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𝟐𝟏. › THE NEXT MORNING

𝟎𝟐𝟏.             A MANHÃ SEGUINTE

INVERNO⠀──⠀ DEZ. 3, SEXTA-FEIRA
NARROWS, COMPLEXO DE APARTAMENTOS

SENDO O SUFICIENTE para arrancá-la de seu sono, o som insistente do celular tocando reverbera pelo cômodo. O toque soava repetidamente, ritmado e intrusivo, como um martelar distante, e, no entanto, a sensação era de que ele estava ao lado de sua cabeça, latejando dentro do crânio.

A música do toque - ela conhecia bem - misturou-se ao resquício de sonhos, um zumbido que persistia sem parar. Sua mão, ainda sem controle pleno do corpo, começou a tatear pela mesa de cabeceira, dedos hesitantes, como se estivessem em um mundo de escuridão. O celular estava lá, esperando, zombando de sua letargia. Quando seus dedos finalmente o tocaram, um alívio fugaz passou por ela, mas foi rapidamente substituído por uma sensação de urgência. A chamada. Estava demorando demais. Já quase perdera o contato, e seus olhos, ainda enevoados pelo sono, mal conseguiam discernir as formas na tela ou o nome de quem ligava.

Com um esforço quase desesperado, ela deslizou o dedo pela tela e levou o aparelho ao ouvido, sem sequer pensar em verificar o nome que piscava antes que desaparecesse. A voz rouca que saiu de sua garganta não parecia pertencer a ela.

── Alô? ── A palavra escapou dos lábios de Delilah quase como um suspiro. ── Quem é?

A resposta do outro lado era uma voz familiar, mas havia algo no tom que a fez se endireitar na cama, mesmo que inconscientemente.

── Bom dia, Dr. Morgan. É o tenente Gordon. ── disse Jim ── Desculpe se te acordei, sei que é cedo, mas eu precisava falar com você.

── Não, está tudo bem ── respondeu, tentando parecer mais desperta, mais no controle, embora sua cabeça ainda estivesse em outro lugar. Olhou para o relógio no canto do quarto, os números digitais se destacando no negrume do ambiente. 9 horas da manhã. ── Já estava acordando, de qualquer forma. Tenho que estar no consultório do Dr. Hunter em... uma hora.

Delilah tinha certeza que se atrasaria. Era sexta-feira, o trânsito até o centro provavelmente seria um caos. Ela precisaria ligar para o consultório do doutor e avisar que não chegaria a tempo, entretanto sua linha de pensamento se perdeu quando Gordon falou novamente.

── Você conseguiria passar na Delegacia antes disso? ── Jim a questionou.

Esfregando o sono dos olhos com uma mão no rosto, Delilah se sentou. Agora desperta o suficiente para pensar com clareza e sentir o cheiro de café fresco se infiltrando no ambiente do seu quarto, ela não demorou para respondê-lo.

── Consigo sim, mas... Aconteceu alguma coisa, tenente? ── ela perguntou, mal conseguindo mascarar sua curiosidade. ── Estou encrencada? ── a risada fraca que soltou no final saiu um tanto nervosa.

Do outro lado da linha, Jim pareceu sorrir suavemente ao falar.

── Não, não é nada assim. Mas o que tenho para te dizer é melhor pessoalmente ── disse ele, deixando claro que algo sério estava por vir. ── Tem a ver com o departamento... e seu trabalho como patologista.

O cenho de Delilah franziu levemente.

── Então, imagino que envolva o Steven Bullock também ── disse ela, sentindo certo desgosto ao falar daquele homem.

── Sim, envolve ── Gordon confirmou com uma leve hesitação. ── Venha até o DPGC e conversaremos melhor sobre isso. Prometo que será rápido.

── Tudo bem. Estarei aí em alguns minutos.

A ligação se encerrou com um clique pesado, como se algo mais tivesse ficado por dizer. Delilah abaixou o celular e o silêncio a engolfou novamente. Foi nesse momento que notou o vazio ao lado dela. A cama, antes compartilhada, estava agora fria, o edredom amassado, frio e sem vida. Bruce já tinha ido, é claro. Como sempre, silencioso, quase como um fantasma. Aquele parecia se tornar o novo habitual dos dois.

