𝟏𝟗. › EYES DON'T LIE
𝟎𝟏𝟗. OLHOS NÃO MENTEM
INVERNO⠀──⠀ DEZ. 2, QUINTA-FEIRA
OTISBURG, CENTRO COMERCIAL.
DELE VINHA TODOS os males, ela pensou.
Essa era a verdade que Delilah não podia mais ignorar. Jeremiah Stirk não era apenas uma vítima; ele era o ponto de origem. O primeiro Ceifador. A fonte daquele caos que consumia Gotham há tanto tempo. A revelação pesava como chumbo em sua mente: tudo começara com ele. Alguém o matara, e ao fazê-lo, decidiu tomar seu lugar. Mas esse novo Ceifador não era apenas uma cópia. Ele não imitava Stirk, ele buscava superá-lo. Crueldade não era um tributo. Era uma arma afiada, e o novo Ceifador manejava essa lâmina com muita precisão. Delilah sabia disso. Não era idolatria; era competição.
Sentada no banco do passageiro, enquanto Bruce guiava o carro pelas ruas de Gotham durante aquele entardecer, Delilah tentava organizar os pensamentos. As recentes descobertas ainda fervilhavam em sua mente. Jeremiah fora sua suspeita há tempos, uma que ela não havia verbalizado até o presente momento, até encontrar uma confirmação.
Mas, saber disso não os aproximava da solução. Sim, eles haviam desmascarado Jeremiah Stirk, um serial killer. Porém, ele estava morto. Suas atrocidades passadas não respondiam à pergunta mais urgente: quem estava matando agora? Quem estava por trás da nova onda de assassinatos? Como ele havia descoberto que Jeremiah era o Ceifador? Havia uma continuidade ali, uma linha invisível que conectava o presente ao passado e que ninguém ainda conseguia identificar.
Delilah refletiu que talvez Jeremiah soubesse que isso aconteceria. Talvez fosse por isso que ele deixou o caderno em sua antiga casa, porque queria que fosse encontrado. Possivelmente devia haver mais provas dentro da casa, possivelmente Jeremiah havia algo que entregasse quem era o novo Ceifador, e por isso alguém tentou apagar as provas.
Suspirando, Delilah afundou mais no assento de couro, o olhar perdido na paisagem fria e cinzenta que passava pela janela do carro. Passou as mãos pelos cabelos escuros, numa tentativa de dispersar a tensão que latejava em sua cabeça. Umedecendo os lábios, decidiu que não adiantava se afogar naquelas circunstâncias. Ela precisava seguir em frente, usar o que tinham até então e traçar um caminho claro. Ser pessimista não resolveria nada. Cada pequeno avanço era importante.
Seus olhos verdes se voltaram para Bruce, que permanecia calado, o rosto impassível, as mãos firmes no volante. Ele sempre carregava aquele ar de controle absoluto, mesmo quando o caos os cercava, mesmo quando ela não conseguia enxergar tudo com clareza.
── Droga, você está sangrando ── murmurou ela, sua voz carregada de preocupação ao notar o filete de sangue escorrendo pelo braço dele. Um corte profundo. Abrindo o porta-luvas com pressa, ela começou a procurar algo para estancar o ferimento. ── Não preciso nem perguntar se você tem um kit de primeiros socorros aqui, não é?
Bruce soltou um breve sorriso de canto, sem desviar os olhos da estrada.
── Você já sabe a resposta. ── ele respondeu fazendo Delilah suspirar ao ouvir aquilo ao fechar o porta-luvas.
── Não me surpreende. ── Seus dedos tocaram delicadamente a borda do corte, o sangue ainda fresco manchando sua mão. Ela sentiu ele tensionar ao leve toque e julgou ser pela dor. ── Não há nada aqui para cobrir isso. Precisamos ir para o hospital, Bruce.
── Isso não é necessário. Não é um corte grave. ── A voz dele era firme ao afirmar, como se aquilo não passasse de um incômodo trivial.
── Bruce, seja razoável. Pode precisar de pontos. ── Delilah insistiu, sabendo que ele estava subestimando o ferimento. Como médica, ela não podia simplesmente ignorar o que via. ── Não é algo que você pode resolver sozinho dessa vez.
Bruce bufou, exasperado, mas não de maneira agressiva. Era o tipo de reação que Delilah já esperava. Ela não cederia facilmente, ele tinha plena certeza disso.
── Não vamos ao hospital ── disse ele, sem rodeios. Entretanto, continuou antes que Delilah pudesse protestar ── Eu conheço um lugar. Está perto daqui.
Delilah hesitou, suas palavras presas na garganta, mas cedeu em silêncio. Confiava em Bruce, o suficiente para deixá-lo conduzir o carro pelas ruas mal iluminadas de Gotham até Crime Alley. No trajeto, passaram por várias pichações rabiscadas com tinta spray. Uma delas dizia: "Cuidado com o Ceifador". Aquelas mensagens estavam se tornando comuns nas áreas mais esquecidas da cidade. Algumas eram apenas sátiras, como se o terror do Ceifador fosse uma piada que poucos ousavam rir. Outras, mais perturbadoras, reverenciavam o assassino, como se suas atrocidades fossem um ato de justiça, ou uma cruel forma de purificação.
Gotham tinha uma relação estranha com seus demônios.
Delilah sabia que uma das famílias das vítimas morava por ali, a mãe de Susan. Robert Malone havia entregado aquela informação a ela semanas atrás, quando tentou fazer algumas visitas aos familiares em busca de repostas sobre uma possível conexão entre os assassinados. Agora, ao ver as mensagens pintadas nas paredes sujas de Gotham, ela pensava naquela mulher.
Como seria viver em um lugar onde o assassino de sua filha era, de certa forma, idolatrado? Mesmo que fosse por deboche, a ideia de ver pessoas enaltecendo ou rindo de algo tão trágico era insuportável. Não havia graça nisso. Para Delilah, a presença dessas pichações era um lembrete do quão fina era a linha entre o horror e o entretenimento. E se a cidade já tratava a violência com tamanha indiferença, o que garantiria que, no futuro, outro Ceifador não surgisse? Quem poderia garantir que alguém não seguiria os passos de Jeremiah Stirk e encontraria significado no caos e na carnificina de novo? O futuro era muito incerto para ter certeza do que poderia ou não acontecer, ainda mais quando a crueldade estava enraizada em Gotham.
Logo, o carro percorreu mais algumas ruas estreitas, passando por lojas fechadas e barris onde moradores de rua se aqueciam com fogueiras improvisadas. O cheiro de fumaça e lixo impregnava o ar, cada vez que eles se aprofundaram mais naquele distrito, trazendo outro foco à mente de Delilah conforme começava a se questionar para onde eles estavam indo. Poucos minutos depois, Bruce parou o carro diante de um prédio pequeno e modesto. Delilah reconheceu o nome gravado na fachada desgastada: Thomas Wayne Memorial. Era uma clínica discreta, mas carregava o peso do nome do homem que foi um grande amigo da fundadora.
