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𝟐𝟐. › GOING NOWHERE

𝟎𝟐𝟐.          INDO A LUGAR NENHUM

INVERNO⠀──⠀ DEZ. 6, SEGUNDA
GOTHAM MERCY GENERAL HOSPITAL.

SECUNDÁRIOS A RETRIBUIÇÃO, reabilitação e dissuasão são objetivos dignos, sim, mas num sistema de justiça criminal exige uma justiça real - punições proporcionais, julgamentos transparentes, castigos exatos para os crimes cometidos. Só que, entre punição e vingança, há um fio frágil demais, um limite que desaba quando se afunda nos recantos sombrios de um sistema mais inclinado a sepultar verdades do que a expô-las. Porque o que é a justiça, afinal, senão uma questão de narrativa? As histórias que escolhemos contar - aquelas que o Estado impõe como inquestionáveis, aquelas que os indivíduos recontam, moldadas à mão, à noite, antes de dormir.

Em Gotham, essas narrativas tomam um peso especialmente tortuoso. Em uma cidade de corrupção enraizada, é fácil acreditar nas versões mais convenientes, atribuir papeis heroicos ou vilanescos, fabricar vilões, canonizar herois, enterrar inocentes, maquiar realidades para lucro próprio. Acontece com uma frequência quase assustadora.

São esses pensamentos que se enroscam na mente de Delilah enquanto o táxi a leva ao hospital na manhã de segunda-feira. No rádio, um debate quente sobre o Asilo Arkham ecoa em meio ao trânsito. O asilo - uma ideia do psiquiatra Amadeus Arkham, que, após assistir sua mãe sucumbir à insanidade, sonhou com um lugar onde se pudesse acolher e tratar mentes perdidas. O que era pra ser um refúgio acabou rapidamente consumido por trevas, histórias abafadas, mistérios jamais resolvidos, tragédias que cravaram naquele edifício uma marca permanente, uma aura macabra, distorcida por sussurros e lendas mal contadas.

Nas primeiras décadas, o Arkham já se torcia sob rumores de uma maldição enraizada naquela família. Mas a reputação desmoronou quando Amadeus, ao tentar vingar a morte brutal de sua mãe, perdeu ele próprio a sanidade e foi internado no próprio asilo que construíra. Esse episódio atraiu ao Arkham um fluxo ainda maior de almas torturadas, de criminosos violentos e mentes enlouquecidas, como Sofia Falcone, filha de Carmine, que encontrava ali um lar provisório.

Mas o debate no rádio não era apenas sobre o asilo. Discutia-se se os lunáticos que haviam cometido atos atrozes na cidade realmente mereciam a possibilidade de reabilitação ou se o peso de seus crimes demandava punição mais rigorosa. Era apenas um pretexto para o ponto central: se o Ceifador fosse capturado, ele mereceria morrer ou ser confinado em uma instituição psiquiátrica? E, se fosse para o Arkham, seria esse realmente o lugar certo para conter um assassino como ele?

As opiniões no ar variam entre justiça e vingança. Para alguns, o Ceifador merece a morte; um ajuste de contas, uma moeda de troca. Para outros, o peso de suas ações o prende à vida atrás das grades. Há também os que julgam que ele não nasceu monstro, mas foi talhado por uma sociedade falha. Ouvindo essas vozes, Delilah sente a força e a fragilidade das convicções alheias, mas sua mente não se prende ao que deve ser feito com o Ceifador. Sua prioridade era cessar os assassinatos. O depois? Não era seu domínio; nunca foi.

No entanto, ela reconhecia a história de Jeremiah Stirk - o que o arrastara ao abismo. Uma infância marcada pela violência, uma figura paterna quebrada, um desejo crescente de fazer o mal, cultivado como erva daninha. Saber o que formou Jeremiah era como compor o quebra-cabeça de uma psique ferida. Mas quantos realmente o conheciam? Quantos sabiam dos detalhes sórdidos de sua vida, ou das cicatrizes que ele carregava por dentro? Irônico, talvez, que seu maior confidente tenha sido justamente aquele que o retirou do mundo. - ou então havia alguém, ainda anônimo, que guardava os segredos de Stirk, fosse por medo, lealdade ou culpa. Encontrar essa pessoa, no entanto, era como procurar uma agulha em um palheiro e seu único suspeito era alguém que ela nem sabia se realmente existia.

Na sexta-feira passada, ao final da consulta, Delilah decidiu que era hora de explorar uma curiosidade incômoda. Não esperava que o Dr. Hunter soubesse algo sobre Stirk, mas precisava eliminar as dúvidas. Parou junto à porta, ajeitando o casaco sobre os ombros, e se voltou para ele, pensando nas palavras do padre a algumas noites atrás.

