Capítulo XXIV
Meu cabelo espalhava-se sob meu rosto com o forte vento que entrava da janela de meu quarto. O barulho estava tão alto que parecia que redemoinhos se formavam lá fora. Me levanto de minha cama e fecho a cortina, sentindo os pelos de meu braço se arrepiarem. Eu estava com uma sensação muito ruim, como se algo terrível fosse acontecer a qualquer instante.
Algo em meu quarto se move, e eu sinto meu coração congelar. Havia alguém aqui. No desespero, retiro a adaga de dentro de meu vestido e levanto o braço, pronta para me defender. O ruído aumentou e eu andei a passos lentos até a porta do banheiro. O barulho lá de dentro ficava cada vez mais alto, como se objetos estivessem sendo lançados ao chão.
Minhas mãos suaram e a minha garganta ficou seca. Quando coloquei a mão na maçaneta, a porta se abriu com força e uma pessoa saiu de dentro dela, enfiando uma espada em meu coração. A dor me esmagou por inteiro, como se eu estivesse sendo partida ao meio. Quando olho para a pessoa que me enfiou a espada, solto uma lágrima ao encarar o rosto de Apolo.
Me levanto da cama em um impulso, sentindo minha respiração voltar aos poucos. Toco em meu coração esperando encontrar sangue, e fecho os olhos em alívio ao perceber que havia sido mais um pesadelo. O mesmo pesadelo constante de todas as noites a oito dias.
Oito dias em que meu coração doía verdadeiramente, sem precisar ser atravessado fisicamente por uma espada. Oito dias em que eu não via o guarda pelo qual eu estava perdidamente apaixonada.
Eu confirmei tal sentimento no exato momento em que ele me disse adeus. Desde que ele trocou de posto por algum em que eu não o encontrasse no palácio, meu novo guarda havia assumido seu lugar. O nome dele era Klaus. Traus. Nicolaus. Eu ainda não havia aprendido, porque ele mal olhava em minha direção. As árvores se moviam mais.
Eu estava quebrada. Não apenas por ter descoberto que os meus únicos beijos haviam sido do mesmo homem, o que significava que eu me apaixonara duas vezes pela mesma pessoa, mas por ter sido completamente rejeitada e esquecida. Eu sempre soube desde o início que não deveria me apaixonar. Papai sempre esteve certo quando disse que corações servem para nos enganar e mudar o foco do que realmente queremos.
Eu agi como uma jovem tola, e dei corda a sentimentos que não deveriam ter surgido. O pior de tudo, era que nem o que eu realmente queria estava a meu fácil alcance.
Não sabia se viveria para ser rainha.
Na noite em que Apolo foi embora, eu voltei ao meu quarto e encontrei um novo bilhete.
Eu não consegui chorar.
Com tudo que estava acontecendo ao meu redor, a única reação que tive foi engolir o nó que se formou em minha garganta, rasgar o bilhete e andar de cabeça erguida como se nada tivesse acontecido. Independente de quantos golpes a vida me daria, eu iria continuar e lutar até o meu último suspiro se assim fosse necessário, pois fora assim que papai me ensinou.
— Valente como um leão, forte como um dragão! — diz meu pai, ajeitando o brasão de leão com labaredas de fogo ao redor, sob a colina de Beaumont na parede do escritório real.
— O senhor não cansa de repetir isso sempre que pode. — sorrio em sua direção, parando ao seu lado.
— Todo rei deve ter orgulho de seu legado, minha querida, irá aprender isso com o tempo. Lembro-me como hoje do dia de minha coroação. Sabe que segundo as tradições, todo rei deve escolher a frase que será a marca de seu reinado e seu novo brasão. É sempre a marca de uma nova era. Já pensou qual será o seu, filha? — ele segura em meu ombro e me olha com carinho. Sinto meu peito se apertar.
— Ainda não, papai.
— Terá tempo para isso. Antes, arrumaremos os preparativos de seu casamento. Creio que sua mãe já tem tudo pronto em mente. — ele se senta em sua grande poltrona.
— Certamente. Ela ama organizar festas. — concordo sentando-me ao seu lado e deitando a cabeça sob seu ombro, sentindo ele passar o braço sob mim. — Saudades de quando o mundo não parecia estar despencando sobre as nossas cabeças.