Assim que Bruce estacionou, Delilah saiu do carro, dando a volta até encontrar-se ao lado dele na calçada. Seu olhar se fixou no corte em seu braço, ainda sangrando, e sua preocupação se intensificou. Bruce, percebendo sua inquietação, soltou um suspiro audível enquanto trancava o carro.
── Eu estou bem ── disse ele, guardando a chave no bolso e depois pressionando o corte com a mão, cobrindo-o com o sobretudo agora rasgado. ── Vamos.
Ele abriu a porta da clínica e permitiu que Delilah entrasse primeiro. O espaço era pequeno, aconchegante, com o piso branco reluzente e as paredes em um tom suave de azul claro. Havia um balcão de recepção ao fundo, e algumas cadeiras organizadas de forma simples na sala de espera e um quadro com avisos na parede. O contraste com o frio de dezembro lá fora era imediato; o ar condicionado mantinha o ambiente fresco e estéril, quase confortável.
── Boa tarde ── disse uma jovem recepcionista, levantando os olhos de uma revista. Tinha cerca de 20 anos, cabelos cacheados e escuros presos com uma fita amarela. Sua pele morena brilhava sob a luz fluorescente. Ela piscou, analisando os dois visitantes. ── No que posso ajudá-los?
── A doutora Thompkins está? ── perguntou Bruce, apoiando o braço bom no balcão, mantendo-se calmo, como se aquilo fosse uma visita de rotina. ── Preciso falar com ela.
── Está, mas está com um paciente agora ── respondeu a jovem, um pouco hesitante. Seus olhos piscaram novamente e ela os semicerrou, dessa vez reconhecendo quem estava à sua frente. ── Espera, você não é o...
Antes que ela pudesse completar a frase, a porta do consultório ao fundo se abriu. Uma mulher de pele negra e cabelos curtos e lisos apareceu, retirando as luvas de procedimento enquanto se aproximava. Seus olhos varreram a sala, travando imediatamente em Bruce.
── Bruce? ── A surpresa em sua voz era evidente.
── Oi, Leslie ── respondeu ele, endireitando a postura. ── Já faz algum tempo.
── Seis anos, para ser mais precisa ── disse a doutora Leslie Thompkins, jogando as luvas no lixo próximo. Seus olhos se estreitaram ao analisar Bruce com mais cuidado. ── O que faz aqui?
Bruce hesitou por um instante, ponderando as palavras. Finalmente, ele estendeu o braço para expor o corte.
── Ocorreu um acidente ── admitiu, sem rodeios.
Delilah observou a expressão de desaprovação surgir no rosto de Leslie ao ver o ferimento que Bruce expos.
── Sempre o mesmo, Bruce ── murmurou Leslie, balançando a cabeça em uma mistura de exasperação e familiaridade. Fez um gesto para que a seguissem até o consultório, mas antes de sair, virou-se para a recepcionista. ── Estella, se o Carl chegar para a consulta, peça que espere um pouco.
Estella assentiu com um único aceno, voltando os olhos para a revista enquanto Leslie, sem perder o ritmo, retomou o caminho para dentro da clínica. Bruce lançou um olhar rápido para Delilah, sinalizando com a cabeça para que ela os acompanhasse. Sem dizer nada, ela seguiu os dois pelos corredores silenciosos.
── Estella mudou bastante desde a última vez que eu a vi ── Bruce comentou, fazendo com que um sorriso simples surgisse nos lábios de Leslie.
── Ela está na faculdade agora, faz medicina ── Leslie respondeu. ── Eu tentei convencê-la a seguir por algo mais simples, mas ela não me deu ouvidos. Pelo visto a medicina está no sangue dos Thompkins.
── Tenho certeza que ela vai ser uma ótima médica como a mãe dela. ── disse ele, olhando para Leslie ao seu lado que retribuiu o olhar generoso.
Passaram por algumas portas fechadas até chegarem a uma sala ao fundo, onde a doutora Thompkins parou, abrindo a porta e indicando que os dois entrassem. Enquanto mantinha a porta aberta, ela perguntou com a voz calma e rotineira:
── Então, o que aconteceu dessa vez?
── Tentativa de assalto ── respondeu Bruce, com certa frieza em seu tom de voz. Ele optou pela mentira, e Delilah julgava que deveria seguir pelo mesmo caminho.
Leslie soltou um breve murmúrio, quase imperceptível, deixando no ar a dúvida sobre se acreditava ou não. Seu olhar, no entanto, era mais revelador: conhecia Bruce Wayne o suficiente para saber quando ele estava omitindo detalhes. Ela sinaliza com a mão para que ele se sente na maca e leva as mãos aos bolsos do jaleco branco que veste.
── Bom, parece que o ladrão estava muito empenhado ── comentou Leslie, referenciando não apenas o corte, mas o lado do rosto de Bruce que estava evidentemente machucado por causa do soco que Daniel havia lhe dado.
Bruce não pareceu se incomodar. Ele retirou o casaco deixando-o sobre a cadeira em frente a mesa de Leslie e, com um grunhido abafado de dor, sentou-se na maca que estava à sua frente.
── Leslie, essa é Delilah Morgan. Ela é doutora no Mercy e uma amiga.── apresentou Bruce, enquanto subia a manga do braço ferido, deixando exposta as veias de seu antebraço e algumas pequenas cicatrizes antigas.
── Prazer em conhecê-la pessoalmente ── disse Leslie com um sorriso contido, inclinando a cabeça em um gesto cordial.
Delilah franziu o cenho, cruzando os braços enquanto perguntava, intrigada.
── Também é um prazer conhecê-la, mas... Já ouviu falar de mim?
── Sim, Alfred me ligou semana passada. Ele me contou que você esteve com eles na Ação de Graças ── respondeu Leslie de forma natural, sem dar importância ao que, para Delilah, era uma revelação inesperada. Ela olhou rapidamente para Bruce, buscando encontrar alguma reação controversa, mas ele não se afetou. ── Alfred também me convidou, mas não pude comparecer.
Leslie não disse mais nada. Com passos ágeis e eficientes, dirigiu-se até uma pequena geladeira no canto da sala. Seu olhar estava focado quando abriu a porta do eletrodoméstico e retirou uma bolsa de gelo. Voltando-se para Delilah, entregou-lhe o item sem cerimônia, seu rosto assumindo uma expressão de seriedade enquanto organizava os instrumentos médicos sobre a mesa próxima a maca. Com gestos rápidos, envolveu o corte de Bruce com um pano limpo, pressionando-o para conter o sangramento.
── Tenho um paciente para dispensar na outra sala ── informou ela, com um tom profissional. ── Não vou demorar. Enquanto isso, mantenha essa bolsa de gelo no rosto para controlar o inchaço e pressione o corte para conter o sangramento. Volto já.
Leslie saiu da sala em passos rápidos, deixando Delilah e Bruce no silêncio sufocante do consultório. Assim que a porta se fechou, Delilah deu um passo à frente, estreitando o olhar na direção de Bruce. A mão dele, instintivamente, ergueu-se em busca da bolsa de gelo, mas ela foi mais rápida, afastando a mão dele gentilmente.