Ela ficou olhando para o espaço ao seu lado, uma mistura estranha de emoções rodopiando dentro de si. Alívio? Raiva? Mágoa? Não sabia. Talvez fosse um pouco de tudo, ou talvez, naquele instante, não fosse nada. Apenas o vazio. Sabia que devia tratar a situação com indiferença, afinal o fato dos dois terem transado não significava que estavam juntos. Foi apenas sexo no final das contas, e ela repetia isso para si mesma dentro de sua mente. Então, por que a falta dele a incomodava tanto?

Delilah devolveu o celular para a mesa de cabeceira com um bufo irritado, sentindo-se desconfortável com o peso da noite passada. Ela esfregou o rosto com as duas mãos, tentando afastar a névoa que envolvia seus pensamentos. O quarto parecia mais frio do que o normal, e ela percebeu que não havia mais sentido em continuar deitada quando aquela ligação a colocou em alerta. O silêncio, por vezes, pode ser incômodo demais. Sentou-se na beira da cama, deixando os pés tocarem o chão frio, a madeira rangendo levemente sob seus movimentos.

Ela vestiu a primeira coisa que encontrou - uma camisa larga que estava jogada sobre a cadeira, seu pijama usual que não vestiu na noite passada, e uma calça de moletom que estava embolada no fundo do armário. Os chinelos foram calçadospor último, quase de forma mecânica, e fez seu caminho até a porta, repetindo mentalmente a lista de coisas que precisava fazer, mas antes que pudesse ir longe demais em seus devaneios, sua linha de pensamento foi interrompida.

Bruce estava lá, parado em frente à porta de saída, vestindo o mesmo sobretudo da noite passada. O contraste entre ele e a sala de estar parecia gritante agora. Ele não deveria estar ali, não depois de tudo o que havia acontecido. Não depois da noite que eles tiveram. O olhar de ambos se cruzou, e o tempo, por um breve momento, pareceu se esticar em um silêncio que não sabia se queria ser quebrado. Dessa vez foi desconfortável. Bruce, com as mãos na gola do casaco, hesitou. Seus dedos desaceleraram, como se o ato de ajustar a roupa fosse, de repente, irrelevante diante da presença dela ali. Talvez ele também não esperasse vê-la pela manhã, e teria sido mais fácil para ambos se isso tivesse acontecido.

Delilah parou na porta do quarto, cruzando os braços, não por defensiva, mas por tentar aquietar o desconforto que começava a subir por sua coluna. Seu olhar estava firme, mas havia uma tensão latente, algo que pairava no ar como eletricidade antes de uma tempestade.

── Saindo sem se despedir? ── Sua voz cortou o silêncio com uma suavidade que a surpreendeu. Não havia nada afiado na pergunta, era apenas... o que ela julgou ser o correto a se dizer.

Bruce piscou, quase como se estivesse considerando as possíveis respostas. Por fim, soltou um suspiro leve, os ombros relaxando quase imperceptivelmente.

── Não queria te acordar. ── Ele tentou soar casual, mas Delilah sabia ler as entrelinhas. O jeito que ele a olhava agora era diferente. Era mais... cuidadoso, quase perdido, sem ter certeza do que dizer a seguir e, pela forma como Bruce também parecia tenso, Delilah imaginava que isso o irritava.

Ela assentiu, mordendo o interior da bochecha, sua cabeça desviando para a cozinha. Seus olhos se fixaram na cafeteira em cima da bancada, um detalhe tão pequeno, mas que lhe chamou a atenção.

── Você fez café? ── Sua surpresa era genuína. O homem que parecia estar fugindo dela e de qualquer gesto de intimidade doméstica agora havia feito... café? A cada minuto que passava aquela manhã seguinte se tornava mais impressionante.

Bruce seguiu o olhar dela até a cafeteira e passou a mão pela nuca, um gesto que não combinava com a confiança habitual.

── Espero que não se importe que eu tenha mexido nas suas coisas. ── Ele deu um meio sorriso, uma tentativa de aliviar a estranheza da situação. ── Eu queria ter feito algo além disso, mas... não sou exatamente um mestre na cozinha.

Delilah deu uma risada curta, quase sem querer.

── Tudo bem. Acho que só vou ter tempo para o café de qualquer forma. ── Ela deu alguns passos em direção à cozinha, sorrindo de canto. ── Obrigada... por isso.

