𝟎𝟔. › AFRAID OF THE TRUTH
𝟎𝟎𝟔. COM MEDO DA VERDADE
OUTONO⠀──⠀ NOV. 22, SEGUNDA-FEIRA.
NARROWS, COMPLEXO DE APARTAMENTOS
O ACORDO COM BRUCE Wayne permaneceu na mente de Delilah durante todo o final de semana. Ela repassava aqueles últimos acontecimentos como se tivesse algo para encontrar, algum detalhe que deixou passar. Em noites particularmente longas, cheias de pensamentos inquietantes e alguns pesadelos, a falta do sono corrobora para que sua mente não parasse um minuto sequer.
Ela pensava nele, no serial killer, no trabalho... em tudo e nada ao mesmo tempo. Aquelas dúvidas a consumiam. Precisava manter a si mesma ocupada para que sua mente não voltasse para mais pensamentos conflitantes. Haviam livros e cadernos de desenhos empilhados em sua mesa de cabeceira, o qual Delilah já não dava a devida atenção fazia algum tempo.
No domingo à noite, Pietra a arrastou para um bar a 3 quadras do trabalho, onde todos os internos se reuniam para beber após o expediente e ela tentou (falhamente) socializar. Entretanto, as garrafas de cerveja e a conversa fiada foram um alívio bem-vindo em meio a todo aquele infortúnio o qual resumia sua vida.
Delilah acordou pela manhã bem cedo na segunda-feira para encarar uma Gotham parcialmente nublada e uma leve enxaqueca que seria resolvida com um Tylenol. Abrindo as cortinas de seu quarto pode ver que não havia chuva, mas o tempo estava acinzentado. Poucos eram os raios de sol que atravessavam as nuvens. A cidade por si só tinha um tom melancólico.
Ela preparou um café quente, aconchegou-se no sofá em seu cardigan bege puído horas antes do seu horário de trabalho e assistiu aos noticiários como sempre fazia, atualizando-se sobre tudo de novo que ocorreu na cidade durante a noite ── o Batman, é claro, era uma figurinha repetida em todas as reportagens. Havia sempre pelo menos uma notícia sobre a patrulha do justiceiro durante a madrugada.
Comeu duas torradas com pasta de amendoim, sorveu mais café e esperou sentada na bancada da cozinha. Naquele momento, Delilah havia finalmente pego o celular para verificar as mensagens. Não tinha muitos contatos. Sua agenda possuía apenas os números de alguns residentes do hospital, Jim Gordon, Alistair e, claro, agora ela também tinha o número de Bruce Wayne.
Ela havia pairado sobre o chat dele por alguns minutos, ponderando sobre mandar alguma mensagem, mas nada que pensava digitar parecia certo. Bruce não tinha foto no whatsapp e ela pensava se poderia, de alguma forma, ser o número errado. Quando tentou escrever algo para ele pela quinta vez, uma mensagem de Alistair apareceu na tela.
ALISTAIR: Savage vai fazer um pronunciamento.
DELILAH: Quando?
ALISTAIR: Hoje. 19hrs
DELILAH: Sabe o que ele vai dizer para a mídia?
ALISTAIR: Estou tentando descobrir, mas, da forma que conheço aquele cara, deve ser apenas mais uma merda fajuta, só para enganar as pessoas.
Delilah encarou a tela do celular. Ela não achava que, manter as pessoas no escuro, seria uma boa ideia. Muito menos que eles comprariam qualquer discurso de Savage sobre não haver um serial killer em Gotham. Adicionando o novo corpo a lista, era impossível evitar que as pessoas não se desesperassem.
Mas também ela não imagina o que o Comissário poderia dizer para tranquilizar as pessoas. Eles não tinham pistas substanciais que levassem ao assassino. O Ceifador poderia ser qualquer um. Ninguém na polícia estava fazendo progresso naquele caso. Apenas ela.
Delilah tinha uma pista que não compartilhava com Alistair e, por hora, planejava manter em segredo até conseguir uma rota que a levasse em direção a algo válido. Como Bruce havia dito, qualquer um poderia ter pego o bisturi. Ela precisava de provas de que foi o Ceifador. Depois disso, talvez, ela compartilhasse seu conhecimento com a polícia. Enquanto não, aquela investigação era apenas dela - e agora também era de Bruce Wayne.
Morgan desceu do balcão e bebeu o segundo copo de café, deixando a louça sobre a pia. Se encaminhou para o quarto, tomou um banho no banheiro conjugado e separou a roupa para o dia quando terminou. Fez uma única trança com todo o seu cabelo e a transformou em um coque no topo da cabeça, um penteado simples que costumava fazer com frequência.
Antes de colocar a blusa cinza, ela parou e voltou-se para o espelho grande que ficava no canto do quarto, encarando as linhas brutas em seu corpo. Cicatrizes antigas se encontravam com as novas que estavam se formando. Os pontos dos cortes ainda eram recentes, mas já não tinha mais a coloração avermelhada de antes. Também não havia qualquer repúdio enquanto ela os encarava, havia apenas naturalidade. Familiaridade.
Delilah não era avessa a cicatrizes. Ela tinha algumas em seu corpo que nem ao menos se recordava de quando as ganhou. Um corte fino nas costas, bem na direção das costelas, e próximo a tatuagem em vertical de um provérbio arabe que ela fez anos atrás na época da faculdade. A tatuagem seguia a linha de sua coluna até pouco acima do quadril, onde a frase se encerrava.