── Dr. Hunter, posso lhe fazer uma pergunta? ── Ela o chamou, a voz suave mas firme, o suficiente para fazê-lo erguer os olhos das anotações. Christopher desviou o olhar para ela, ajustando os óculos para focá-la.

── Claro.

── Por acaso o senhor já atendeu alguém chamado Jeremiah Stirk? ── A curiosidade pairava na sala, misturando-se ao ar clínico e abafado.

Hunter franziu o cenho, como se estivesse folheando mentalmente arquivos passados.

── Jeremiah... Stirk? ── Ele repetiu, lentamente, dizendo mais para si mesmo do que para ela. ── Não me lembro de nenhum paciente com esse nome.

── Nem mesmo ouviu falar? ── Ela insistiu, controlando o tom de voz para não soar inquisitiva. ── Ele esteve nas notícias recentemente. Encontraram seu corpo em um porta-malas no estacionamento do prédio de Medicina.

Hunter desviou o olhar, tamborilando a caneta contra o caderno. Havia algo de inquieto em sua postura, uma sombra sutil de desconforto.

── Acho que ouvi alguma coisa sobre o caso, mas... ── Ele hesitou, fixando o olhar em um ponto distante, como se estivesse calculando a relevância de cada palavra, e então retornou o foco a ela. ── Ele tem algo a ver com seu caso, doutora?

Delilah manteve o semblante impassível, avaliando a melhor resposta.

── Não, segundo o comissário, ele não.

── E, segundo a doutora Delilah Morgan? ── Ele a estudou com atenção perspicaz, um leve sorriso despontando nos lábios.

O canto da boca de Delilah se curvou, um leve gesto de astúcia.

── Ela tem algumas dúvidas ── respondeu, deixando claro o suficiente para não levantar suspeitas demais. ── Agradeço pela consulta, doutor. Nos vemos na próxima semana.

Com a despedida formal, Delilah se retirou, forçando-se a aceitar a resposta vaga que Hunter lhe deu, mesmo que se sentisse um pouco inquieta. Ela decidiu usar o final de semana para rever as provas que tinha, buscando qualquer detalhe que talvez houvesse negligenciado. Saber que Jeremiah foi o Ceifador preenchia algumas lacunas, mas faltava uma direção mais concreta e era esse fato que ainda a corroía por dentro.

Naquela noite, contatou o Batman pelo rádio. Compartilhou suas conclusões e sugeriu que ele investigasse as transações bancárias de outros nomes suspeitos, um possível padrão entre eles ou algo que indicasse para onde Jeremiah quando disse para Maggie que sairia para pescar. Ele concordou, prometendo que retornaria com uma atualização. Delilah sabia que agora só lhe restava esperar, o que era quase um martírio.

Delilah não permitiu que a ansiedade a dominasse; ocupou-se como podia, revisando processos pendentes, discutindo com a advogada os últimos detalhes do caso contra Steven. Era quase um ensaio para manter a vida nos trilhos, tentativas de pequenas normalidades que há muito não conseguia. Mas era tudo uma distração estratégica. Um esforço, por mais fútil, de evitar qualquer pensamento sobre Bruce e aquela noite. A lembrança estava ali, ainda vivida, pousando pesadamente sobre cada detalhe do quarto.

Entretanto, para a sua sorte, o fim de semana se dissipou em um piscar de olhos, um borrão entre as paredes do apartamento e os arquivos que folheava mecanicamente. Na segunda-feira de manhã, ela estava de volta ao necrotério, recebendo o corpo de Sean Vontobel, proprietário de um restaurante localizado a cerca de duas horas do hospital. A descrição no relatório era vaga, mas ela já sabia o suficiente: Vontobel fora encontrado por um de seus funcionários, um garçom chamado David, que ao chegar para abrir o restaurante naquela manhã sentiu o cheiro inconfundível da morte. Seguindo o fedor até o segundo andar, o homem encontrou seu chefe estirado sobre o tapete, no centro da sala, completamente nu, com o corpo perfurado. Era uma visão grotesca, um cenário caótico, mas meticulosamente organizado pelo assassino.

Antes de autópsia, Delilah havia visto algumas fotos tiradas pelo novo fotógrafo de cena de crime, Grant Sergeant. Gordon mostrou a ela como Sean havia sido encontrado, como era o seu estado e a imagem continuou sendo reproduzida na cabeça de Delilah enquanto ela trabalhava, montando seu próprio quebra-cabeça em busca de respostas que poderiam ajudar a montar aquela história.

Delilah encarou o corpo nu, agora deitado de bruços na mesa fria de aço. As costas de Vontabel eram uma paisagem marcada por dezenas de perfurações profundas, os furos irregulares, rodeados por resquícios de sangue coagulado, contavam a história de uma morte brutal. Seu cabelo acobreado cobria parte do rosto, moscas já rodeavam o cadáver, atraídas pela decomposição lenta, embora os ovos que haviam depositado na pele não tivessem ainda eclodido - um pequeno, mas importante detalhe.