── Era o mínimo que eu poderia fazer. ── A resposta de Bruce veio quase baixa demais, enquanto ele a seguia com os olhos, observando-a passar por ele.

Delilah se moveu pela cozinha, pegando a caneca que usava todos os dias e enchendo-a com o café fresco que Bruce tinha feito e mais alguns cubos de açúcar. O cheiro do café recém-passado invadiu o ambiente, mas ao invés de trazer conforto, ele parecia amplificar o desconforto que pairava no ar. O silêncio entre eles era denso, palpável. Apenas o som sutil da caneca sendo posta sobre o balcão, da colher mexendo o líquido, quebrava a tensão que parecia ter vida própria naquele momento.

Ela sabia que deveria dizer algo. A quietude que ela tanto ansiava na maioria das manhãs agora parecia sufocante. Sua mente corria em círculos, buscando por algo que fizesse sentido, algo que amenizasse o que estava se formando ali, algo que amenizasse o que eles fizeram na noite passada. Mas nada parecia certo. Cada palavra que considerava, por mais simples que fosse, morria em sua garganta.

Bruce estava parado atrás dela, próximo a bancada, mas sua presença preenchia o ambiente de um jeito que só ele conseguia fazer. Ela o sentia, mesmo sem precisar olhar. Ele sempre teve esse poder de invadir espaços e pensamentos, de ocupar todos os cantos de um ambiente com sua mera presença. E agora, isso apenas piorava a situação.

Delilah tomou um gole do café, deixando o calor do líquido se espalhar por seu corpo, tentando fazer com que a bebida afastasse o desconforto. Mas não funcionou.

O silêncio continuou a arranhar o espaço entre eles, até que, por fim, ele cedeu.

── Delilah, sobre a noite passada... ── Bruce começou, sua voz soando baixa, quase como uma desculpa antes de realmente dizer o que queria. Havia uma cautela nas palavras dele que ela não costumava ver. Bruce não era cauteloso com as palavras, ele era preciso, calculado, como um cirurgião com um bisturi. Mas agora... agora era diferente.

Delilah girou nos calcanhares, interrompendo-o antes que ele pudesse continuar. Sua expressão era firme, quase severa, um contraste com o ambiente leve da cozinha.

── Bruce, não temos nada para conversar sobre a noite passada. ── Sua voz não tremia. Ela se manteve controlada, prática, como se estivesse lidando com um problema cotidiano, e não com a complexidade emocional que os envolvia.

Bruce sustentou o olhar dela do outro lado da cozinha, a mesa entre os dois, colocando mais espaço entre ambos.

── Somos duas pessoas adultas. Acho que sabemos bem o que fizemos. Foi apenas sexo, algo casual. Não precisamos... ── Ela fez uma pausa, como se estivesse escolhendo suas palavras com o mesmo cuidado que Bruce normalmente empregava. ── Não precisamos ver um ao outro de maneira diferente.

Aquela frase pairou entre eles, carregada de mais significado do que ela gostaria de admitir. Delilah sentiu a tensão no ar aumentar, mesmo quando tentava afastá-la com a racionalidade. Ela sabia o que Bruce estava tentando fazer. Sabia que ele queria falar sobre o que aquilo significava. Sabia que ele talvez fosse buscar algo mais profundo, mais definido. Talvez ele quisesse pedir desculpas, explicar o que havia se passado pela cabeça dele, ou até mesmo encerrar aquilo de uma vez, antes que algo realmente começasse porque não queria que ela entendesse errado.

Mas o que ela não podia suportar, o que ela recusava terminantemente, era a possibilidade de ouvir arrependimentos vindos dele. Arrependimentos sobre ela. Sobre o que os dois compartilharam. E essa simples ideia, ainda que não dita, já era o suficiente para lhe dar ânsia. Ela não cedeu aos seus desejos esperando que uma conexão recíproca se formasse. Os dois precisavam de alívio - de se perderem um no outro, de esquecerem suas realidades, nem que fosse por um momento. Era um acordo tácito, mesmo que não dito, e ela pensava que era isso que Bruce tinha em mente quando deu o primeiro passo.

Bruce permaneceu quieto, observando-a. Seu olhar era intenso, como sempre, mas havia algo mais por trás dele - uma mistura de ponderação e aceitação. Ele não se moveu, como se estivesse pesando suas opções antes de responder. Aqueles segundos esticaram-se entre eles, cada momento carregado com o que ele poderia dizer e o que preferiu silenciar.

