Capítulo XVII
Calando todas as vozes em minha mente que gritavam para que eu respondesse um grande não, eu apoiei minha mão sob a de Apolo, e subi no cavalo com ele. Sentir seu corpo e sua respiração atrás de mim fez minha pele estremecer, mas eu não queria pensar nisso agora.
É para o bem do seu treinamento Cecília, apenas isso. Nada mais que isso. Fecho os olhos engolindo uma saliva, e sinto seus braços envolverem meu corpo enquanto ele segurava as rédeas do cavalo.
— Para onde estamos indo? — pergunto enquanto o cavalo começara a trotar, saindo do estábulo. As mãos de Apolo puxam a touca do enorme casaco que eu usava por cima de meu vestido, e cobrem o meu cabelo.
— Não faça perguntas. Abaixe a cabeça, estamos chegando perto do portão de saída. — ele sussurra em meu ouvido e eu olho para baixo, observando um guarda parado em frente ao portão lateral do castelo. — Boa noite, soldado Denver.
— Soldado Carter. — ouço sua voz o cumprimentar e sinto o olhar do homem sob mim. — Rayana?
— Ela está cansada Denver, muito trabalho hoje. — ele responde e eu abro a boca em choque. Quem era Rayana?
— Certo certo, entendo. Bom descanso para vocês, meu amigo. — ele abre o portão sem mais questionamentos e eu balanço a cabeça, tentando realmente parecer a tal Rayana.
Passamos pelos portões de ferro do palácio e escutamos o enorme estrondo dele se fechar. A floresta estava completamente escura, exceto pelo tapete de neve que começava a se formar pelo chão. Apolo parecia conhecer o caminho de cor, mesmo em meio a escuridão.
Respirei começando a sentir minha garganta doer pelo frio e, antes que eu percebesse, uma pequena cabana apareceu escondida na floresta, coberta por pequenas lamparinas.
Apolo parou o cavalo e desceu, segurando meu corpo e me ajudando a descer logo depois.
O segui guardando minhas perguntas entaladas em minha garganta e entrei no pequeno local que estava, para o meu alívio, aquecido com uma grande lareira feita de pedra.
As paredes da cabana possuíam grandes tábuas de madeira. No teto, era possível ver várias teias de aranha que se erguiam como se o local estivesse abandonado. Quando meus pés tocaram o chão, o piso rangeu e o cheiro de lenha molhada invadiu o ambiente.
Apolo fecha a porta velha atrás de mim e toca meus braços, retirando o meu casaco. Desviei o olhar do dele tentando transparecer normalidade por tantos contatos físicos partindo dele em um único dia, e me aproximo da lareira abraçando meu próprio corpo.
— Quem é Rayana? — solto fixando meu olhar sob as labaredas de fogo.
— Não preciso te responder. — ouço sua voz atrás de mim. Não precisei olhá-lo para saber que ele estava sorrindo.
— Precisa se agora há pouco fez com que eu me passasse por ela. — o encaro com o rosto levantado e o vejo assentir.
— Certo. Rayana era a minha... — ele balança a cabeça e olha para baixo, como se escolhesse as palavras.
— Já entendi. — desvio o olhar e levanto a barra de meu vestido, pegando a adaga. — Vamos começar logo com isso.
— Nós terminamos a algum tempo. — ele completa, como se eu devesse saber. — Ela é a serva de sua irmã, Violetta.
— Não precisa...
— Por isso passei tanto tempo perto de sua irmã. — ele dá um passo em minha frente e me olha nos olhos. — Eu e Violetta nos tornamos amigos, nunca passou disso.
— Porque está me contando isso?
— Porque não quero que pense que a relação que tenho com sua irmã nem de perto se pareça com a que tenho com você.
— E qual é a que nós temos? — engulo uma saliva e sinto meu coração se acelerar.
— Bom, certamente de desapreço. — ele sorri retirando uma espada da bainha e parte para cima de mim, em um ataque que eu consigo desviar.
— Certamente. — confesso me aproximando com a adaga e tento acertar a sua costela. Ele segura meu braço e toma facilmente a arma de minha mão.
