Capítulo XX
Abro meus olhos com dificuldade observando tudo ao meu redor em quase completa escuridão, exceto pela luz noturna que irradiava da lua pela janela. Eu não sabia por qual motivo a pouca iluminação de meu quarto havia me causando um aperto no coração, mas meu estômago doía, assim como o resto de meu corpo, e a minha garganta estava seca devido ao ar gélido que pairava sob o quarto.
Minha respiração estava pesada, como se eu estivesse despertando de um sono profundo. O quarto cheirava a rosas, o que me fez pensar que talvez, sob a luz, houvessem vários vasos de flores espalhados pelo ambiente. Decido me mexer e só então me dou conta de que uma mão quente segurava a minha. Nossos dedos estavam entrelaçados e o aperto era firme. Meu coração se acelerou ao me dar conta de que era a de Apolo.
— Você acordou! — seus olhos escuros brilhavam mesmo sob a fraca luz, e sua outra mão toca meu rosto fazendo borboletas se agitarem em meu estômago.
— O que aconteceu? — tento me sentar na cama e gemo de dor. Meu corpo parecia extremamente fraco, e por algum motivo, meus olhos quiseram se encher de água.
— Irei chamar seus pais e o médico...
— O quê? Porquê? — aperto firme sua mão o impedindo de ir e encontro seus olhos novamente.
— Eles irão cuidar melhor de você. — ele prendeu a respiração, parecendo estar nervoso.
— Por favor me explique o que está acontecendo. — digo sentindo meu coração se encher de angústia.
Do que ele estava falando? Porque eu precisava de um médico e porque o meu corpo doía? Quando mais eu buscava respostas, minha mente girava de forma torturante.
Apolo não me respondeu. Soltou uma respiração profunda e saiu depressa pela porta de meu quarto. Em poucos minutos, meus pais e minhas irmãs ocuparam o lugar, todos me abraçando com lágrimas nos olhos.
— Ah querida, Deus é maravilhoso, não acredito que acordou... — mamãe chorava copiosamente enquanto me abraçava.
— Como se sente, filha? — papai toca a minha testa e me olha preocupado.
— Eu... eu não sei. Estou um pouco enjoada. Alguém me conta por que vocês estão me olhando como se eu fosse um fantasma? — imploro sentindo uma enorme angústia. Todos estavam me tratando como se eu houvesse morrido e ressuscitado. Não fazia sentido.
— Você foi envenenada, irmã. — diz Violetta, atraindo olhares repreensivos de meus pais.
— O quê? — sorrio achando que era algum tipo de brincadeira. Os olhares de todos, inclusive os de tio Oliver me indicaram que não. Me lembrei tarde demais da carta...a carta perfumada que havia recebido do príncipe Christian.
— Estamos cuidando disso, minha sobrinha. Certamente saiu de alguém aqui do castelo, todos os funcionários estão sendo investigados.
— Como assim funcionários? — olho para tio Oli confusa. Pela primeira vez, ele não sorria.
— Se veio de Várzea...
— Não há como ter sido de lá, filha. — papai me interrompe sério. — Investigamos a substância tóxica que foi posta na carta e a mesma não aguentaria uma viagem tão longa de navio de Várzea para cá. O veneno age por no máximo, três horas. A pessoa responsável por isso certamente estava no castelo e pegou a carta antes de sua mãe a entregar.
— Gente, não acham que é informação demais para Ceci? Ela precisa descansar. — diz Bella, me olhando com pena.
— Descansar? — sorrio sem humor e impulsiono meu corpo com dificuldade para me levantar da cama. — A quanto tempo estou deitada nesta cama? Meu corpo parece que não se move a séculos. A última coisa que quero é descansar.
— Sua irmã tem razão, filha. Depois de todo esse tempo... — mamãe diz e para, como se estivesse se contendo.
— Quanto tempo? — sinto um aperto no peito. — Quanto tempo eu fiquei desacordada?
— Quatro semanas.
— Um mês? — tento me equilibrar no chão e caio, sentindo papai me segurar.
— Nós sempre falávamos com você, irmã. O médico disse que talvez você pudesse escutar. Você se lembra de alguma coisa? — Arabella pergunta. Percorro o olhar por todos e paro no de Apolo, que me olhava profundamente no fundo de meu quarto. Sinto minha cabeça doer. Tudo não passava de um borrão.
— Não. — digo e começo a ter uma sensação estranha no peito. Do que eu deveria me lembrar? Apolo desvia o olhar e abaixa a cabeça. Minha mãe atrai a minha atenção entrando em meu campo de visão.
— Não sabe como ficamos angustiados, filha. Os médicos já haviam perdido as esperanças...
— O baile de inverno... os compromissos, as reuniões... — me lembro de todos os meus deveres passando pela minha cabeça e olho em súplica para meu pai.
— Filha, não pense em nada disso. — ele segura em meu rosto e me olha com carinho. — Nada é mais importante do que a saúde de você e de suas irmãs. Todo o resto não importa. Irei chamar o doutor para lhe examinar...
— Não preciso de exame, estou ótima.
— Soldado Carter, por favor peça para os outros guardas chamarem as servas de Cecília. Ordene que elas providenciem uma sopa e solicite a presença do médico de Allis. Certifique-se que Cecília não saia deste cômodo até que eu tenha a mais absoluta certeza de que ela está bem.
— Perfeitamente, Majestade. — Apolo faz a reverência. Papai e tio Oliver saem conversando preocupados e as minhas irmãs também se afastam, bocejando.