── Certo. ── disse ele, sua voz grave carregando uma aceitação silenciosa. ── Você está certa.

Mas ela não sabia dizer se ele realmente concordava ou se estava apenas falando o que achava que ela queria ouvir. E, naquele momento, Delilah não tinha energia para insistir. Não tinha forças para ir além e tentar entender o que realmente se passava na mente dele. A verdade é que, talvez, ela não quisesse saber.

Delilah se virou de volta para a bancada, pegando a caneca e bebendo mais um gole do café. O calor do líquido deveria ter trazido algum alívio, algum senso de controle de volta à sua vida. Mas ao contrário do que esperava, a sensação de alívio não veio. As palavras que ela jogou no ar, com toda a convicção que pôde reunir, pareciam agora ocas e reverberam no espaço entre eles.

Entretanto, naquele instante, Delilah decidiu que o melhor era se fazer era tentar agir naturalmente. Ela não podia deixar a estranheza se infiltrar entre eles novamente. Não podia deixar isso crescer. Não mais. Então quando terminou o café, colocou a caneca vazia sobre a pia e voltou-se para Bruce mais uma vez.

── Recebi uma ligação do Gordon a pouco. ── A voz dela soou casual, mas o peso da declaração flutuava no ar. ── Disse que quer conversar comigo pessoalmente.

Bruce ergueu uma sobrancelha. Não exatamente desconfiado, mas interessado.

── Ele mencionou o motivo?

── Não. Mas tem a ver com meu trabalho. ── Ela deu de ombros, tentando dissipar o aperto que sentia no peito. ── Espero que ele não esteja planejando me prender. Isso estragaria a sexta-feira.

A observando de perto, os olhos dele estavam cravados nela como se tentasse decifrar algo por baixo da superfície.

── E por que ele faria isso?

── Talvez porque o Bullock tenha inventado mais uma mentira sobre mim. ── A resposta dela veio com um tom leve, irônico, o suficiente para desarmar qualquer suspeita. ── Algo como... eu ter atropelado a mãe dele. E, claro, três testemunhas que nem se conhecem me viram fugindo da cena do crime.

Ela riu baixinho, uma risada seca, sem calor, mas o suficiente para iluminar o sarcasmo. Bruce esboçou um sorriso, aquele sorriso quase invisível que ele fazia quando queria mostrar que estava gostando da conversa, mas não o suficiente para se entregar por completo.

── Se for esse o caso, posso ser seu álibi.

── Não, você estava comigo. ── Delilah inclinou a cabeça, os olhos cintilando de provocação. ── No banco do carona. Parceiro no crime.

Ela piscou um olho, o sorriso dela se espalhando devagar, como veneno. Bruce revirou os olhos, mas havia uma leveza em seu rosto, um vestígio de humor que ele raramente permitia escapar.

── Eu não sei o que esperar, mas Gordon parecia normal. Não tinha aquela urgência.

── Talvez ele tenha boas notícias.

── Ou más notícias disfarçadas de boas. ── Delilah soltou o ar, as mãos deslizando para trás dela, segurando a borda fria do mármore da pia. O gesto era tão inconsciente quanto a tensão que ela tentava mascarar. ── De qualquer jeito, vou descobrir em breve.

── Posso te dar carona até a delegacia. ── Bruce sugeriu, cruzando os braços de maneira casual, mas calculada, como se esperasse que ela negasse e estivesse pronto para insistir do contrário.

── Achei que você estava de saída. ── Ela olhou para ele com uma sobrancelha arqueada, como se o desafiasse. ── Não quero te atrasar para... seja lá onde você tem que ir. Ainda preciso me trocar.

── Não vai me atrasar. ── Ele respondeu com uma tranquilidade desconcertante. ── Posso esperar.

Delilah abriu a boca para retrucar, mas foi interrompida por uma série de batidas suaves na porta. O som ecoou pela sala, cortando a atmosfera carregada. Ambos voltaram seus olhares para a porta de madeira, mas foi Delilah quem se moveu primeiro. Bruce permaneceu onde estava, observando, uma presença silenciosa e vigilante à beira do balcão que dividia a sala da cozinha.

