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𝟏𝟖. › FACES OF THE SINNER

𝟎𝟏𝟖.            AS FACES DO PECADOR

INVERNO⠀──⠀ DEZ. 2, QUINTA-FEIRA
NARROWS, COMPLEXO DE APARTAMENTOS.

ALGUMAS BARREIRAS invisíveis eram erguidas em Gotham, conforme dezembro avançava e o clima se tornava implacável pela cidade. A neve ainda não havia caído, era apenas o segundo dia do mês, mas os ventos eram como lâminas, cortando o ar e forçando as pessoas a se protegerem sob camadas de roupas grossas.

Delilah puxou seu sobretudo preto com força, fechando-o contra o corpo enquanto uma rajada gelada atravessava a calçada em frente ao seu prédio em Narrows, criando mais uma barreira entre ela e o conforto do lar.

Os transeuntes mal a notavam, contornando seu corpo sem hesitação. Ela enfiou a mão no bolso do casaco que usava sob o sobretudo e retirou o celular. A tela acendeu, revelando uma nova mensagem de Bruce, recém-chegada.

BRUCE ─ 13:30: Vou me atrasar. O trânsito em Somerset não está dos melhores.

DELILAH ─ 13:31: Quanto tempo?

BRUCE ─ 13:31: Suponho uns 30 minutos.

Ótimo, pensou Delilah, tempo suficiente para fumar um cigarro.

Ela digitou rapidamente uma última mensagem para Bruce — um simples "ok" — e guardou o celular no bolso do casaco. Olhando ao seu redor, seus olhos vagaram para a rua à frente onde o trânsito em Narrows era constante naquele horário da tarde. Do outro lado da rua havia uma loja de esquina, o lugar perfeito para encontrar o que queria. Um cigarro ajudaria a esfriar os pensamentos tumultuados, aplacar o que parecia ser um constante estado de alerta desde que se envolvera no caso do Ceifador.

Antes de dar o primeiro passo em direção à rua, uma mão delicada tocou seu antebraço, interrompendo seus pensamentos.

── Boa tarde, você tem um minuto? ── A voz era suave, mas o toque, embora breve, fez Delilah virar-se de imediato.

Uma mulher loira estava à sua frente, recuando rapidamente após o breve contato. Seus olhos verdes brilhavam de curiosidade, com uma postura confiante e incisiva, analisando a desconhecida. O cabelo brilhante caía nos ombros, extremamente lisos. Ela era um pouco mais baixa que Delilah, vestia um sobretudo cinza, botas que iam até o joelho e uma meia calça preta por baixo. Os olhos castanhos pareciam gentis, porém afiados ao mesmo tempo.

── Você é Delilah Morgan, certo? ── As palavras saíram com a suavidade de quem já sabia a resposta.

Delilah estreitou os olhos levemente, uma sombra de desconfiança escurecendo sua expressão. Ela não gostava de ser surpreendida, especialmente por estranhos que já pareciam saber demais.

── Sou, sim ── respondeu com um tom medido. ── No que posso ajudar?

── Meu nome é Vicki Vale ── disse a mulher, revelando um sorriso amplo que parecia treinado. Ela estendeu a mão, tão firme quanto o nome que carregava. ── Repórter investigativa da Gazeta de Gotham. Eu adoraria fazer algumas perguntas.

Repórter. A palavra ressoou como um alarme discreto na mente de Delilah. Ela conteve o impulso de revirar os olhos, mantendo uma expressão educada. Ainda assim, aceitou o aperto de mão de Vicki, usando o breve contato para avaliá-la com mais precisão. O terno bem ajustado, o cabelo perfeitamente alinhado, a postura decidida. Se tivesse prestado mais atenção antes, teria identificado à distância: Vicki exalava aquele ar típico de repórter investigativa. A mesma confiança que Delilah muitas vezes via em detetives veteranos.

── Eu tenho algumas curiosidades sobre você e o seu trabalho como legista ── disse Vicki, puxando da bolsa um caderninho já rabiscado com anotações. Ela segurava uma caneta na outra mão, pronta para anotar cada palavra. ── Um fonte anônima me disse que você é a legista por trás do caso do Ceifador. Isso é verdade?

A menção ao caso fez o estômago de Delilah se contrair, mas sua expressão permaneceu inalterada. Ela havia aprendido a dominar suas reações, mesmo quando algo a pegava de surpresa. Olhou para Vicki por um instante, avaliando o próximo movimento como quem jogava uma partida de xadrez com uma adversária desconhecida. Fonte anônima? Em Gotham, o anonimato costumava esconder mais do que revelava.

── Depende do que você considera "por trás" ── disse, com um meio sorriso enigmático. ── Meu trabalho é apenas técnico.

Minimizar seu próprio trabalho é a forma que Delilah encontra de tentar se retirar da linha de Vicki. Se a repórter a julgar desinteressante ou considerar seu envolvimento inútil, Morgan não seria mais necessária para ela.

Delilah se afastou ligeiramente, posicionando o corpo de modo que pudesse observar a rua ao mesmo tempo que mantinha Vicki em seu campo de visão. O vento cortante joga seus cabelos contra o rosto, enquanto ela avaliava mentalmente as opções de resposta.

── Técnico ou não ── insistiu Vicki, sua voz cortando o frio como uma lâmina precisa ──, seu nome tem sido mencionado em várias conversas sobre o Ceifador. As pessoas estão curiosas, Delilah. Você sabe como é... Um assassino à solta, a polícia sem respostas concretas, e uma legista talentosa como você envolvida no caso. Não é qualquer pessoa que lida com corpos assim.

── Várias conversas? Com quem você anda se informando?

── Isso não importa ── Vicki acenou com desdém. O sorriso dela suavizou, mas havia um brilho astuto nos olhos. ── O foco é o caso. O caso é importante, e as pessoas querem saber a verdade.

Delilah estreitou os olhos, notando a forma como Vicki tentava desviar do assunto. Por um momento, ela pareceu sem paciência, mas não tardou em retornar à sua forma doce.

── Tudo o que puder me contar. ── A jornalista deslizou para um tom de voz mais suave, como se estivesse tentando se aproximar da legista de forma mais amigável. ── Os detalhes que a polícia está deixando de lado, as pistas que não foram divulgadas. O que você sabe sobre o Ceifador que ninguém mais sabe? ── As palavras foram ditas com doçura, mas havia algo de afiado naquelas perguntas, como se ela estivesse tentando perfurar a fachada de profissionalismo de Delilah.

Por sua vez, Delilah encarou-a por um momento, pesando as implicações. Não era a primeira vez que repórteres tentavam extrair informações de forma sorrateira, os outros repórteres foram até o Mercy várias vezes atrás de respostas. A diferença é que eles não sabiam o envolvimento direto dela com o caso, então abordaram qualquer médico que aparecesse. Eles pararam depois de um tempo, quando o doutor Morrison passou ao tenente Gordon o que estava acontecendo.

Entretanto Vicki Vale era conhecida por ser persuasiva e inteligente, ela era diferente dos outros repórteres, e Delilah sabia que uma resposta mal pensada poderia acabar nas manchetes da manhã seguinte. Ela precisava jogar com cautela.

── Meu trabalho é examinar os corpos, Vicki. Não sou investigadora, e definitivamente não sou alguém que compartilha informações sensíveis para alimentar o público com sensacionalismo. ── Sua voz era firme, mas não hostil, ainda mantendo a diplomacia.

Vicki inclinou a cabeça, sem se abalar.

── Eu entendo. Mas você, como legista, tem um papel crucial nesse quebra-cabeça. Sei que as peças não se encaixam tão facilmente, especialmente quando um assassino como o Ceifador está envolvido. Ele não é qualquer criminoso. E as pessoas estão começando a perceber isso. ── Vicki apertou os lábios por um instante, como se decidisse mudar de tática. ── Delilah, sei que você quer justiça tanto quanto qualquer pessoa nesta cidade. Às vezes, compartilhar informações com a imprensa pode ajudar a pressionar a polícia a agir mais rápido... ou mesmo proteger quem ainda pode ser vítima.

Ela queria justiça, é claro. Já vira mais corpos do que gostaria em sua carreira, e o Ceifador deixava rastros particularmente perturbadores. Mas nada sobre aquele caso era simples, e ela sabia que, para cada informação vazada, havia um preço.

Ela respirou fundo e relaxou os ombros, preparando-se para encerrar a conversa, porque sabia que a repórter estava tentando apenas usá-la para benefício próprio.