— É errado se aproximar aos poucos do seu inimigo com a adaga tão visível. — ele segura meus dedos e coloca a arma de novo entre ele. Dessa vez não era a adaga, parecia uma lâmina mais fina. Mesmo com a luva, seu toque me causou outro calafrio na barriga. — Se estiver de longe, lance uma faca de arremesso e mire na garganta.
— Nossa. — solto sentindo uma voz profunda dentro de mim que me fez perceber o quão cruel isso havia soado.
— Não pense demais, princesa. — ele me encara sério e eu assinto, segurando mais firme a faca. Apolo se afasta e pega uma viga de madeira, colocando a uma certa distância de onde eu estava. — Vamos, arremesse.
— Como? Eu simplesmente jogo? — digo engolindo uma saliva.
— Não. — ele me olha com obviedade. — Tenha um foco, tente ser o mais precisa que puder.
— Certo. — digo e lanço a faca. A distância em que ela foi parar da viga de madeira era ridícula. Não tinha nem chegado perto. Apolo respira fundo, e aperta as têmporas.
— De novo.
Peguei a faca do chão e tentei novamente. E novamente. E novamente. Na décima tentativa, ela bateu na madeira, mas não perfurou. Apolo pegou a faca e posicionou seu corpo atrás de mim. Uma de suas mãos foi parar em minha cintura e a outra se apoiou por cima da mão em que eu segurava a faca. Todo e qualquer resquício de respiração normal que eu tinha havia acabado de ir embora.
— Foco, princesa. Confie em si mesma, olhe para a lâmina e para o alvo. Vire o corpo de lado. — ele puxa a minha cintura e eu sinto o local queimar. Deus, o que estava acontecendo comigo? — Entendeu?
— Aham. — digo e deixo minha mão ser guiada pela dele. Minhas mãos impulsionam a faca um pouco para trás e a faca é lançada com força, ficando perfeitamente presa na madeira. Apolo retira as mãos de mim e sai. Consegui voltar a respirar.
— Continue treinando. — ele diz, pega uma garrafa de bebida que havia em um armário velho e se senta no chão perto da lareira.
— E o que você vai fazer? Ficar sentado me olhando treinar? — pergunto incrédula e ele sorri de lado.
— É exatamente o que pretendo fazer.
— És ridículo. — digo colocando a faca na mesa e ficando em pé em frente a lareira. — Não irei bancar a sua distração da noite, soldado Carter. Posso continuar os treinos sozinha. Já lhe provei que sei me virar.
— Ah, e quando foi isso exatamente? Na parte em que você não acertou a minha costela com a adaga?
— Não era a intenção. Eu não o machucaria.
— Bom, agora eu estou realmente surpreso. — ele deixa a garrafa de lado e fixa os olhos aos meus.
— Eu não o desprezo, Apolo. — confesso, desviando o olhar. — Porque me trouxe aqui?
— Não sei. — ele sussurra.
Tortuosos minutos de silêncio se passam.
— Essa cabana é sua? — falo tentando acabar com o momento estranho.
— Sim. — ele pega a garrafa e bebe mais um gole. — Construí quando vim trabalhar no castelo.
— Porquê? — indago curiosa. Os aposentos destinados aos guardas no palácio eram bem melhores do que esse lugar.
— Gosto de ficar sozinho.
— Pela resposta do guarda sob a Rayana, aparentemente você não é solitário assim.
— Ciúmes, princesa Cecília? — ele imita o meu tom de voz do dia em que disse isso a ele e sorri, se divertindo com a situação.
— Teriam que me matar se algum dia eu sentisse algo do tipo por ti.
— Então, pela primeira vez na vida, espero que você viva. — ele me olha e, como se fosse uma cena impossível entre nós dois, sorrimos juntos.
— Não vai me oferecer? — pergunto apontando para a garrafa. Apolo arqueia as sobrancelhas e me olha curioso.
— É um pouco forte para uma princesa.
— Você tem a hospitalidade de um ogro, soldado Carter.