Com passos cuidadosos, Delilah destravou a porta e a abriu lentamente. Do outro lado, estava Janet, o rosto familiar da mulher mais velha trazendo um alívio instantâneo, uma presença quase materna. Assim que seus olhos se encontraram, um sorriso afetuoso se formou nos lábios de Janet, e seu olhar suave fez com que a tensão no peito de Delilah diminuísse um pouco.

── Bom dia, querida. ── A voz da senhora Vand era açucarada, cortando o silêncio com sua familiaridade quase maternal. Ela se postou à porta, erguendo um recipiente de plástico, seus olhos astutos deslizando rapidamente para o interior da casa, captando o que podia antes que Delilah percebesse que ela estava olhando para Bruce ── Fiz cupcakes demais ontem à noite, pensei em trazer alguns para você.

Delilah sorriu, forçando uma leveza que não sentia de verdade.

── Bom dia, senhora Vand ── respondeu, aceitando o recipiente com as duas mãos, a textura fria do plástico contra seus dedos contrastando com o calor em suas palmas ── Isso foi... muito gentil da sua parte, obrigada.

O sorriso da senhora Vand se alargou, mas ela não recuou como Delilah esperava. Ao invés disso, a vizinha se inclinou levemente, seus olhos agora cintilando com uma curiosidade que beirava a indiscrição, o tom de sua voz diminuindo até um sussurro conspiratório.

── Também vim checar se você estava bem. Escutei alguns barulhos estranhos ontem à noite ── disse ela, sua expressão passando de preocupação a malícia em um piscar de olhos. ── Fiquei preocupada. Mas agora eu vejo bem que você estava segura e muito bem acompanhada.

Aquele sorriso. O sorriso de alguém que já havia concluído a história antes de ouvir qualquer detalhe. Janet, a sempre atenta senhora Vand, inclinou o pescoço e olhou por cima do ombro de Delilah, acenando para Bruce. Ele, por sua vez, levantou a mão por um breve instante, devolvendo o aceno com uma única vez, sem sequer esboçar um sorriso.

Delilah sentiu o impacto das palavras da vizinha como um golpe, a vergonha inundando seu rosto, um rubor quente subindo rápido pelas bochechas. Ela tentou desviar o olhar, mas estava presa no embaraço, as palavras fugindo de sua mente. Estava incerta, desconfortável, sem saber se ria da situação ou se afundava no chão.

── Ah, eu... ── Delilah começou, mas a resposta se perdeu no ar. A vizinha, satisfeita com a pequena vitória, lançou-lhe um sorriso cúmplice, um segredo não tão bem guardado pairando entre elas como um espectro.

── Você não precisa se explicar, querida. Eu já fui jovem, eu entendo ── disse Janet, acenando com desdém ── Só acho que, da próxima vez, você vai querer ser mais cuidadosa. Não sei se os outros vizinhos verão a situação da mesma forma que eu.

A senhora Vand se afastou, ajeitando os óculos no rosto. Enquanto Delilah respirou fundo, sem saber onde se enfiar.

── Bem, eu já vou indo ── exclamou a mulher, sorridente. ── Aproveite seu dia, querida, e os cupcakes. São de chocolates, seus favoritos.

Janet se despediu e, girando nos calcanhares, caminhou até sua porta sem dar a ela a chance de dizer algo. Delilah só conseguiu fechar a porta quando o som da chave girando na fechadura do outro lado do corredor sinalizou o fim da conversa mais embaraçosa que já tivera. Durou pouco tempo, mas foi o suficiente para constrangê-la pelo resto da vida.

── Não acredito que isso acabou de acontecer ── murmurou Delilah, virando-se bruscamente e caminhando até a ilha que dividia a sala da cozinha. O recipiente com os 6 cupcakes de chocolate foi colocado sobre aquela superfície.

Enquanto isso, Bruce continuava sentado no sofá, sua postura relaxada, indiferente ao caos que havia se desenrolado ali.

── Acho que tudo correu bem, na verdade. Ela foi bastante... compreensiva ── disse ele, a voz carregada de uma naturalidade que só piorava a irritação crescente em Delilah. ── Poderia ter sido pior. Ela poderia ter chamado a polícia.

