• Capítulo 9 •
- Mas o que é qu... - Scarlett começa porém eu interrompo-a.
- Eu ouvi a conversa e agora não podes fugir - digo aproximando os nossos rostos - quem é que fez essas cicatrizes? Quem é "ele"? Que merda é que aconteceu "naquela missão"?!
Os olhos de Scarlett arregalam-se e a pele fica em um tom branco como o papel. As suas pernas falham e a mesma cambaleia para trás encostando as costas á porta.
- E-eu, não sei do que falas - gagueja, a sua voz falha, Scarlett baixa a cabeça e encolhe-se.
Que merda é que aconteceu com ela?! Que merda é que "ele" fez?!
Nunca vi Scarlett desta maneira. Abraçada ao seu corpo, como uma forma de proteção. Fraca. Com medo. Envergonhada. Vulnerável...
Ambos ficamos em silêncio somente com o som do crepitar da madeira na lareira que acendi á algumas horas, a minha mão ainda está no braço de Scarlett.
- Ethan, por favor..- murmura de cabeça baixa - deixa-me sair.
Agora tenho a certeza que o que quer que tenha acontecido, é grave. Scarlett, a rainha da ironia, acabou de pisar no seu orgulho para dizer "por favor, deixa-me sair". Se estivéssemos numa situação normal, ela provavelmente teria tirado uma faca das botas e teria encostado a mesma ao meu pescoço.
Afasto-me da mesma, largando o seu braço. Vejo-a deslizar as costas pela porta. Agachada, abraçada ao próprio corpo, a tremer, pálida, de cabeça baixa. Se alguém me tivesse dito á uns cinco dias que iria ver a "sem coração" neste estado, iria rir-me da cara da pessoa. Porém, agora sei que essa opção não era assim tão impossível de acontecer.
Suspiro, passo a mão pelo cabelo, despentiado o mesmo ainda mais. Aproximo-me da lareira, que estava quase a apagar, e ponho na mesma mais madeira. O calor invade o quarto segundos depois, olho em direção a Scarlett, ela parou de tremer. Porém continua com a cabeça baixa.
Ela defenitidamente não está bem.
Vou até a uma das mesas de cabeceira e tiro da gaveta um kit de primeiros socorros, quem quer que tenha cuidado das cicatrizes, não sabia o que estava a fazer, todas estavam um pouco inflamadas e vermelhas, não se tinham curado por completo.
Ponho o kit em cima da cama e tiro de lá o necessário, algumas ligaduras, uma pomada para acelerar a cicatrização, entre outros coisas. Sinto-me observado e dirijo a minha atenção a Scarlett, a mesma observava os meus movimentos.
Neste momento, ninguém acreditaria que ela consegue matar qualquer um a sangue frio.
A aparência também iria ajudar. Diferente dos outros, Scarlett parece inocente. PARECE, porque até eu já me iludi por essa cara de inocente. Os cabelos cor de fogo. Os olhos verdes, tão verdes, tão incríveis, porém, sem brilho. Os seus olhos não têm sinal nenhum de felicidade. Parecem apenas...mortos.
Sento-me na cama e pego numa tesoura, abro uma embalagem de ligaduras, e chamo Scarlett com um abano de cabeça.
No início hesita, parece desconfiada. Por fim, acaba por aceitar. Levanta-se e dirige-se lentamente até mim. Senta-se na cama ao meu lado e estica e braço direito.
Puxo a manga do mesmo para cima. Três. Três cicatrizes. Passo lentamente o dedo por uma delas, Scarlett está atenta a todos os meus movimentos. Abro a pomada para acelerar a cicatrização e passo um pouco da mesma por cada cicatriz. Scarlett estremece quando o faço. Estico um pouco da ligadura e corto, enrolando depois a mesma á volta das cicatrizes. Faço o mesmo com o outro braço, que só tinha uma.
Quando começo a arrumar as coisas Scarlett leva a mão á gola da camisa e puxa-a para baixo. Uma cicatriz na clavícula. Olho para Scarlett e a mesma fita o chão, já não parece tão pálida, nem está a tremer, nem está com a cabeça baixa. Só falta a personalidade arrogante e irritante dela voltar, e tudo ficará como era antes.
Passo a pomada e coloco um pequeno curativo na cicatriz. Olho para Scarlett, ela não está a fitar o chão, observa todos os movimentos com precisão. Quando os nossos olhos se encontram, faço um sinal com a cabeça para a mesma, Scarlett percebe de imediato porém hesita, segundos depois, o seu olhar encontra de novo o chão, ela suspira e acaba por ceder.
Lentamente levanta a sua camisa, quando a cicatriz fica visível, pego novamente na pomada, porém, para minha surpresa, Scarlett tira completamente a camisa. Admito que fiquei longos segundos a admira-la. Passados esse longos segundos, ouço Scarlett limpar a garganta e percebo que passei dos limites, olho para a mesma, o seu olhar, no chão, e....espera, ou eu estou a imaginar coisas, ou de facto, existe um leve rubor em suas bochechas. Por essa não estava á espera.