— Está falando sobre o seu casamento ou sobre os ataques no castelo?
— Tudo papai. Era tão mais fácil quando...
— Quando era pequena? — ele completa e solta uma risada. — Ah filha, as dificuldades sempre estiveram conosco, você apenas via tudo com outros olhos. Sabe, eu já lhe contei de quanto seu avô morreu?
— Não, o senhor nunca gostou de falar muito sobre isso. — confesso e sinto ele acariciar a minha cabeça.
— E não gosto. Foi muito difícil não ter mais o meu maior exemplo vivo para dar os conselhos que eu precisava. Arabella ainda não havia nascido, você e Violetta ainda eram tão pequenas, mas ainda assim eu conseguia sorrir quando vocês sorriam. Eu sempre cantava aquela música...
— Em dias de escuridão, ouça o seu coração. Tudo se vai, menos o amor do papai. — canto tentando me lembrar da melodia e ouço a minha risada se misturar com a dele.
— Sua mãe odiava essa letra, dizia que eu não era criativo e que deixaria vocês mimadas. — ele dá um beijo em minha cabeça e segura a minha mão. — Tudo irá ficar bem filha, sempre se agarre as coisas boas para enfrentar as más. Sabe, eu não vou viver para sempre...
— Vamos encerrar essa conversa. — impeço uma lágrima que quase desceu e me levanto, tentando não pensar no assunto. — O senhor tem razão, tudo ficará bem.
— Você irá conseguir filha, não é como se fosse extinguir Beaumont como Vladimir fez com o reino de Russo. — ele tenta fazer uma piada, e eu o olho surpresa ao ouvir meu pai falar sobre isso.
— Vladimir?
— Sim, foi o último rei. O que se suicidou e desistiu do povo em meio a guerra antes mesmo de lutar.
— O senhor nunca me contou sobre isso.
— Não achava que era interessante a você, querida. Porque o interesse? Está realmente pensando em acabar com Beaumont? — ele levanta uma sobrancelha em tom de ironia.
— Não papai, fique tranquilo quanto a isso. — sorrio de volta. — Só fiquei curiosa. Isso foi a um século, o que aconteceu com a família? Ele teve filhos?
— Ah teve sim, vários. Vladimir Reid foi o rei com o maior...
— Espera papai. — o interrompo sentindo meu coração se acelerar. — O senhor disse Reid?
— Sim, era o sobrenome dele. Porque esta cara assustada?
Reid. Apolo. Apolo Reid Carter. Não, não era possível. A língua, o sotaque... o beijo. Ele não apenas conhecia a língua, ele era... descendente da realeza? Minha cabeça parecia querer explodir com a informação conforme as peças se encaixavam, e atônita, apenas me virei e saí do gabinete real.
— Nada demais. Obrigada pela conversa papai, preciso ir.
Procurei Apolo inutilmente pelo palácio. Eu não o encontraria, porque ele não queria ser encontrado. Sinto-me ridícula por estar o procurando mais uma vez e desisto me sentando no banco que ficava na lateral do castelo, engolindo todas as minhas dúvidas.
Eu iria esquecê-lo, estava completamente decidida a fazer isso. Arrancaria Apolo de meu coração e de meus pensamentos com todas as minhas forças.
Eu havia conseguido despistar Nicolai ou seja lá qual fosse o nome de meu nome guarda depois de várias voltas cansativas e sabia que não teria muitos minutos até ele aparecer, então eu simplesmente me permitir respirar pelo pouco tempo que tinha.
O céu estava relativamente bonito naquela manhã. As camadas de neve já começavam a derreter pelos jardins do palácio e o barulho de alguns pássaros podia ser ouvido de onde eu estava. Fecho os olhos sentindo o ar encher meus pulmões, e os abro no susto ao escutar um barulho estridente de gritos.
Meu coração se acelera antes de compreender
verdadeiramente o que estava acontecendo, e um choque se instala em mim quando vejo dois corpos cobertos de sangue caíram em meu campo de visão atravessados por espadas.
O castelo estava sendo atacado.