── Ele foi encontrado assim, nu e coberto de furos ── Gordon comentou com ela minutos antes quando chegou no hospital, cruzando os braços enquanto observava Delilah ao lado da mesa. ── A janela do escritório foi quebrada pelo lado de fora, mas por enquanto, é tudo o que sabemos.

Ela não respondeu de imediato. Ao invés disso, pegou um par de luvas brancas do bolso e as vestiu, ajustando o látex com precisão. Aproximou-se do corpo, inclinando a cabeça levemente para o lado, como uma pintora estudando a tela antes do primeiro traço. Ela pediu que o cadáver fosse mantido na posição em que foi encontrado - de bruços - para poder analisar melhor as lesões.

David, o garçom que o encontrou, havia dito que eles não abriram o restaurante durante o fim de semana, a última vez que alguém o viu foi na sexta, quando o restaurante fechou. Aquele ato era comum da parte de Vontabel, às vezes ele tinha compromissos e dava folga para os seus funcionários.

Delilah se aproximou, suas mãos enluvadas tocando a pele fria com uma leveza estudada. As feridas nas costas ainda estavam frescas o suficiente para contar uma história precisa. Ela se concentrou nos ovos de mosca, esparsos ao redor das bordas das perfurações.

── Os ovos ainda não eclodiram ── murmurou para si mesma, ou para o gravador novo que deixou em cima da mesa. ── Isso significa que ele não está morto há mais de três dias. Provavelmente morreu na sexta à noite, a última vez que foi visto.

As palavras de Delilah ecoaram na sala fria, um murmurio baixo em meio a sala vazia, mas com uma profundidade que só quem tinha visto muitas mortes poderia alcançar. Ela estava debruçada sobre o cadáver, seus olhos afiados vasculhando as perfurações nas costas de Sean Vontabel, cada orifício redondo e preciso como se o assassino tivesse desenhado com perfeição cirúrgica.

── As perfurações no corpo... são impecáveis. Círculos bem feitos.── Ela murmurou, enquanto deslizava os dedos pelo contorno de uma das feridas, sem jamais tocar o interior. ── Meu assassino sabia o que estava fazendo. Eu não resisti às perfurações, então... provavelmente ele me nocauteou antes de começar.

Ela suspirou, pensando.

Ela ergueu uma mecha de cabelo que cobria a nuca do cadáver, tocando levemente a área. O toque era quase respeitoso, apesar do trabalho que fazia.

── Golpe inicial na coluna, provavelmente ── disse, a voz baixa, sentindo a pela inchada e um deslocamento na área. ── Não mata, mas um golpe preciso nessa região acertaria o tronco encefálico, rompendo o centro de respiração e movimento. A vítima ficaria incapaz de se mover, mas estaria consciente... até que o ar acabasse.

Tempo o suficiente para atacá-lo pelas costas com um objeto perfurante, ela pensou, completando seu próprio raciocínio.

Seus olhos brilham com conhecimento, com certeza de que estava indo pelo caminho certo. Mas Delilah não estava interessada em satisfação, ela queria respostas mais nítidas. Algo que atravessasse o véu da brutalidade e revelasse o motivo por trás da técnica.

── As minhas roupas foram retiradas... para isso acontecer. ── disse ela. ── Humilhação. Ele queria me humilhar. Ele sabia o que estava fazendo. Foi premeditado desde o início.

Os olhos de Vontabel agora estavam fechados em respeito a sua morte, porém antes estavam arregalados, paralisados, quase suplicantes. Ele olhava para o vazio com horror, como se implorasse por ajuda. Sem conseguir falar, sem conseguir se mover, perdendo o ar aos poucos, enquanto seu assassino se aproveitava daquele momento de vulnerabilidade que ele mesmo havia criado.

── Ele queria que eu assistisse todo o processo. ── disse ela, colocando-se no lugar da vítima mais uma vez ── Provavelmente apreciou cada minuto. Vingança, talvez.

Ela engoliu seco. Era uma dinâmica de poder que já tinha visto antes, no trabalho de outro monstro - o Ceifador. Ele também gostava de deixar suas vítimas impotentes, fazê-las assistir ao próprio fim com uma mistura de horror e resignação. Não era o trabalho dele, claro. Isso era mais pessoal. Não era a assinatura metódica e distante de um serial killer, mas sim de alguém que conhecia Vontobel, que o odiava profundamente.

Entretanto o paralelo era inescapável, como se o assassino tivesse se inspirado no Ceifador, querendo fazer seu próprio show macabro.