── Eu entendo o que você está tentando fazer, mas, infelizmente, você não vai conseguir algo de mim. ── Com a postura agora mais assertiva, Delilah deixou um pouco da sua cordialidade de lado. ── Meu papel é garantir que os mortos falem por si, não através de mim. Fim da história, e fim dessa conversa também.

Vicki manteve o sorriso, mas era claro que não estava satisfeita. Ela guardou o caderno no bolso do casaco, parecendo pesar suas próximas palavras.

── Entendido. ── Ela sorriu, trocando o caderno por um cartão de visitas ── Mas se mudar de ideia, ou se achar que tem algo que o público precisa saber... só entrar em contato comigo.

Vicki estende o pequeno papel retangular na direção de Delilah que, por educação, o aceita. Ela lê o nome de Vicki e o número da mulher escritos com tinta escura.

── Mande uma mensagem quando precisar. Vai ver que temos muito em comum. ── disse ela, recuando levemente. ── Bruce pode lhe confirmar isso, ele me conhece tão bem e eu sei que vocês são... amigos. Foi bom te conhecer.

Observando enquanto Vicki se afastava, misturando-se com os transeuntes na rua, Delilah a fitou com um olhar impassível, notando que a fala da mulher era afiada com o intuito de ser uma farpa. O encontro deixará uma sensação desconfortável no ar, uma inquietação que encheu seu paladar com desgosto.

Sim, ela definitivamente precisava de um cigarro naquele momento.

Delilah atravessou a rua, buscando esquecer o que havia acabado de acontecer. Não era algo com que queria se ocupar naquele momento. A última coisa de que precisava era deixar uma repórter inconveniente roubar sua concentração. Gotham já era caótica o suficiente sem que seus pensamentos fossem invadidos por preocupações externas.

Ela entrou na loja de conveniência, o som da campainha na porta sendo um alívio temporário do barulho das ruas. Caminhou diretamente até o balcão e comprou uma cartela de Lucky Strike, as mãos um pouco mais firmes do que seu estado emocional indicava. Minutos depois, saiu de lá com o maço no bolso, sentindo uma leve onda de alívio ao notar que Vicki havia desaparecido da frente de seu prédio. Talvez, com sorte, ela não voltasse a importuná-la tão cedo.

Na calçada, Delilah retirou um cigarro do maço e o levou aos lábios. Com uma mão em concha, protegeu a chama do isqueiro do vento impiedoso, acendendo o cigarro com um gesto que era mais do que familiar. O alívio veio instantâneo com a primeira tragada, o gosto familiar do tabaco se espalhando enquanto ela exalava a fumaça para o ar gelado de Gotham. Seu olhar vagou pelo tráfego constante à sua frente, mas a mente, como tantas outras vezes, começava a se perder em uma espiral de pensamentos desconexos.

O movimento ao redor parecia distante, borrado pelo turbilhão de ideias e memórias que assaltavam sua cabeça. Entre tragadas, ela tentou focar em algo, mas a intensidade de tudo — o caso do Ceifador, a pressão crescente, as perguntas que ficavam sem resposta — começava a pesar mais do que o normal.

── Tem luz? ── A voz feminina, embora familiar, trouxe Delilah de volta à realidade com um choque sutil.

Ela piscou, desfazendo-se dos pensamentos vagos, e virou-se para encontrar Rachel Vand ao seu lado, com um cigarro preso entre os dedos. A jovem olhava para ela com uma mistura de neutralidade e expectativa, erguendo levemente o cigarro em sua direção como um pedido silencioso.

── Sim ── respondeu Delilah, contendo a surpresa. Era incomum que Rachel se aproximasse dela voluntariamente, especialmente depois da última vez que conversaram. No entanto, Delilah manteve a calma e retirou o isqueiro do bolso, oferecendo o pequeno objeto de metal para acender o cigarro da outra mulher.

Rachel tragou profundamente e soltou a fumaça lentamente, um agradecimento murmurado escapando de seus lábios.

── Obrigada ── disse ela, a voz quase casual, como se fosse um encontro corriqueiro entre colegas, e não duas pessoas que haviam trocado tensões recentemente.

Delilah assentiu em resposta, guardando o isqueiro novamente. O silêncio que se seguiu era denso, mas de alguma forma, não desconfortável. Elas ficaram lado a lado, fumando em uma espécie de trégua silenciosa, o som do trânsito e das conversas distantes preenchendo o espaço entre as duas.

Delilah hesitou. As palavras pareciam querer escapar de sua boca, mas ela as segurava com cautela, temendo romper a frágil paz que havia se formado ali. Rachel era uma pessoa volátil, Morgan sabia disso. Não queria arriscar, mas a presença de Rachel ao seu lado parecia oferecer uma oportunidade que talvez não voltasse tão cedo, uma de se aproximar da jovem e tentar ajudar com as questões que envolviam Rachel e a mãe.

O cigarro queimava devagar entre seus dedos, cada tragada uma tentativa de prolongar o momento, de encontrar a coragem certa ou as palavras adequadas.

── Tudo bem? ── Delilah quebrou o silêncio com a pergunta de sempre, sua voz tranquila, mas atenta, ao observar Rachel ao seu lado.

Rachel soltou uma risada breve, que parecia mais reflexo do que uma resposta sincera.

── Sim, tudo ótimo ── respondeu, com o tom de quem já esperava essa abordagem.

Delilah percebeu a resistência por trás das palavras, mas não insistiu. Apenas deu uma leve tragada no cigarro, permitindo que o silêncio pairasse entre as duas por mais um momento antes de falar novamente.

── Veio ver sua mãe?

A pergunta, embora aparentemente casual, trouxe uma mudança visível na expressão de Rachel. Seu rosto se contraiu levemente, como se o mero pensamento da mãe fosse suficiente para incomodá-la.

── Não, ainda não estamos nos falando — disse Rachel, com um toque de impaciência, como se o assunto estivesse já gasto. Ela tragou profundamente e soltou a fumaça em uma nuvem lenta, evitando o olhar de Delilah. ── Meu namorado veio buscar o celular que deixou no conserto. Vim acompanhar ele.

Observando-a de soslaio, enquanto ambas mantinham seus cigarros em mãos, o vento espalhando a fumaça pelo ar frio, Delilah mediu suas palavras mais uma vez. Ela pensou na linha tênue que separava ajudar de invadir. Eu nunca fui boa com essas conversas, refletiu. Mas algo em Rachel a preocupava profundamente, algo que ela não podia simplesmente ignorar.

── Ela tem se preocupado bastante com você atualmente, não seria ruim se você fizesse uma visita ── Delilah comentou. Rachel ficou em silêncio, parecendo ignorar o que ela dizia. ── Sei que você não quer ouvir isso de mim, mas deveria conversar com ela.

A voz dela saiu suave, mas firme, rompendo o silêncio entre as duas. Rachel bufou, cruzando os braços na frente do corpo, claramente na defensiva.

── Você está certa, eu não quero ouvir isso de você. ── respondeu Rachel, ríspida. ── Sabe, eu não entendo porque você se importa tanto com a minha relação com a minha mãe.

Delilah hesitou por um momento, medindo as palavras antes de responder.

── Porque a sua mãe se importa com você, e eu me importo com ela ── disse Delilah, sua voz cheia de sinceridade. Rachel abriu a boca, pronta para lançar uma réplica, mas Delilah interveio antes que ela pudesse falar. ── Sua mãe foi uma ótima pessoa comigo quando cheguei em Gotham, e eu sei que ela está sofrendo por causa dessa situação entre vocês duas,

Rachel estava prestes a retrucar, porém Delilah a interrompeu, falando primeiro.

── Eu sei, eu sei. Ainda não faz isso ser da minha conta, você está certa. ── assentiu ele. ── Mas eu sei que você precisa de ajuda, e eu seria uma péssima pessoa se fingisse que não vejo o que está acontecendo.

── Eu não preciso de ajuda. ── afirmou Rachel, mas seus olhos entregavam o contrário.

Ela leva o cigarro aos lábios mais uma vez para tentar encobrir a verdade. No mesmo momento, a manga do casaco dela desce, atraindo o olhar de Delilah para o hematoma vermelho ao redor do pulso.

── Não é o que parece. ── disse ela.

O olhar de Rachel segue o dela, fazendo-a olhar para o próprio pulso. Rapidamente, Vand abaixa a manga novamente, tentando encobrir o que Delilah viu.