Além dessa, Delilah também tinha uma entre os seios. Um desenho do sol e da lua juntos como se fossem um só, com algumas linhas ao entorno deles e uma terceira tatuagem no braço esquerdo, próximo a curva do cotovelo, um desenho na cor vermelha de um coração humano. As marcas se perdiam sobre a pele, apagadas demais pelo tempo, porém ainda ali. As tatuagens fazem pouco para cobri-las e Delilah realmente não se esforçava para escondê-las. Seus olhos chegam até mesmo a demorar sobre elas, analisando-as com tamanha cautela e meticulosidade.
Ela pisca os olhos algumas vezes e volta ao presente, onde se concentra em terminar de se arrumar. Morgan este a gola alta e uma calça social preta. Reuniu suas coisas dentro da mochila e caminhou até a porta, onde calçou os tênis e colocou um sobretudo preto antes de sair. Enquanto trancava a porta, porém, escutou vozes abafadas vindas da porta a frente a sua.
Delilah se concentrou no que fazia, mas não era fácil ignorar o que estava acontecendo. A discussão vinha da porta da senhora Vand e Morgan podia identificar duas vozes femininas, porém não compreendia o que elas diziam. Poucos segundos depois, a porta se abriu de forma abrupta e a fala das duas ficou mais clara.
── Rachel, espera..
── Não, já chega. Eu cansei de você, mãe! ── exclamou Rachel, voltando-se para a mãe. Suas tranças balançando no processo. ── Eu já entendi que você não quer me ajudar. Você só é boa para as outras pessoas, mas quando o assunto é sua própria filha, você nem pensa duas vezes ao dizer não.
── Filha, por favor, volte para dentro. Vamos conversar direito...
── Eu não vou entrar, não tenho mais nada para conversar com você! ── Enfurecida, Rachel se afastou quando Janet tentou tocá-la e endireitou a alça da mochila verde musgo sobre o ombro. ── Você nunca mais vai ver.
A jovem deu as costas para a mulher e andou apressadamente para longe no corredor. A senhora Vand ainda tentou chamá-la algumas vezes, porém a filha não lhe deu ouvidos. Delilah observou a cena da mulher parada no corredor com as duas mãos no peito, um suspiro a deixou enquanto havia apenas um olhar triste em seu rosto. Algumas lágrimas rolaram e Delilah sentiu-se mal por ela.
Desde aquela noite em que encontrou os órgãos em seu freezer, as duas não haviam se falado. A senhora Vand ainda a cumprimentava no corredor ou na lavanderia quando Delilah descia para lavar sua roupa suja, porém Janet parecia um pouco distante. Delilah não a culpou por isso. Se estivesse na situação dela, também se afastaria de si mesma se tivesse a chance.
Notando a presença da vizinha, Janet forçou um sorriso em seu rosto e limpou as lágrimas perdidas com certa pressa.
── Delilah, não havia percebido que você estava aí ── comentou a mulher, tentando agir naturalmente ── Perdão pelo o que acabou de acontecer, Rach não está em um bom momento.
── Tudo bem, senhora Vand. Essas coisas acontecem ── Delilah respondeu. Ela sorriu minimamente para Janet.
── Bom, eu preciso entrar agora. Até mais tarde, Delilah. ── Vand se apressou para voltar ao seu apartamento, fungando baixinho. Morgan a cumprimentou de volta, despedindo-se e observando a porta dela fechar novamente.
Quando desceu do elevador até o térreo, Delilah encontrou Rachel do lado de fora. Pode ver a garota na calçada, falando com alguém no celular e gesticulando um pouco com as mãos. O carro de Delilah estava parado próximo a calçada, pois havia chegado tarde no sábado e desistiu de guardá-lo por conta do sono que sentia e aquela pareceu uma boa oportunidade para falar com a garota.
Ela saiu pela porta da frente com as chaves em mãos e parou ao lado de Rachel enquanto a garota encerrava a ligação frustrada. Rachel vestia um moletom roxo e calças cargo na cor bege. Haviam alguns desenhos feitos com caneta preta tanto no tecido da calça quanto nos tênis dela.
── Tudo bem, Rachel? ── Delilah perguntou ao se aproximar. A garota ergueu o olhar.
── Ah, oi, Delilah. Sim, está tudo bem. Nada com o que se preocupar ── Respondeu Rachel, fungando. Ela não estava chorando, porém seus olhos pareciam fundos e, se chegasse mais perto, Delilah poderia ver claramente as pupilas dilatadas.
── Não era o que parecia minutos atrás. Você e a sua mãe estavam brigando feio.
── Não liga pra isso, acontece o tempo todo ── Ela disse, olhando para a rua como se procurasse algo. ── Quer dizer, não vai mais acontecer. Não vou mais voltar aqui. Ela não quer me ajudar, então também não vai mais me ver.
── E exatamente de que tipo de ajuda você precisa? ── Indagou Delilah. Rachel olhou na direção dela mais uma vez e poder ver com mais clareza como a pele da jovem parecia pálida.
── Dinheiro. Eu pedi dinheiro pra ela e ela se negou a me dar ── Um tanto ríspida, Rachel respondeu. ── E ainda me tratou como uma viciada, dizendo que, se fosse pra comida ou contas, ela mesma poderia comprar ou pagar pra mim, mas não podia dar o dinheiro na minha mão. Acredita numa merda dessa? Ela não confia na própria filha.
── Sua mãe só está preocupada com você, Rachel. Ela não fez por mal, tenho certeza disso.
── Isso é o que você acha ── Uma risada de escárnio sai dela, enquanto passava a palma da mão sobre o nariz.
Janet havia dito para Delilah uma noite, enquanto as duas tomavam chá na casa dela, que a filha chegou a ter problemas com drogas no passado. A senhora Vand não se aprofundou sobre o assunto, mas jurou que Rachel estava sóbria a uns 4 anos na época. Delilah não via a garota com frequência, porém aquela foi a primeira vez que a viu alterada de forma nítida.
── Ela é sua mãe, é isso que as mães fazem. Elas se preocupam com os filhos ── respondeu Delilah, cordialmente. ── Você pode não ver dessa forma agora, mas vai entender no futuro que ela só está pensando no seu bem.
── Então até você vai ficar do lado dela? ── Ela cruzou os braços. ── Vai defendê-la agora? Dizer que ela é uma ótima mãe?
── Eu só acho que você tem que pensar com mais sensatez nesse momento, Rach. Ela quer te ajudar. ── Disse ela. ── Também não quero que acabe se arrependendo dos próprios atos mais para frente. Está indo por um caminho bem perigoso.
── Olha, eu não pedi sua opinião sobre nada. ── Retrucou a garota, esfregando o nariz e se afastando ── Você não sabe nada sobre mim, é só uma vizinha intrometida. Deveria cuidar mais da sua vida.
Um carro preto parou próximo a calçada. As janelas abaixaram e uma fumaça de cigarro e ervas saiu de dentro dele. Rachel caminhou e abriu a porta do passageiro, onde Delilah apenas teve a chance de ver parte do rosto do motorista. Um homem de cabelos castanhos longos e algumas tatuagens no pescoço.
O veículo partiu rapidamente, acelerando pela rua tão rápido que Delilah praticamente o perdeu de vista em meio aos carros. Os dois conversaram algo, mas ela não conseguiu captar nenhuma frase completa. A discussão foi abafada pela música que tocava altamente nos alto-falantes do carro.
Delilah se encaminha para seu próprio carro. Ela o destranca e entra, sentando no assento do motorista. Colocando a chave na ignição, tenta dar partida do veículo, porém isso não acontece. O que se segue são tentativas falhadas de fazer o carro pegar.
── Vamos lá ── Murmura para si mesma, tentando mais uma vez. Quando nada acontece, ela suspira totalmente frustrada. ── Isso não pode ser sério. Porra, por favor.
O painel indica que a gasolina está completa, nada fora do comum. A única resposta plausível seria algum problema no motor.
Delilah sai e levanta o capô para inspecionar a água e o óleo do carro. Não há fumaça ou qualquer indício de bateria queimada, mas também ela não é mecânica e não teria como saber. Fechando o capô e pegando o celular, decide que sua melhor alternativa é entrar em algum aplicativo de carona.
Mais tarde, naquele mesmo dia, Delilah está de volta ao necrotério. Oficialmente de volta ao necrotério.
Seu Comitê de Boas-vindas não era o que ela esperava durante a manhã. Encontrar miniaturas de zumbis na sua mesa de trabalho era o epítome do humor para alguns de seus colegas de trabalho. O cartão de Halloween com o desenho de um ceifador na capa e com a frase "bem-vinda de volta ao mundo dos vivos!" deixado em seu armário também deveria ser, ela presumiu. Mas valeu o esforço.
Ela não se revolta, nem fica chateada. Aquilo nem mesmo a perturba. Delilah lida com coisas bem mais perturbadoras todos os dias. Bonequinhos feios e papel barato não iriam tirá-la do sério. No máximo, causaram uma risada de escárnio.
Joga todos os bonecos na lata de lixo e senta-se na cadeira de frente para o computador com um suspiro audível. Seu dia havia começado cheio. Depois de ligar para um mecânico que rebocou seu carro até uma oficina, ela precisou ir de táxi até o trabalho. Chegou atrasada, mas a tempo de pegar a reunião geral que acontecia todo final do mês. Tirando todos os olhares que foram lançados na direção dela quando entrou e os cochichos, tudo correu bem.
Em seguida, ela retornou para o necrotério e se atualizou sobre o caso do Ceifador, como sempre costumava fazer. Puxou a ficha da última vítima e se ocupou com ela, até escutar passos se aproximando da sua área de trabalho.
── Não leve para o lado pessoal, Delilah. ── Ronan encosta o quadril na mesa com os braços cruzados. Seu sorriso é menos de amigo preocupado e mais de vendedor de carros usados bajulador.
Ele é um dos legistas do necrotério. Começou como assistente de necropsia do doutor Davis e agora ocupava aquele espaço junto com ela e outros dois médicos. Eles não eram amigos. Estavam bem longe disso, mas Delilah preservava um ambiente de trabalho sem conflitos.
── Não vou levar. ── Ela responde, concentrada em continuar digitando a ficha no computador, enquanto ajeita a armação dos óculos sobre o rosto, utiliza-o apenas no trabalho e para leitura.
── Não precisa suar de preocupação por causa disso. ── Ele penteia os fios loiro escuros para trás e mantém um sorriso de lado no rosto.
── Não estou suando.
E ela realmente não estava. Mas Ronan presumia que qualquer um naquela situação deveria estar. Ele também estava falhando em encobrir seu envolvimento naquele pegadinha sem graças.
── As pessoas vão superar isso ── continua Ronan como se Delilah se importasse ── E, ei, você nunca traz comida mesmo, então não precisa se preocupar se alguém vai cuspir na sua marmita.
Ele cai na gargalhada. Morgan o ignora, sem expressar qualquer reação ao o que ele diz porque não tem graça e Ronan nunca foi engraçado, mesmo que sempre se achasse o maior piadista. A maioria das pessoas naquele hospital deveriam rir das piadas dele por pena, mas Delilah não diria isso a ele.
Após finalizar sua revisão na autópsia da quarta vítima do Ceifador na sala de descanso do necrotério, anexando os dados das restantes da necropsias ao computador e salvando, seu celular vibrou em cima da mesa. A tela se iluminou. Uma mensagem nova surgiu. Bruce Wayne era o nome do remetente.
Ronan ainda estava falando, mas ela não estava mais escutando, voltando totalmente sua atenção para o celular e para as mensagens recém recebidas.
Ela mudou a postura, sentando-se ereta enquanto lia o que ele havia enviado. Era uma mensagem breve, uma pergunta. Bruce queria saber se ela estava livre mais tarde, depois que saísse do trabalho. Ela confirmou e o perguntou porque. A resposta dele, como antes, foi curta e direta.
Tenho uma pista.
── O que foi? ── Indagou Ronan. ── Recebeu a mensagem de algum namorado?
A pergunta soou tão debochada, que era nítido que Ronan não acreditava naquela alternativa. Porém, como costumava fazer em relação a tudo que envolvia seus colegas de trabalho, ela ignorou.
── Não te interessa, Ronan ── Ela respondeu, mandando uma última mensagem para Bruce e observando os ponteiros do relógio marcando 17hrs. ── E vou sair 1 hora mais cedo hoje. Avise ao doutor Morrison por mim, ok? Te pago uma bebida no fim de semana.
── Você sabe muito bem como comprar um homem, Delilah Morgan ── Ele riu. Delilah revirou os olhos.
Ela finalizou a ficha no computador e se levantou para guardar as fichas de volta ao armário dos arquivos do necrotério. Por sorte, Ronan encontrou o novo assistente para perturbar.
Horas mais tarde, mais precisamente às 19hrs, Delilah encontrou Bruce em frente ao prédio da Universidade de Medicina de Gotham. Normalmente Morgan ficava até de madrugada no Gotham Mercy, entretanto o Doutor Morrison a escalou para o turno da manhã durante aquela semana. Ela deveria ficar até as 18hrs, porém saiu antes disso. Como estava sem carro, precisaria usar um táxi ou o metro e o distrito universitário ficava longe de Narrows.
Bruce a observou se aproximando, enquanto Delilah fechava o casaco sobre si conforme o vento varria seu corpo. Quando parou em frente a ele, retirou alguns fios de cabelo castanho escuros do rosto. As olheiras dele pareciam mais profundas sobre a luz amarelada do poste.
── Eu investiguei a sua pista. ── Bruce anuncia sem nem ao menos um comprimento, algo que Delilah não acha ruim. Ser direto não abre espaço para tensão ou constrangimento excessivo ── Cheguei a conclusão que seria bom conversarmos com as pessoas que trabalham aqui durante a noite. Auxiliares de necropsia, para ser mais exato. Quem pegou o bisturi, pode ser um.
── E você conhece algum? ── Perguntou Delilah, seguindo-o quando Bruce começou a andar pelo campus.
── Nenhum, mas tem um segurança chamado Tony. Ele me recebeu ontem a noite, disse que conhecia todos dentro do prédio. ── Disse ele. ── Ele deve saber algo.
── Você sugere que sim. ── Ela comentou, acompanhando os passos largos de Wayne e recordando-se de Tony ── Mas se ele não souber de nada...
── Voltamos à estaca 0. ── Completou. ── Mas, pelo menos, é alguma coisa.
── A gente pode pedir pra ver as câmeras de segurança. Saber quem entrou e saiu. ── Delilah sugere. ── Aliás, não acha estranho ninguém ter dado falta do bisturi?
── Atualmente, não é uma área tão visitada da Universidade ── Bruce argumentou. ── A área de medicina decaiu em Gotham nos últimos anos, por conta do índice de criminalidade. Eles não tem tanto investimento para segurança e, supostamente, o prefeito tem desviado dinheiro da universidade para outros fins.
── É por isso que queriam seu patrocínio?
── Sim. Querem alavancar a Universidade novamente. ── Ele explicou ── O descuido com o bisturi é só uma consequência da baixa quantidade de funcionários.
── Um claro sinal de desespero. ── Ela comenta. ── A gente deveria contar pra alguém que o bisturi sumiu? Seria o correto a se fazer.
── Não agora. Por enquanto, o Ceifador não sabe que descobrimos sobre isso. Se ele suspeitar que estão começando a seguir os passos dele...
── Ele pode ficar mais cuidadoso e começar a apagar os próprios rastros. ── Delilah assente, comprimindo os lábios. ── Faz sentido.
Ela não sabe dizer porque confia tanto em Bruce, mas aquilo parece certo. A proximidade é instantânea e eles parecem estar em sincronia, pelo menos.
Os dois caminham pela grama juntos, lado a lado. Delilah observa o campus. O lugar está praticamente vazio naquele horário. Poucos estudantes passam por ele, mas, enquanto estão pelas sombras, Bruce não é reconhecido.
Ninguém parece se importar também. Todos estão concentrados em chegar em seus dormitórios ou em cochichar sobre o Ceifador.
Eles avistam um segurança à distância, esperando próximo a entrada do estacionamento. Tony cumprimenta alguns estudantes, sorri e acena. Ele tem cabelos castanhos com mechas grisalhas nas laterais, uma pele bronzeada e algumas rugas de expressão que surgem apenas quando ele sorri, entregando a idade que tem. Ele não é tão velho, mas parece uma pessoa cansada. Delilah consegue analisá-lo melhor agora que não está tentando entrar sorrateiramente no prédio de medicina.
── Tony ── Bruce o comprimenta, assim que se aproxima. Os olhos do segurança se arregalaram com certa surpresa inicialmente, mas logo ele relaxa e um sorriso singelo aparece.
── Senhor Wayne, é um prazer ter o senhor aqui novamente ── Ele enganchou os dedos no cinto da calça. ── No que posso ajudar?
── Eu gostaria de saber sobre os auxiliares do turno da noite. ── Bruce respondeu. ── Ontem você me disse que conhecia todos que frequentam o prédio de Medicina.
── Bom, senhor, não sei se vou conseguir te ajudar exatamente em relação a isso. Eu até cruzo com eles e reconheço os rostos, mas não falo com nenhum deles. ── Tony se aproxima mais para cochichar. ── Pessoal estranho. São todos uns esquisitões.
── Oi, meu nome é Delilah. ── Ela deu um passo à frente, intrometendo-se e estendendo a mão para Tony apertar. Um sorriso amigável em seus lábios. ── Eu estou acompanhando o senhor Wayne. Estamos procurando uma pessoa que possivelmente trabalhe aqui. Ele deve ter mais ou menos a sua idade, evita contato visual, chama todo mundo de senhor, senhora... Acho que ele deve ser um auxiliar.
Tony se afasta após apertar a mão dela, ponderando sobre as informações que Delilah compartilhou com ele.
── Olha, tem uma pessoa que parece se encaixar com essa descrição, mas ele não tem a minha idade. Ele é mais velho ── Respondeu o segurança. ── Ele é bem esquisito. Já escutei ele falando sozinho algumas vezes. Como era o nome dele? Era alguma coisa com Stan, Stil, Stone... Stirk! O nome dele é Jeremiah Stirk.
── Fale sobre ele. Hábitos, rotinas... ── Bruce pediu.
── Na real, eu não sei muito sobre ele. ── Disse Tony. ── Faz um bom tempo que não aparece aqui, sumiu faz semanas. Mas costumava estar no prédio toda a noite.
── Semanas? Sabe o tempo exato em que ele parou de aparecer no campus? ── Delilah perguntou.
── Eu sai de férias em Outubro, mas antes disso eu já não o via mais por aqui. Diria que uns dois meses antes disso. Desde então, nem vulto do cara eu vi.
── Sabe dizer pra gente como ele é?
── Ele é alto. É uns 10 anos mais velho do que eu. Meio ensebado. Tem os olhos úmidos, sabe? ── Disse Tony com uma careta de nojo em suas feições.
── Chegou a falar com ele alguma vez? ── Bruce questionou. ── Ele disse onde morava? Ou algo do tipo.
── A gente não se falava, mas eu tenho certeza que ele morava no estacionamento.
── No estacionamento? ── Indagou Delilah, franzindo o cenho.
── Sim, ele costumava ficar lá próximo ao antigo transporte mortuário. Mora em um trailer estacionado no B3.
Delilah e Bruce se entreolham. Não precisam verbalizar o que estão pensando, é claro o que precisam fazer em seguida. Os dois se despedem de Tony quando Bruce consegue com ele a chave do transporte mortuário e caminham até o lado B do estacionamento da Universidade.
Wayne não estava brincando quando disse que conseguiria acesso às coisas que Delilah não tinha. As pessoas confiavam nele, mesmo que não o conhecessem. Querem agradá-lo. Bruce sabia usar isso a seu favor. Ela sabia que, caso estivesse ali sozinha, não teria conseguido aquela chave apenas com a sua lábia.
── Não sabia que você sabia tanto do Ceifador assim. ── Bruce comenta durante o caminho.
── Tive contato com ele duas vezes, peguei algumas dicas. ── Disse Delilah, olhando para a frente. ── Ele é estranho, peculiar. Claramente chama a atenção por onde passa, porque a forma como ele fala é... Um tipo de característica marcante, algo fora do comum. Ele se desloca da sociedade. Não é visto como normal. ── Em seguida, ela dá de ombros. ── Bom, pelo menos eu não acharia uma pessoa que fala as coisas que ele fala alguém normal.
── Pensei que você fosse legista, não detetive.
── Quando a polícia de Gotham começa a ser um pouco "incompetente", a gente precisa ser um pouco dos dois.
Havia mais para moldar um serial killer, mas, através do que eles tinham de informações sobre o Ceifador, Delilah presumia que ele fosse um homem que foi afastado da sociedade por causa de algo. Algo que não o fazia como as outras pessoas, que o deixava incompleto. Ou alguém o fez acreditar que ele era. Influências externas também poderiam ter algo haver com esse caso.
O segurança definiu Jeremiah Stirk como esquisito. Não olhava nos olhos das pessoas, tinha uma aparência estranha, se isolava... Isso o colocava na lista de suspeitos, mas não era uma garantia. De qualquer forma, se ele não fosse o Ceifador, poderia ter algum envolvimento com os crimes.
Os passos de Delilah ecoam pelo estacionamento vazio quando eles avistam o trailer de Jeremiah à distância. Ao lado dele, como Tony havia dito, estava o veículo preto do transporte mortuário.
── Vamos inspecionar primeiro o trailer. ── Bruce instruiu. Ela o seguiu.
Na porta do veículo, Delilah fez menção de encostar na maçaneta, porém Bruce a parou. Ele retirou um pano de dentro do bolso do sobretudo e entregou para ela.
── Sem deixar impressões digitais ── Disse ele, fazendo com que ela arqueasse uma sobrancelha escura.
── Qual a necessidade?
── Não sabemos o que vamos encontrar dentro do trailer. É bom ter uma garantia ── Ele respondeu, instigando-a para pegar o pano.
Delilah olhou para o lenço e depois para Bruce. Em seguida, elevou as mãos ao bolso externo do casaco que vestia e retirou dois pares de luvas pretas. Bruce retraiu a mão, impassível, enquanto ela colocava as luvas.
── Feliz?
── Só vamos acabar com isso logo.
── Foi você quem decidiu se aventurar nessa investigação, não reclame ── Delilah tentou abrir a porta e a mesma abriu.
── Não estou reclamando. ── Ele resmunga. ── Como sabia que estava aberto?
── Eu não sabia, foi um teste. Um golpe de sorte, eu diria ── Ela respondeu, subindo as escadas do trailer antes dele. Um cheiro forte inundava o ar. ── Eu iria arrombar se estivesse trancado mas, pelo visto, Jeremiah saiu às pressas daqui.
O lugar estava bagunçado. Revirado em todos os cantos. Gavetas abertas, revistas caídas no chão, roupas deixadas sobre a mesa no canto, em frente a área onde estava a cozinha. Ela abriu a geladeira e encontrou a comida estragada. O motivo do cheiro forte que fez os dois torcerem o nariz.
── Nem ao menos se preocupou em trancar o trailer ── Comentou Bruce, analisando o seu em torno. ── Do que ele estaria fugindo?
── Talvez alguém possa ter descoberto o que ele fez? ── Sugeriu Delilah, olhando algumas revistas pornô em cima da mesa. Levantou as mesmas procurando por algo, usando apenas as pontas dos dedos e torceu o nariz durante o processo ── Alguém descobriu que ele era o Ceifador e ele fugiu. Ou descobriram que ele tem muito mau gosto para revista. Também é uma alternativa viável.
── Se alguém descobriu, onde estaria essa pessoa agora? ── Bruce questionou.
── Morta, talvez. Ele pode ter matado. Entrou em pânico, a matou e fugiu ── Morgan deu de ombros.
── Não faria sentido ── Wayne cruzou os braços na frente do peito. ── Se ele a mata, não tem mais uma testemunha. Poderia continuar vivendo aqui tranquilamente por mais tempo. Se estivermos certos, Jeremiah sumiu no mês em que os assassinatos começaram.
Delilah pondera sobre o que Bruce disse. Ela solta um murmúrio afirmativo em seguida.
── Ele também não parece o tipo de pessoa que se intimida fácil. O Ceifador, no caso. Tem muita segurança no que faz, acha certo. É um homem religioso também ── Delilah comenta, inspecionado os armários. Bruce se acomoda em vasculhar as gavetas. Não há qualquer indicio de qualquer religião no trailer ── Nenhuma das vítimas tinha ligação com a Universidade, se ele as matou por algum motivo pessoal, não tem haver com esse lugar. Também o deixaria mais perto de ser suspeito, caso fosse.
── Faltam muitas peças. Só vamos ter essas respostas se encontrarmos o Stirk ── respondeu Bruce, levantando-se.
── Ele pode estar em qualquer lugar ── Murmurou Delilah. ── Mas posso pedir um levantamento de antecedentes pela polícia. Ficha pessoal, qualquer familiar próximo... Podemos achar algo.
── Isso se houver algo sobre ele nos sistemas ── Bruce retrucou.
── Tente ser positivo, Wayne ── Delilah revirou os olhos. ── Estou acostumada com o meu pessimismo. Duas pessoas é muito.
Enquanto Bruce continuava procurando por alguma pista na parte da frente do trailer, Delilah se encaminhou para o pequeno quarto onde ficava apenas a cama e o armário. Ela parou na porta, quando seu celular disparou com algumas mensagens.
Era o link de uma matéria e uma mensagem de Pietra escrita "viu isso?". Delilah abriu a matéria e se deparou com um vídeo do pronunciamento de Savage. Em cima estava escrito, "Serial Killer a solta: Comissário declara toque de recolher geral em toda a cidade."
── Porra ── Ela praguejou baixinho. Mesmo assim, Bruce escutou.
── O que foi?
Ela se voltou para ele, tendo dado play no vídeo de Savage em frente ao DPGC, e mostrou a tela para o homem para que ele pudesse ver. Savage estava bem mais altivo, comportado. Em frente as câmeras, parecia outro homem.
── ... e pensando no melhor para Gotham, a decisão do prefeito Don Mitchel Jr. em acordo com a polícia da cidade, foi de dar início a um toque de recolher geral, mesmo processo tomado anos atrás quando o Ceifador atacou pela primeira vez. ── Houve um alvoroço em torno de Savage, porém ele não parou de falar. ── Ninguém poderá deixar suas casas ou local de trabalho após as 22hrs até às 7 horas da manhã. Apenas os oficiais poderão estar patrulhando durante esse horário e haverá uma escala que será seguida à risca em cada distrito de Gotham. Quem violar essa regra, deverá pagar uma multa...
Delilah encerra o vídeo. Cansada de escutar a voz do Comissário e Bruce aparenta ter compreendido onde ele queria chegar.
── Então essa é a solução do Savage? ── Indagou ele. ── A mesma alternativa que eles usaram há mais de 20 anos atrás?
── Naquela época pode ter sido útil, mas talvez não seja hoje em dia. ── Delilah respondeu. Anos atrás, quando o Ceifador atacou e começou a fazer suas vítimas, ele influenciou pessoas na cidade. Alguns começaram a se fantasiar de Ceifador e assaltar lojas ou fazer pegadinhas com as outras. O trabalho da policia estava sendo retardado por essas pessoas. O toque de recolher se tornou a alternativa mais viável para se ter pelo menos uma falsa sensação de controle. ── No mais, talvez nos dê um tempo para avançar com essa investigação.
── Ou de ao Ceifador mais tempo para agir.
Delilah não o respondeu, pois sabia que Bruce estava certo. Aquela incerteza era a pior parte. Ela estava se agarrando a possibilidades, mas tudo poderia acabar dando em nada. Presumir não deveria ser a alternativa mais viável. Delilah precisava de fatos, provas. Precisava encontrar um caminho, como havia encontrado antes. Parecia que o ataque no hospital a deixou perdida e ela não estava conseguindo colocar a si mesma na linha.
Talvez, lá no fundo, ela sentisse medo. Não dele. Não do Ceifador. Pois não temia a morte, muito menos por si mesma. Mas do que poderia descobrir. Medo da verdade.
Avançando no quarto, Delilah inspeciona a área. A cama estava bagunçada. Lençois caídos no chão, travesseiros amontoados. Ela abriu as portas dos guarda-roupas e chamou por Bruce. Quando ele apareceu na soleira, ela deu um passo atrás, sentando-se na cama.
── As roupas ainda estão aqui ── Ela disse olhando na direção dele. Bruce se aproximou. ── Não parece que ele levou algo.
── Mas ele deve ter levado. Não as roupas, mas algo específico ── Insistiu o homem.
── Pode ser desde uma escova de dentes até mil reais em dólares. ── Morgan bufou ── É amplo demais, ele pode ter tirado qualquer coisa daqui. Mas, pensa comigo, se você escondeu algo, pra quê revirar todo o lugar se você sabe onde mantêm? Afinal de contas, foi você mesmo quem escondeu.
── É, isso não faz sentido... ── Bruce murmurou. O olhar dele passou pelo quarto como se pudesse encontrar algo que eles deixaram passar no meio daquela bagunça. O olhar dos dois se encontram, suas mentes correm para a mesma direção. ── Talvez outra pessoa tenha estado aqui.
Ela assentiu. Seu olhar se desviou para o guarda-roupa, concentrando-se no fundo dele como se todas as suas respostas estivessem escondidas ali dentro. Todavia, ela já havia aceitado que nada ali lhes seria útil, mas havia outro lugar onde poderiam ir.
A mulher se colocou de pé, seu ombro esbarrando no peito de Bruce no processo.
── Vamos investigar o transporte mortuário. Tony disse que o único que costumava usá-lo era o Jeremiah ── Delilah passou por ele enquanto falava. ── Pode ter alguma pista dentro dele.
Bruce não respondeu, mas a seguiu. Eles saíram do trailer e deram a volta até o veículo preto estacionado na vaga ao lado. Passando as chaves do carro para a Morgan, Wayne observou enquanto as portas eram destrancadas pelo botão de alarme no controle.
── Esse carro fede mais que o trailer ── Delilah torceu o nariz. Ela abriu a porta da frente, analisando a bagunça que aquele lugar se encontrava. Havia tantos papeis, notas de fast food, uma caixa de cigarro vazia e uma embalagem de lenços umedecidos também vazia.
── Ele parecia passar bastante tempo aqui ── Bruce comenta, abrindo o porta-luvas enquanto Delilah inspeciona abaixo dos bancos. Todo lugar que ele toca, utiliza o pano para limpar suas digitais.
Abaixo dos bancos não havia nada a não ser latas de cerveja amassadas e alguns papeis com desenhos, caricaturas mal feitas de pessoas desconhecidas.
── É, batendo punheta e comendo comida para viagem. ── Ela respondeu, desgostosa. ── Deveria ser uma pessoa muito agradável mesmo.
Delilah soltou uma risada de escárnio, porém Bruce ficou em silêncio. O lábio dele se curvou levemente para cima, enquanto mantinha a concentração em vasculhar o porta-luvas. O olhar dela captou quando Bruce retirou um gravador de dentro do porta-luvas. Ele estava abaixo de papeis de recibo e mais lixo que era acumulado no transporte mutuário. O cenho dela franziu.
── É o meu gravador ── Ela comentou suavemente, quase em um múrmurio. ── O Ceifador pegou quando me atacou. Isso significa que ele deixou aqui. ── Delilah ergueu os olhos na direção de Bruce que a encarava de volta com a face séria.
Bruce entregou o objeto para ela. Inspecionando-o, Delilah teve certeza de que realmente era o gravador que o Ceifador roubou. Fechando a porta do carro, apertou o botão de play enquanto caminhava até ficar em frente ao porta malas.
── Ele lava a gente agora. ── Ambos escutaram a voz dela dizer na fita. ── Será que meu assassino está apaixonado por mim? Não. Não dá a entender que ele me conhecia. Eu sou uma igreja. Uma igreja que ele andou por acaso.
A fita para. Em seguida começa uma gravação nova, que interrompe a antiga.
── Coração. Fígado. Pulmão. ── É a voz do Ceifador que eles escutam. ── Coração. Fígado. Pulmão... Pulmão. Esse é o próximo. Estômago. ── Ele respira próximo ao gravador por longos minutos. Tão perto que forma uma estática. ── Me encontra... Você... Você vai me encontrar. É isso o que eu quero. Mas só quando eu estiver completo.
── Acha que ele está falando comigo? ── Delilah perguntou, olhando para Bruce. ── Isso é pra mim?
── Eu não sei, mas se for... Ele não te vê como um alvo. ── Ele respondeu.
── Você precisa de mim também. Você viu. Você entende. ── O Ceifador continuou a falar. ── Você poderia se aproximar. Você poderia me encontrar. Os policiais não sabem... Eles não sabem que nós sabemos.
A pausa que é dada por ele é preenchida pelo som de mastigação. O Ceifador leva algo à boca, saboreia-se com algo que parte de alguma das vítimas.
── Ele está comendo o estômago... ── Delilah murmurou.
── Ele é um canibal. ── Constatou Bruce.
── Sim, é isso que ele faz. Quando me atacou, ele fez algo do tipo com uma das vítimas ── Compartilhou a mulher ── Lembro de escutar... Céus, foi horrível.
A mente de Delilah volta para aquela noite, para as palavras do Ceifador. Todas ainda gravadas no fundo de sua mente e ficavam cada vez mais vívidas, forçando-a a se afastar daquelas memórias que ainda lhe perturbaram.
O Ceifador fala algo que eles não conseguem entender, sua boca cheia do estômago de uma das vítimas, seus dedos passando pelos lábios enquanto murmura a segundo parte.
── Eu e minha nova amiga... Nós gostamos dos mortos. Nós gostamos da companhia deles. Nós somos iguais. Nós gostamos da noite. ── Ele pausa para respirar mais uma vez. ── E eu ia vim ver você... Você e sua vizinha. Só você me entende. Só você pode me encontrar...
A gravação se encerra. Delilah e Bruce permanecem em silêncio, escutando apenas os sons ambientes. Os dois pensavam sobre o que acabaram de escutar. Ele não parece surpreso, muito menos abalado. Delilah imaginava que alguém como Bruce Wayne ficaria em choque após ouvir algo tão hediondo, mas não havia qualquer sinal de pavor em suas feições.
Seu olhar era gélido, duro. Seus olhos pareciam ter visto e ouvido coisa pior. Delilah também sentia que deveria estar mais em pânico, mas sua reação estava tão impassível quanto a de Bruce. Havia apenas aquela preocupação aparente, o medo de que alguém próximo a ela se machucasse por conta disso. Aquela era a segunda vez que ele falava sobre a senhora Vand. Morgan não queria que ela se tornasse uma de suas vítimas. Ela engole o seco, sentindo uma pressão estranha contra o peito.
── Agora só falta olharmos o porta malas ── Ela diz a ele, tentando ignorar o que acabou de escutar. Delilah deseja, mais do que tudo, que aquela noite se encerre, porém parecia que ela iria apenas se estender cada vez mais.
Ela guardou o aparelho em seu bolso e puxou as chaves mais uma vez para abrir o porta malas do veículo. O último lugar que faltava ser inspecionado. Uma sensação estranha percorreu sua espinha naquele momento como se a pressão da antecipação pudesse comprimi-la até que fosse esmagada por ela. Até que não sobrasse mais nada a não ser uma poça de sangue.
Sentia que algo muito ruim estava para acontecer. Não sabia de onde aquela sensação vinha, mas tinha certeza que era um aviso. Um presságio da morte. Como o vento frio que sentiu no necrotério 1 semana atrás. Abrindo a porta devagar, sentiu seu estômago revirar. Nada teria preparado eles para aquilo. Dentro do porta malas, embrulhado em um papel azul como se fosse um presente direcionado exatamente para ela, havia um corpo.
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