A arma do crime ainda era um enigma. Gordon havia sugerido um picador de gelo mais cedo, com aquele ar decidido de quem já tinha tudo resolvido, mas Delilah estava começando a descartar a ideia. Se a arma tivesse realmente atravessado o corpo como indicava o sangue acumulado no tapete, um picador de gelo não teria o comprimento necessário para provocar o tipo de laceração que Vontabel sofrera. Algo mais longo. Algo com uma precisão que parecia feita para maximizar o sofrimento sem matar de imediato.

As duas horas seguintes se desdobraram em uma lenta dissecação de músculos e tendões, com o bisturi revelando o rastro de um corte frio e meticuloso feito pelas mãos enluvadas da patologista. Ao examinar a nuca de Vontabel, Delilah observou as fraturas nos ossos cervicais - que explicavam a paralisia lenta e agonizante, o corpo se tornando uma prisão, imóvel, enquanto o assassino perfurava cada centímetro sem pressa, na ausência de qualquer luta. Era como se Vontabel tivesse sido forçado a assistir a própria morte, tornando-se um refém do próprio corpo que o traía.

A análise das perfurações não trouxe as respostas exatas que Delilah esperava, mas ao menos eliminou a teoria do picador de gelo. A forma ovalada das feridas, deformadas pelas linhas de tensão da pele, sugeria um objeto perfurante com ponta circular - não uma arma comum, mas algo de uma precisão desconhecida, como se cada golpe tivesse sido planejado para alinhar com pontos exatos de energia no corpo, aumentando a dor de maneira quase deliberada.

Um som pesado interrompeu o silêncio frio do necrotério, a mão de alguém colidindo contra o metal da porta para chamar sua atenção. A porta se abriu com um baque seco, arrancando Delilah de seus pensamentos, e seu olhar se endureceu. Era Ronan, encostado na porta com aquele sorriso presunçoso de sempre.

── Morgan, hora do almoço ── disse ele, um brilho brincalhão nos olhos. Delilah sentiu a surpresa ceder lugar à irritação, seu olhar se estreitando. ── Não me olhe assim. Estou fazendo isso para o seu bem, sabia?

── Não, você está fazendo isso para seu bem, Ronan ── respondeu ela, cruzando os braços. ── Porque se eu não for almoçar, você também não almoça.

Ele riu, um riso insolente, porque ambos sabiam que ele só insistia por isso mesmo. A equipe no necrotério era pequena, e a escala de almoço cuidadosamente pensada para garantir que nunca faltasse ninguém quando um novo corpo chegasse. Caso a demanda aumentasse subitamente, o procedimento era interromper qualquer descanso para atender à chegada. DeWitt, o responsável pelo setor, organizara uma rotina quase rígida para preservar a ordem, e Delilah quase sugeriu trocar horários com Ronan apenas para prolongar seu próprio tempo ali ─ mas ele definitivamente não merecia essa generosidade.

── Droga, você é perspicaz demais, Morgan ── murmurou ele, com um tom que beirava o sarcasmo. ── Agora, que tal deixar esse presunto guardado e almoçar? Não tenho todo o tempo do mundo e não quero perder meu horário porque você prefere brincar de viva-morta.

Delilah bufou, o temperamento pacífico começando a se desgastar.

Mas, para a sorte dele, ela havia encerrado com aquele corpo. Soltou a prancheta e o gravador, guardando o corpo e retirando o jaleco e as luvas com movimentos precisos, devolvendo tudo ao seu devido lugar antes de se encaminhar até a porta. Passou a mão pela cabeça, ajeitando os fios teimosos que escapavam do coque apertado, e lançou um olhar desdenhoso para Ronan ao passar por ele.

── Uma hora, Morgan. E eu estarei contando ── Ele balançou os dedos em uma saudação irônica e disse, ainda com um sorriso.

Ela apenas revirou os olhos, resistindo à vontade de mostrar-lhe o dedo do meio. A manhã estava calma, e ela não pretendia deixar que ele estragasse o que restava dela.

Subindo ao primeiro andar do hospital, Delilah se encostou na parede fria do elevador, puxando o celular do bolso com um suspiro contido. Ela raramente o usava durante o expediente - o mantinha em silencioso ou até o trancava em seu armário para evitar distrações. Agora, as mensagens não respondidas acumulavam-se em um mosaico de notificações: Gordon, Alistair, Pietra, Sierra, e outros policiais que aguardavam atualizações das autópsias do dia. Pelo menos três relatórios ainda estavam pendentes, e era apenas segunda-feira.

No entanto, uma única conversa permanecia em um silêncio desconfortável desde a última sexta-feira. Bruce a deixara no consultório de Hunter e depois, naquela mesma noite, mandara uma breve mensagem avisando que estaria ausente por uns dias por causa de uma "emergência". Delilah tentou não interpretar aquilo como um afastamento intencional depois do que ocorrera entre eles; talvez ele realmente precisasse de um tempo sozinho para pensar. E embora a falta de respostas a inquietasse, ela se forçara a agradecer pela comunicação, mesmo que breve. Seus olhos fixaram-se no nome dele na tela por um momento antes que ela balançasse a cabeça, afastando pensamentos incômodos.