Rachel desviou o olhar, o sarcasmo desaparecendo de seu rosto, substituído por algo mais vulnerável. Ela parecia cansada, como se estivesse lutando com o peso de algo que não queria admitir. Seus dentes mordiam o lábio inferior com força, um gesto que Delilah reconhecia como um sinal de tensão.

── Isso é nada... eu só bati na mesa hoje de manhã... ── Rachel alegou, claramente mentindo para ela. Aqui não foi feito por um móvel, mas sim pela mão de outra pessoa.

Delilah deu um passo à frente, hesitante, mas firme, colocando a mão sobre o antebraço de Rachel. O toque era leve, quase um gesto de amizade, mas carregava uma urgência silenciosa.

── Sei que está com medo, eu vejo isso. Mas quero que saiba que pode contar comigo ── Delilah falou cada palavra baixinho, apenas para que Rachel escutasse, enquanto olhava diretamente nos olhos da jovem para lhe passar confiança. ── Você deve pensar que não tem saída ou escolha, mas você tem.

── Você não entende... ── Rachel começou, sua voz embargada, os olhos se desviando rapidamente para o chão, como se as emoções fossem intensas demais para encarar. ── Não é tão simples assim.

── Rachel... ── Delilah tentou, sua voz carregada de compaixão e urgência, sentindo o desespero da jovem se derramar naquelas poucas palavras.

Mas antes que pudesse dizer mais, o som de uma porta se abrindo ao lado delas interrompeu a conversa. A loja ao lado emitiu o habitual sinal de sino, indicando que alguém havia saído.

── Rachel. ── A voz masculina era firme, quase exigente, e Rachel recuou como se tivesse sido pega em flagrante. A mão de Delilah se retraiu no mesmo instante.

As duas se viraram simultaneamente para encarar o homem que acabava de surgir. Delilah o reconheceu imediatamente: o namorado de Rachel, o mesmo que a havia buscado dias antes. Ele caminhou em direção às duas com uma expressão séria, os olhos analisando a cena com desconfiança.

Delilah sentiu o estômago se revirar. Havia algo no olhar daquele homem que a incomodava profundamente, uma sensação de perigo subjacente que ela não conseguia ignorar.

── O que está acontecendo? ── Ele perguntou, a voz fria e controlada.

Rachel deu mais um passo para longe de Delilah, quase instintivamente.

── Nada ── respondeu ela rapidamente, sua voz carregada de nervosismo. ── Já terminou? Podemos ir?

O homem assentiu, erguendo uma pequena sacola plástica para mostrar que já havia concluído o que veio fazer.

── Sim, já peguei tudo. ── Seus olhos voltaram para Delilah, observando-a com desconfiança, como se ela fosse uma intrusa em um território que ele controlava.

Em contrapartida, Delilah permaneceu imóvel, observando enquanto ele caminhava até o carro, e Rachel o seguia a passos lentos, como se relutasse em ir. Quando ele entrou no veículo, Rachel hesitou, ficando alguns passos atrás.

── Se precisar de mim ── disse Delilah, com a voz baixa mas firme, aproveitando aquele breve momento que as duas tinham ── Sabe onde me encontrar. Eu posso ajudar você.

Rachel a encarou por alguns segundos, sua expressão cheia de conflito. Havia algo desesperado em seu olhar, algo que Delilah reconhecia como um pedido silencioso de ajuda. Mas antes que Rachel pudesse dizer qualquer coisa, o namorado gritou seu nome novamente do carro, sua voz irritada e impaciente, fazendo o rosto da garota se fechar novamente.

Rachel deu as costas para Delilah sem dizer mais nada e apressou-se a entrar no veículo. O som da porta se fechando foi como um golpe final, deixando Delilah sozinha na calçada, observando enquanto o carro acelerava para longe.

No mesmo instante, o carro familiar de Bruce parou à frente dela, o motor ronronando suavemente. Delilah tragou o cigarro pela última vez, soltando a fumaça com um suspiro pesado. Jogou o cigarro no chão e o esmagou com a sola da bota, antes de entrar no carro sem olhar para trás.

O veículo de Rachel já havia desaparecido na corrente interminável de tráfego de Gotham, mas o peso daquela conversa ficou com Delilah, assombrando-a enquanto ela se acomodava no banco do passageiro e colocava o cinto de segurança.

── Está tudo bem? ── Bruce perguntou assim que ela relaxou no banco ao lado do dele, a voz carregada de uma leve inquietação.

Delilah soltou um suspiro profundo, o tipo que parece levar consigo uma carga de frustração e cansaço.

── Sim, só estou tentando lidar com uma tarde particularmente agitada ── respondeu ela, forçando um sorriso mínimo que parecia não alcançar os olhos, os quais estavam embotados pelo cansaço. Ela se virou para ele, um brilho cansado em seus olhos. ── É bom saber que o trânsito não conseguiu te derrotar hoje.

Bruce resmungou, um traço de irritação evidente em sua voz.

── Faltou muito pouco ── ele disse, o tom carregado de desdém. ── Algumas pessoas parecem achar que as setas são apenas enfeites decorativos.

Quando Bruce acelerou o carro, Delilah observou suas mãos firmemente agarradas ao volante. As veias se destacavam sob a pele tensa e os nós dos dedos estavam marcados por cicatrizes e pequenas lesões antigas, que levantaram uma certa curiosidade nela. A maneira como ele dirigia era controlada, enquanto fazia uma curva com precisão. Os pensamentos de Delilah, porém, tomaram um rumo inesperado e um tanto... constrangedor.

Desviando o olhar para a janela, sentiu suas bochechas esquentarem. O sonho que a atormentava voltou à mente dela, fazendo-a se repreender mentalmente. A vergonha começava a ser quase insuportável. Ela começava a se arrepender de ter aceitado a proposta de Bruce para continuar a investigação naquele dia. Não sabia como olhar para ele sem que as lembranças do que (não) aconteceu se interpusessem entre eles.

── Delilah ── a voz de Bruce a chamou, desta vez mais firme, quase forçando-a a sair de seu transe. ── Eu te fiz uma pergunta.

Ela piscou, voltando a si, e encontrou os olhos de Bruce.

── Desculpe, o que você disse? ── Ajustando-se no assento, ela mexeu na gola da camisa e respirou fundo.

── Perguntei se a advogada que recomendei entrou em contato com você ── Bruce repetiu, os olhos alternando entre ela e a estrada.

── Ah, sim. Sierra Greaves. Ela me ligou e depois enviou um e-mail. Foi muito gentil, me orientou sobre como proceder com a queixa ── explicou Delilah, seu tom um pouco mais relaxado. ── Agradeço, vai ser útil ter um bom advogado nesta situação. Só... não precisava ter pago por ela para mim.

── Preferi me adiantar em relação a isso ── respondeu Bruce, um tom de desaprovação na voz. ── Você já tem o suficiente para se preocupar, e é o mínimo que posso fazer para ajudar.

O tom de Bruce carregava um leve desdém, como se houvesse algo mais que não estava sendo dito. Delilah o encarou por alguns minutos, até que desviou sua atenção para a janela mais uma vez.

── Bom, de qualquer forma, obrigada mais uma vez ── Delilah disse, cruzando os braços e tentando mudar de assunto. Ela decide caminhar para o outro incômodo do dia ── Agora, eu preciso te perguntar algo. Aconteceu uma coisa estranha há pouco.

── O que?

── Conheci sua amiga, Vicki Vale. Muito simpática, a propósito.

O sarcasmo fica evidente no tom de voz de Delilah. Bruce, por sua vez, franziu o cenho, claramente surpreso.

── Vicki falou com você?

── Infelizmente, sim ── Delilah explicou. ── Ela me abordou na frente do meu prédio. De algum modo, descobriu que sou a legista do caso do Ceifador e queria informações. Eu não dei nada, e ela ficou um pouco... insatisfeita. Aparentemente, ela também viu as fotos de nós dois juntos no jantar e não pareceu gostar disso.

── Não se preocupe com a Vicki ── Bruce respondeu, com uma nota de tranquilidade em sua voz. ── Ela não é uma pessoa ruim. Apenas age como qualquer repórter.

── Beirando a inconveniência?

── Ela não faz por mau. ── disse ele, com um fantasma de um sorriso em seus lábios.

Ela murmura baixinho em compreensão, com seu olhar desviando para a rua, onde a paisagem de Gotham começa a mudar conforme eles avançam no trajeto.

── O que aconteceu entre vocês dois? Ela é sua ex-namorada ou algo assim? ── Delilah perguntou, a curiosidade evidente em seu tom.