Faço o processo de novo, primeiro pomada para cicatrizes depois ligaduras. Durante o trabalho, tento não desviar os olhos da cicatriz, e surpreendente, consegui.
Pelo que eu vi no quarto da cede de Scarlett, a cicatriz da perna é a que está em melhores condições, e aparentemente, Scarlett também sabe disso, apesar, de parecer ter sido um corte profundo.
Scarlett pega de novo em sua camisa e veste a mesma, ainda está um pouco pálida, com olheiras, mas nada de grave, leva a sua mão á cabeça e fecha os olhos por alguns segundos, aproveito para arrumar tudo e colocar o kit na gaveta de novo.
Afasto-me para colocar mais lenha na lareira e quando me volto para a cama, encontro Scarlett deitada na mesma. Como pensava, não anda a dormir, por mais que tente esconder isso, as olheiras denunciam-na.
Suspiro, ponho um cobertor em cima da mesma e desligo a luz, saindo depois do quarto.
Sei que ela não irá revelar nada sobre "ele" e sobre a "missão", porém, creio que existe alguém que me possa fornecer a informação necessária.
Nathan.
Atravesso o corredor e entro no quarto 1, Nathan na secretária a "trabalhar" no novo portátil. Assim que percebe que estou lá, vira-se para mim de sobrancelha erguida, entro e fecho a porta.
- Creio que não vieste até aqui para dizeres que me adoras, logo - diz Nathan - o que é que queres?
- Informação - dou de ombros - sobre "ele" e a "missão" - Nathan apercebe-se logo do que falo e, cai da cadeira.
- Como - murmura - como é que sabes isso? Todos nós concordamos não falar disso!
- Eu ouvi a vossa conversa na sala de jogos - senta-se de novo na cadeira e limpa a garganta.
- Não posso, quanto mais pessoas souberem, pior ficará Scarlett - levanta a cabeça - por falar nela..onde é que ela está? Marie foi ao quarto dela á uns dez minutos e não a encontrou.
Desvio o olhar de Nathan. Ótimo, se eu lhe disser que Scarlett está a dormir no meu quarto, ele com certeza irá pensar merda. Reparo que estou á demasiado tempo em silêncio quando Nathan se levanta e me agarra pelos ombros.
- Ela, está onde? - pergunta.
- No meu quarto - murmuro, quero despachar isto, quado mais depressa tiver a informação sobre "ele", melhor.
- EU SABIA - grita Nathan boquiaberto segundos depois - seu grande safado - dá-me um leve murro no ombro.
- Eu sabia que irias pensar merda - murmuro de punhos fechados.
- Espera.. então não fizeram nada?
- Não - reviro os olhos - agora, diz-me alguma coisa sobre "ele".
Nathan suspira, senta-se na cama e passa a mão pelo cabelo.
- Ele..- começa - ele era o nosso antigo parceiro, um antigo membro do grupo.
"- Já se esqueceu da última vez que teve a brilhante ideia de adicionar alguém na equipa? Oh, eu lembro-me bem desse dia, ainda tenho a cicatriz como lembrança."
- Ele chamava-se Tyler Reyes, ele era simpático, amigável, leal e confiante, pelo menos no início - fez uma pausa - ele ensinou-me como entrar em certos computadores, ensinou á Rachel como fazer as melhores bombas possíveis, á Marie como distrair pessoas da melhor maneira - suspira - e, ensinou a Scarlett a usar as facas, ele tornou-se próximo dela.
- E depois? - murmuro.
- Depois, ele raptou-a, levou-a para uma casa abandonada, ele fez de tudo o que possas imaginar com ela - baixa a cabeça - tudo. Ele pediu uma quantia de quinhentos milhões para ele a devolver em segurança, porém, quando a encontrámos, ela estava....ferida, com medo, suja - passa a mão pelo cabelo - as cicatrizes dos braços, foram das correntes que ele usava quando...- olha para mim e eu assinto, sei do que ele estava a falar - a da clavícula foi a primeira que ele fez. Um rastreador. Só descobrimos isso dois dias depois de a termos salvo.
- E a da barriga? A da perna? - murmuro, não fazia ideia de tudo o que ela tinha passado.
- A da perna, segundo ela, foi num dos seus jogos de tortura, o jogo acabava quando ela desmaiava pela dor - olha-me nos olhos - A da barriga, foi em uma missão que eles fizeram juntos, antes de tudo. Não temos muitos detalhes sobre o que aconteceu lá, ela nunca quis falar disso - limpa a garganta - satisfeito.
Não respondo, saio do quarto de Nathan e entro no meu. Scarlett está sentada, com o cobertor por cima de si, a olhar para a lareira. Assim que repara em mim, olha em minha direção e pergunta, com voz rouca, num sussurro, como se partilhasemos um segredo:
- Ficas feliz? Por finalmente teres descoberto a merda da origem das cicatrizes?
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