Quando as portas do elevador se abriram, Delilah desviou o olhar da tela e, digitando respostas rápidas, seguiu para o refeitório. Pietra pedira para encontrá-la ali, dizendo que precisavam "conversar". Motivo? Incerto, mas Delilah mal ergueu a sobrancelha ao encontrar Pietra sentada com Kyle e Patrick, o pediatra do hospital e uma das poucas pessoas que Delilah gostava de conversar naquele lugar. .

── Finalmente! ── Pietra exclamou ao vê-la. ── Aqui, isso é pra você.

Estendeu-lhe uma sacola de comida para viagem, e Delilah franziu o cenho, desconfiada.

── Qual é a ocasião? ── perguntou, analisando a sacola.

── Para você comer, claro ── Pietra respondeu com o tom impaciente, como se fosse óbvio. ── Agora senta e come.

── Desde quando você compra comida para mim? ── Delilah continuou, ainda desconfiada. Patrick e Kyle se entreolharam.

── Vai reclamar agora? ── Pietra ergueu a sobrancelha, em desafio.

── Não... só que isso não é bem a sua cara ── retrucou Delilah, estreitando os olhos. ── O que você aprontou?

Patrick riu, mordendo seu sanduíche.

── Pelo visto, teremos que ajudar a Gilcrest a esconder o corpo de alguém. Mas já aviso, Pietra, eu te adoro, mas não vou comprometer minha licença médica assim.

── E eu me caso em alguns meses. Me recuso a passar minha lua de mel na cadeia ── Kyle completou. ── Só a Delilah pra te ajudar, já que, bem... ela já lida com corpos o dia todo.

Pietra revirou os olhos, exasperada.

── Vocês três podiam calar a boca? ── rebateu, enquanto os demais trocavam olhares e risadas abafadas.

Delilah puxou uma cadeira e se sentou, desembrulhando o pacote com o logotipo do restaurante ao lado do hospital e inspecionando a refeição. Macarrão ao molho branco, frango grelhado em tiras, salada de grãos e folhas verdes e alguns vegetais assados; seu pedido usual do restaurante, o que ela sempre pedia quando as duas saiam pra comer naquele estabelecimento. Pietra esperou um instante antes de se inclinar com as mãos na cintura, num gesto teatral.

── Agora que todos decidiram colaborar, posso finalmente tocar no assunto de verdade ── anunciou. ── Natal. Já que estarão abandonados neste feriado deprimente, estou convidando vocês para a ceia lá em casa. É minha boa ação do ano.

Patrick deu uma risadinha, lançando um olhar cínico.

── Achei que Satanás não comemorava o nascimento do Menino Jesus.

Delilah engasgou com o macarrão, enquanto Kyle sufocava uma risada, a mão sobre a boca.

── Primeiro, vai se foder, Patrick ── Pietra respondeu, apontando o dedo sem hesitar. ── Segundo, não teste minha paciência, estou tentando ser legal aqui.

── A gente agradece, de verdade, Pietra ── Kyle riu, recuperando-se. ── Só que, honestamente, ninguém esperava isso de você.

── Sim, achávamos que você era tipo o Grinch no Natal ── Delilah completou, dando um gole no suco natural que acompanhava o pedido.

── Nunca foi o meu feriado preferido ── admitiu, a voz levemente irritada. ── Mas sempre passei o Natal com minha família. Como meus pais não vem a Gotham este ano e sair da cidade está fora de questão por causa da escala, achei que seria uma boa ideia passar a noite com vocês idiotas, que também vão estar sozinhos.

── Doce da sua parte ── disse Patrick, arqueando uma sobrancelha, surpreso. ── Incomum, mas doce.

── Bom saber que você tem um coração no peito, madame Satã ── comentou Delilah, com um sorriso enviesado, que se ampliou ao notar a expressão de irritação de Pietra. ── E comprar meu almoço para tentar me convencer foi uma boa jogada, mas eu diria sim mesmo sem o suborno.

Pietra soltou um bufo exagerado e recostou-se na cadeira, os olhos faiscando como se encarasse uma cena que lhe fosse impossível de entender.

── Isso não foi suborno, Morgan. Foi um ato de gentileza ── ela retrucou, visivelmente desconfortável. ── Qual o problema de vocês? Falam como se eu fosse um monstro.

Kyle reprimiu uma risada e olhou para os colegas antes de encará-la novamente.

── Em nossa defesa, Pietra, você construiu essa reputação sozinha ── comentou ele, um toque de provocação na voz. ── Semana passada você fez três residentes chorarem.