── Você não está ajudando ── retrucou ela, exasperada, abrindo o recipiente de cupcakes com um movimento brusco. Pegou um deles e arrancou a forminha de papel com mais força do que o necessário, dando uma mordida quase agressiva. O doce, mesmo em meio a frustração, teve um efeito quase imediato quando atingiu seu paladar. Delilah murmurou em apreciação e seus ombros cederam.

Bruce cruzou os braços, observando-a com diversão contida.

── Eu só disse a verdade.

── Que tal hoje você guardar suas verdades para você mesmo, Wayne? O que acha? ── rosnou ela entre mordidas, olhando diretamente para Bruce que unicamente ergueu as mãos em sinal de falsa rendição ── Ela tem sorte de fazer os melhores doces que eu já comi, ou eu nunca a perdoaria por isso.

Ele ergueu uma sobrancelha, mas disfarçou um pequeno sorriso surgindo no canto dos lábios, incrédulo quanto ao o que ela dizia.

O resto da manhã desenrolou-se de maneira quase automática, como se o constrangimento anterior nunca tivesse acontecido. Entre mordidas no cupcake, ela tomou banho e trocou de roupa. Ao sair, já vestida, ela e Bruce se dirigiram à porta, e juntos desceram o prédio em silêncio. Para sua sorte, nenhum vizinho apareceu para lançar mais olhares julgadores ou comentários indesejados. Ela respirou aliviada, mesmo que não o admitisse em voz alta.

Do lado de fora, a cidade estava coberta por um manto branco que só a neve de Gotham conseguia proporcionar. O que começara como flocos dispersos na noite anterior agora engolia a rua, cobrindo carros, calçadas e infiltrando-se nas frestas das rodas enquanto passavam. A cada rajada de vento gelado, as poucas pessoas que desafiavam o frio se encolhiam em seus casacos pesados, envoltos até o pescoço, como se isso fosse o suficiente para escapar da mordida gélida que a manhã trazia.

Delilah, sentada no banco de carona do Audi de Bruce, observava a cidade pela janela. O mundo continuava seu curso, com Gotham acordando ao ritmo caótico de sempre. Pessoas apressadas, rostos indiferentes ou desesperados - uma rotina que ela conhecia bem. Mas, nos últimos tempos, sua própria rotina havia sido virada de cabeça para baixo. Antes, suas manhãs começavam com o fim de um longo turno no Gotham Mercy, indo para casa enquanto o resto da cidade corria na direção oposta. Agora, tudo estava diferente. Drasticamente diferente.

Enquanto abaixava a mão ao encerrar uma ligação, sentiu um incômodo agudo no ombro esquerdo e, sem pensar, massageou a cicatriz que atravessava a clavícula, como se a dor ainda estivesse viva ali. Não era o ferimento em si, mas a memória dele que permanecia, como uma sombra constante. Aquele ataque, o momento exato em que sua vida mudou. Nada havia voltado ao normal desde então, como se o mundo se recusasse a permitir qualquer tentativa de normalidade.

── Tudo bem? ── A voz de Bruce a tirou de seus pensamentos, e Delilah se virou para ele. Ele alternava o olhar entre ela e a estrada, uma preocupação discreta, mas palpável, nas feições normalmente impassíveis.

── Sim, tudo certo ── ela respondeu rapidamente, como se o desconforto não tivesse sido nada. ── Falei com a secretária do Dr. Hunter. Ela disse que posso ir depois do almoço. Parece que ele não tem mais ninguém agendado para hoje.

Bruce murmurou em resposta, os olhos azuis de volta à estrada, enquanto o carro se aproximava do centro da cidade. Eles estavam perto da delegacia agora, o movimento cada vez mais intenso.

── Faz tempo que não vejo você no consultório do Hunter ── disse Delilah, a curiosidade finalmente vencendo sua hesitação. ── Você parou de se consultar com ele?

── Me consultar com ele se mostrou uma perda de tempo. ── Ele não se preocupou em suavizar as palavras, sua resposta veio sem filtro, com a frieza que o caracterizava. ── Foi uma indicação de Dana que eu tentei seguir, mas não estávamos fazendo progresso, pelo menos na minha concepção. Achei melhor encerrar.

── Eu acho que acompanhamento psicológico não funciona assim, Bruce. ── Ao falar, Delilah o estudou com cuidado, procurando alguma nuance em seu tom, mas ele parecia impenetrável, como sempre. ── Leva tempo. Você sabe disso, né?

