Capítulo XVI
O inverno havia começado, o que marcava no calendário Beaumontiano que mais um mês havia se passado desde o dia do baile de Allis.
Os primeiros flocos de neve começavam a cair tornando o jardim completamente branco, e todos os funcionários do castelo pareciam trabalhar duas vezes mais carregando lenha para abastecer as lareiras e aquecer o ambiente. Eu estava, mais uma vez, no novo local do castelo que eu havia começado a frequentar diariamente: a biblioteca.
A verdade é que eu não consegui esquecer o beijo com sabor de chocolate. Eu precisava saber o que ele havia me dito, e após muitas semanas de pesquisa, já havia descoberto qual era aquela língua que eu não conhecia. Era uma língua morta, do antigo reino de Russo, que após uma guerra no século passado havia sido derrotado e unificado ao reino de Sórdio, que ficava ao litoral.
De certa forma, me senti bem quando descobri que eu não era tola por não saber aquela língua. Havia estudado tanto durante todos esses anos e, por isso, jamais aceitaria passar vergonha por ainda haver uma cultura que eu não conhecia. Sim, eu era perfeccionista a tal ponto.
Sendo assim, após considerada dedicação, consegui traduzir todo o alfabeto russiano. Finalmente, agora seria o momento em que eu iria conseguir traduzir as duas frases.
Me sentei em frente a mesa da biblioteca e molhei a pena, começando a passar as letras para o papel. Ty i krasavitsa, escrevi com cuidado e coração acelerado. Sorri ao associar as letras, e entender a tradução.
Você é linda.
Como ele podia me achar linda se estávamos no escuro? Primeira pista sob o mascarado misterioso: ele já me conhecia. Quando cheguei no palácio naquele dia, após a preocupação de papai ao saber do ataque pelo soldado Carter, Arabella havia me contado que havia visto o príncipe Christian no baile, com uma máscara preta.
Ele e Dominic eram a minha melhor teoria. Ambos possuíam conhecimento suficiente para saber falar uma língua diferente. George parecia tolo demais e sua voz era fina, não se encaixava com as características dele. O cavalheiro nojento também não, não possuía a altura. Se não fossem eles, seria um homem que me conhecia a distância. Mas quem?
Começo a traduzir a última frase que ele me disse após nossos lábios se separarem, e sorrio ainda mais ao ver o significado dela.
Se pudesse, moveria céus e estrelas apenas para tocá-la novamente.
Fecho os livros antigos históricos dos reinos e me levanto, tentando não sorrir como uma moça boba. Precisava deixar meus sentimentos românticos e atordoados de lado, e por isso, parti para o estábulo. Durante esse mês, a distância que parecia haver entre mim e o soldado Carter se transformara em um verdadeiro abismo.
Ele me ignorava e me evitava sempre que podia enquanto eu tentava a todo tempo fingir que aquela atitude não havia me magoado. Comecei a treinar sozinha meus próprios golpes, todas as noites, e em horários estratégicos durante o dia.
Eu estava inteiramente determinada a aprender a me defender, mesmo sem a sua ajuda. Ouço seus passos se aproximarem enquanto eu atacava sem piedade o mesmo saco de farinha que eu tanto detestava, e abaixo a cabeça tentando controlar a minha respiração.
— Você está fazendo errado. — ele tem coragem de dizer, após um mês inteiro sem dirigir uma palavra a mim.
— Desde quando se importa soldado Carter? Achei que sua estratégia de me evitar estivesse funcionando. — me viro para ele e engulo uma saliva. Ainda era conflituoso carregar sentimentos por ele que eu não entendia.
— Estava, até agora. — ele confessa e me olha, dando um passo a frente. — Não sabia se era certo permanecer com seu treinamento, princesa. Após sua atitude naquele dia de sair da carruagem e se expor, não sabia se estava a influenciando a ter coragem ou se estava a levando ao próprio caminho da morte.
— Não se preocupe. — o ignoro e me viro, enfiando a adaga no saco novamente. — Não preciso de você.
— Sua teimosia é um enorme defeito, alteza.
— Sua covardia também.
— Como? — ele segura o meu braço, parando a minha ação e me olha incrédulo. Se ele achava que apenas ele poderia me atacar com frases ousadas, ele estava muito enganado.
— Isso mesmo que ouviste. — me solto de seu braço, e ele me olha em tom de desafio.
— Pois bem, esteja aqui a noite, no mesmo horário em que marcávamos. Vamos descobrir se consegue mesmo se virar sozinha, princesa.
— Apolo me dá as costas e sai, me deixando com raiva. Eu odiava a capacidade que ele possuía de sempre me deixar com raiva.
Saio do estábulo escondendo a adaga por dentro do vestido, e me encaminho a passos pesados até meu quarto. Vejo Margot arregalar os olhos no susto ao me ver entrar e tento ignorar a sua atitude estranha. Ela faz a reverência e deixa o quarto. Ando até minha escrivaninha e me assusto ao ver outro bilhete encaixado sob o vaso.
Agora Violetta havia ido longe demais. Saio de meu quarto e ando furiosa até o seu, fechando a porta com força atrás de mim. Minha irmã afasta o livro que estava lendo e me olha com as sobrancelhas arqueadas. Jogo o bilhete em cima dela, e solto todas as palavras que eu havia guardado.