── Durante um treinamento de incêndio ── completou Patrick, recostando-se para observar melhor a reação dela. ── É sério, Pietra. Treinamento. De incêndio.

Pietra cruzou os braços e lançou-lhes um olhar afiado.

── Não tenho culpa se não sabiam operar a porra de um extintor.

── Isso ainda não justifica ── Patrick retrucou, balançando a cabeça, tentando conter o olhar cínico que o acompanhava.

Delilah escondeu um sorriso, engolindo mais uma garfada de sua salada enquanto observava Pietra com um olhar divertido.

A cena era familiar: Pietra com os braços cruzados, a expressão impassível, desafiando qualquer um que ousasse questionar sua abordagem prática - ou, para ser exata, brutal - no treinamento de emergência. Delilah sabia que, apesar de Pietra tentar manter a imagem de durona, havia uma genuína preocupação por trás de cada ação sua, mas isso nunca a impediria de provocar.

── Não estamos julgando, Pietra ── Delilah disse, inclinando-se um pouco para frente. ── Só estamos reconhecendo que, de fato, você tem um estilo... incisivo.

── Incisivo? ── Patrick soltou uma risada. ── Incisivo é bondade. Ela intimidou os pobres coitados até se perguntarem se deviam mesmo estar aqui.

── Olha, quem está na linha de frente de um hospital precisa ser resistente ── Pietra rebateu, e depois de uma breve pausa, relaxou o olhar. ── Mas admito que talvez... eu possa pegar um pouco mais leve da próxima vez.

── Essa é a nossa Pietra, sempre com aquele toque caloroso ── Kyle provocou, piscando para ela, e comeu uma porção de comida tailandesa em seu prato.

Pietra soltou um suspiro exagerado e virou o rosto, mas, apesar da resistência, Delilah pôde ver que aquele convite para o Natal era, de fato, uma concessão sincera. Era o jeito de Pietra mostrar que se importava com eles, mesmo que, para isso, tivesse que organizar um evento natalino com um espírito mais generoso do que ela admitiria publicamente.

── Certo, só preciso saber uma coisa: vocês estão confirmando presença? ── Pietra voltou ao assunto com um tom prático, mas o olhar vigilante de quem já tinha tudo planejado.

Os três assentiram sem hesitar.

── Ótimo ── ela disse, com um sorriso quase satisfatório. ── Vou criar um grupo no WhatsApp e fazer uma lista do que vocês devem levar, porque eu não vou fazer tudo sozinha. Já basta o fato de que terei que ver vocês comendo carne e frango bem na minha frente. Vocês podem ao menos contribuir com algo útil.

── Tão amável como sempre, Pietra ── Patrick debochou, tomando um gole de sua água. ── Podemos levar alguém, né?

── Só um acompanhante, e sem exageros. Minha casa não é hotel, e com o toque de recolher, vocês vão ficar até às oito da manhã no máximo. Espaço é limitado, meus caros. ── Pietra pontuou, as sobrancelhas erguidas em uma advertência clara.

── Não se preocupe, não pretendo levar ninguém ── Delilah respondeu, casualmente, mas sentiu o olhar de Pietra perfurando-a.

── Sério? Nem mesmo o seu novo "amigo"? ── Gilcrest fez aspas com as mãos, o olhar malicioso suficiente para provocar um calafrio. Delilah entendeu a indireta sem precisar de mais pistas: Bruce. Claro que Pietra não deixaria essa escapar, ela não podia perder a oportunidade..

── Novo amigo? ── Kyle perguntou, com um brilho curioso nos olhos. ── Delilah está saindo com alguém e a gente não sabia?

── Não, não estou ── ela disparou, encarando Pietra de volta, o olhar frio. ── Pietra está sendo, como sempre, ridícula. Não há ninguém. Meu único compromisso no momento é com o trabalho.

Delilah deu o assunto por encerrado com um simples desviar de olhar para o prato à sua frente, mexendo na comida com o garfo, como se aquela conversa não tivesse deixado uma pequena inquietação no ar.

O silêncio pairou por um instante, até que Patrick limpou a garganta e, desajeitado, levou o foco de volta ao Natal. Pietra começou a dar mais detalhes sobre a ceia, enquanto Kyle e Patrick faziam perguntas e sugestões. Delilah, no entanto, escutava com apenas metade da atenção, os pensamentos ainda um pouco distantes, ecoando o olhar atento e questionador de Pietra.

A conversa se desenrolava entre eles, animada e levemente caótica, mas por baixo da tranquilidade aparente, Delilah sentia a tensão habitual roçar suas costas como um lembrete incômodo não apenas da sua relação com Bruce, mas também do fato de que o ano estava quase chegando ao fim e o Ceifador continuava a solta. Um novo ano novamente iria se iniciar e ela só conseguia pensar por quanto tempo mais aquele caso se estenderia.