── Nunca namoramos, mas saímos algumas vezes ── Bruce respondeu, o olhar distante. ── Foi há anos, depois da época da universidade. Nada sério.

Delilah entendeu que Bruce estava se referindo a cerca de seis anos atrás, antes de ele se tornar o recluso que conhecia. Era curioso imaginar que Bruce teve uma vida real antes de se fechar em sua cobertura, ou que pelo menos tentou ter uma. A ideia de que ele teve relacionamentos e uma vida social antes de se tornar tão reservado ainda a surpreendia.

── Certo, mas ela sabe que não foi sério? ── Delilah questionou.

Bruce a encarou por um momento, antes de voltar a atenção para a estrada.

── Como assim? ── ele perguntou, o cenho franzido.

Delilah riu, um pouco constrangida.

── Esquece, não quero tentar explicar ── ela respondeu, acenando com desdém.

Ela poderia ter explorado mais a fundo as questões sobre Bruce e suas ex-namoradas ou sobre o surgimento inesperado de outras figuras de seu passado, mas decidiu que o silêncio era a escolha mais segura. O espaço entre eles parecia mais confortável assim, envolto em uma pausa que ambos estavam dispostos a respeitar naquele momento. Parecia mais cômodo.

O silêncio que pairava entre eles era apenas quebrado pelo som do rádio do carro, que começava a narrar algo que era claramente familiar para ambos.

── Até o momento, pouco se sabe sobre o infame assassino conhecido como "O Ceifador". As autoridades ainda lutam para descobrir a identidade e as motivações por trás de seus crimes. ── informa a voz masculina. ── O que se sabe é que a série de homicídios brutais em Gotham tem gerado um clima de pânico generalizado. O assassino em série remove um órgão específico das vítimas, uma prática que levanta questões perturbadoras sobre...

Sem permitir que o locutor continuasse, Delilah mudou de estação com um único gesto. Bruce não fez qualquer comentário, seu rosto impassível, como se o relato não tivesse qualquer impacto sobre ele. Também não demonstrou qualquer incômodo por ela ter mudado de estação. O silêncio entre eles foi suavizado pela música que entrou na rádio de Vesper Fairchild naquele momento: "Going Under" do Evanescence. E, enquanto os acordes tocavam, Delilah afundou em seu assento novamente.

Minutos depois, a música chegou ao fim e Bruce estacionou o carro em uma vaga na entrada da rua, um local que ele julgava ser o mais seguro para deixar o veículo. Embora o bairro estivesse relativamente movimentado, ele preferia garantir uma camada extra de segurança. Ambos saíram do carro simultaneamente, e Delilah o encontrou na calçada assim que o veículo foi trancado.

Enquanto caminhavam pela calçada, Delilah fechou o sobretudo ao redor de seu corpo, os olhos percorrendo as placas das lojas próximas enquanto se dirigiam à floricultura. Bruce a acompanhava, ajustando os óculos de sol sobre seus olhos com um gesto quase automático.

── Espero que isso não seja sua tentativa de disfarce para passar despercebido ── Delilah comentou com um olhar de canto, um sorriso brincando em seus lábios. ── Até um bigode falso e um boné pareceriam mais convincentes.

── Não é um disfarce ── Bruce respondeu, a voz carregada de uma leve frustração. ── A claridade simplesmente me incomoda.

Delilah soltou uma risada suave, balançando a cabeça com um ar de divertimento.

── Qual é a graça? ── ele questiona, porém ela não o responde.

Ao atravessar a porta da floricultura, Delilah foi imediatamente envolvida pelo aroma fresco e vibrante das flores e plantas, um perfume que era ao mesmo tempo delicado e estimulante. O espaço, embora pequeno e de formato quadrado, era bem aproveitado. Um balcão simples se encontrava no final do corredor de entrada, enquanto diversas prateleiras, carregadas com uma vasta gama de plantas, flores e sementes, além de vários outros utensílios para a jardinagem, ocupavam o restante do ambiente. O lugar era bem arejado, e a abundância de verde trazia uma sensação de calma e tranquilidade que quase se tornavam familiar.

No instante em que a porta foi fechada, toda a cacofonia de sons da grande cidade foi silenciada. Bruce seguiu Delilah até o balcão de atendimento, mantendo uma distância discreta atrás dela. Atrás do caixa, uma mulher estava ocupada com uma revista, cantarolando baixinho uma canção que emanava do rádio. Delilah reconheceu os acordes suaves de "La Isla Bonita" de Madonna assim que se aproximou mais do rádio.

A mulher, provavelmente a proprietária do local, usava uma blusa larga com um padrão floral em tons de roxo sobre um fundo branco. Um cardigan marrom completava seu traje. Ela estava tão absorvida em sua revista que não percebeu a chegada de Delilah e Bruce até que ambos se posicionaram na frente do balcão. Quando finalmente notou a presença deles, sua expressão se iluminou, e ela ajustou os óculos com um gesto familiar e acolhedor. Delilah calculou que ela devia ter por volta dos cinquenta anos.

── Oh, olá, jovem casal! ── ela os cumprimentou com entusiasmo, a voz cheia de calor e acolhimento. ── Sejam bem-vindos à Casa das Flores, eu sou Margareth. Estão procurando algo em especial? ── Margareth virou-se para Bruce, suas sobrancelhas levantando-se sugestivamente enquanto ela falava. ── Talvez um buquê de flores para presentear a bela moça?

── Na verdade... ── Delilah abriu a boca para responder, mas Bruce a interrompeu, tomando o lugar ao lado dela no balcão.

── O que a senhora recomenda? ── ele perguntou, retirando os óculos escuros e guardando-os no bolso do sobretudo, enquanto fixava o olhar em Margareth com certo interesse no que ela tinha a oferecer.

Delilah o observa, intrigada com a decisão de Bruce de não mencionar a verdade sobre eles não serem um casal.

Margareth pareceu se animar ainda mais com a pergunta, e com uma expressão entusiástica, contornou o balcão para mostrar a Bruce as opções de flores disponíveis. Bruce a seguiu com uma atenção que parecia quase genuína, ouvindo cada palavra com um interesse estudado com as duas mãos unidas nas costas, enquanto Delilah permanecia em frente ao caixa, apenas observando os dois.

── Agora ela vai segurá-lo pelo resto do dia ── disse uma voz inesperada vinda de trás do balcão. Delilah se sobressaltou levemente ao se virar e encontrar uma mulher de estatura mais baixa, com características asiáticas e cabelo escuro que caía até a metade das bochechas. A mulher estava de braços cruzados e balançava a cabeça de um lado para o outro, em um gesto de reprovação. ── Pobre homem, não sabe no que se meteu ao tentar ser simpático.

A nova chegada fixou o olhar em Delilah, sua expressão mais severa, embora Morgan suspeitasse que ela e Margareth tivessem idades semelhantes.

── Sou Emiko, co-proprietária da loja ── apresentou-se à mulher, estendendo a mão para um cumprimento formal.

── Delilah ── respondeu Delilah, apertando a mão de Emiko e notando a firmeza no aperto. ── Vocês têm uma loja realmente encantadora.

── Obrigada ── respondeu Emiko, o tom de voz transbordando gentileza. ── Fundada há cerca de 40 anos, nossa loja é uma verdadeira relíquia desta cidade. ── Ela cruzou os braços novamente, seu olhar suavizando enquanto mencionava a rica história do estabelecimento. ── É uma pena que as pessoas não valorizem tanto assim.

── Baixo movimento? ── Delilah perguntou, seu interesse evidente.

── Sim, ganhamos mais no Dia dos Namorados, mas poucas pessoas parecem se lembrar de presentear com flores hoje em dia ── disse Emiko, com um suspiro resignado. ── Então, se algum dia você considerar entrar no ramo da floricultura, já deixo o aviso: não é exatamente lucrativo.

Delilah esboçou um sorriso leve, apreciando a honestidade de Emiko.

── Mesmo assim, vocês duas continuam no negócio.

── O que posso dizer? ── Emiko perguntou, dando de ombros com um sorriso afetuoso. ── Maggie ama flores, e eu amo a Maggie. Faço qualquer coisa para vê-la feliz.

Com a franqueza desarmante de Emiko, Delilah sentiu um leve apreço. Seu olhar vaga, voltando-se para Bruce e Margareth próximo a estante com flores. A mulher mais velha gesticula alegremente falando para ele tudo o que sabe sobre as plantas. Ele assente algumas vezes, mostrando que está prestando atenção, mesmo não falando muito.