── Eu cuido disso ── disse ela, sem desviar os olhos dos dele, sua voz firme, mas com um toque de cuidado. ── Você não pode fazer duas coisas ao mesmo tempo.
Bruce hesitou por um momento, encarando-a com uma intensidade silenciosa velada a sua feições. Ele sabia que não adiantaria discutir, não naquele estado. Relutante, abaixou a mão, voltando a pressionar o corte em seu braço. Delilah se aproximou, pressionando suavemente a bolsa de gelo contra o rosto dele, analisando-o com cautela, seu olhar se perdendo sobre os traços do rosto dele.
Em contrapartida, Bruce respirou fundo, seus olhos piscando ligeiramente ao sentir o choque frio no rosto. Fechou um dos olhos e soltou um suspiro profundo por seus lábios entreabertos, seus músculos tensos lentamente relaxando contra o local onde estava deitado.
── Vai ficar dolorido por alguns dias, mas logo vai desaparecer ── comentou ela suavemente, observando de perto as feições dele enquanto mantinha a bolsa no lugar. ── Não é tão ruim. Poderia ter sido muito pior.
Ele assentiu em silêncio, seu olhar perdido por um instante, absorvendo as palavras dela.
── E agora? ── Bruce perguntou depois de um breve silêncio.
── Agora, o quê? ── Delilah questionou com o cenho franzido e sem parar de observar o inchaço no rosto dele.
── O que pretende fazer com o que descobrimos? ── A voz de Bruce era calma, mas havia uma expectativa subjacente.
Delilah suspirou, afastando a bolsa de gelo por um momento, avaliando a situação. Colocou-a novamente no rosto de Bruce, dessa vez um pouco mais acima.
── Ainda estou decidindo. Poderia ir falar com o Gordon, mas... não temos provas concretas ── admitiu ela, os olhos firmemente fixos nos dele. ── Eu teria que contar tudo: o que aconteceu na Universidade, na casa dos Stirk... e ainda assim, não seria o suficiente. Além disso, tem o Savage.
Bruce franziu a testa, compreendendo a linha de raciocínio dela.
── Savage não considera o caso de Jeremiah parte do caso do Ceifador ── afirmou ele. ── Se você mencionar seu gravador agora, ele pode alegar que estava escondendo provas.
── Exatamente ── Delilah concordou, sua expressão se tornando mais pensativa. ── E isso só tornaria tudo pior. No momento, ainda tenho uma chance de voltar ao caso. Se ele achar que não sou confiável, essas chances vão desaparecer. Talvez seja melhor guardarmos o que descobrimos entre nós, por enquanto. Podemos seguir a pista da Emiko, sobre a tentativa de fuga de Jeremiah da cidade.
Bruce ponderou por um instante, seu olhar afiado fixo no rosto dela.
── Como planeja fazer isso?
── Agora que sabemos que ele usava outras identidades para despistar possíveis suspeitas, podemos começar a rastrear esses nomes ── sugeriu ela, movendo a bolsa de gelo para uma nova área inchada no rosto dele. ── Ele pode ter usado um desses nomes para alugar um apartamento fora de Gotham, ou até um quarto de hotel.
Bruce permaneceu pensativo, balançando a cabeça em concordância.
── É uma boa ideia, mas não vai ser fácil rastrear todos esses nomes ── comentou ele, cético.
Um sorriso malicioso surgiu nos lábios de Delilah, seu olhar ganhando um brilho de confiança.
── Não se preocupe. Conheço alguém que pode nos ajudar com isso.
Bruce ergueu as sobrancelhas, intrigado. Antes que pudesse formular a pergunta que se formava em sua mente, a porta do consultório se abriu novamente, revelando Leslie.
── Pronto ── disse ela, batendo as mãos uma na outra, como se tivesse concluído uma tarefa árdua. ── Paciente dispensado. Agora, vamos cuidar desse corte antes que você sangre até a morte no meu consultório.
Era um eufemismo, claro. O corte precisaria de pontos, mas não chegava tanto. Leslie retirou o pano e avaliou o ferimento em silêncio, enquanto Delilah dava um passo para trás, afastando a bolsa.
── Parece que você não está tendo dias fáceis, Bruce ── comentou ela, com um toque de ironia velada. ── Sempre se metendo em situações complicadas, hein?
── Você já cuidou de piores ── respondeu Bruce finalmente, seu tom baixo e controlado, enquanto fitava Leslie, os dois trocando olhares naquele momento que parecia carregar certas palavras não ditas.
A doutora, por sua vez, riu, parecendo concordar com o que Bruce havia dito. Ela puxou a cadeira para perto da maca e sentou-se para pode começar a cuidar do braço estendido de Bruce.
── Ah, sim. Com certeza, ── Thompkins respondeu, com uma risada suave que trouxe um ar de leveza ao ambiente. Ela olhou para Delilah, que observava a cena com curiosidade, e fez um gesto na direção do Wayne. ── Esse aqui sempre foi um encrenqueiro. Uma vez, quando era garoto, decidiu escalar a mansão. Caiu e quebrou o braço. Alfred e os pais dele quase tiveram um ataque.
Delilah riu, a imagem de um jovem Bruce Wayne escalando a antiga mansão Wayne parecia absurda e, ao mesmo tempo, completamente crível.
── O que você tinha em mente para escalar a mansão? ── ela perguntou, o riso ainda escapando de seus lábios.
── Acho que estava entediada ── Bruce deu de ombros, a expressão levemente divertida, mas ainda contida quando fez uma careta no momento em que Leslie passava a agulha por sua pele.
── Você sempre se entediava rápido ── Leslie costurava o ferimento com calma, seus olhos escuros focados. O trabalho de suas mãos era quase automático, mas suas palavras carregavam uma nostalgia afetuosa quando falou ── Sabíamos que você estava tramando algo quando ficava muito tempo em silêncio.
Delilah balançou a cabeça, um sorriso dançando em seus lábios enquanto lançava um olhar para Bruce, um brilho de provocação em seus olhos.
── Droga, então ele não mudou. ── praguejou ela, divertindo-se enquanto Bruce ergueu uma sobrancelha, uma expressão de ceticismo carregada de um humor discreto, como se dissesse "sério mesmo?". ── Tem mais histórias constrangedoras dele para contar? Eu adoraria ouvir todas.
Delilah puxou uma cadeira para se sentar e Leslie sorriu enquanto trabalhava, sem desviar o foco.
── Tenho algumas, mas não muitas. Alfred seria a melhor pessoa para isso, ── admitiu a doutora. ── Ele está ao lado de Bruce há mais tempo do que eu, ultimamente. Seis anos sem nos vermos, e a primeira vez que ele aparece é com um corte para eu costurar. ── Ela fez um som leve, um "tsk" baixo enquanto encarava Bruce. ── Velhos hábitos nunca morrem.
Bruce a observava, o rosto ainda impassível, mas seus olhos escuros mostravam um lampejo de arrependimento, ou talvez saudade.