— Vê se não nos apronte mais uma dessa, aspirante a bela adormecida. — Violetta grita do corredor, após ter saído do quarto. Olho para mamãe incrédula e a vejo apertar a minha mão.
— Passarei a noite aqui com você até que esteja melhor, querida.
Nove dias se passaram. Virei refém de minha própria cama, mesmo após ter perdido um mês inteiro de minha vida em um limbo inconsciente causado por um envenenamento. Eu não sabia como havia me recuperado e o que me levou a acordar, mas segundo as minhas irmãs, após todos os médicos e curandeiros da vila terem tentado milhares de tratamentos diferentes, algum devia ter funcionado. Fisicamente, eu já me sentia melhor. Apenas fisicamente.
Papai não conseguiu mais esconder os ataques de minha mãe e de minhas irmãs, e agora, a nossa segurança estava dobrada. Os garotos mais novos que foram forçados a trabalhar no castelo possuíam uma estatura ridícula se comparada a dos outros guardas, mas segundo papai, logo cresceriam e se tornariam grandes guerreiros.
Foi óbvio concluir que rei Joseph não aceitou a minha ideia de recrutar mulheres. Seria mais um escândalo para Beaumont e mais um motivo para incitar nossos inimigos, ele disse. Suas rugas pareceram ter aumentado em seu rosto cansado e ele parecia não dormir a tempos ponderando cancelar a minha coroação.
Eu o entendia. Também não aguentava mais sentir medo. Eu precisava me sentir segura, e talvez ele tivesse razão quanto a única solução que parecia haver. Segurando a sua mão, eu soltei a frase que o meu cérebro concordava e meu coração discordava.
— Adiantaremos meu casamento com Christian.
Os olhos de meu pai se iluminaram e eu engoli o nó que havia se formado em minha garganta. Desde que acordei, a coisa que mais tive em meus tempos ociosos fora pensar nas confusões de meu coração. Isso quando não chorava escondido com medo de meu assassino estar atrás das cortinas.
De alguma forma, no fundo, eu havia concluído que carregava sentimentos por Apolo, bem como eu não conseguia esquecer o homem mascarado, dono de meu primeiro beijo.
Eu sabia que ambos os sentimentos eram irracionais e deveriam ser esquecidos, por isso, enterrando as dúvidas que eu havia tido sobre a tentativa de assassinato ter vindo do próprio príncipe, eu resolvi o dar uma chance.
Christian havia me mandado várias cartas desde então. Li uma por uma sabendo que poderíamos verdadeiramente ser amigos, e bons companheiros um para o outro. Ele possuía um bom senso de humor, e parecia ser sincero. No conteúdo de suas cartas, além de prometer me visitar, ele respondeu a minha corajosa pergunta.
"Querida Cecilia, me encanta saber que a minha futura esposa será sincera. Valorizo isso em uma mulher, e quando digo em uma mulher, me refiro apenas a você.
Posso prometer que são falsos todos os rumores que ouvira, nunca possuí muito tempo para aproveitar este tipo de diversão. Como bem sabe, pessoas que carregam a responsabilidade que nós carregamos não podem se dar ao luxo de se envolverem desenfreadamente. Sempre aguardei a minha esposa, para que assim como você sugeriu, eu também esteja puro para ela"
Eu só queria acabar com todo o sentimento de ansiedade e medo que sufocavam o meu coração. Me casaria daqui seis semanas, no início da primavera, de uma vez por todas.
Meu futuro marido me faria uma visita para trazer a aliança e eu tentaria voltar ao que eu pensava que fosse uma vida normal. Meu povo ficaria bem. Com o casamento, as pessoas das vilas não passariam mais fome e os garotos mais novos recrutados poderiam voltar seguros para casa. Era o certo a se fazer.
— Então o seu príncipe a fará uma visita. — diz Apolo andando atrás de mim pelo jardim, enquanto eu tentava, sem sucesso, continuar a leitura do livro que segurava. Era a primeira vez que me deixaram sair de meu quarto para respirar finalmente um ar puro.
— Sim, ele está tentando vir o mais breve que puder. — digo tentando não olhar para ele. Sinto seu corpo se aproximar do meu, quase andando ao meu lado.
— Que bom.
— Está sendo irônico, soldado Carter? — fecho o livro marcando a página com meus dedos e paro de andar. Eu tentava a todo custo esquecer o calor de sua mão enquanto ele a segurava na noite em que acordei.
— Não. Só estou dizendo que é bom que já está acostumada a ouvir que ele será o seu príncipe. Seu apreço por ele pelo visto aumentou.
— Não foi de seu próprio conselho que eu deveria me casar por amor? — fico de frente para ele e seguro meu cabelo, sentindo um forte vento pairar sobre nós. — Deveras comecei a pensar que possa tentar amá-lo.
— Não penso que deveria se fazer tanto esforço para amar alguém. — ele responde com a cabeça erguida, sem desviar o olhar.
— Como podes afirmar com tanta certeza? — pergunto sentindo minhas mãos suarem.
Ter essas conversas com Apolo me faziam criar hipóteses que certamente não existiam, como alguma em que envolvesse que ele nutria algo por mim, e se sentia incomodado em saber que eu iria me casar. Ele engoliu uma saliva me olhando, e quando seus lábios se entreabriram prontos para formar uma resposta, uma voz que não era a dele nos interrompeu.
— Alteza, vosso príncipe acabou de chegar ao palácio e a aguarda no salão real. — era Margot, carregando um sorriso entusiasmado. Respiro fundo e olho para Apolo, pensando em como, de uma vez por todas, eu tinha que calar meu coração enganoso.
Ele não sentia nada por mim.
— Já irei ao seu encontro.
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