Me levanto sem fôlego ao encontrar os olhos de um assassino com o rosto coberto por um capuz preto, e seguro a adaga que eu carregava lentamente atrás de minhas mãos. Meu sangue pulsava por entre minhas veias, e antes que eu pudesse me dar conta de como o homem correu rápido em minha direção com a espada, eu desviei do golpe e enfiei a adaga em sua costela.
Nunca pensei que a sensação de matar alguém fosse tão esmagadora. Não percebi que estava chorando até observar uma lágrima cair junto ao corpo do homem ao chão.
Minha mão estava coberta de sangue. Os gritos continuavam distantes. Levanto o olhar tentando respirar novamente e encontro a última pessoa que eu esperava ver quando todas as minhas esperanças já haviam ruído.
Apolo.
Ele olhou para as minhas mãos, depois para o corpo do assassino ao chão, e apenas correu em minha direção me envolvendo em um abraço. Sentir seus braços ao meu redor quebrou todas as minhas barreiras. Tentei falar, mas minha voz havia desaparecido em meio à confusão de meus sentidos.
Aquele momento não durou. Apolo segurou minha mão e começou a me puxar bruscamente pelos fundos do palácio, desviando de vários corpos de criados que se encontravam mortos ao chão. Tentei não desabar diante do horror que estava a minha frente e continuei andando com as forças que eu achava que tinha.
Meu coração se acelerou quando vi Margot me olhar com os olhos marejados e uma faca apontada sob a garganta. Tentei gritar, mas foi tarde demais. O assassino passou a lâmina por seu pescoço e eu vi seu corpo cair ao chão.
Eu havia desconfiado dela. Havia desconfiado da serva fiel que cuidara tão bem de mim por tantos anos, e agora ela estava morta. Tentei puxar minha mão da de Apolo, e correr inutilmente em sua direção. Ele me segurou firme impedindo que eu me movesse.
Retirei a espada de arremesso do vestido com toda raiva que possuía e lancei sob o assassino que sorria olhando o corpo dela ao chão, como se estivesse orgulhoso. A faca perfurou seu estômago, e ele caiu gritando repetindo diversas vezes a palavra morte.
Apolo me puxou novamente antes que eu o visse fechar os olhos. O olhei com raiva depois de andar por mais vários minutos em meio ao caos e comecei a empurrá-lo tentando fazer com ele que me soltasse.
— Eu tenho que voltar!
— Pare Cecília! — ele diz alto, tentando me prender sob uma parede em um corredor do palácio que eu não conhecia. — Não podemos mais salvá-la. Se voltar, irá morrer!
— Pare você! Eu não abandono as pessoas Apolo, não somos iguais. Me solte! — grito de volta e tento bater em seu peitoral, falhando miseravelmente.
— Você está sem armas, não percebeu isso ainda? — ele aperta meu braço e volta a me puxar. Sinto meu peito doer ao me lembrar que a minha adaga e a minha faca estavam fincadas nos corpos dos dois homens que eu havia acabado de matar.
— Onde estão os meus pais? E as minhas irmãs? — pergunto ainda o odiando por estar sendo puxada como uma marionete.
— Seguros. Todos estão seguros, menos você, como sempre. Pelos reinos! Qual é o seu problema em sempre correr atrás do perigo? — ele me empurra para dentro de uma porta grande de madeira, e entra no local empurrando uma enorme pedra por trás dela.
— Porque você finge agora que se importa? — grito em meio as lágrimas que desciam. — Me deixe sair Apolo! Não tem mais esse direito! Você não é mais o meu guarda, como você mesmo quis.
— Você não vai sair! — ele reage, passando a mão pela cabeça e evitando me olhar enquanto segurava a entrada do túnel. Parto para cima dele e começo a bater inutilmente em seus braços tentando controlar meus sentimentos, que eu havia acabado de descobrir que eram incontroláveis.
— Saia! Você partiu meu coração e me deixou quando eu mais precisei. Eu te odeio Apolo. Não quero ficar presa aqui com você e muito menos quero que me salve! Porque está fazendo isso? PORQUE SIMPLESMENTE NÃO ME DEIXA EM PAZ?
— PORQUE EU TE AMO, CECÍLIA!
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