── Você sempre foi bem-vinda na torre. Sabe disso. ── ele disse com seriedade, sua voz carregando mais peso do que a simples oferta que as palavras sugerem.
Delilah manteve-se em silêncio, sentindo o subtexto na conversa e, por um breve momento, sentiu-se uma intrusa naquele espaço.
No entanto, Leslie escolheu não responder. Seu silêncio não foi frio, mas deliberado. Ela permaneceu focada no ferimento, trabalhando com precisão e calma, enquanto as palavras de Bruce ficavam suspensas no ar, sem resolução. O gesto dela de não responder falou tanto quanto uma frase cheia de emoções. Para Delilah, aquele instante foi revelador. O afastamento de Leslie parecia ter mais camadas do que a simples questão de ser ou não bem-vinda na vida de Bruce. Havia algo mais ali, uma razão mais profunda para o distanciamento que não era compartilhada à superfície. Talvez uma mágoa? Ela não sabia dizer.
Delilah, apesar da curiosidade que crescia dentro dela, sabia que não era o momento para perguntas. Havia uma linha tênue de respeito que ela não queria cruzar, e Bruce certamente não apreciaria que ela sondasse tão profundamente sua vida pessoal, ainda mais na frente de Leslie. Em seu trabalho como legista, Delilah sabia quando pressionar por respostas e quando recuar. E, naquele momento, recuar era a melhor opção.
Mas ela não pôde deixar de refletir. Cada vez que conhecia mais pessoas que orbitavam a vida de Bruce, a imagem que formava dele ficava mais complexa e ficava cada vez mais intrigada sobre o que o levou a se afastar durante tanto tempo. Entretanto, sabia que, por mais que tentasse desvendar o mistério que era Bruce Wayne, sempre haveria mais camadas por baixo da superfície. E, por algum motivo, ela gostava disso.
Quando a doutora terminou de costurar, ela limpou a área ao redor do corte com cuidado antes de enfaixá-lo. Seu olhar passou de Bruce para o ferimento finalizado, e ela respirou fundo, satisfeita com o trabalho que fez.
── Pronto. Mais uma cicatriz para sua coleção, ── comentou Leslie, a voz suave, mas com um toque de ceticismo que indicava que ela não esperava que essa fosse a última vez que o costuraria. ── Agora, tente ficar longe de problemas por pelo menos alguns dias, sim?
── Não posso prometer nada. ── Bruce respondeu com a voz calma, colocando-se de pé e alcançando o casaco que deixou descansando nas costas da cadeira.
Delilah ficou de pé, inclinando-se levemente em direção a Leslie.
── Eu diria que ele vai seguir o conselho, mas acho que ambos sabemos que ele não vai ── murmurou ela, meio brincando, meio séria.
Leslie sorriu, mas havia cansaço em seu olhar. ── Não. Ele nunca segue.
Os três caminharam até a porta, saindo para o corredor em direção à recepção. O som de vozes abafadas e o eco de seus passos reverberava nas paredes da clínica silenciosa. Estella, ainda atrás do balcão, agora falava ao telefone, gesticulando levemente enquanto anotava algo em um bloco. Na sala de espera, um homem mais velho, com o rosto um tanto enrugado e pele manchada pelo vitiligo, estava sentado, folheando distraidamente uma revista desgastada. Provavelmente era o paciente que Leslie aguardava.
Ao passarem por ele, Leslie lançou-lhe um rápido sorriso de cumprimento antes de guiar Bruce e Delilah em direção à saída. Lá fora, a luz do final da tarde já tingia o céu com um laranja suave, o ar frio de Gotham envolvendo-os. Leslie segurou a porta aberta com um gesto ágil e silencioso, permitindo que ambos passassem pelo batente.
── Obrigado, Leslie ── disse Bruce, parando por um momento ao lado da médica, sua expressão cortês mas firme, típico dele. ── Se eu puder retribuir de alguma forma...
── Não precisa, Bruce ── ela respondeu, seus olhos exibindo uma mistura de gratidão e afeto. ── Você é sempre bem-vindo aqui. Não só porque investiu na clínica, mas pelo que ela representa para você. Para todos nós.
Bruce assentiu levemente, como se aquelas palavras tocassem algo mais profundo dentro dele, mas não quisesse deixar transparecer. Ele enfiou as mãos nos bolsos do casaco, retirando a chave do carro com um movimento lento, quase distraído. Delilah, por sua vez, deu um passo à frente, estendendo a mão para Leslie em um gesto de cortesia enquanto Bruce se afastava.
── Foi um prazer conhecê-la, Dra. Thompkins.
── Só Leslie, querida ── ela corrigiu com um sorriso afável, mas firme, seus olhos brilhando com a serenidade ── Também foi ótimo conhecer você. Cuidem-se, os dois.
── Você também ── respondeu Delilah, sua voz soando mais suave do que o habitual.
Bruce já havia se adiantado, destrancando o carro com um clique suave. Delilah acompanhou seus passos, mas antes de entrar, olhou por cima do ombro. Leslie ainda estava na porta, agora de braços cruzados e com seus olhos seguindo-os, mas havia algo no modo como ela observava Bruce partir - talvez com uma certa preocupação velada que Delilah ainda não compreendia completamente.
Quando se acomodou no banco do passageiro, Bruce já estava ligando o veículo, com as mãos firmes no couro macio do volante, mas seu olhar ainda parecia distante, como se algo o incomodasse. Ele acenou uma última vez para Leslie antes de acelerar o motor e deixar a vaga de estacionamento, o som suave preenchendo o breve silêncio entre ele e Delilah enquanto se afastavam da clínica, o nome "Thomas Wayne Memorial" reluzindo na placa à distância.
Quando retornam aos arredores de Narrows, o crepúsculo já começa a pintar o céu com tons de roxo e laranja, enquanto a cidade mergulha na escuridão que traz consigo o caos do trânsito e a pressa das multidões para casa. As ruas estão cheias de trabalhadores exaustos, correndo para pegar os últimos transportes, mas Delilah mal percebe o tumulto ao seu redor. Ela está alheia à movimentação da cidade, mordiscando distraidamente a unha enquanto seu olhar se perde na janela do carro.
Bruce dirige em silêncio, concentrado nas ruas congestionadas, mas seus olhos se desviam por um instante, observando o edifício em frente ao qual ele para o carro. Ele desliga o motor com um movimento lento, quase hesitante, e ambos ficam em silêncio, apenas com uma música qualquer tocando no rádio para preencher o espaço entre os dois. Era raro encerrar uma investigação tão cedo, e esse término precoce trazia um incômodo indefinido para Delilah. Ela sabia que, se voltasse para o apartamento agora, ficaria obcecada em tentar desatar os nós de um caso que parecia estar longe de uma solução.
Ela respira fundo, agradecendo a Bruce, mas o faz com uma hesitação que não lhe é típica. Há algo a perturbando, um pensamento que ronda sua mente desde o momento em que saíram da clínica. Assim que saí do carro, Delilah dá alguns passos na direção da entrada do prédio, seus sapatos ecoando pelo asfalto enquanto o vento da noite começa a trazer o frio.
