𝟎𝟒. › FOLLOWING A CLUE
𝟎𝟎𝟒. SEGUINDO UMA PISTA
OUTONO⠀──⠀ NOV. 19, SEXTA-FEIRA.
GOTHAM MERCY GENERAL HOSPITAL.
CONFLITOS ERAM ALGO que, na atualidade, Delilah tendia a evitar. Não que houvesse algum momento no passado em que ela os buscasse, mas enfrentou sua parcela de preocupações após a morte dos pais, seguindo em frente completamente sozinha.
Delilah possuía uma clara percepção de que eventualmente encontraria problemas; sabia que complicações surgiriam e que poderia atrair o pior para a cidade, pois Gotham era exatamente desse tipo. Era um local sujo, pútrido, corroído pelo que havia de mais sombrio. Advertências não foram poupadas para ela; sempre esteve ciente dos riscos, sabendo que sua presença poderia colocar a vida de outras pessoas em perigo. Mesmo assim, sua decisão permaneceu inalterada. Algo, que Delilah não conseguia definir, a impulsionou na direção daquela cidade. Algo a atraiu para Gotham e agora a mantinha cativa naquele lugar.
De todas as possibilidades que ela considerava, despertar o interesse de um maníaco em menos de um ano desde sua chegada não estava no topo de sua lista. Agora, talvez, ela precisasse enfrentar conflitos à sua maneira, apenas para evitar que o pior acontecesse ── ou continuasse a acontecer ── e, se isso significasse agir sozinha, Delilah seguiria por esse caminho.
Ao entardecer, ela estacionou o carro em frente ao hospital geral. O clima parcialmente ensolarado da manhã foi substituído por uma chuva torrencial fraca, que logo se transformou em chuviscos quase imperceptíveis. O limpador de para-brisa removeu as últimas gotas uma última vez antes do veículo ser desligado e Delilah retirar a chave da ignição, erguendo o capuz da parca sobre a cabeça.
Guardou o celular e o crachá no bolso da calça jeans, abrindo a porta e saindo para trancar o carro. Deu a si mesma cinco minutos para respirar enquanto observava o imponente prédio do hospital. Seu estômago revirava com o que sobrou de seu almoço no restaurante alguns minutos atrás, relembrando os eventos mais recentes.
Retornar ao Gotham Mercy não deveria ser difícil, mas as lembranças de 1 semana atrás ainda estão vividas em sua mente. Delilah mantinha a fachada de confiança enquanto caminha até a entrada e chega a recepção, mas sua mente retorna sempre para os eventos anteriores. Morgan pensa que sua maior preocupação deveria ser como passar pelos seus colegas de trabalho sem questionamentos, porém não consegue se desfazer da sensação de inquietação que a perturba.
── No que posso- Delilah? ── A mulher atrás do balcão, que antes estava com uma carranca profunda, suaviza levemente ao encontrar o rosto da Morgan. Surpresa, Dolores ergue as sobrancelhas. ── O que está fazendo aqui? Não me diga que veio trabalhar. Morrison não te deu uma despensa de 1 mês? Kyle jurou que ele fez.
O canto dos lábios de Delilah puxam levemente para cima com a fala da mulher, lembrando-a de que as especulações sobre seu "acidente" se tornaram uma conversa recorrente entre os internos. Naturalmente, Delilah não se importava tanto com isso. Ela quase não tinha contato com seus colegas de trabalho, apenas os escutava conversando na sala de descanso, sempre com alguma informação sobre alguém e, na maioria das vezes, era mentira.
Não era surpresa para ela que seu nome estivesse correndo na boca deles durante aquela semana. Dessa vez, com uma informação quase verdadeira. O chefe dos residentes, Morrison Norton, realmente sugeriu a ela 1 mês fora do trabalho de legista. Ele ofereceu a oportunidade para ela se recuperar e tratar os traumas, porém Delilah não estava interessada em tirar férias, ainda mais em um momento tão crucial como aquele.
Ela sabia que ele estava apresentando uma falsa cordialidade. Com poucos legistas, eles ficariam desfalcados e a polícia também. Todos evitavam se envolver no caso do Ceifador e, depois do que aconteceu a 8 dias atrás, era certo que todo mundo faria o possível para se afastar daquele trabalho.
Delilah negou as férias provisórias por vários motivos, mas também porque precisaria pagar a conta do hospital de alguma forma. No mais, também havia avisado a ele que Gordon permitiu que ela retornasse ao trabalho segunda. Morrison não foi contra ── até pareceu aliviado por isso.
── Ele me ofereceu, mas eu não aceitei. ── Delilah apoia o antebraço no balcão. ── Estou melhor, não vi motivos para não retornar ao trabalho o quanto antes. ── Ela dá de ombros.
── Você é muito corajosa. ── Respondeu Dolores. ── Se fosse comigo, nunca mais retornaria a esse lugar. ── Ela ajeita os óculos de armação roxa sobre o rosto. Delilah solta um bufo divertido.
── E como ficam as minhas contas? Elas não vão se pagar sozinhas.
── Existem outros trabalhos pela cidade, doutora. Outros que não envolvem gente morta, assassinos e a polícia corrupta de Gotham. ── Retruca a mulher, torcendo os lábios em uma linha fina. ── Tenho certeza que você consegue encontrar algo melhor.
── Já escutou aquela frase: "melhor um diabo que você conhece do que um diabo que você não conhece"? ── Erguendo a postura, Delilah deixa as palmas das mãos sobre a superfície plana. ── Pois bem. Eu me acostumei com esse lugar, conheço-o bem. Não preciso começar do 0 agora, correndo o risco de encontrar coisa pior.
── Coisa pior do que um serial killer? ── Com sarcasmo, Dolores solta um som de escárnio. ── Querida, você está realmente chegando ao fundo do poço.
── Estamos em Gotham. Não temos muito para onde fugir. ── Morgan retruca.
Dolores torce o nariz, sem nenhuma resposta perspicaz na ponta da língua. A atendente se contenta em observar algo no computador e ajustar o enfeite de ursinho ao lado.
── Sabe me dizer se tem alguém no necrotério agora?
── Está vazio. A última pessoa que entrou foi o doutor Adams, mas ele saiu para uma reunião. ── Disse Dolores. ── Fitz foi chamado para a cena de um crime.
── Hum, não é do-
── Não, nada haver com o Ceifador. Pode respirar em paz ── Respondeu a mulher, sem olhar na direção dela.
Delilah assentiu.
── Tudo bem, obrigada. ── Agradeceu com um sorriso singelo nos lábios.
Despedindo-se, Delilah se encaminhou aos elevadores. Ainda não era tão tarde e o hospital se encontrava pouco movimentado. O caso do Ceifador estava assustando as pessoas, impedindo-as de sair de casa, seria questão de tempo até a cidade receber um toque de recolher. Era impressionante o que apenas um homem era capaz de fazer.
Quando as comportas do elevador abriram no último andar, Delilah sentiu aquela sensação de déjà vu se apoderar do seu ser. Ela conhecia aquele caminho como conhecia a palma de sua mão, cada detalhe daquele lugar estava gravado em sua memória. Poderia resumir a maior parte de sua vida a aquele ambiente.
Decerto era algo infeliz de se dizer, mas Morgan havia, de certa forma, preferido a companhia dos mortos do que as das pessoas. Ela que, quando criança, odiava cemitérios, agora havia criado uma conexão com aquele trabalho.
Enquanto caminhava, inspecionou o lugar a sua volta, percebendo que haviam câmeras novas. Abriu as duas portas de alumínio, encontrando o interior mais do que familiar do necrotério. Consequentemente, sua mente evocou imagens daquela noite. Lembrou-se do horror que sentiu quando aquele homem lhe derrubou, as mãos dele em torno de seu pescoço, a faca afundando sobre sua pele várias vezes.
Foi como se pudesse sentir tudo mais uma vez. Delilah pode sentir o cheiro de sangue e dos produtos de limpeza, porém havia algo mais. Agora que estava ali novamente, sabia que sentia um cheiro diferente, um que vinha dele. Cheirava a cinzas e hortelã.
Não havia se lembrado disso durante o interrogatório, muito menos na noite passada, quando Batman lhe fez perguntas demais. Mas agora sua mente estava lembrando, a levanta de volta a aquela noite, lhe trazendo detalhes que havia deixado passar.
Ela engoliu o seco, tentando não pensar tanto nisso quando as memórias passaram, e pôs-se a trabalhar.
── Você deveria estar aqui? ── A indagação partiu de Pietra Gilcrest, médica do Gotham Mercy e um rosto mais do que familiar para Delilah. ── Pensei que estivesse de licença. Gordon sabe disso?
Os saltos dela estalavam sobre o chão a cada passo dela. A mulher se aproximou da mesa onde Delilah estava com a caixa de isopor e torceu o nariz para o que viu.
── Esses são os órgãos?
Fazia algum tempo que Delilah estava no necrotério. Havia colocado luvas e vestido o jaleco. Sem música, ela aproveitou os sons ambientes para que pudesse trabalhar no que tinha. A caixa dos órgãos das vítimas, aquela que recebeu em sua casa, havia sido mandada para uma autópsia no necrotério, e agora estava sob os cuidados dela desde que retirou da geladeira onde aqueles itens eram mantidos.
Pietra Gilcrest não era legista, mas sim cardiologista do hospital. Pele escura e cabelos sempre em tranças bem elaboradas, Pietra era uma das melhores médicas que Delilah havia conhecido naquele lugar. Elas não eram amigas, muito menos próximas, muitas vezes discordavam e discutiam, mas haviam criado uma certa relação estranha onde faziam essa relação não definida dar certo.
── Muitas perguntas, Pietra. Uma de cada vez, sim? ── Delilah respondeu, encarando a colega de trabalho. ── Não, eu não estou de licença. Vou voltar ao trabalho na segunda. E sim, esses são os órgãos das vítimas.
── Se você volta na segunda, não deveria estar aqui hoje. ── Gilcrest cruzou os braços. ── Volte para casa, Morgan.
── Estou só adiantando trabalho. Tenho muita coisa atrasada. ── Através do olhar, Pietra demonstrou claramente que não acreditava naquela desculpa, arqueando uma sobrancelha escura para Delilah. Porém ela não demonstrou interesse em insistir no assunto. Por hora, decidiu não contestar.
── Ouvi falar sobre o que aconteceu. Me disseram que você recebeu uma caixa com os órgãos das vítimas na sua casa. ── Pietra comentou, enquanto Delilah retirava um por um de dentro da caixa de isopor e os colocava sobre a bandeja. Apontou na direção do objeto sobre a mesa ── Essa caixa, pelo o que vejo.
── Imagino que o Kyle tenha dito isso pra você. Sei que o noivo dele trabalha para a polícia. ── Morgan debochou. ── As notícias correm rápido nesse lugar.
── Você se tornou a estrela dos internos. Seu nome não sai da boca deles ── Disse Gilcrest. Delilah fez um "tsk" desdenhoso. ── Diga-me, suas orelhas queimaram muito durante esses dias, morta-viva?
── É assim que todo mundo me chama por aqui agora? Eles estão com muito tempo vago pelo visto, se passam tempo se preocupando com apelidos. ── Retrucou. ── Deve ser por isso que o atendimento aqui é tão ruim.
── Não, é por conta da Dolores. Ela passa muito tempo no bingo online para se importar com o bem estar das outras pessoas. ── Pietra respondeu. Delilah deu um pequeno sorriso de lado, apresentando uma risada contida. ── Pode me dizer o que você está procurando?
── Nada em específico. Eu devolvo os órgãos para o corpo depois da autópsia. ── Ela respondeu. ── Essas pessoas merecem ser enterradas inteiras.
── Delilah, esses órgãos deveriam ir para a polícia. ── Retrucou a Gilcrest, apoiando o quadril na mesa. ── E você não deveria estar trabalhando.
── Eu sei. ── Ela ergueu o olhar para a mulher, parando sua ação de inspecionar os órgãos. ── Mas a não ser que você mande um segurança do hospital me arrastar para fora daqui, está perdendo o seu tempo, Pietra.
── Você é bem difícil, sabia? ── Indagou Pietra. ── O que aconteceu ontem a noite? Deve ter mexido muito com a sua cabeça.
── Você sabe o que aconteceu. Os internos devem ter te contado tudo o que você precisa saber. ── Ironizou.
── Delilah, isso é sério.
── Você acha que eu não sei disso? Ele viu a minha vizinha, esteve dentro da minha casa. ── Disse Delilah, um pouco alterada. O clima entre elas pareceu mudar ── Ele ficou olhando para ela de algum lugar do lado de fora, praticamente ameaçou a vida dela e a minha. Acha mesmo que não sei o quão séria essa situação é?
── Eu... sinto muito.
── Está tudo bem ── Ela suspirou ── Até onde eu sei, esse cara está obcecado por mim. As pessoas do meu entorno podem estar... Correndo perigo. A senhora Vand pode ser um alvo agora. Eu tenho que resolver isso, entende?
Delilah deu as costas para Pietra, caminhando até as gavetas onde os corpos ficaram guardados.
── Eu entendo. Sei que isso é horrível e que você está preocupada mas Delilah, você é uma só. E ele já atacou você uma vez. ── Disse Gilcrest. ── Dessa vez, pode ser pior se você insistir nisso. Você não pensa em si mesma?
── É justamente porque estou pensando em mim mesma que estou fazendo isso, Pietra. ── Respondeu, olhando para a mulher por cima do ombro. ── E se você não entende isso, pode sair. Nada do que me disser, vai me fazer mudar de ideia.
Pietra soltou um suspiro profundo e audível, deixando seus ombros cederem enquanto balançava a cabeça de um lado ao outro em ouro desacordo, mas disposta a deixar aquela discussão de lado pelo bem das duas.
O tempo de trabalho entre elas era suficiente para que se conhecessem bem. As duas eram diferentes em vários aspectos, mas algumas ações que tinham eram as mesmas. Não se enturmam muito, tinham opiniões fortes e às vezes gostavam de julgar as pessoas juntas durante o horário de almoço. Pietra era conhecida por ser durona, difícil de lidar por ter opinião forte e colocar medo nos outros internos, enquanto Delilah era inacessível e indiferente. Quando não estavam sendo passivas agressivas uma com a outra, elas sabiam sentar e conversar, e consequentemente se ajudavam mutuamente.
Era fácil e mundano. Principalmente quando elas tinham opiniões parecidas referente a determinado assunto. Aquela foi a primeira vez que elas tiveram o que seria o mais perto de uma discussão depois de semanas e Delilah já esperava que Pietra cedesse ── Não mudar de opinião, Gilcrest dificilmente mudava de opinião sobre algo.
── Certo. Se você insisti em fazer isso, jogar fora sua carreira e muito provavelmente acabar na prisão, eu não vou impedir. ── Gilcrest respondeu. Delilah revirou os olhos, abrindo a comporta da gaveta. ── Então, me fala como está indo. O que você já sabe sobre as vítimas?
── 4 vítimas. Todas aleatórias pelo o que parece. ── Ela respondeu. Puxando o corpo de uma das vítimas para a fora, Delilah a deixou sobre uma das macas de ferro da sala. ── Esse cara não tem um tipo.
── Tem um modus operandi.
── Sim, isso ele tem. ── Ela assentiu, voltando-se para a colega mais uma vez. ── Ele planeja suas vítimas com muitos meses de antecedência. Estuda os hábitos, os amigos, o de sempre. Quando está preparado, o Ceifador se aproxima sozinho. Paralisa as vítimas e as leva embora.
── O mesmo que o antigo Ceifador fazia. Ele não foge do padrão. ── Comentou Gilcrest. ── Seria um fã? Alguém que quer manter o legado? Ou o mesmo homem?
── Eu não sei. É difícil ter certeza. Se ele fosse um fã, iria referenciar seu ídolo o tempo todo. E, ao menos que Jesus Cristo seja o possível primeiro Ceifador, ele não tem mais ninguém a quem adorar. ── Delilah arqueia uma sobrancelha.
── Então, ele é religioso? ── Indagou a doutora, Delilah assentiu.
── Tudo indica que sim. ── Apontando para o cadaver, ela continua. ── O nome dessa vítima é Susan Whalles. Foi a terceira vítima do ceifador e morava no Park Row com os dois filhos. Ela perdeu o emprego 3 meses atrás, então saía todos os dias distribuindo currículo, fazendo entrevistas, o de sempre. Não estava indo bem, mas estava correndo atrás.
── Como sabe dessas coisas? ── Foi a vez de Gilcrest arquear uma sobrancelha e olhar intensamente para Delilah, esbanjando certa curiosidade.
── Eu tenho um amigo que me deu acesso ao relatório oficial e as fotos. ── Respondeu Morgan. ── Então eu fiz algumas entrevistas... Pouco oficiais.
Antes da análise do terceiro corpo, Delilah havia aproveitado sua proximidade com Alistair para saber mais das vítimas, e chegou a conversar com Robert Mahogany, fotógrafo oficial das cenas de crime do DPGC. Depois disso, ela mesma foi atrás de alguns familiares para conversas casuais. Seu intuito era entender melhor a situação em que estava inserida. Não era correto, mas foram necessárias para que pudesse tentar achar qualquer conexão entre as vítimas. Não descobriu nada muito relevante.
── Tenho quase certeza que isso é crime. ── Comentou Pietra.
── Só se a polícia descobrir. E pra isso, alguém precisa contar. ── Disse ela, encarando a amiga com um olhar conhecedor. Gilcrest bufou. Delilah deu um pequeno sorriso ladino, em seguida retornou o foco ao que importava. ── Susan saiu para a entrevista às 9hrs da manhã no centro. Ela entrou no metrô de sempre, foi atacada e drogada. Acordou um tempo depois em um lugar estranho com um desconhecido. Não estava amarrada, mas não conseguia se mexer. Estava quimicamente paralisada. Sabemos disso pelo relatório toxicológico. Mesmo assim, ela ainda estava sentindo tudo. O Ceifador colocou um pedaço de tecido cerebral na língua dela.
── Meu Deus. ── Murmurou Gilcrest com desgosto em seu olhar.
── Depois disso, ele abriu a Susan e eixou ela sangrar. ── Delilah desviou o olhar para o corpo da mulher. ── O Ceifador retirou a vesícula biliar dela com uma precisão impressionante. Enquanto ela estava lá, sangrando na mesa e sentindo tudo, cada batida do coração, o assassino furou o crânio dela, removeu um pedaço da amígdala para a próxima vítima.
── Por que ele faz isso?
── Eu não sei. Esse é o ritual dele. ── Morgan a respondeu, dando de ombros. ── Todas as vítimas tiveram mortes parecidas. O Ceifador dá para cada um a amígdala da vítima anterior. Então ele tira alguma coisa. Coração, pâncreas, vesícula biliar. Eu acho que ele considera os órgãos que ele pega uma recompensa.
── E ele dividiu a recompensa com você.
── Num isopor. ── Completou Delilah.
── Você acha que ele é um cirurgião? ── Questionou a doutora.
── Não. Mas talvez ele queira ser.
── Você tem alguma teoria do porque ele quer esses órgãos?
── Tenho. ── Assentiu. ── Ele acha que tem algo de errado com ele.
── Bom, claramente esse cara não é normal. Todo mundo pode ver isso.
── Não, ele acha que está incompleto. ── Delilah explica. ── Acha que algo está faltando. Talvez ele ache que um transplante possa resolver isso ou, sei lá, ele queira ser mais de uma pessoa. Eu não sei.
── Hum. ── Pensativa, Pietra levou a mão até o queixo e analisou o corpo de Susan. ── Remover a amígdala é interessante. Antigamente se fazia amigdalectomia em pacientes com problema de comportamento agressivo. ── Delilah a encarou prestando atenção no que Gilcrest tem a dizer. ── Era raro. Até mesmo no auge da psico-cirurgia.
── Eu pensei nisso, mas ele tem removido a amígdala por último, quase como uma decisão tardia. ── Disse a Morgan.
── E por que?
── Eu acho que tem haver com o medo. O medo dele ser incompleto. Ele está pegando esse medo e literalmente amputando ele.
── E sobre as outras vítimas? O que tem a dizer sobre elas?
Delilah alcançou uma outra gaveta e a abriu, expondo o cadáver para Pietra. Dessa vez, sendo o de um homem com pouco mais de 30 anos.
── Mason Bridgers. Primeira vítima do Ceifador. Era um professor divorciado. Foi sequestrado enquanto estava indo pegar o filho para o final de semana. ── Ao apresentar o corpo, Delilah dá um passo para o lado. Pietra se aproxima.
── A amigdalectomia está bem mal feita para padrões profissionais. Meu professor na faculdade ficaria enojado. ── Ela comenta, dando um passo para trás após sua análise.
── Foi a primeira tentativa. Um trabalho desleixado.
── Definitivamente, não é um cirurgião. ── Adiciona Pietra. ── E o que o assassino levou?
── O coração dele.
── Isso dá bastante trabalho.
── É, e ainda assim ele conseguiu. Ele nem... ── Delilah parou de falar no instante em que seus olhos captaram algo. O cenho de Pietra franziu.
── O que foi, Morgan? ── Questionou Gilcrest, observando a colega andar de um lado ao outro ao redor do corpo.
── Os músculos se retraíram mais desde que eu analisei esse corpo. Tem um desgaste na costela ── Ela apontou para o ponto em questão na costela esquerda.
── Sim. ── Disse Pietra, também notando o que Delilah percebeu. ── Com certeza ele cortou isso. ── Ela ergue o olhar para a colega.
── E deixou alguma coisa para trás. Preta, pequena.
── Raspa de metal? ── Sugeriu Gilcrest.
── Está mais para vidro. Não, ── Delilah corrigiu a si mesma, aproximando-se mais do local para uma inspeção, sua mão enluvada apertando a área levemente. ── não é vidro. É obsidiana. ── Ela se afasta. ── Faz sentido. Os homicídios são ritualísticos, é tudo uma questão de procedimento para ele.
── O que você quer dizer?
── Ele quer se considerar um profissional. Facas de obsidiana eram utilizadas em rituais de muitas culturas, asteca, maia, egípcia.
── Essa é uma possibilidade. ── concordou Pietra.
── Acha que eu deixei passar alguma coisa?
── Olha, eu não sei. ── Gilcrest ponderou. ── Alguns cirurgiões modernos não abrem mão de um bisturi de obsidiana.
── Por que? ── Delilah cruzou os braços, observando Pietra.
── É mais afiado que aço. O mestre do meu pai usava um quando ele fazia residência. Eu o conheci anos atrás, quando entrei pra faculdade.
── É difícil de achar?
── O bisturi é feito a mão, então cada um é personalizado. ── Respondeu Pietra. Em seguida, um lampejo passou pelo rosto dela e ao se lembrar de algo, sua feição se iluminou. ── A faculdade de medicina de Gotham tinha a coleção do doutor Hattie exposta. Ele era famoso na cidade, trabalhou com Thomas Wayne. Thomas foi pupilo dele. Não sei se o Doutor Hattie levou embora seu conjunto quando se aposentou.
Delilah assentiu. Em seguida, ela guardou o corpo de volta na gaveta, preparando-se para sair dali. Pietra notou a forma apressada como ela trabalhava.
── Espera, o que vai fazer? ── Pietra a questionou. ── Você não ia devolver os órgãos?
── Isso vai ter que ficar para depois. Preciso ir à faculdade.
── O prédio não deve estar aberto a essa hora.
── Isso é o que vou descobrir. ── Delilah retirou o jaleco após guardar o corpo de Susan novamente. Ela devolveu os órgãos ao lugar dentro da caixa e depois retirou as luvas e o jaleco branco, andando até a geladeira com o isopor nas mãos.
── Delilah. ── Pietra a chamou. A mulher a ignorou enquanto guardava seu jaleco no devido lugar e pegava as chaves em cima da mesa. ── Delilah. ── Morgan guardou o celular no bolso, em seguida passou pela doutora para chegar até a porta, porém foi segurada pelo braço. Seu instinto gritou para que Delilah a derrubasse, para que a afastasse. Por um momento, Morgan quase achou que Pietra era um inimigo, mas se conteve. ── Espera um minuto.
Morgan fitou a mão que segurava o seu braço intensamente, antes de levantar o olhar vagarosamente até encontrar o de Gilcrest.
── Não faça nenhuma besteira. ── Pietra pediu.
── O que é isso? Está demonstrando sentimentos, doutora? Pensei que isso fosse proibido na sua seita. ── Delila ironizou com um sorriso ladino, provocando a doutora Gilcrest.
── Estou falando sério, Morgan ── Ela se afastou dando um passo para trás e soltando o braço de Delilah. ── Esse não é o seu trabalho, você não é detetive, é uma médica, e já se tornou alvo dele uma vez. Se acabar chegando perto demais desse homem, pode não ter tanta sorte na segunda vez.
Escutando tamanha seriedade na voz de Pietra, Delilah ponderou sobre tudo o que ela disse. Queria ficar irritada, porém sabia que Gilcrest não estava totalmente erra.
── Não se preocupe, eu sei me cuidar. ── Ela garantiu. ── E não vou fazer nada demais hoje. Confia em mim, sei o que estou fazendo.
Pietra parecia relutante e preocupada, porém aceitou e deu aquela conversa por encerrada quando liberou a passagem para a Morgan.
── Me liga se precisar de algo ── Disse a Gilcrest, tentando não soar apreensiva.
Delilah assentiu e se despediu dela uma última vez antes de partir, saindo pelas portas duplas do necrotério e deixando Pietra para trás.
Sentiu o olhar da mulher lhe seguir até que desapareceu, refazendo o caminho que fez 1 hora atrás e deixando o prédio do hospital com rapidez, sem ao menos se preocupar em se despedir de Dolores na recepção. Estava começando a escurecer e o tempo ainda estava fechado, com nuvens escuras se formando no céu; uma chuva forte se aproximava.
Quando retirou seu carro da vaga do estacionamento, Delilah esperava chegar a tempo e que pudesse descobrir algo significativo no prédio da Universidade de Medicina.
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