Delilah quase se sentiu culpada por interromper aquele momento de calmaria, recordando-se do verdadeiro motivo que os havia levado até ali. Porém, sabia que não podia perder o foco. Enquanto Bruce estava envolvido na conversa com Maggie, aquele era o momento perfeito para tentar obter mais informações de Emiko. Cruzando os braços, ela se voltou para a mulher atrás do caixa.

── Eu queria saber... você conheceu alguém chamado Jeremiah Stirk? ── indagou Delilah, tentando manter a voz casual. ── Um homem alto, cabelos grisalhos que iam até os ombros, andava sempre curvado e evitava olhar diretamente nos olhos das pessoas.

Emiko franziu o cenho, como se estivesse tentando puxar da memória.

── Sim, eu me lembro dele. Costumava vir aqui toda quinta-feira ── respondeu, a voz suave, mas pensativa. ── Sempre comprava flores para a mãe doente. Por que a pergunta?

Delilah hesitou por um instante, então lançou uma mentira rápida e calculada:

── Ele era um amigo. ── Seu tom era convincente ao responder ── Nos recomendou a loja há um tempo, mas só agora conseguimos vir.

── Jeremiah era um homem realmente reservado ── disse Delilah, tentando não demonstrar demais o quanto isso a intrigava. ── Ele só tinha a mãe, e agora... ela não tem mais ninguém.

Emiko balançou a cabeça, seu rosto mostrando uma sincera compaixão.

── É realmente muito triste. ── Suas palavras soaram gentis, quase solenes. ── Eu o achava um tanto... peculiar, confesso. Não falava muito, mas Maggie sempre ficava feliz em vê-lo. Perguntava sobre a mãe dele, sobre como ele estava. Ele não era de conversar muito, dava respostas vagas, mas nunca foi rude com ela. Parecia ser um bom homem.

Pela fala de Emiko, Delilah compreendeu que, enquanto Jeremiah não era grosseiro com Maggie, ela não o considerava um problema. Em relação a Jeremiah ser um bom homem, Delilah torceu os lábios levemente em relação a isso, não podendo confirmar ou negar algo que não tinha absoluta certeza.

O que ela tinha, o que construiu até ali sobre ele, trazia à tona as dores do seu passado. Sabia o que ele passou, mas não realmente quem Jeremiah se tornou.

── Você... se lembra de como ele estava da última vez que veio aqui? ── sua pergunta ecoava com uma leve inquietação. ── Se ele estava estranho? Diferente do comum?

Emiko levou alguns segundos para responder, o olhar distante como se procurasse novamente em suas memórias algo que fizesse sentido, uma resposta mais precisa.

── Bom, da última vez que eu o atendi, ele parecia com pressa, um pouco ansioso ── disse ela, pensativa, os olhos voltando ao presente. ── Lembro de escutar um pouco da conversa dele com Maggie naquele dia. Disse que não podia ficar por muito, porque precisava fazer uma viagem no final de semana.

Delilah se inclinou um pouco mais, o interesse cresceu. Uma viagem. Isso era novo.

── Ele disse para onde iria? ── sua voz era calma, mas os olhos estavam fixos, atentos a cada palavra.

── Hmm... ── Emiko coçou o queixo, as sobrancelhas franzidas em concentração. ── Não me recordo muito bem... mas me lembro dele mencionar algo sobre pescar. Sim, isso! Ele disse para Maggie que iria pescar fora da cidade no fim de semana.

Pescar fora de Gotham. Delilah anotou aquela informação dentro de sua mente, guardando para mais tarde. Poderia ser importante.

Antes que Delilah pudesse fazer outra pergunta, a risada alta de Margareth preencheu o ambiente, indicando que ela e Bruce estavam se aproximando do balcão. O som era leve, cheio de vida, e contrastava com a intensidade silenciosa dos pensamentos de Delilah. Bruce caminhava ao lado da mulher, a expressão controlada, mas havia um brilho discreto em seus olhos, como se ele estivesse se permitindo relaxar, mesmo que por breves segundos.

Margareth, sorridente, chegou primeiro ao balcão, colocando as mãos nos quadris.

── Finalmente libertou o pobre homem, Margareth? ── provocou Emiko, sem perder a oportunidade de uma pequena brincadeira.

── Não seja tão amarga, Emiko. Estávamos tendo uma ótima conversa, não é mesmo? ── retrucou Margareth, virando-se para Bruce com um sorriso brilhante.

── Não acho que seja uma conversa de verdade se você é a única a falar ── rebateu Emiko, com um ar de falsa seriedade. Delilah teve que conter uma risada, levando a mão aos lábios. Até Bruce, sempre tão reservado, parecia achar graça na situação, seus lábios esboçando um sorriso discreto.

── Me perdoe pela minha esposa, ela não conhece limites ── comentou Emiko, com um tom de brincadeira que raramente parecia usar em público.

── Não se preocupe com isso ── respondeu ele, retirando a carteira do bolso da calça social. ── Não foi incômodo algum. Aprendi muito sobre flores hoje.

Margareth, satisfeita, embalava as flores com um cuidado minucioso, como se estivesse criando uma obra de arte própria, também parecia radiante ao escutar as palavras de Bruce. O buquê, feito de tulipas vermelhas e brancas, parecia simples, mas delicadamente elegante.

── Você fez uma ótima escolha ── disse Maggie, entregando o buquê a Delilah, que o pegou com uma mistura de surpresa e constrangimento. ── Querida, você é uma mulher de sorte.

Delilah sorriu, murmurando um agradecimento quase inaudível. Enquanto tentava disfarçar suas bochechas coradas, Bruce pagava pelas flores com seu cartão.

── Espero que voltem mais vezes ── disse Margareth, enquanto eles se dirigiam à saída. Ela e Emiko se despediam dos dois ── É sempre bom ver um casal jovem e feliz juntos.

── Foi ótimo conhecer vocês duas. ── respondeu Delilah, acenando da porta ── Com certeza voltaremos mais vezes.

Do lado de fora, o ar estava fresco, e a luz do fim de tarde tingia o céu com um tom dourado suave. Delilah cheirava as flores enquanto caminhavam em direção ao carro, seus dedos roçando delicadamente nas pétalas. Algo no gesto a acalmava, uma breve distração dos pensamentos que fervilhavam e nas perguntas que ainda pareciam sem resposta.

── Você gostou? ── perguntou Bruce, quebrando o silêncio enquanto os dois caminhavam lado a lado na calçada.

Delilah ergueu o olhar para ele, seus olhos encontrando os dele.

── Sim, são lindas ── respondeu ela, com um sorriso sincero. ── Obrigada.

Depois de um breve momento, acrescentou, com um toque de ironia:

── Mas, você sabe, não precisava fazer isso. Poderia ter dito a verdade para ela. Eu não me importaria.

Bruce deu de ombros, mas seus olhos pareciam estranhamente suaves naquele momento, observando-a com aquele olhar que parecia enxergar muito além do óbvio quando os dois pararam próximo ao carro dele.

── Foi mais convincente assim.

Ela não respondeu de imediato. Ele tinha razão, como sempre. Às vezes, as pequenas mentiras eram necessárias para evitar perguntas indesejadas.

Delilah percebeu, naquele instante, a profundidade daquela simples resposta. Às vezes, a verdade não era o que as pessoas queriam ou precisavam ouvir. E Bruce, mais do que ninguém, sabia como manipular essa linha tênue entre o real e o fabricado, especialmente quando se tratava de ocultar suas verdadeiras intenções.

Respirando fundo, ela desviou o olhar de Bruce, tentando se concentrar, optando por mudar de assunto. Era o momento de agir, não de se perder em divagações.

── Ela disse algo importante? ── perguntou Delilah, buscando focar nas informações.

Bruce, sempre direto, respondeu calmamente:

── Nada muito relevante sobre o Stirk. Só que ele sempre comprava as mesmas flores para a mãe e que era muito reservado, nada que já não soubéssemos. ── Ele fez uma pausa breve, como se ponderasse o que iria dizer em seguida. ── Ela também mencionou que o viu entrando na loja de penhores do outro lado da rua algumas vezes, depois de sair da floricultura.

Delilah seguiu o olhar dele até onde Bruce apontava. Do outro lado da rua, uma loja pequena e discreta exibia uma placa de "Aberto" na vitrine. O local parecia abarrotado, com itens empilhados em uma desordem organizada. Comparado à floricultura, aquele lugar parecia mais pagado, sem vida.

Ela franziu a testa, voltando seu olhar para Bruce.