No entanto, ela para de repente e se vira para Bruce.
Ele ainda está lá, como sempre. Sentado no carro, esperando. Essa pequena rotina havia se tornado familiar, quase reconfortante. Bruce nunca ia embora antes de vê-la entrar no prédio. Ele ficava ali, estacionado, os faróis do carro iluminando a entrada até que ela desaparecesse completamente de sua vista.
── Sabe, ainda está cedo ── ela comenta, sua voz cortando o silêncio com uma suavidade inesperada. Ela enfia as mãos nos bolsos do sobretudo, seus dedos roçando as chaves que ali estavam. O nervosismo a corrói por dentro, uma sensação estranha para alguém tão acostumada a manter o controle. ── Estava pensando em ir a um bar aqui perto. Quer me acompanhar?
Bruce a observa com um olhar que parece pesar suas palavras, um braço ainda descansando sobre o volante, os olhos brevemente recaindo sobre o relógio em seu pulso. O silêncio entre os dois parece se estender, e cada segundo alimenta a incerteza que cresce dentro de Delilah. Será que foi uma má ideia? Talvez, depois da tensão daquela noite, não fosse o momento ideal para os dois se sentarem em um bar e beberem juntos.
Ela sente o gosto do arrependimento na boca, misturada com a sensação amarga da incerteza, mas Bruce, não parecia afetado por isso, pois simplesmente gira a chave na ignição e a retira com calma.
── Claro. ── ele responde, agindo de forma casual e instintivamente ela relaxa.
O bar, logo na esquina do complexo de apartamentos onde Delilah mora, exalava uma atmosfera peculiar assim que eles cruzaram a porta.
O contraste com a rua fria e agitada de Gotham era notável. Ali dentro, o calor aconchegante se misturava com os murmúrios constantes de conversas, risadas abafadas e o som de uma música suave - algo que Delilah não reconheceu, mas que parecia se misturar ao ambiente perfeitamente. O local não estava lotado ainda, mas, às 17h30, estava claro que o ritmo da noite já começava a esquentar e mudar o estado daquele ambiente.
O palco à esquerda estava sendo arrumado para um show, e algumas cadeiras e cabos estavam espalhados pelo chão, antecipando o evento. Em um canto mais escuro, três homens mais velhos estavam concentrados em um jogo de cartas, ignorando o mundo ao redor como se aquilo fosse o único evento importante de suas vidas naquele momento. Um jovem casal bebia e ria em um canto mais escuro do estabelecimento e uma mulher mexia no celular sozinha em uma das mesas, enquanto alguns garçons finalizavam a arrumação.
Bruce observou tudo com muita atenção, seus olhos azuis varrendo o bar como se estivesse analisando cada pessoa, cada detalhe à vista. Delilah, no entanto, movia-se com familiaridade, indicando que já tinha passado muitas noites ali antes. Ela caminhou com facilidade por entre as mesas de madeira, que refletiam a luz baixa e amarelada. Chegando ao balcão, Delilah apoiou um braço sobre a madeira gasta e sorriu para o barman, um homem alto que se chamava Hank e possuía uma barba ruiva cheia e muitas tatuagens em seus antebraços. O homem retribuiu o sorriso com a mesma familiaridade e foi amigável com ela enquanto conversavam, enquanto Bruce ficou em silêncio, observando a interação entre os dois, escutando Delilah fazer o pedido de duas cervejas e uma porção de batatas fritas.
── Quer mais alguma coisa? ── perguntou ela, com um toque de casualidade, enquanto olhava na direção dele por cima do ombro.
── Não, só as batatas está ótimo ── Bruce respondeu de braços cruzados.
Delilah assentiu e voltou-se novamente para o barman finalizando os pedidos. Não demorou muito até que ela segurasse as duas garrafas de cerveja, já abertas, e entregasse uma para Bruce. Ele pegou a garrafa, escutando "Seventeen Going Under" começar a tocar, pronto para seguir até uma das mesas vazias, mas Delilah surpreendeu ao caminhar na direção oposta, em direção às mesas de sinuca do lado direito do bar.
Bruce a seguiu com o olhar, curioso. Delilah apoiou sua garrafa na borda da mesa de sinuca e pegou um dos tacos pendurados na parede. Indicando ter a destreza de alguém que já tinha feito isso muitas vezes antes, ela limpou a ponta do taco com giz, enquanto seus olhos verdes, agora brilhando com um certo desafio contido, se erguiam para encontrar os de Bruce.
── Sabe jogar? ── perguntou, buscando manter uma expressão neutra em seu rosto.
Bruce simplesmente assentiu, seus olhos fixos nela, mas sem expressar muito além da sua calma habitual.
── Sei.
── Ótimo. ── O sorriso de Delilah se tornou provocador. Ela pousou o taco na mesa e, com um gesto fluido, retirou o sobretudo que vestia, deixando-o cair sobre uma cadeira próxima. ── Quem perder paga a conta.
Bruce ergueu uma sobrancelha, tentando esconder o quanto aquela provocação o divertia, mas a forma que ela age o impulsiona a agir da mesma forma.
── Tudo bem ── respondeu, aceitando o desafio com a mesma serenidade calculada de sempre.
Colocando a garrafa de cerveja sobre a mesa, Bruce retirou o próprio casaco e o pendurou de forma despreocupada no encosto de uma cadeira. Ele puxou as mangas da gola alta que vestia, revelando os antebraços definidos, e caminhou até os tacos pendurados, escolhendo um com cuidado. Delilah o observava, seu olhar avaliando-o como quem já esperava que ele fosse meticuloso até em algo tão simples, mas também tentando ignorar como a forma que ele agia a afetava.
Ela se ocupou em retirar o triângulo da mesa, mantendo as bolas posicionadas, enquanto Bruce usava o giz no taco de madeira que escolheu para polir a superfície. Posicionando-as cuidadosamente, olhou para o homem com um brilho nos olhos e esperou com paciência ele terminar o que fazia.
── Você pode começar ── disse ele, encontrando o olhar dela do lado oposto ao que estava.
Sem retrucar, Delilah caminhou ao redor da mesa, assumindo sua postura ao lado da bola branca, inclinando-se ligeiramente para encontrar o melhor ângulo.
Ela parou ao lado da mesa, calculando o ângulo com precisão antes de se inclinar, seu corpo alinhado com o taco. Com um golpe certeiro, Delilah acertou a bola branca, e o som das bolas batendo umas nas outras preencheu o ambiente. Três delas caíram nas caçapas com uma destreza inesperada. Ela sorriu, satisfeita, endireitando-se enquanto olhava para Bruce com um ar de desafio.
── Parece que a conta vai ser sua hoje ── brincou, dando um leve passo para trás, como se estivesse convidando-o a responder.
Bruce, no entanto, não parecia abalado. Ele se aproximou da mesa, os olhos sempre atentos, mas sem pressa.
── Ainda é cedo para dizer ── murmurou ele com naturalidade. ── Mas não seria uma surpresa se fosse.
Ela bufou, afastando uma mecha de cabelo do rosto, e revirou os olhos no processo demonstrando impaciência. Delilah cruzou os braços, observando-o enquanto ele mirava com cuidado.
── O que está tentando insinuar? ── ela indagou. Por sua vez, Bruce conteve um sorriso, um daqueles sorrisos sutis que revelavam pouco, mas sugeriam muito.
── Nada.
Delilah semicerrou os olhos, demonstrando não acreditar no que ele dizia. Bruce então deu sua tacada. As bolas rodaram pela mesa, duas delas caindo com facilidade.
── Nada mal, Wayne ── disse Delilah, um tom ácido e provocador.
Ele se endireitou, permitindo que Delilah tomasse a vez e demonstrando uma reação contida em relação à fala dela. Bruce recuou, apoiando-se em um banco próximo, os braços cruzados, enquanto a observava caminhar até a branca para sua próxima jogada.
Ela se inclinou novamente, os olhos focados, os músculos tensos com a expectativa. A bola branca acertou seu alvo, batendo em duas outras bolas, mas apenas uma caiu na caçapa. Delilah se ergue, satisfeita com o que conseguiu fazer e encara Bruce do outro lado e alo
── Certo, então vamos mudar o desafio ── disse Delilah, sua voz carregada de intenção, caminhando lentamente ao redor da mesa e parando de costas para ela, voltada para Bruce ── Já que você não está levando a sério a questão da conta.
── Eu não disse isso. ── Ele respondeu, dando um gole em sua cerveja.
── Mas insinuou ── retrucou ela, cruzando os braços enquanto o encarava com firmeza. ── O vencedor escolhe o que quiser.
Bruce riu, uma risada baixa e controlada, balançando a cabeça de um lado ao outro.
── Não estamos no colegial, Delilah. ── ele diz quando seus olhos encontram os dela.
── Ei, é uma competição amigável ── disse ela, sua voz carregada de sarcasmo e inclinando-se levemente para trás, apoiou-se na mesa ── Você deu sorte de eu não sugerir que a gente apostasse. Eu acabaria com sua empresa no meu nome.
O sorriso de Bruce se alargou por um breve instante, mas logo se recompôs, levantando-se de onde estava meio sentado no banco de madeira. Ele deu alguns passos até parar diante dela, seu corpo se erguendo alguns centímetros acima do dela, fazendo com que tivesse que olhar para cima para encontrá-lo. A proximidade era intensa. Bruce é quente. O cheiro dele é bom e se tornou familiar para ela quando envolve seus sentidos.
Em vez disso, manteve o olhar firme, tão concentrada em decifrar as expressões de Bruce quanto ele estava em observar as dela. Contudo, isso não a impediu de sentir o efeito que a presença dele provocava. Uma onda de nervosismo a atingiu, e ela engoliu em seco, os pensamentos coerentes evaporando rapidamente de sua mente.
── E o que você faria com a Wayne Enterprises? ── ele perguntou, a voz baixa, os olhos semicerrados, observando cada nuance da expressão dela.
Delilah sorriu de canto, seus olhos faiscando com o mesmo fogo de antes quando os olhos de Bruce caíram para os seus lábios.
── Eu faria melhor do que você.
Ele umedeceu os lábios no mesmo instante, levemente afetado pelas palavras dela e aquelas ações cheia de segundas intenções. Bruce desviou o olhar para o lado por um minuto, mas logo voltou a fitar aquelas orbes esverdeadas que fitavam seu rosto com intensidade.
── Não tenho dúvida disso, ── ele respondeu calmamente. ── mas vou jogar com cautela dessa vez. O vencedor escolhe o que quiser do perdedor, você conseguiu.
── Ótimo. ── ela comentou. ── Acho que vou gostar muito do resultado disso.
── Tenho certeza que você vai.
Eles mantiveram o contato por mais um instante, Delilah conteve um sorriso.
── Eu posso? ── ele sinalizou para a bola atrás dela, pedindo-a sem palavras para que lhe desse licença.
── Claro ── Delilah assentiu. Endireitando sua postura, ela chegou próximo ao ouvido dele e sussurrou. ── Mas não facilite pra mim. Eu gosto de um bom desafio.
No instante seguinte, ela se afastou e caminhou até sua cerveja. Bruce fechou os olhos por um momento para se recompor, enquanto ela não estava olhando e respirou fundo. Ele tentou se concentrar no jogo e não nas palavras dela que lentamente se infiltraram em seu cérebro, ecoando em sua cabeça. Delilah mordeu o lábio inferior, buscando esconder o sorriso que queria crescer em sua boca.
Enquanto Bruce alinhava o taco para a próxima tacada, Delilah o observando meticulosamente à distância, uma das garçonetes deixou a porção de batatas deles em uma mesa redonda próxima a mesa de sinuca e partiu depois que Delilah a agradeceu, entretanto a mulher nem notou. A loira focou em Bruce, sorrindo para ele e dando risadinhas, enquanto se insinuava para o homem. Ela se afastou balançando os quadris, tentando chamar a atenção de Bruce que estava concentrado demais no que fazia para nota-lo por mais do que 3 segundos.
Perante as ações daquela mulher, Delilah comprimiu os lábios, desgostosa. Ela a fitou com intensidade enquanto a mesma se afastava e deu um longo gole em sua cerveja. Quando Bruce finalmente acertou a bola branca, alheio ao que estava acontecendo e ao leve mau humor que se apoderou de sua adversária, Delilah estava levando alguns dos petiscos à boca e bebendo da cerveja que segura, o taco sendo segurado pela curva de seu braço. Bruce consegue fazer com que dois acertos.
── Fiquei surpreso de termos tanto em comum. ── ele comenta ao seguir na direção da bola branca um tempo depois. ── Isso meio que despertou meu interesse.
── Está se referindo ao fato de que os nossos pais foram mortos na nossa frente? ── ácida, Delilah fala erguendo uma sobrancelha para ele enquanto a garrafa de cerveja para a centímetros de seus lábios.
── Hã... não. Estava me referindo ao fato de que nós dois gostamos de jogos complexos e de desafios.
Instantaneamente, Delilah piscou os olhos algumas vezes desviando o olhar, enquanto sentia suas bochechas esquentando, envergonhada pelo o que disse. Bruce continuou a observando, não demonstrando estar abalado ou irritado pelo o que ela disse, mas ela pragueja para si mesma. Ya allah, uma a expressão em arábe fluindo de seus lábios espontaneamente naquele momento, quando notou o que havia dito de forma imprudente.
── Me... Me desculpa. ── Ela balançou a cabeça, visivelmente desconfortável com a própria resposta precipitada ── Eu... eu estava falando de outra coisa, não devia ter dito aquilo.
── Não precisa se martirizar por isso. ── Bruce a interrompeu com uma calma que parecia desarmá-la. ── Isso não é algo que me incomoda. Sério.
Delilah soltou um suspiro, tentando recuperar o controle da situação, mas o desconforto ainda estava ali.
── Não, é que eu realmente não queria ter falado aquilo desse jeito... Na minha cabeça, soou totalmente diferente ── Delilah balançou a cabeça novamente e fechou os olhos com força. ── Que vergonha. Eu realmente não pensei na hora de falar, perdi a noção.
Bruce sorriu de leve, um sorriso raro e sincero, tentando suavizar o clima.
── Acredite, você não precisa se preocupar com isso. ── Ele se inclinou um pouco mais, o tom de voz assumindo uma suavidade quase cúmplice. ── Já ouvi e vivi coisas bem mais desconfortáveis.
Delilah riu, uma risada breve e um pouco nervosa, mas que dissipou parte do peso do momento quando abriu os olhos e o fitou.
── Acho que não vou mais tentar adivinhar o que você pensa. Não sou muito boa nisso.
── Bom, ── ele cruzou os braços e arqueou uma sobrancelha, o olhar divertido retornando ao seu rosto. ── se quer saber o que mais eu realmente penso... Eu também acho que temos em comum o fato de que nós dois sempre preferimos trabalhar sozinhos. Esse desejo de independência, de fazer as coisas à nossa maneira.
Delilah franziu o cenho por um instante, absorvendo as palavras de Bruce, e ponderou, avaliando. Havia algo de incômodo, mas também familiar, naquela observação fazendo-a chegar à conclusão que sim, fazia sentido. Ela balançou levemente os ombros, em um gesto resignado, aceitando a verdade desconfortável. Ambos, afinal, compartilhavam uma tendência de manter distância, de afastar-se dos outros, preferindo enfrentar suas batalhas sozinhos. Era uma armadura que ambos usavam constantemente, uma necessidade visceral de não depender de ninguém.
── Acho que você está certo ── admitiu, sua voz agora mais suave, como se ao aceitar isso, parte da tensão dentro dela se dissipasse. ── Somos controladores... e um tanto teimosos, né?
O canto dos lábios de Bruce se curvou para cima, quase imperceptível, carregando uma cumplicidade silenciosa.
── Algo assim.
Delilah retribuiu com um sorriso discreto, e a rigidez em seus ombros foi se dissolvendo aos poucos, como se a atmosfera e a conversa tivesse suavizado sua influência. À distância, o som vindo do palco montado recentemente preencheu o espaço, e uma banda assumiu o dever do entretenimento, o vocalista começando a cantar uma versão um pouco mais agitada de "Fast Car", de Tracy Chapman. Ao reconhecer a melodia, Delilah começou a cantarolar a letra, enquanto caminhava em direção à mesa de sinuca para fazer sua jogada.
Ela seguia o ritmo em sua própria cadência, cantarolando o refrão de maneira quase despreocupada, os olhos evitando o contato com Bruce, que, mesmo bebendo alguns goles da cerveja, não conseguia desviar o olhar de seus movimentos por muito tempo. Cada gesto dela parecia prender sua atenção de maneira sutil, como se houvesse algo ali que ele nunca tivesse notado antes. O sorriso que ameaçava surgir em seus lábios foi cuidadosamente disfarçado por trás da garrafa, enquanto ele a observava acertar duas bolas consecutivas, irradiando uma alegria genuína que raramente via.
Era um momento de leveza, uma pausa rara na investigação, os últimos acontecimentos pareceram sumir de suas mentes. Bruce notou, quase com surpresa, que nunca a tinha visto assim, tão relaxada, tão à vontade sob a luz suave do ambiente. Ali, longe das preocupações que habitualmente pairavam sobre suas cabeças, Delilah parecia diferente. Não sob a tensão costumeira, não presa na seriedade que os envolvia, era uma versão dela que ele não conhecia - ou, melhor, que ela não havia exposto antes e, quando ele percebeu isso, o sorriso não estava em seu rosto, mas seus olhos nunca deixaram de acompanhá-la.
O jogo prosseguiu em um ritmo descontraído. As conversas diminuíram, agora limitadas a breves provocações e risadas ocasionais. No final, Bruce cedeu à derrota com uma aceitação tranquila, percebendo que não conseguia mais se concentrar no jogo a algum tempo e observando enquanto Delilah encaçapava a última bola, selando sua vitória com um sorriso vitorioso que não saía de seus lábios.
Ele não era um mau perdedor, e de algum modo, vê-la tão radiante, tão imersa naquele triunfo momentâneo, era mais satisfatório do que qualquer vitória que ele pudesse ter tido.
Quando a noite chega ao fim, Bruce paga a conta enquanto Delilah se encarrega de pegar os casacos. Ao saírem pela porta do bar, já vestidos, são imediatamente envolvidos pelo vento gélido daquela segunda noite de Dezembro. A transição das estações se manifesta pelo primeiro floco de neve, que desce suavemente do céu.
Delilah para na calçada, erguendo o olhar em direção ao céu, seus olhos verdes refletindo a luz fraca dos postes enquanto os flocos caem vagarosamente. Seus lábios se entreabrem, e uma pequena lufada de ar quente escapa, formando uma nuvem efêmera de vapor, logo dissolvida pela noite. Ela estende a mão, permitindo que um floco se deposite em sua palma, apenas para vê-lo desaparecer quase no instante em que toca sua pele. Ela permanece ali, como se o tempo tivesse desacelerado, até sentir a presença de Bruce parado alguns passos atrás, observando em silêncio.
Quando ela se vira, olhando-o por cima do ombro, um sorriso suave se desenha em seus lábios, uma curva discreta que parece aquecer o ar ao redor deles. Bruce sente um calor subir em seu peito, um calor que ele tenta racionalizar, culpando o leve efeito do álcool, embora soubesse muito bem que o motivo era muito mais profundo. Ele não queria admitir o que aquilo realmente significava. Era uma sensação que ele controlava há muito tempo - ou pelo menos tentava.
Caminham em silêncio, lado a lado, em direção ao apartamento de Delilah. A neve cai com mais frequência agora, um cobertor branco que parece suavizar tudo ao redor, amortecendo os ruídos e as inquietações. Poucas pessoas cruzam o caminho deles, e o mundo parece suspenso em uma paz momentânea. O silêncio entre os dois não é desconfortável; ao contrário, é quase íntimo, como se eles não precisassem de palavras para preencher o espaço entre eles. Porém, quando param em frente ao edifício de Delilah, ela sente algo dentro de si vacilar. A noite fora boa, quase perfeita, mas agora, ao encarar a porta familiar, uma familiar inquietação a invade. Ela não queria voltar para o apartamento vazio, enfrentar seus próprios pensamentos sozinha. Não ainda.
── Então... obrigada por essa noite. Foi... muito bom ── ela diz, a voz carregando uma leve hesitação enquanto seus olhos encontram os dele. Não tinha certeza do que mais deveria dizer.
Bruce assentiu, seus olhos azuis refletindo uma compreensão silenciosa.
── Você ainda não me disse o que quer ── respondeu ele, fazendo alusão ao jogo de sinuca que haviam disputado antes, e ao fato de que ela, vitoriosa, ainda não havia revelado seu desejo.
Um sorriso discreto tocou os lábios de Delilah. Ela desviou o olhar para a rua, mordeu o lábio inferior, pensativa, como se ponderasse sobre as palavras que viriam. Por um instante, o desejo de recuar a invadiu.
── Acho que ainda não sei o que eu quero ── respondeu, enfim, sua voz suave, quase vulnerável. Pensou que seria o momento certo para encerrar a noite, talvez se despedir, quando Bruce, com um gesto, interrompeu seus pensamentos.
Mais flocos descem do céu, alguns se prendendo nos cabelos dela, outros decorando seus cílios. Bruce levanta a mão, removendo delicadamente os flocos presos perto do rosto delicado, enrolando uma mecha de seu cabelo entre os dedos. Enquanto ele faz isso, Delilah mantém o olhar fixo nele, observando cada detalhe das feições do homem à sua frente.
Enquanto eles estão parados um de frente para o outro na calçada, aquele momento silencioso se prolongando, uma padaria ao lado está recebendo um carregamento de açúcar a granel, levando-o para o porão como se fosse cimento, e não é possível ver nada além das silhuetas dos entregadores na nuvem branca e doce. Bruce se aproxima de Delilah, e ela se volta para ele, encontrando-o no meio do caminho, onde a neve e o açúcar se misturam ao redor dos dois.
── Acho que você sabe exatamente o que quer ── disse ele, sua voz grave, o tom mais íntimo, mais perto. ── Nós dois sabemos.
Por sua vez, Delilah acaba prendendo a respiração sem perceber, mas tenta conter o nervosismo que sente quando o ar entre os dois muda.
── Sabe, você não está facilitando as coisas para mim agora ── murmurou ela, soltando uma risada baixa e nervosa, sentindo a proximidade entre os dois crescer.
── Eu nunca facilitei ── respondeu Bruce, rouco, sua voz carregada de uma honestidade crua.
Bruce levantou a mão devagar, quase como se pedisse permissão, e tocou suavemente a linha do maxilar de Delilah. O toque era leve, mas carregado de significado, como se ele estivesse testando as águas, esperando para ver se ela recuaria. Ela não o fez. Ao contrário, inclinou-se levemente em direção ao toque, seus olhos nunca deixando os dele, seus batimentos tão altos em seus ouvidos que ela mal podia escutar os sons da cidade ao redor.
Ele percebe e corresponde ao olhar que ela lhe dá. O verde dos olhos dela encontra o azul dos dele, atraídos um pelo outro como se fossem pólos opostos de um ímã.
── Diga a verdade ── disse ele, a voz baixa e controlada, cada palavra proferida com cuidado. ── O que você quer?
Delilah engoliu em seco, sua garganta seca, mas seus olhos não deixaram os dele. Ela respirou fundo, sentindo o peso da pergunta. As palavras escaparam antes que ela pudesse pensar.
── Me beija ── sussurrou, tão baixo que por um segundo achou que ele não tivesse ouvido.
Mas Bruce ouviu. E respondeu da única maneira que importava.
Delilah nota os cílios de Bruce cobertos por grãos de açúcar, que brilham suavemente sob a luz enquanto uma nova rajada de vento frio os envolve. Então, a mão de Bruce sobe, seu polegar limpa os resquícios de açúcar dos lábios dela antes de se inclinar para sentir o gosto dela, e Delilah permite que ele o faça.
O movimento era sutil, mas deliberado. Seus lábios roçaram os dela com uma delicadeza que parecia contradizer toda a tensão e intensidade do momento, até que a boca dele cobre a sua, fazendo-a se sentir desnorteada quando o gosto suave do açúcar e da cerveja se misturam.
Os olhos de Delilah se fecham instintivamente, sentindo o frio da neve em suas bochechas, mas o calor dos lábios de Bruce se espalhava por todo o seu corpo, como se estivesse sendo consumida de dentro para fora. O beijo não era urgente, não era apressado, mas carregava o peso de todas as vezes que eles se seguraram, de todas as palavras não ditas e os toques evitados. Era um momento que parecia congelado no tempo, e ao mesmo tempo, parecia que aquele era o único desfecho possível para tudo o que haviam construído - e desconstruído - ao longo do tempo.
Uma mão dele se aloja no quadril dela, enquanto a outra sobe por sua nuca, segurando entre os fios de cabelo escuro. Delilah segura o braço e os biceps dele o trazendo para mais perto, aprofundando mais o beijo enquanto quase fica na ponta dos pés para acompanhá-lo com urgência. Na experiência dela, beijos são breves, mas Bruce se entrega e parece nunca terminar aquele contato. Ele a beija como se já estivesse dentro dela, como se a devorasse. A língua dele pressiona a dela, acaricia lentamente, a instiga a abrir mais a boca e o momento se estende até que ela inevitavelmente começa a se contorcer contra ele.
Quando finalmente se afastaram, seus rostos ainda próximos, Delilah respirou fundo, sentindo o peso daquele momento pairar entre eles enquanto ambos estavam ofegantes. Os olhos de Bruce pareciam mais suaves agora, suas pupilas dilatadas, menos carregadas pela dúvida que sempre parecia rondá-lo. Por um segundo, eles apenas ficaram ali, absorvendo a proximidade, como se estivessem reconhecendo a mudança sutil e irrevogável que havia ocorrido.
── Delilah, eu... ── Bruce começou, mas ela colocou um dedo sobre os lábios dele, silenciando-o com um sorriso suave, mas seguro.
── Não precisa dizer nada agora ── ela sussurrou, sua voz baixa e gentil. ── Não esta noite. Não há arrependimentos em mim. Nunca haveria.
Fitando-a intensamente, Bruce assentiu. E, após refletir sobre as palavras dela, sob a luz pálida do poste mais próximo, ele a beijou novamente, dizendo tudo o que não conseguia dizer com palavras, expondo toda a sua alma, através da ponta dos seus lábios.
AUTHOR'S NOTE.
I. | Não, não é miragem, nem ilusão, o beijo realmente aconteceu! [creepypasta de fogos de artifício] eu estava TÃO ANSIOSA pra escrever esse capítulo, juro. Passei dias pensando nele e, sinceramente, fiquei muito satisfeita e feliz.
II. | Tive certa dificuldades para escreve-lo, principalmente a parte da Leslie, minha escrita não me agradou muito e essa semana foi meio complicada para mim, mas esse final compensou o estresse. Dê coração, eu espero que vocês tenham gostado porque me empenhei muito nesse cap. para que ele ficasse satisfatório e condizente.
III. | Agora, vem aqui o aviso que eu sei que vocês (e eu) estavam ansiosos para ler: próximo capítulo temos conteúdo +18. Se você é menor de idade ou não curte smut/hot, recomendo que pule os próximos dos capítulos pois é apenas isso que eu tenho para oferecer neles. Fiquem na paz com essa informação, até a próxima sexta.
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