O cansaço é real e está sobre seus ombros naquela hora da noite, se materializada através de seu corpo na forma de suspiro que escapou de seus lábios entreabertos conforme a fumaça saía por entre eles. Com os olhos verdes focados no céu estrelado da cidade, um leve tremor percorreu sua mão enquanto ela dispersava as cinzas do cigarro ao seu lado, deixando-as cair sobre a neve que cobria a calçada.

Seu prédio está logo do outro lado da rua e, no instante em que a luz do semáforo está vermelho, Delilah está atravessando sobre a faixa de pedestre com algumas sacolas de compras em mãos e a mochila nas costas. Ela esmaga neve sobre suas solas, mas todos seus passos são abafados pela cacofonia de sons que compõem Gotham durante aquele horário. O toque de recolher chega em 4 horas, por isso a cidade se mantém viva, cheia de luzes e conversas.

As lojas começavam a se preparar para o Natal, exibindo decorações festivas que pareciam ridiculamente otimistas em contraste com a dureza das ruas. Até mesmo o morador de rua mais próximo tinha se rendido ao espírito da época, usando uma touca de Papai Noel que se ajustava mal em sua cabeça. Quando Delilah deixou algumas moedas em sua caneca, ele a agradeceu com um canto arrastado de "We Wish You a Merry Christmas" e um sorriso com alguns dentes faltando como obrigada.

Era apenas o início de dezembro, e a neve mal começava a cair, mas as pessoas já se deixavam envolver pela magia das festas que se aproximavam. Delilah não via problema nisso. Com os olhos fixos nos crimes que proliferavam, nas brigas entre gangues e na figura ameaçadora do Ceifador, ela sabia que a cidade precisava de um alívio, um refúgio temporário da realidade cruel. No fundo, tinha certeza de que todos estavam apenas desfrutando da calmaria que antecedia a tempestade, mas a ilusão, por mais efêmera que fosse, parecia válida. E naquela segunda-feira, ela também se deixou enganar.

Sem avanços em seu caso, não havia razão para que permanecesse no hospital até altas horas. Aceitou o convite de Kyle, que estava prestes a concluir seu doutorado, e decidiu acompanhá-lo a uma palestra na Universidade de Gotham, focada nas contribuições de Paul Broca, o renomado médico, anatomista e antropólogo francês do século XIX, cujas descobertas contribuíram para a neurociência.

Broca ficou famoso em 1861, após estudar um paciente conhecido como Leborgne, apelidado de "Tan", que sofria de uma severa dificuldade para falar, limitando-se a expressões como "tan-tan", enquanto sua compreensão permanecia intacta. Após a morte de Tan, Broca conduziu uma autópsia e identificou uma lesão no hemisfério esquerdo do córtex frontal. Essa descoberta revolucionou a ciência ao sugerir que essa área do cérebro era responsável pela produção da linguagem, um avanço significativo que conectava funções cognitivas específicas a regiões concretas do cérebro.

Além de suas contribuições à neurologia, Broca fez importantes avanços nos estudos antropológicos e na medicina forense. Desenvolveu técnicas para medir crânios e examinou as diferenças anatômicas entre populações. Embora suas descobertas tenham aberto caminhos importantes, o localizacionismo foi, aos poucos, substituído pela abordagem holística, que vê o cérebro como um todo interligado. Hoje, entende-se que é impossível rastrear funções mais complexas - como traços de personalidade e, mais ainda, a consciência - até uma única região, mas a uma rede intrincada e dinâmica que envolvia corpo e mente, razão e emoção. Hoje, traços de personalidade, impulsos ou até mesmo algo tão abstrato quanto a consciência são impossíveis de localizar em uma única área; precisam ser compreendidos dentro de um contexto mais vasto. Esse entendimento, ou a falta dele, permeava suas práticas na patologia forense - e seu próprio entendimento do comportamento humano.

Mas, embora algumas de suas conclusões antropológicas estejam em desacordo com os princípios éticos modernos, Delilah se pegava pensando sobre a principal descoberta de Paul, localizando uma função cognitiva específica em uma parte particular do cérebro, algo que atualmente parecia óbvio, mas que naquela época não era evidente. Era o início do entendimento de que comportamentos, decisões, moralidades poderiam, de alguma forma, ser atribuídos à química e à anatomia do próprio cérebro. Esse avanço ecoava na medicina forense atual, onde traços de personalidade e impulsos destrutivos - ainda mais, tendências homicidas - eram rastreados até áreas escuras do córtex e das emoções.

Ela sabia que a autópsia era o coração da patologia forense, mas, na verdade, ela não era nada sem a psique, sem o enigma interior que levava uma pessoa a destruir outra. Delilah entendia que, quando se colocava diante de um cadáver, seu trabalho não era apenas uma questão de bisturis e microscópios; era uma imersão no "porquê" daquilo. Ao espreitar o corpo inerte, ela estava, de certa forma, tentando entrar na mente de alguém que havia cruzado a linha. E se um dia, antes de Stirk, ela se esforçava para se colocar no lugar da vítima, na tentativa de compreender o que teria passado por seus últimos pensamentos e reações, agora era diferente. O Ceifador a fez enxergar a violência sob outra lente. Agora, ela tentava se colocar na pele de quem tirava vidas - porque ali, na mente do agressor, onde o raciocínio se torna apenas uma justificativa para o impulso, ela sentia que se aproximava de uma espécie de verdade nua e crua.

Mas agora não era hora de se aprofundar nisso. Com um suspiro, sacudiu esses pensamentos, retornando à realidade do final de uma segunda-feira cansativa. Não poderia levar o peso do que presenciava todos os dias para aquele encontro com Alistair; ele já tinha seu próprio fardo e, apesar de sua curiosidade e mente inquieta, não entenderia completamente o que a consumia. Ela queria, por um momento, deixar tudo isso do lado de fora e ser apenas uma amiga, alguém que ainda podia rir e fingir que nada a incomodava.

Delilah secou o rosto com uma toalha e observou seu reflexo no espelho por um instante antes de sair do banheiro. Apenas a TV emitia um ruído distante, enquanto Delilah se arrumava para sair, caminhando pelo seu apartamento e reunindo o que precisava. Alistair a esperava na lanchonete - um encontro casual, uma daquelas coisas que eles não faziam havia tempo. Alistair, suspenso de suas obrigações, estava entediado, e ela sabia que qualquer atraso apenas aumentaria o tédio dele. Depois de guardar as compras nos armários, ela foi direto para o banheiro, deixando que a água quente lhe clareasse a mente e acalmasse os ombros tensos e trocou de roupa para a noite.

Na mesa de jantar, próximo ao jarro de flores que começavam a murchar, Delilah revisava rapidamente o que precisava levar, inspecionando sua bolsa. Uma notificação acendeu a tela do celular ao seu lado, chamando sua atenção.

ALISTAIR ─ 19:30: Já estou aqui. Está vindo?

ALISTAIR ─ 19:30: Por favor, diga sim. Tem uns moleques sentados atrás de mim que estão testando minha paciência.

Ela riu ao ler as mensagens e desbloqueou o aparelho, pronta para responder, mas foi interrompida pelo toque da campainha. Seus olhos se estreitaram em surpresa; a senhora Vand, a vizinha, sempre batia, nunca tocava a campainha e Delilah não estava esperando mais ninguém naquela noite. Algo soou estranho, algo que não se encaixava na familiaridade da rotina.

Deixando o celular na mesa, Delilah foi até a porta. Abriu-a devagar, com um cuidado instintivo que não era comum para ela, e então... paralisou. Rachel Vand estava diante dela. Não foi a presença inesperada de Rachel que a desarmou, mas o estado dela. O choque contorceu as feições de Delilah, sua mente funcionando em câmera lenta enquanto observava cada detalhe.

Rachel estava trêmula, o olhar aterrorizado e grudado nela, agarrando a bolsa com uma força desesperada. Mas o que a desconcertava, o que realmente a fazia prender o fôlego, era o sangue. Manchas de sangue seco cobriam o rosto e as mãos da garota, uma sujeira pegajosa em suas roupas, uma brutalidade que fazia a cena parecer fora de lugar, como se a realidade tivesse sido levemente distorcida.

Sangue. Sangue que não sabia dizer se era de Rachel ou de outra pessoa, junto dos olhos em pânico da Vand fizeram com que Delilah ficasse imóvel, a incerteza espessa em sua garganta, enquanto tentava entender o que estava diante dela. Então, antes que Delilah falasse primeiro, a voz de Rachel quebrou o silêncio com palavras simples mas que, naquele momento, carregavam um grande peso.

── Eu... eu preciso de ajuda.

AUTHOR'S NOTE.

I. | Não poderia haver um dia melhor para postar essa atualização que concluí o mês de Inner Demons do que hoje, dia das bruxas. Esse capítulo ficou um pouco menor do que os outros, mas teve exatamente tudo o que era necessário e eu me encontro muito satisfeita com ele. Espero que vocês também tenham gostado.

II. | Ainda não sei dizer quando a próxima atualização vai sair, mas tenho planos de postar algo no mês que vem. Além do aniversário de 1 ano de ID no dia 11, o aniversário da Delilah é no dia 6, e eu quero muito atualizar para comemorar. Então, provavelmente nos vemos em algum dia do próximo mês!

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