— Você acha isso engraçado? Em meio a tudo que Beaumont está vivendo, acha engraçado continuar a me mandar esses bilhetes? Você é tão infantil, Violetta.
— Do que está falando, Cecília? — ela pega o bilhete e finge surpresa ao ler. Típico dela.
— Não se faça de sonsa, Vi. Cansei desses recados. Não precisa brincar com meus sentimentos de medo porque adivinhe só? Eu já sinto medo suficiente sozinha!
— Eu não escrevi isso aqui. — ela franze o cenho e me estende o papel. — A única vez que fiz isso com você foi quando estávamos sentadas com Arabella no jardim. Ficaste chateada, eu jamais repetiria isso novamente.
— És mentirosa e fria Violetta, igual ao soldado Carter. Vocês se merecem.
— Ah pronto, agora minha própria irmã enlouqueceu! — ela retira as pernas da poltrona, como sempre sentada de forma inteiramente inadequada, e anda em minha direção. — Eu não escrevi essa porcaria a você e nunca tive nada com o soldado Carter. Não te devo satisfações, e mesmo se devesse, não perderia meu tempo lhe explicando.
— Ah não? E onde você estava no dia do baile quando sumiu durante a festa inteira e só apareceu no final ao lado dele? — aproveito e jogo toda a dúvida que eu havia carregando durante esse tempo. Os olhos dela se arregalam, e ela resolve me contra-atacar.
— Respondo se você disser quem beijou durante o apagão. — ela cruza os braços e eu abro a boca em completo estado de choque.
— Como você sabe disso?
— HÁ! Eu não sabia, mas acabei de descobrir. — ela sorri de orelha a orelha. — Então minha irmã séria e conservadora beijou alguém no baile!
— Não mude de assunto, Violetta. — tento desconversar, sentindo meu coração se acelerar.
— Porque lhe interessa tanto saber a minha relação com o Apolo? — ela me olha de perto, franze os olhos, e após alguns minutos leva a mão a boca. — Pelos reinos, gostas dele.
— NÃO! — respondo alto demais. — Agora você que está louca Violetta. Não sinto nada além de desprezo pelo soldado Carter.
— Não acho que este ataque de ciúmes seja motivado apenas por desprezo.
— Eu não estou com ciúmes. Quer saber? Esqueça! Nunca adianta tentar ter uma conversa civilizada com você.
— Falou a princesa que quase quebrou a porta de meu quarto. — ela revira os olhos. — Você está apaixonada pelo pretendente que a beijou na festa, pelo príncipe Christian, ou por Apolo?
— Eu não estou apaixonada por ninguém! — grito com os nervos a flor da pele e saio do quarto dando de cara com Apolo, do outro lado da porta. Prendo a respiração e sinto meu rosto corar ao perceber que ele havia escutado a minha última frase.
Saio quase correndo desviando de seu olhar profundo e ando a caminho de meu quarto, pronta a me trancar de lá e não mais sair.
Permanecer em meu quarto não adiantou. Levantei de minha cama cansada de ter ficado tanto tempo deitada sobre ela após um dia inteiro de neve, e deixei novamente meus pensamentos partirem em direção ao baile de máscaras que eu não conseguia esquecer.
Ando até a sacada e observo os pequenos flocos de gelo caindo, me fazendo ter pequenos arrepios de frio sob a pele. Abraço meu próprio corpo e levo uma das mãos ao meu lábio inferior, fechando os olhos e recordando o beijo.
Você é linda, ele repetiu duas vezes. O timbre da sua voz retorna como uma melodia aos meus ouvidos e eu abaixo involuntariamente a manga de meu vestido, passando a mão pelo meu pescoço. Saio de meu transe quando ouço uma voz grossa me arrepiar, e me viro no susto encontrando um soldado me encarando de braços cruzados em meu quarto sem permissão.
— Está atrasada.
— Estás louco? — encaro o soldado Carter, e coro ao ver meu ombro exposto com a manga do vestido descida. A levanto rapidamente no desespero, e vejo que o olhar dele foi parar ali.
— Temos um compromisso, não tolero atrasos. — ele desvia o olhar.
— Não marquei nada com você, seu arrogante. Agora saia do meu quarto! Guardas! — digo alto inutilmente. Ele me olha com um sorriso de lado, e dá um passo à frente.
— Eu sou o seu guarda, alteza.
— És mesmo muito ousado!
— Não deveria se incomodar com minha presença se me despreza tanto. — ele diz e eu congelo. Abro e fecho a boca chocada demais para responder. Ele havia escutado toda a conversa com Violetta.
— Só irei porque deveras quero lhe mostrar como estou pronta para lutar. — fujo de sua afirmação e abro o armário, pegando um grande casaco quente. Apolo assente saindo do quarto. O sigo com o coração na mão.
O castelo estava quieto e o caminho que sempre fazíamos até a saída também fora silencioso. Não dizemos mais nada um ao outro até que chegamos ao estábulo, e ao invés de andarmos até o quarto aos fundos, Apolo para em frente a um enorme cavalo de pelagem escura e começa a desamarrá-lo.
— O que está fazendo? — pergunto batendo o queixo.
— Não podemos treinar aqui nesta noite. Está nevando bastante, certamente ficaria doente exposta ao frio. Não há lareira no fundo do estábulo. — ele responde sem me olhar e sobe no cavalo, me deixando confusa. O olho tentando entender, e ele estende a mão, me convidando a subir no cavalo. — Vem.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro