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𝟎𝟏. › TASTE THE FEAR

𝟎𝟎𝟏. ⠀⠀⠀⠀⠀ ⠀ PROVE O MEDO

OUTONO⠀──⠀ NOV. 12, SEXTA-FEIRA
GOTHAM MERCY GENERAL HOSPITAL.

QUANDO JOVEM, Delilah Morgan costumava evitar enterros. Um medo de cemitérios floresceu em sua mente ainda criança após pesadelos recorrentes a assombrar em seu sono. Se via vagando por um terra enegrecida e podre, coberta por uma névoa densa que deixava tudo à sua volta intangível ou desfocado.

Pisava sobre túmulos antigos, meio afundados e desgastados, esquecidos pelo tempo, com pés descalços. A camisola de dormir que usava se agitava pelo vento que percorria pelo lugar, o frio sendo uma lembrança distante. Delilah não o sentia. Ela não sentia nada.

Era quase como se estivesse morta. Um caminhante desafortunado em uma terra que não pertencia a ninguém, a não ser aqueles que ali descansavam. Delilah se lembrava de caminhar, caminhar e caminhar. Até o momento que parou, sem conseguir se mover. Não movia um músculo sequer, seu próprio corpo não a obedecia.

Então sobre a terra escura, as garras da morte lhe agarravam pelos tornozelos. Mãos esqueléticas lhe puxavam para o fundo da terra que caminhava. Sua boca se abria, o desespero lhe consumia, não era capaz de fugir e então acordava.

Suava frio, estava ofegante. Queria chorar, mas não era capaz de produzir qualquer lágrima. Tudo que Morgan fazia era tentar estabilizar a própria respiração e retornar a realidade em que estava. A sua casa, ao seu quarto, ao som suave do vento chacoalhando a árvores do lado de fora. Se agarrava a qualquer coisa que pudesse lhe trazer clareza novamente e afastar aquele mal que sua mente foi capaz de projetar.

Em seguida prometia a si mesma, como fazia sempre que tinha esse pesadelo, que nunca pisaria em um cemitério. Não importava o que acontecesse, ou quem morresse, nunca iria adentrar naquele lugar que havia passado a abominar.

Infelizmente, o destino gostava de ironias e era irônico que agora ela fosse legista criminal no departamento de polícia de Gotham. Algo que quase fez Delilah sorrir, quase.

Delilah não entrava em cemitérios, mas a morte parecia sempre persegui-la onde quer que fosse. Ela a rondava e a abraçava como uma velha amiga.

Puxando sobre a mesa de autópsia o corpo de uma mulher de 27 anos, magra e alta, a analisou com os olhos calmamente. Um pano branco cobria sua nudez, deixando exposto apenas suas pernas e dos ombros para cima, onde Morgan encarava o rosto moribundo do cadáver. A pele pálida e gelada, veias roxas proeminentes em lugares aleatórios e seu cabelo castanho claro e fino estava sujo e desgrenhado.

A morte não lhe assustava mais, estava familiarizada com ela, mas ainda lhe apresentava questionamentos.

Silenciou o mundo exterior com fones no ouvido e uma música baixa tocando em seu aparelho celular. Ela tem "Mad World" do Gary Jules soando em seus ouvidos quando coloca sua playlist da noite no aleatório e pesca do jaleco um gravador com suas mãos vestidas pelas luvas de borracha azul, o deixando sobre a mesa enquanto apertava o botão de gravar com o polegar.

── Começando a gravação. ── Ela iniciou, apresentando um tom de voz calmo e neutro, deixando a frustração daquela noite longa de lado. ── Já passa da meia-noite, 12 de novembro. A polícia transferiu o cadáver de uma mulher para o hospital. Suspeita de assassinato. Doutora Delilah Morgan realizando a autópsia.

Ela retira o pano do corpo, expondo o que estava coberto para que seus olhos pudessem analisar o que estava escondido.

Na mesa ao lado, havia o relatório da polícia. Delilah havia passado os olhos sobre ele algumas vezes, mas não reteve tantas informações quanto desejava. Uma equipe de construção havia a encontrado pendurada em um guindaste no centro horas atrás.

── Iniciando o exame físico. ── Disse em voz alta. Seus olhos analisam o corpo mais uma vez, focando na pele pálida e nos olhos fundos. ── Eu sou a vítima de alguém. Ele, ou ela, me escolheu. Por que? ── O questionamento paira no ar e Morgan suspira. Ela levanta a mão direita da mulher, analisa as unhas de uma mão e depois das outras. ── Não tem nada debaixo das minhas unhas. Sem defesa, sem ataque.

Os métodos de análise de Delilah não agradavam aos outros, a forma como ela se colocava no lugar das vítimas perturbava os outros internos tanto do hospital quanto do necrotério. Sua válvula de escape era trabalhar depois da meia noite, mesmo quando os policiais insistiram que era certo que tivesse um acompanhante ou um assistente para as autópsias.

Delilah ignorava todos os pedidos, mas não tendia a reclamar quando lhe enviavam algum novato para o trabalho. Antes do fim da primeira semana, ela estaria sozinha novamente.

── O relatório da polícia disse que um suspeito fugiu do local, de porte esguio para o médio. Ninguém viu o rosto dele ou conseguiu acompanhar para onde foi. ── Ela comentou sobre o que recordava do relatório de Jim Gordon. Movimentou a cabeça da mulher para o lado esquerdo, notando a área afundada. ── Meu assassino bateu em mim. Força bruta na base do crânio, mas não o suficiente para me matar.

Sangue seco estava preso sobre os fios loiros sujos do cadáver, apresentando uma laceração profunda o suficiente na base do crânio para fazer alguém desmaiar ou ter uma concussão, mas não para matar. Não, com certeza não foi a causa da morte.

Delilah desceu sobre o corpo da vítima, indo até a área da cintura e estômago.

── Tem um corte largo debaixo da minha costela, quase... Não, melhor do que aço. Bom corte. Isso também não foi para me matar. ── Morgan contemplou as possibilidades, seus dedos finos e cobertos passando pelo corte mal contido. ── Essa foi a entrada para tirar minhas vísceras. Eu fui escolhida, eu tenho algo de especial em mim.

Uma mão pesada recai sobre o ombro de Delilah, fazendo com que se vire abruptamente para encarar a face de um demônio. Seu coração errou uma batida, conforme ela se assusta e dá um passo para trás, colidindo com a mesa de autópsia.

Os olhos de Morgan saltam para fora e ela quase grita quando Alistair tira a máscara e começa a rir, gargalhando descompensado pela cena, chegando a se curvar para frente e para trás com tamanho humor e levar a mão ao estômago.

── Mas que porra, Alistair! ── Exclama, levando a mão ao peito, sentindo enquanto seu coração estava batendo rapidamente contra suas costelas. Delilah massageia a área com o punho fechado, contendo a ansiedade. ── Qual é o seu problema?!

── Você... Você tinha que ver a sua cara, Morgan. ── Arfando por ar, Alistair tem que colocar uma mão sobre a mesa para se estabilizar. ── Isso foi impagável.

── Vai se foder, isso não teve graça, babaca. ── Delilah dá as costas para ele, parando a gravação.

── Pra mim teve. ── Limpando algumas lágrimas não derramadas de seus olhos, Alistair deixou a máscara de diabo vermelho sobre a mesa de autópsia.

── Tire essa porcaria da minha mesa.

── Não fique de mau humor, Lilah. Você sabe que eu só estava brincando. ── Argumentou.

Delilah suspirou profundamente.

── Essa coisa pode comprometer o meu trabalho. ── Ela pegou a máscara com a mão e a entregou a Alistair, empurrando o objeto contra o peito dele. Carroll tinha um sorriso ladino nos lábios. ── Você também. Nem aqui você deveria estar. O que está fazendo no necrotério tão tarde?

Suas mãos foram até o pano e ela cobriu o corpo da vítima novamente. Delilah também guardou seus fones de ouvido ── percebendo que um deles havia caído de seu ouvido no meio de toda aquela cena.

Ela pausou a música e deixou o celular onde estava antes, dentro do bolso de seu jaleco branco.

── O tenente me mandou pra cá, queria que alguém ficasse guardando o corpo, para o caso do maluco querer tentar vir aqui e apagar alguma prova. ── Alistair explicou. ── Também trouxe café para minha legista favorita.

Carroll se virou e pegou dois copos quentes de café na mesa atrás dele. Ofereceu um para Delilah, que ergueu a sobrancelha enquanto o homem apenas deixava seu sorriso ladino e meio arrogante continuar adornando seu rosto barbudo.

── Tem canela, do jeitinho que você gosta. ── Comentou o policial.

Morgan se conteve e não revirou os olhos, aceitou o café de bom grado pois sentia a falta de cafeína fluindo por suas veias. Trabalhar como legista a tornou uma viciada em café. A única forma dela conseguir ficar acordada até às quatro da manhã era com litros e mais litros daquela bebida escura.

Aproveitava que trabalhava no hospital para servir de um copo cheio na área de espera, porém o gosto da bebida do hospital não era tão agradável do que aqueles feitos na cafeteria no final da rua. Sempre quando estava chegando no trabalho ou saindo dele, Delilah aproveitava para passar no drive-thru e comprar uma xícara para a viagem e um sanduíche de queijo brie com bacon.

Ela bebeu um pouco do líquido em seu copo térmico e fechou os olhos momentaneamente ao sentir o gosto familiar em suas papilas gustativas, inundando seus sentidos e lhe deixando satisfeita com o sabor. Lilah se recostou na sua mesa de trabalho.

── Bom, não é? ── Alistair indaga, enquanto bebia do seu próprio recipiente. Morgan assentiu. ── Sabia que você ia gostar. É a porra de uma viciada e nem chegou aos 30 ainda.

── Troque de lugar comigo por 1 dia e você vai entender porque eu bebo tanto café, Carroll. ── Argumentou ela.

── Sou policial, eu entendo, boneca. ── Ele responde, ironizando.

── Te garanto que ser legista é pior.

── É, tem que ser muito fudido da cabeça para ficar conversando com cadáveres a noite toda. ── Disse Carroll, lançando um olhar enojado para o corpo sobre a mesa. ── Mas ainda pra ficar se colocando no lugar deles. ── Um sorriso debochado cresce nos lábios dele. Delilah não se contém dessa vez e revira os olhos, deixando o copo pela metade na bancada ao lado direito. ── Sabe que essa porra é esquesita pra caralho, né?

── Me ajuda a organizar meus pensamentos e a entender o que aconteceu. ── Morgan responde. ── Fica mais claro quando eu me coloco no lugar da vítima, mais fácil de compreender a mente do assassino e o que ele fez ou o que queria fazer.

── Coisa que um psicopata diria. ── Alistair retrucou. Caminhando pela sala, Carroll deu a volta pelo cadáver, analisando o corpo da mulher sobre a mesa. ── E o que você descobriu? Além do fato de que precisa urgentemente de acompanhamento psicológico, claro.

Delilah revira os olhos mais uma vez, cruzando os braços na frente do peito.

── Não muito. Você me atrapalhou bem na hora que eu ia pegar o bisturi para analisar o corte na costela. ── Disse ela, direcionando um olhar azedo para ele. Alistair escolheu ignorar o comentário, mas ainda tinha o fantasma de um sorriso em seus lábios. ── Não fiz muito progresso ainda. ── Ela massageou a nuca. ── Porém a noite é uma criança, tenho até as 4 da manhã pra isso.

── Quer ajuda?

── Tá se oferecendo pra ser meu assistente? Logo você? ── Questiona, um tanto surpresa.

── Eu vou ter que ficar fazendo hora aqui, de qualquer forma. ── Alistair dá de ombros. ── Troco de turno com o Jim daqui às 3 horas. Depois tenho que buscar a Casey na casa da mãe dela, vai passar o final de semana comigo.

── Como ela está? ── Amigável, Delilah pergunta. A menção a filha de Carroll a deixa um tanto feliz, recordando da menina esperta e doce que conheceu.

── Dando trabalho como sempre. Insistiu pra mãe dela comprar um pato, acredita?

── Tipo, um pato de verdade? ── Morgan questiona, bem humorada.

── Sim, a porra de um pato de verdade. O infeliz está cagando a casa toda. ── Ele respondeu. Delilah riu. ── Liz está enlouquecendo, eu avisei que era uma má ideia.

── Pelo menos a Casey ficou feliz.

── Igual um pinto no lixo. ── Disse Alistair, deixando seu copo de café vazio na lixeira perto da porta. ── No final de semana o time dela vai jogar em um torneio de futebol. Pedi uma folga pro Comissário para acompanhar as meninas nesse grande evento futebolístico de Gotham.

── Isso é legal. Ela está animada? ── Delilah se afasta de onde estava encostada e vai até a mesa de autópsia, ficando do lado oposto ao qual Alistair está. Os dois ao lado do cadáver.

── Não para de falar disso. ── Respondeu ele. Não passa despercebido que, por mais que Carroll tente passar o humor desinteressado e enfadonho de sempre, há um ar quase orgulhoso em seu tom de voz.

Delilah não o conhecia a muito tempo, porém sabia que Alistair era um pai dedicado. Desde que entrou para o Gotham Mercy, transferida de Star City para trabalhar como legista e patologista forense a mando do DPGC, quando eles estavam desfalcados por conta de problemas financeiros, Carroll foi um dos primeiros policiais que Morgan conheceu. Ele e o tenente Jim Gordon eram figuras recorrentes no necrotério.

Alguns outros policiais apareceriam de vez em quando, Delilah conversava com todas, era obrigada a lidar com cada um deles ── até com aqueles que não gostava ── e Alistair era um dos mais suportáveis. Ele não a tratava como uma estranha, muito menos como uma louca ── mesmo que reclamasse de seus métodos recorrentemente.

Delilah quase poderia considerá-lo um amigo próximo, se ela soubesse o que isso significava. Sua mudança para Gotham ainda era algo recente e ela não conversava com ninguém se não fosse a trabalho. Carroll conseguiu a destreza de puxar assunto com ela de maneira natural, como se os dois se conhecessem há anos e não há alguns meses.

Na época em que Lilah chegou a cidade, fazia meses que Alistair tinha se divorciado da esposa. A vida dele ficou um tanto movimentada com o trabalho, ter que se estabelecer em um novo lugar e ainda ter que ser um pai presente para Casey. Carroll ainda estava reorganizando seu tempo, colocando as prioridades em seu devido lugar e tendo que arrastar a filha junto para alguns trabalhos.

Em um deles, Delilah acabou se tornando a babá temporária da menina por uma noite no Hospital e, por mais que ela esperasse que a jovem ficasse assustada no necrotério, ela acabou passando horas conversando com a Morgan sobre o trabalho de legista, fascinada com as coisas macabras que a mulher fazia enquanto vestia um tule rosa, segurava uma pelúcia de unicórnio e usava uma máscara de hospital branca para imitar Delilah.

Morgan achou a empolgação da menina divertida, a inocente transbordava dos olhos dela, sem qualquer resquício de pavor enquanto a mais velha conseguia entrete-la.

── Então, ── Alistair bateu as duas mãos juntas, chamando a atenção da mulher. ── por onde começamos?

Ela suspirou e puxou a mesa com rodinha para perto, mostrando os utensílios esterilizados sobre a superfície. Morgan segurou um bisturi com uma mão.

── Preciso abrir esse corte na costela de novo. ── Explicou, apontando para o referido ferimento. ── Tenho que analisar o que foi retirado. Possivelmente, são as vísceras. Levando em conta onde o corte foi feito, mas isso é só um palpite.

── Coisa do Ceifador de Gotham, de novo. ── Alistair cruza os braços, balançando a cabeça de um lado para o outro. ── Pensei que essa merda tivesse acabado anos atrás.

── Acha mesmo que foi ele? Tecnicamente o Ceifador já deveria estar morto ou velho demais. ── Delilah comentou. ── Pode ser algum lunático tentando reproduzir o trabalho do original. Um Ceifador 2.0.

── Essa é a aposta da polícia mas, como nunca pegamos o Ceifador de 20 anos atrás e ele simplesmente desapareceu, não descartamos a primeira opção. ── Respondeu Carroll, sem tirar os olhos do corpo..

── E o que você acha que seja? ── Pergunta a doutora, curiosa.

── Eu acho que pode ser só mais um maluco querendo chamar a atenção. ── Disse ele. ── Esse é apenas o terceiro corpo, não temos certeza de nada ainda. O padrão deve nos dar uma pista, né?

── Talvez. ── Delilah dá de ombros.

── Você analisou o segundo corpo também, não foi? ── Pergunta Alistair. Morgan assentiu. O único corpo que Delilah não havia analisado foi o primeiro. Ela chegou em Gotham depois que o primeiro foi encontrado, o corpo de um homem de 30 anos. Apenas leu e releu o relatório e fez algumas análises. ── Viu similaridades?

── Algumas. Ela também sofreu uma pancada na cabeça que não foi a causa da morte, porém tinha marcas de mãos no pescoço. ── Informa Delilah. ── O corte foi feito na barriga e não nas costelas e o corpo foi encontrado pendurado na escultura de um fundador de Gotham no parque. Ele retirou parte do estômago dela.

── Mesma idade?

── Próxima. 25 anos. ── Ela respondeu. ── Você não leu o relatório? Aaron Cash escreveu o primeiro.

── Eu leio e faço uns 100 relatórios por dia, Morgan. Não vou me lembrar de todos. ── Alistair bufou. ── Sem contar que faz semanas que esse segundo caso aconteceu.

── A mídia não para de falar sobre isso, a cidade tá surtando com tantas teorias da conspiração. Isso porque o terceiro cadáver apareceu agora. ── Ela respondeu. ── Quando foi apenas 2, poderia ser só um crime qualquer para ser resolvido. Mas, se isso continuar, vamos ter um padrão e um possível serial killer nas ruas.

── Savage vai ficar careca de vez antes do final do mês. ── Comentou Alistair com humor, mas sem sorrir.

── Se tivermos sorte, o Batman pega ele antes que isso aconteça. ── Comenta Delilah, preparando-se para abrir os pontos maus feitos na costela.

Carroll bufou em total desagrado.

── Vai me dizer que é uma fã do maluco vestido de morcego, Morgan? ── Ele indaga. ── Quem garante que não é ele que anda fazendo essas merdas?

── Ele ajuda a prender vários bandidos, Carroll. Nunca matou ninguém. ── Responde ela. ── E Gordon parece confiar nele.

── Gordon confia em todo mundo, nem sei como ele virou tenente. ── Murmura Alistair, mau humorado.

── Não fique com inveja, Alistair. Um dia, quem sabe, você não vira um também? Aí vai ser de você que eles vão reclamar. ── Delilah sorriu e o homem revirou os olhos, mas não retrucou, apenas cruzou os braços.

Morgan voltou sua atenção para o seu trabalho, pegando o gravador antes de continuar. O liga mais uma vez, colocando o mesmo para gravar enquanto fala. Alistair apenas a observa em silêncio, decidido a não atrapalhar dessa vez.

── Como modus operandi, ele tem o costume de retirar algum órgão do corpo de suas vítimas. Vítimas essas que, até o presente momento, foram duas mulheres e um homem. ── Comenta a legista, prestes a abrir o corte.

── Não vai lavar o corpo antes? ── Questiona Alistair, enquanto analisa os passos de Delilah.

── Ele já lavou ela. ── Responde Delilah, fazendo a testa de Alistair franzir. Ajeitando a postura, Delilah continua. ── Ele lavou os pés, as pernas... ── Aponta para as partes do corpo que estão limpas e Carroll se aproxima para ver mais de perto que a mulher está falando a verdade. ── Ele se importa com a gente.

── Com a gente? ── Alistair ergue o olhar para ela, arqueando uma sobrancelha.

Delilah inspira profundamente, ainda com os olhos focados no cadáver.

── O único lugar que ele não limpou foi o cabelo e o rosto. Talvez por falta de tempo, talvez... ── A mente de Delilah continuava girando, pensando. ── Preciso abrir o corpo dela. Iniciando a incisão em Y.

Morgan abre o peito da mulher com o bisturi, fazendo um Y sobre a pele e expondo o que está debaixo. Alistair estremece com a cena. Perturbado com a visão que tem, ele se afasta um pouco, desgostoso.

── Uma pequena perfuração sobre o coração. Agulha de grande calibre. ── Delilah comentou. ── Injeção de epinefrina... Ele me manteve acordada. ── Continua analisando os órgãos abaixo da pele. ── Ele me queria viva para isso, mas eu morri mesmo assim.

Os olhos de Delilah piscam algumas vezes, ainda encarando a mulher sobre a mesa. Ela suspirou, pensativa. Deixa o bisturi de lado quando volta-se para Alistair.

── O que eu vou fazer agora pode não ser algo muito agradável, Alistair. Então... Se quiser sair, eu recomendo. ── Ela sugeriu, séria. Alistair sabia que Delilah não estava brincando.

── Acho que vou ficar, mas vou observar de longe. ── Cruzando os braços, Ele deu alguns passos para trás, quase chegando à saída da sala. ── Faça o seu trabalho, Morgan.

── Tudo bem.

Delilah voltou-se mais uma vez para o corpo, levando as mãos para o corte que fez.

── Separando a laringe, esôfago... ── disse ao retirar cadáver um dos órgãos e por sobre a mesa ao estéril ao lado esquerdo. ── Agora abrindo as costelas.

Os sons ecoavam pelo cômodo de ladrilhos. A sala estava completamente silenciosa e era desconfortável escutar Delilah mexendo em cada um daqueles órgãos. Alistair se encolheu e desviou o olhar, mesmo a distância ainda podia ver de relance as mãos enluvadas da mulher cheias de sangue e viscosidades.

Na mesa de metal posta ao lado, havia uma bacia feita com o mesmo material, onde Morgan descartava tudo o que retirava do corpo da mulher morta, indo cada vez mais fundo em sua autópsia.

── Removendo conjunto de órgãos. ── Ela continuou, retirando vísceras e mais partes internas do corpo do cadáver. Uma mão cheia sobre a mesa ao retirar com cuidado e colocar tudo sobre a bacia. ── Está tudo aqui. ── Comenta. ── Ele foi interrompido. Ele não tinha finalizado o que queria comigo.

Seus olhos vasculham o corpo sobre a mesa em busca de respostas, Delilah sentia que estava chegando a algo. Aquele quebra-cabeça começando a fazer sentido em sua mente, deixando-a atordoada e momentaneamente distante.

── Meu assassino me lavou. Ele se importa. ── Murmurando, ela continuou. Mãos um pouco levantadas, evitando se sujar com o sangue que manchava as luvas. ── Ele não me odeia. Ele está evoluindo com seus métodos. Ele lava a gente agora. Será que meu assassino está apaixonado por mim? ── Morgan deixa o questionamento pairar no ar. ── Não. Não dá a entender que ele me conhecia. Eu sou... Eu sou uma igreja. Uma igreja onde ele andou por acaso-

Reverbera pelas paredes isoladas do necrotério o som do tilintar familiar de algo caindo no chão ── ferramentas talvez, ou objetos em alguma estante próxima. Os olhos, tanto de Alistair quanto os de Delilah, voltam-se para direção do som, além das portas duplas abertas do necrotério.

Involuntariamente, Carroll já leva a mão a arma presa ao coldre em sua cintura, levantando uma parte do sobretudo e segurando com firmeza a pistola, enquanto os dois esperam por alguns segundos tortuosos. Nenhum deles fala nada, esperando que alguém apareça ou a movimentação retorne. Delilah intercala o olhar entre o policial e a porta.

Quando o silêncio continua, o policial se volta para a legista com uma feição séria em sua face. Um cinco profundo se formou em sua testa, entre suas sobrancelhas.

── Fique aqui. Vou ver o que foi isso. ── Instruiu Alistair. Delilah apenas assentiu, deixando que Carroll saísse sem dizer mais nada.

As portas permanecem abertas quando ele sai, deixando-a sozinha no necrotério. Por um tempo, permanece parada. Mesmo inquieta, Delilah apenas aguarda em seu lugar, escutando o som do ar condicionado que resfria a sala e mantém o clima usual da área.

Quando Alistair demora para voltar, Delilah decide ir procurá-lo. Ela descarta as luvas no lixo e leva as mãos até os bolsos do jaleco, enquanto caminha até a porta.

── Alistair? ── Ela chama por ele próximo ao batente, olhando para os dois lados da área exterior da sala. Aquele corredor está escuro e as outras duas portas próximas às escadas permanecem fechadas. ── Está tudo bem aí?

Através da vidraça, Delilah pode ver a luz do corredor do Hospital ainda acesa. O necrotério fica no último andar, afastado das outras salas e pacientes e apenas pessoal autorizado poderia entrar. Poucos tinham acesso, era necessário se apresentar na recepção para receber um cartão ou aguardar alguém que tinha as chaves para destrancar as portas.

Nem Delilah, nem Alistair escutaram alguém entrando. E agora, ela permaneceu sem uma resposta da parte dele. Uma sensação preocupante cresceu em seu exterior, deixando Morgan em alerta. Sua garganta se fechou.

Afastando-se das portas, estava prestes a fechá-las quando escutou passos e então foi empurrada contra as mesas vazias no canto da sala, sentindo algo perfurar sua pele. Uma faca. Delilah nem ao menos teve a chance de reagir quando ele a perfurou no estômago com a lâmina afiada e depois a acertou nas costelas. Ele ergueu a faca para tentar perfura-la no peito, porém Morgan o impediu e o segurou pelo punho, mesmo grunhindo de dor.

Ele tinha a outra mão contra o pescoço dela, a imprensando-a contra a parede. Sua mão livre segurava aquela que estava em torno de seu pescoço, tentando afastá-lo a todo custo. Ele era forte, mas não tão alto do que ela. Delilah o chute no estômago várias vezes e isso o irrita, deixando-o furioso.

Ele a puxa da parede, descartando a faca em suas mãos pelo chão e levando as duas mãos ao pescoço dela para que pudesse jogá-la para longe. As costas de Morgan colidem com a mesa de rodinhas e feita de metal que continha os órgãos. Tudo cai pelo chão, manchando o piso branco e tilintando conforme encontrava a superfície dura.

A visão de Delilah fica turva pela perda de sangue, mas ela ainda vê quando o homem se aproxima. Flashes brancos, borrando sua memória com pequenos fragmentos estranhos. Ela vê as pernas dele, porém, quando pisca, parece que o ambiente muda. Ela vê outro lugar, uma sala escura, um tapete manchado com seu sangue. Em questão de minutos, seu agressor está em cima dela.

Mãos firmes a seguraram, enquanto Delilah lutava contra o homem em um emaranhado de corpos. Ele tinha o rosto coberto por uma máscara de esqui e o cheiro que emanava dele a incomodava, mas também era familiar. Ela o acertou no rosto e ele riu quando sua máscara começou a escurecer com o sangue graças ao golpe recebido de seu punho fechado, quase como se a dor o agrada-se

As mãos dele apertaram o pescoço dela, o homem tentando cortar sua circulação de ar, enquanto ela agarrava onde poderia alcançar, arranhando a roupa dele e o rosto coberto, arfando para conseguir respirar enquanto ele estava em cima de seu corpo.

── Furei a lateral do seu corpo... Furei na lateral e saiu sangue... E água. ── Com os dentes cerrados e respirando em longas arfadas, as palavras do homem soaram ao ouvido de Delilah, causando lhe desgosto. ── Obrigado. Fez um ótimo trabalho, doutora. Mas eu não tinha terminado esse corpo.

A voz dele não é familiar, é rouca e quase melodiosa. Ele não fala de maneira apressada, mesmo enquanto tenta mata-la, aquele homem é lento, faz-se compreender cada palavra que profere. Delilah tinha a sensação e a ideia de parecer tão frágil e à mercê de alguém.

Sua cabeça fica mais leve, conforme não consegue respirar corretamente. Os olhos de Delilah começam a se fechar e ela perde suas forças, sem chances de lutar contra ele. Suas mãos caem moles ao seu lado e seus batimentos estão lentos, quase imperceptíveis. A perda de sangue também lhe afeta.

Ver que Delilah desmaiou satisfaz o assassino, que se levanta sem checar se ela ainda está viva. Morgan ainda semicerrou os olhos algumas vezes, escutando os sons dele pela sala. Pode vê-lo em cima do corpo antes de desmaiar, fascinado com o próprio trabalho.

── Eu sou um homem... Eu sou um homem... ── Ele repete várias vezes ao abrir o corte feito pela doutora para vasculhar o que há dentro do cadáver. ── E a mulher vem da minha costela.

Ele inspira algumas vezes. Soa desesperado, atónito. Aos ouvidos de Delilah, ele soa como um lunático, frenético e descontrolado, mas metódico com o próprio trabalho.

── Eu sou um homem e um homem é órgãos... ── Escuta o som de ossos se partindo, vísceras sendo remexidas, a força que ele faz para retirar algo que procura. ── E os órgãos são pesados. Eles são pesados e comparados a uma pena e se forem mais leves, o homem... Bom, mais leves, o homem...

Ele repete aquelas palavras, entrando em um círculo contínuo dentro delas. Preso dentro daquilo que faz sentido unicamente dentro de sua cabeça, seu mantra.

Delilah busca por ar uma última vez, seu peito sobe e desce vagarosamente, encarando o teto pálido do necrotério, seus olhos se fecham, encontrando a escuridão familiar como uma velha amiga, deixando que fosse levada para uma terra distante ── talvez indo finalmente encontrar a morte.

Porém, antes que seu destino fosse selado, ela o escuta dizendo:

── Eu sou um homem e você... Você é a mulher. ── Escuta um som molhado e em seguida o murmurar dele, sem mais que sua voz seja abafada pelo tecido preto que vestia em sua face pois a ergue para provar algo que retirou de dentro daquele corpo. ── E irei provar o seu medo.

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