— Esperava que eu tivesse bolinhos e chá?
— Esperava que agisse como um cavalheiro.
— Não sou um príncipe, alteza.
— Certamente não é. — cruzo os braços, e troco o peso de um pé para o outro. Detestava meus sapatos apertados.
— Não quer se sentar? — ele aponta para o chão. Não acredito que ele estava falando sério.
— E sujar meu belo vestido nesse chão sujo?
— És mesmo muito fresca. Nunca seria uma guerreira. — ele diz e eu abro a boca em completo choque. Me sento no chão ao seu lado evitando pensar em como meu lindo vestido branco bordado com flores douradas ficaria, e franzo os olhos em sua direção.
— Eu seria uma ótima guerreira, para a vossa informação.
— Que bom então que não há muitas. A segurança do reino estaria perdida.
— Você é um... — paro de falar, e sinto uma lâmpada se acender em minha mente. Era isso. Como eu nunca havia pensado nisso? Sorrio largamente olhando para Apolo, que me encara de olhos arregalados.
— Deveras devo confessar que és assustadora sorrindo.
— Você não consegue nem por um segundo tentar ser menos desagradável? — paro de sorrir e solto os ombros.
— Perdão. — ele me olha parecendo ser sincero. — O que estava pensando?
— Guerreiras. — confesso sentindo a ideia reluzir em meu coração. — Seria uma ótima ideia, Apolo. É a solução que meu pai cobrara de mim a tanto tempo para a falta de guardas. Garotos de 14 anos não devem ser obrigados a lutar.
— Achei que o decreto havia partido de ti. — ele levanta a cabeça e me olha de forma diferente.
— Não, mas foi culpa minha. — digo envergonhada. — Se eu não fosse tão covarde e incapacidade de ter pensado logo em outra solução, talvez aqueles guardas não tivessem morrido e...
— Pare. — Apolo coloca a mão sob a minha me interrompido. O olho surpresa pela sua atitude. — Não foi culpa sua. São poucos os governantes que se importam dessa forma com o povo e com seus guardas. Você será uma rainha perfeita Cecília, não conheço ninguém que assumiria esse posto melhor que você.
Abro e fecho a boca chocada demais por aquelas palavras terem saído dele. Como se estivesse sido demais também para ele, sua mão se retira rápido da minha e ele volta a olhar qualquer outro ponto da cabana que não fosse em minha direção.
— Papai nunca irá deixar.
— Rei Joseph é severo, mas é justo. Sei que irá lhe escutar. Além do mais, conheço várias mulheres da vila que sabem segurar uma arma melhor que você. — ele diz tentando me provocar e eu sorrio, pegando a garrafa de bebida.
— Já que você não vai me oferecer.
— Ei, vai com cal...
Foi tarde demais. No primeiro gole, eu quase tossi meus órgãos. O líquido entrou queimando em minha garganta, fazendo meus olhos lacrimejarem. Péssima primeira experiência para álcool. Apolo correu e apareceu com um copo de água que eu não fazia ideia de onde havia tirado, e quando eu virei achando que ia melhorar, tossi três vezes mais.
— Isso não é água. — limpo a minha boca e o olho com raiva.
— Eu nunca disse que era água, mas é menos forte que o gim. — ele me olha preocupado, e tira o copo de minha mão. Quando a ardência passou, surgiu um pequeno gosto de cereja ao fundo.
— Então o que é isso?
— Licor.
— Como eu disse, péssima hospitalidade. — me levanto do chão e ando até a porta velha da cabana. — Vou embora.
— Não estou a segurando. — ele responde sarcástico e eu abro a porta com raiva, recebendo um enorme vento gelado que fez meu corpo inteiro tremer. A neve estava caindo de forma estonteantemente mais forte do que quando viemos. Eu mal conseguia enxergar o cavalo do outro lado.
— Pelos reinos! Isso não pode estar acontecendo. — fecho a porta de volta e escuto a risada do soldado Carter.
— Parece que terá que me aturar por mais algumas horas, princesa.
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