedor de cavalos atrás da barraca de peixes e me aproximo tateando as moedas que me restaram. Quis chorar ao encontrar somente duas.
— Quanto cobras pela égua mais barata? — pergunto e me assusto ao perceber que o homem era enorme. O mesmo possuía braços coberto por cicatrizes e uma barba grande e desgrenhada.
— Cinco pratas. — ele responde grosso, amarrando a rédea de dos animais no tronco com força.
— Eu tenho duas... — estendo me sentindo ridícula, e ouço ele soltar uma risada que me fez estremecer.
— Então desapareça daqui.
— Eu acho que você ainda não entendeu. — reúno todo o resquício de coragem que tinha, e aperto a bainha da adaga. Ouço um relinchar e vejo meu cavalo ali, escondido por trás de outros dois. Ele era o ladrão. — Eu preciso de um cavalo, e eu irei levá-lo por duas pratas.
— Eu acho que você ainda não entendeu. — o homem retira uma faca grande que estava enfiada em uma base de madeira, e aponta em minha direção, cuspindo no chão logo em seguida. — Se não tiver cinco pratas, não irá levar animal algum!
— Esses animais são roubados. — o desafio e vejo sua expressão vacilar. — Sabe que há pena de morte para roubo em Beaumont. Se não me der aquele cavalo agora, tenha certeza de que amanhã terá sua cabeça na forca.
— Sua voz. — ele dá um passo para frente e eu recuo, sentindo meu coração bater freneticamente. — É fina. Parece... de mulher. — seus olhos encontram os meus e eu vi que era tarde demais. Sua boca se abriu.
Ele me reconheceu.
Não tive mais tempo para me esconder. Quando ele virou o rosto e começou a gritar a palavra "Guardas" para avisar sobre mim, eu usei a manobra que Apolo havia me ensinado derrubando a faca de sua mão, e enfiei uma adaga em seu estômago com toda a força que eu podia.
O homem gritou de dor e mesmo caído ao chão, conseguiu puxar a minha capa e empurrar meu corpo contra a parede. Senti minha testa arder e me levantei o mais rápido que podia. Cortei as cordas com outra adaga e subi em meu cavalo, saindo dali e deixando para trás um vilarejo pelo qual eu sabia que jamais gostaria de voltar novamente.
Cavalguei até sentir meu corpo exausto novamente. Eu ainda estava fraca e com fome. Nada me entristeceu mais ao perceber que o saco de suprimentos e de dinheiro que estava amarrado ao meu cavalo não estava mais lá. Óbvio que não estaria lá, Cecília.
Conforme o vilarejo ficava para trás e eu entrava novamente em outra floresta um pouco menos densa do que a que ficava em volta do palácio, eu comecei a cogitar por mais quanto tempo eu ainda aguentaria.
Senti algo descer pela minha cabeça e toquei, encontrando um pouco de sangue. Tentei não me desesperar ainda mais ao perceber que estava machucada, e quando olhei novamente para as minhas mãos pensando em desistir encontrei o anel de palha que Apolo havia me dado.
"Sei que não possui valor algum, mas quero que guarde como uma prova de nosso compromisso." Sua voz soou em minha mente me fazendo soltar uma lágrima. A forma como ele me olhou quando disse aquela frase, e como nos beijamos logo em seguida me deu forças para continuar. Nosso amor era real, eu sabia disso. Não iria desistir dele.
Sou arrancada de minhas lembranças quando vejo uma fumaça sair de uma parte da floresta. Pressionei minhas pernas contra o cavalo e mesmo ainda sentindo um pouco de medo disso, o animal começou a correr naquela direção.
Segurei firme as rédeas com medo de cair e esqueci todo e qualquer receio quando cheguei ao local e observei a cabana de pedra. O nome não era apenas fantasioso. A base da construção era em pedra, e todo o local parecia estar pegando fogo por dentro.
Desci do cavalo sentindo meu coração se apertar por algum motivo que não entendia, e me aproximei do que parecia ser uma janela. A visão que encontrei fez meus batimentos se acelerarem.
Havia uma pessoa presa a cordas em uma cadeira no meio da cabana enquanto os objetos de madeira queimavam ao fogo, pouco a pouco. Era um homem desacordado. O fogo começou a alcança-lo, e eu gritei.
O homem era Apolo.
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