── Emiko me disse praticamente a mesma coisa ── começou Delilah, segurando as flores com mais firmeza contra o corpo, como se buscasse conforto no gesto. ── Mas compartilhou uma informação que pode ser útil. Disse que na última vez que Jeremiah esteve aqui, ele parecia apressado. Comentou com Maggie que iria pescar no fim de semana. Fora de Gotham.

Bruce estreitou os olhos, considerando a informação.

── Ele não disse para onde iria, eu presumo?

Delilah assentiu, confirmando com um leve movimento de cabeça.

── Não sei se isso é verdade ou apenas uma desculpa para a pressa ── admitiu, o olhar distante, como se estivesse revendo a cena em sua mente. Ela abraçou as flores com cuidado, sentindo o perfume sutil das tulipas. ── Pode ser uma história inventada.

Bruce, sempre metódico, considerou a ideia com a mesma frieza calculada que o caracterizava.

── Mas também pode ser verdade ── disse ele, ponderando de braços cruzados. ── Jeremiah era um homem solitário, sim, mas parecia ter algum tipo de apreço pela floricultura e por Maggie. Talvez tenha se sentido à vontade para compartilhar uma informação que considerava inofensiva. Ou simplesmente não pensou muito na hora de falar.

── Sim... ── Delilah umedeceu os lábios, seus pensamentos acelerados enquanto analisava as possibilidades. ── Há muitos cenários possíveis. Mas não podemos descartar essa pista ainda. Podemos tentar descobrir mais sobre essa viagem depois.

Delilah endireitou sua postura e encarou a loja do outro lado mais uma vez, observando minuciosamente a vitrine. Um homem estava limpando o vidro, fingindo naturalidade. O olhar dele vagou até os dois mas, assim que percebeu que ambos estavam olhando de volta, desviou o olhar e fingiu naturalidade.

── Agora, vamos ver o que a loja de penhores tem para nos dizer ── disse Delilah, firme em sua decisão, encontrando o olhar de Bruce ao seu lado que parecia pensar no mesmo que ela.

Bruce assentiu, concordando em silêncio. Sem mais palavras, ele abriu o carro para que ela pudesse guardar as flores e, após isso, os dois atravessaram a rua juntos quando o movimento de veículos diminuiu.

Enquanto se aproximavam da porta de vidro da loja, o som de um sino velho tocou quando Delilah a empurrou, anunciando sua chegada. O interior da loja era exatamente o que ela havia imaginado: prateleiras abarrotadas de objetos de todo tipo, uma miscelânea de relíquias, quinquilharias e vários outros objetos esquecidos pelo tempo. Antiquada era a palavra que definia aquela loja.

O dono, um homem baixo e encurvado, de óculos sujos e uma expressão de desinteresse, os observava por trás do balcão, mexendo em algumas moedas antigas com dedos ossudos. O cheiro de metal envelhecido e poeira pairava no ar, denso e sufocante.

── Posso ajudar? ── perguntou o homem, com a voz arrastada e cansada, como se o simples ato de falar fosse um esforço.

Ele era careca no centro da cabeça, mas tinha fios acinzentados nas laterais. Delilah se aproximou lentamente, os olhos analisando o ambiente com cuidado, mas seu foco estava no homem à sua frente.

── Talvez ── respondeu ela, mantendo o tom casual. ── Um amigo nosso frequentava esta loja. Jeremiah Stirk. Alto, cabelo acinzentado... Você se lembra dele?

O homem franziu as sobrancelhas, sua expressão revelando uma vaga lembrança.

── Stirk... Não, não me recordo desse nome. Mas posso perguntar ao meu sobrinho, ele cuida da loja quando não estou por perto. Hoje, infelizmente, estou sozinho, mas vocês podem voltar amanhã ── Ele coçou o queixo com desinteresse e deu um sorriso amarelo. ── Há algo mais que querem saber?

Bruce permaneceu atrás dela, observando ao redor da loja.

── Você poderia olhar nos registros? Talvez ele tenha penhorado algo importante ── perguntou Delilah, mantendo a naturalidade. ── Estamos atrás de qualquer informação.

O dono da loja hesitou, seus olhos esquadrinhando o rosto de Bruce e depois voltando-se para Delilah.

── Pode ser que tenha ── disse ele lentamente, como se estivesse escolhendo suas palavras com cuidado. ── Mas eu teria que verificar. Não lembro de cabeça. Mas, de qualquer forma, não posso compartilhar com estranhos informações pessoais dos meus clientes, claro. Não é certo. Espero que entendam.

Delilah trocou um olhar com Bruce, ambos em silêncio naquele momento. Havia algo na atmosfera daquele lugar que parecia ampliar o peso de suas suspeitas. Bruce permanecia imóvel, as mãos enfiadas nos bolsos da calça social, o olhar sereno, mas perscrutador.

Ele, no entanto, não tinha pressa de ir embora.

── Notei que há muitas câmeras na loja ── comentou Bruce, quebrando o silêncio com uma voz controlada, quase casual. Seus olhos continuaram a varrer antes de retornar o foco ao homem. ── Um número excessivo para uma loja de penhores. Tem enfrentado muitos problemas com roubo?

O dono da loja manteve o foco em suas mãos, ocupadas em contar um maço de dinheiro no caixa. Sua relutância em fazer contato visual era óbvia, uma forma de manter distância, de tentar ocultar algo que sabia.

── Bom, estamos em Gotham, meu caro ── respondeu o velho com um suspiro cansado, ajustando os óculos enquanto lançava um olhar rápido e calculado para Bruce. ── Toda segurança é pouca, não acha? Preciso manter o meu negócio seguro, ainda mais com esses casos recorrentes de roubo em lojas sem solução.

Delilah reconheceu o tom na voz do homem: uma mistura de fatalismo e pragmatismo, típico de quem sobrevivia em uma cidade como Gotham. Ela havia lido sobre os tais roubos no jornal há algumas semanas. As manchetes falavam de lojas em Burnley, atacadas de forma cirúrgica durante a madrugada. O padrão era sempre o mesmo: a polícia chegava minutos depois que o crime havia ocorrido, mas os alarmes, por algum motivo, jamais disparavam no momento certo. E as câmeras de segurança das ruas? Sempre misteriosamente falhas.

Era como se os ladrões soubessem exatamente onde e quando agir, como fantasmas movendo-se pelas sombras de Gotham, invisíveis aos olhos eletrônicos.

Bruce deu um pequeno passo à frente, apoiando a mão no balcão de madeira gasto pelo tempo. Ele inclinou levemente o corpo, como quem já tinha a próxima pergunta na ponta da língua e assumia a frente daquela conversa. Os detalhes que o dono da loja mencionara e os que Delilah conhecia não eram meras coincidências. No entanto, o que mais lhe chamava atenção eram as câmeras — mais do que o necessário para uma loja de penhores comum, mesmo naquela situação alarmante. Bruce estava pronto para aprofundar suas suspeitas quando um som alto ecoou pelo ambiente, vindo dos fundos da loja.

Era o som nítido de algo pesado caindo no chão.

Imediatamente, os três se voltaram naquela direção. O silêncio repentino que se seguiu fez o som ressoar ainda mais em suas mentes, criando as dúvidas. Delilah franziu a testa, os sentidos aguçados. Bruce manteve-se imóvel, exceto pelos olhos, que se estreitaram com suspeita. O dono da loja, por sua vez, paralisou momentaneamente, a expressão de tranquilidade fingida desmoronando aos poucos.

Delilah foi a primeira a quebrar o silêncio, sua voz carregada de uma firmeza que beirava o acusatório.

── O senhor não disse que estava sozinho? ── perguntou, o olhar fixo no homem mais velho, que parecia subitamente desorientado, como um animal encurralado.

Ele gaguejou, buscando desesperadamente uma resposta plausível. Sua boca se abriu, mas nenhuma palavra coerente saía. Era como se ele não tivesse antecipado a possibilidade de ser confrontado dessa forma. Seu olhar evitava o de Delilah, passando brevemente por Bruce, que, até então, havia permanecido silencioso, mas atento e levemente irritado.

Então, Bruce deu mais um passo à frente, dessa vez com o olhar cravado no dono da loja. Seu tom de voz era baixo, mas havia algo de implacável nele.

── O que está escondendo? ── perguntou, a seriedade em sua voz contrastando com a intensidade da pergunta.

── Nada. ── afirmou o dono, tentando manter a naturalidade. ── Deve ser apenas uma caixa mal empilhada que caiu no chão... ou o vento derrubou algo da prateleira.

Os dois olharam para o dono da loja com descrença.

── Então o senhor não vai se importar se eu for lá atrás dar uma olhada, certo? ── indagou Bruce. Sem dar tempo para o homem responder, ele avançou.

O dono tentou levantar a mão, como se fosse detê-lo, mas a determinação de Bruce o impediu de tomar qualquer atitude. Delilah também ficou surpresa pelas ações dele e pela forma abrupta que Bruce abriu a porta dos fundos, porém não tentou impedi-lo, apenas o acompanhou parando no batente da porta com o dono fazendo algumas reclamações ao seu lado. O velho parecia acuado, suas palavras presas na garganta quando percebeu que nada que dissesse faria Bruce desistir ou se afastar, enquanto ele investigava o local.

A primeira impressão foi que não havia ninguém ali. O local era cheio de estantes com caixas de papel e alguns outros objetos penhorados. Bruce escaneou o local com o olhar afiado, buscando qualquer movimento, qualquer indício de que algo estava errado ou fora do lugar. Por um momento, parecia que o dono da loja estava apenas escondendo um espaço de armazenamento comum, como havia insistido. Mas Bruce sabia que havia mais.

Ele deu um passo adiante, passando por uma das prateleiras quando notou algo peculiar. Um rastro de poeira interrompido no chão, como se alguém tivesse se movido por ali recentemente, tentando não deixar vestígios. Bruce franziu o cenho, a percepção aguçada o alertando. A quietude do local agora parecia carregada de tensão, como se algo estivesse à espreita.

Então, no canto do seu olho, ele captou um leve movimento. Foi sutil, quase imperceptível, mas o suficiente para que ficasse em alerta total. Ele deu mais um passo, aproximando-se de uma grande estante repleta de caixas que ficava no meio do espaço quando, de repente, um som de madeira raspando no chão preencheu o ar. Antes que pudesse reagir completamente, a estante foi empurrada violentamente, desabando sobre ele.

Bruce levantou os braços instintivamente, tentando absorver o impacto enquanto caixas e objetos caíam em cima dele, fazendo-o grunhir durante o processo. A prateleira inteira despencou, bloqueando sua visão por um instante. Utilizando de sua força e da ajuda de Delilah que prontamente correu para socorrê-lo, ele empurrou a estante para longe, se libertando dos escombros, os olhos imediatamente se voltando para a direção de onde veio o ataque.

No mesmo instante, viu uma figura masculina correndo em direção à porta dos fundos que fez um rangido alto no instante em que foi aberta, sua silhueta fugaz desaparecendo na rua e a porta de metal permanecendo aberta. Sem hesitar, Bruce se recompôs, o corpo em movimento antes mesmo de seus pensamentos o guiarem. Ele disparou em perseguição, o som de seus passos ecoando pelo corredor estreito.

O rapaz havia conseguido alguns minutos de vantagens, porém Bruce não hesitou em correr atrás dele pela rua, seguindo-o incessantemente. O rapaz disparou pela rua lateral, desviando entre becos estreitos e ruas mal iluminadas. Mas Bruce era rápido, ágil, e cada passo que dava o aproximava mais de seu alvo.

O barulho dos passos ecoava pelas paredes de tijolos enquanto a perseguição apenas tornava-se mais intensa. O fugitivo ainda tentava colocar alguns obstaculos pelo caminho, derrubando caixas e lixeiras, porém Bruce desviava com facilidade dos obstáculos que surgiam. Ele sabia que o rapaz estava desesperado, e, a essa altura, o medo tomava conta de seus movimentos fazendo-o agir impulsivamente.

Vendo que seu perseguidor se aproximava rapidamente, o homem tentou se esconder, dobrando uma esquina e entrando em um beco ainda mais estreito. Mas Bruce estava atento, prevendo o movimento com precisão. Ao virar a esquina, ele viu o homem tropeçar em uma pilha de caixas que bloqueavam parte da passagem, perdendo preciosos segundos enquanto tentava se recompor.

Bruce aproveitou a oportunidade. Ele avançou com velocidade, e em um único movimento, o alcançou, agarrando-o pelo ombro e puxando-o contra uma caçamba de lixo próxima. O rapaz caiu contra ela, ofegante e apavorado, enquanto tentava se desvencilhar, mas era inútil. Bruce o segurou firmemente, imobilizando-o com o antebraço contra o pescoço.

── Quem é você? ── Bruce exigiu, sua voz baixa e ameaçadora. ── E por que está se escondendo na loja.

O rapaz que estava praticamente na caça dos vinte e poucos anos, talvez menos, se recusou a responder.

Num movimento rápido, girou o corpo e desferiu um soco violento no rosto de Bruce, querendo fugir novamente. O impacto foi preciso, o suficiente para fazê-lo recuar ligeiramente. Mas, ao invés de correr, ele aproveitou a brecha e, com um olhar selvagem, sacou uma pequena faca de dentro do casaco, a lâmina brilhando.

Sem hesitar, ele avançou com a faca em punho, mirando o abdômen de Bruce, que prontamente desviou no último segundo. No entanto, o atacante girou a lâmina em um movimento mais amplo na segunda vez, cortando o ar quando Bruce desvia, mas conseguindo acertar o braço dele no processo. A lâmina penetra superficialmente, mas o suficiente para causar uma dor aguda e um corte visível.

No mesmo instante, Bruce segurou o pulso do homem, torcendo-o com força. O rapaz gritou de dor, a faca caindo de seus dedos e batendo no chão. Sem perder tempo, Bruce desferiu um soco no estômago dele, o impacto foi forte o suficiente para tirar o ar de seus pulmões.

O homem cambaleou para trás, ofegante. Bruce o derrubou no chão com um chute nas pernas, imobilizando-o rapidamente. Virando-o de bruços, ele prendeu os braços do rapaz nas costas, o joelho pressionando suas omoplatas com precisão controlada. O rosto do homem estava pressionado contra o chão sujo do beco, sua respiração irregular e seu corpo derrotado.

── Já chega ── Bruce murmurou, sua voz firme. ── Acabou.

O homem, sem mais forças para lutar, soltou um gemido de dor e frustração, parando de se debater e aceitando que havia perdido a luta. Bruce, apesar do ferimento no braço, permaneceu impassível. A faca estava longe, e o pânico no rosto do homem indicava que ele sabia que tinha perdido, a adrenalina começava a abandonar seu corpo aos poucos agora.

Sem soltar o homem, ele o puxou para cima com um movimento brusco, fazendo-o se levantar com dificuldade. O rapaz tropeçou, mas Bruce o manteve de pé, segurando-o firme pelo colarinho do casaco e com a mão livre, segurava os dois punhos do rapaz nas costas. Sem palavras, ele começou a arrastá-lo de volta pelo caminho de onde vieram, guiando-o de volta à loja.

Quando chegaram à porta dos fundos, ela estava entreaberta ainda. Bruce abriu o restante do caminho com um chute firme, empurrando o homem para dentro. O dono da loja, que ainda estava à espreita do lado de fora do depósito, saltou ao ver os dois aparecendo. Sua expressão era de puro terror ao ver o rapaz ferido e sujo, claramente derrotado.

── Daniel! ── gritou, a voz tomada pelo desespero.

Bruce arrastou o jovem para o centro do armazém, onde o jogou no chão com um movimento firme, o corpo do rapaz caindo pesadamente sobre o piso. Daniel caiu pesadamente, ofegante, o rosto contorcido de dor. Mesmo assim, a adrenalina corria por suas veias, mantendo-o consciente, ainda que aterrorizado

── Por favor, não machuque o meu sobrinho. ── implorou o dono da loja, sua voz um sussurro trêmulo.

Bruce se inclinou sobre Daniel, os olhos como lâminas afiadas, e sua voz baixa, mas cheia de comando, cortou o ar:

── Agora, você vai me contar tudo o que sabe. ── Ele se afastou apenas o suficiente para incluir o tio na mira de seu olhar ── Os dois vão.

O dono da loja, tremendo de medo, parecia querer desaparecer, mas sabia que estava envolvido até o pescoço. Delilah deu um passo à frente, observando tudo com certo temor, o ar de tensão preenchendo o ambiente enquanto o rapaz tentava, com todas as suas forças, decidir se cedia ao medo ou mantinha seu silêncio.

Ela nunca havia visto Bruce tão irritado, ou desgrenhado. Ele estava agindo como outra pessoa naquele momento, amedrontando o rapaz apenas com seu olhar. Mas, por mais que a inquietasse, Delilah sabia que o melhor era deixar Bruce conduzir a situação. Ele tinha o controle — ou assim ela esperava.

E agora que ele estava ali, sentado no chão próximo a ela, conseguia ver o rosto de Daniel claramente. Cabelo encaracolado escuro, sem barba e rosto redondo. Os olhos, cheios de pavor, eram escuros e a pele pálida. Daniel não deveria ter mais do que 25 anos.

Ele se vestia como qualquer outro jovem, com uma calça jeans larga, um moletom e tênis de marca. Deveria ser tão caro quanto as câmeras de segurança da loja.

── Por que estava fugindo? ── Bruce perguntou, a voz gélida.

Por um momento, Daniel hesitou, com os olhos escuros saltando de um rosto para o outro. Ele acaba engolindo o seco.

── Pensei... pensei que vocês fossem tiras ── respondeu Daniel, a voz fraca, lutando para se manter firme. ── Vocês não são, né? Eu... eu não quero ir pra cadeia.

── Nós não somos. ── Delilah respondeu. ── Mas por que você iria para a cadeia? O que você fez?

── Eu só fiquei com medo... ── Daniel respondeu, coçando o braço esquerdo. ── Policiais vieram aqui semana passada, perguntando sobre o mesmo cara, o tal do Stirk.

── Então você conhece ele ── Bruce afirmou com uma calma calculada.

Daniel assentiu de imediato, o medo quase palpável em seus olhos.

── Ele veio aqui algumas vezes para penhorar alguns objetos ── murmurou o tio de Daniel, atraindo os olhares para si. ── Mas achei que era melhor não falar sobre isso... poderia levantar suspeitas.

Delilah, impaciente, cruzou os braços, os olhos fixos no dono da loja.

── Qual o motivo? ── perguntou ela, a voz firme. ── Qual o envolvimento de vocês com o Jeremiah?

Daniel e o tio trocaram olhares nervosos. O rapaz engoliu em seco, claramente percebendo que não tinha mais saída. Com uma respiração pesada, decidiu se abrir.

── Eu faço identidades falsas. Trabalho com isso no porão da loja de penhores — admitiu Daniel, a voz trêmula. ── Foi por isso que me escondi. Não queria que descobrissem.

── Há quanto tempo trabalha com isso? ── Bruce perguntou, agora de pé, a postura intimidante.

── Dois anos, mais ou menos ── disse Daniel. ── Mas o Jeremiah só apareceu no ano passado. Não sei como ele descobriu o que eu fazia, ele disse que um amigo indicou, mas nunca falou o nome. Então, não sei se era verdade.

── Quantas identidades você fez para ele? ── Delilah exigiu.

── Umas seis, pelo menos ── respondeu o rapaz, encarando os dois.

Delilah pegou o celular do bolso, os dedos passando rapidamente pela tela. Em seguida, sinalizou para Bruce colocar Daniel de pé, e ele obedeceu, segurando o jovem com brutalidade e o erguendo. O rapaz agora estava cara a cara com Delilah, o pavor em seus olhos claros.

── Ainda se lembra dos nomes? ── ela perguntou, a voz controlada.

── Eu... eu lembro de alguns. Sempre descarto as informações depois que faço o trabalho. Mas lembro de quatro.

── Fala os nomes que você lembra ── disse Delilah, sem desviar o olhar.

── Glenn Roswell, Olivier Adams, Friedrick Hendricks e Will Phillips... São esses que eu me lembro.

Delilah trocou um olhar significativo com Bruce.

── Todos esses nomes estão no caderno ── murmurou ela, confirmando o que desconfiava.

Bruce, com o rosto impassível, assentiu levemente, antes de soltar Daniel. O rapaz permaneceu de pé, encostado contra uma estante.

── Como ele pagava? ── perguntou Bruce, a voz cortante.

── Dinheiro. Sempre em dinheiro. Ele nunca usava cartão ── disse Daniel. ── Eu juro, é tudo o que eu sei. Aquele cara era muito estranho, então eu nunca fazia perguntas porque não queria problemas pra mim e nem para o meu tio.

── Deveria ter pensado nisso antes de começar a fazer identidades falsas ── disse Bruce, a voz gelada.

Daniel engoliu em seco, encolhendo-se no canto ao se sentir ameaçado. Naquele momento, Delilah já não se importava mais com ele, não quando algumas peças daquele quebra-cabeças começava a se encaixar em sua mente, fazendo qualquer acontecimento do mundo exterior parecer irrelevante.

── Já respondemos tudo que vocês queriam saber! ── O dono da loja, finalmente reunindo a coragem que parecia ter perdido minutos antes, deu um passo à frente, a voz mais firme. ── Agora, por favor, saiam da minha loja.

O pedido soou mais como uma súplica do que uma ordem, mas Bruce e Delilah não contestaram. Eles trocaram um único olhar, breve, e começaram a caminhar em direção a saída, permitindo que o tio fosse socorrer o sobrinho.

Mas antes de atravessá-la, a voz desesperada de Daniel ecoou pela loja, cheia de pavor que ele falhou em tentar encobrir.

── Vocês não vão me denunciar para a polícia, né?! ── A pergunta pairou no ar, mas não houve resposta.

Já do lado de fora, Delilah segurava o celular, a tela ainda acesa, exibindo as fotos do caderno com os nomes claros e nítidos. Ela olhou para as imagens uma última vez ao lado do carro, repassando o que estava em sua mente várias vezes.

Quando finalmente bloqueou a tela, olhou ao seu redor. Um vento frio percorreu a rua, algumas pessoas que passavam se protegiam, mas todos estavam alheios demais para focarem nos dois e ninguém parecia estar observando. Em seguida, seu olhar encontrou o de Bruce ao seu lado e, antes que ele pudesse dizer algo, Delilah quebrou o silêncio primeiro.

── Todos os nomes que pesquisei nesse caderno me levaram a obituários ── começou Delilah, aproveitando o momento em que o fluxo de pedestres diminuiu na calçada ── Homens que morreram em Gotham há muitos anos. Alguns há mais de uma década. A maioria deles morreu no Elliott Memorial. Muitas informações se perderam, mas uma coisa é clara: esses homens não tinham conexão alguma... exceto pelo lugar onde morreram.

Bruce ouviu atentamente, o rosto sério, os olhos fixos nos dela. A tarde ao redor parecia mais fria, conforme o tempo começava a passar.

── Sabe quem também morreu no Elliott Memorial? Cinco anos antes da primeira vítima do Ceifador aparecer? ── Delilah perguntou, sua voz quase um sussurro, carregada de significado. ── Brian Hayes.

── O homem supostamente visto na cena do crime do primeiro Ceifador.

── Exato ── Delilah confirmou com um leve aceno. ── Não é qualquer um que consegue acessar corpos em um necrotério, muito menos ter acesso ao DNA dos mortos.

── Mas um legista conseguiria... ou um assistente de necropsia ── Bruce completou o raciocínio, sua mente conectando os pontos.

Delilah olhou para ele, sua expressão endurecida.

── Jeremiah Stirk trabalhou no Elliott Memorial por três anos antes de o hospital ser fechado. Está registrado na ficha dele.

── Ele era o primeiro Ceifador ── Bruce afirmou, como se finalmente dissesse em voz alta o que ambos já sabiam.

── E agora está morto ── Delilah concluiu, sua voz carregada de um pressentimento sombrio. ── E quem quer que o tenha matado... decidiu assumir o lugar dele.

AUTHOR'S NOTE.

I. | Não ia lançar notas porque perdi a mão com esse cap. escrevendo 10k de palavras, maaaaas já me esqueci várias vezes de fazer alguns anúncios. O primeiro é que, caso vocês mãos tenham visto, Inner Demons tem um trailer! Vocês podem encontrá-lo na galeria e está simplesmente impecável. Foi feito pela amiga Lena e eu agradeço muitíssimo a ela por isso. ♡

II. | Outro aviso é que eu postei duas histórias do Bruce faz algum tempo e não comentei sobre isso aqui. Postei Knife Wounds e Wicked Game, ambas são com o Bruce e a Delilah só que em universos diferentes. Então, se você não viu, vai no meu perfil que você encontra essas duas obras disponíveis ;)

III. | Enfim, acho que isso era tudo que eu tinha para dizer. Estou ansiosa pelos próximos capítulos, confesso. The Penguim lançou e com a série veio todo o meu ânimo para novos capítulos da fic, que muito provavelmente só serão postados mês que vem 🕊

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