Ele desviou os olhos da estrada por um segundo, encarando-a com a intensidade de quem está convencido de sua própria razão.

── Eu sei do que preciso. Conheço meus limites. ── retrucou ele. ── O Dr. Hunter, infelizmente, não entende isso.

── Ou talvez seja sua teimosia que te impede de ver as coisas como elas realmente são ── Delilah respondeu, com a voz baixa, mas carregada de frustração.

A resposta dele foi um bufo, um som que misturava impaciência e resignação, antes de voltar sua atenção para o trânsito.

── Sei que não sou a melhor pessoa para dar conselhos, e nem me consulto com ele a tanto tempo ── ela continuou, sua voz suavizando, quase em um tom confessional. ── Não estava exatamente disposta quando o Gordon sugeriu que eu tentasse terapia. Achei que era perda de tempo também. Mas, no fim, aceitei. Bem mais rápido do que pensei que faria, até.

Os dedos de Delilah roçaram levemente a cicatriz no ombro, um gesto automático, enquanto sua mente revisitava o ataque. Ela nunca tinha enfrentado nada parecido antes. O terror visceral de quase perder a própria vida era uma realidade difícil de escapar, e agora carregava o peso disso diariamente, mesmo que escondesse sob uma fachada de controle. A terapia não tinha resolvido tudo, longe disso, mas ela sabia que era o que a mantinha de pé. Era o que a impedia de ser consumida pelos fantasmas que agora a acompanhavam.

── Eu entendo o que você quer dizer ── Bruce começou, sua voz baixa, mas firme. ── Mas já passei por isso antes, Delilah. Anos atrás. ── Ele lançou um olhar rápido para ela, antes de voltar a atenção à estrada. ── Alfred insistiu. Me levou a vários terapeutas depois que... depois que perdi meus pais. Mas, no fim, eu lidei com isso sozinho. Fiz o que precisava ser feito para seguir em frente.

── Responda-me com sinceridade, você acha que conseguiu? ── perguntou, a voz dela impregnada de uma vulnerabilidade crua que ela não se permitia demonstrar com frequência.

O silêncio que se seguiu foi pesado, espesso como a neve que se acumulava do lado de fora. Bruce não respondeu de imediato, mantendo o olhar fixo na estrada, a mandíbula tensa. Ele tinha escutado a pergunta, isso era óbvio, mas escolher não responder era sua forma de escapar.

Delilah suspirou, desviando o olhar para fora da janela.

── Às vezes, quando olho para o passado... para a minha vida, me pergunto a mesma coisa. Se realmente segui em frente. ── Ela mexeu nos dedos, num gesto quase inconsciente. ── Às vezes, eu acho que ainda sou a garotinha assustada, com medo de morrer queimada. A única coisa que mudou foram as circunstâncias."

Ela esperava alguma reação, qualquer palavra, mas nada veio. Bruce continuava em seu silêncio, como se a conversa já tivesse chegado a um fim para ele. No entanto, Delilah sabia que tudo o que disse o tinha atingido em algum lugar profundo. O silêncio era a confirmação disso.

Os acordes de "Like a Stone", do Audioslave, vieram suavemente do rádio do carro, preenchendo o vazio entre eles. A música ecoava nas paredes do Audi, enquanto Bruce conduzia pelas ruas de Gotham com um grande foco, sem desviar o olhar para ela depois daquela conversa, e Delilah observava os prédios sombrios da cidade passarem por eles, as estruturas mudando conforme avançavam em direção a área onde o Departamento de Polícia estava localizado.

Em alguns minutos, Bruce estacionou do outro lado da rua da delegacia, desligando o motor e retirando a chave da ignição. Delilah permaneceu em silêncio, seus olhos verdes fixos na entrada do DPGC, absorvendo o movimento constante dos policiais que entravam e saíam. A sombra de Steven Bullock pairava sobre seus pensamentos, e seu instinto a fez procurar por qualquer sinal de Steven Bullock, apenas para o caso de precisar se preparar psicologicamente.

── Quer que eu entre com você? ── A voz de Bruce rompeu o silêncio, sua calma habitual retornando como se nada tivesse acontecido antes,

Por um breve momento, Delilah hesitou, antes de assentir levemente, sem uma palavra sequer. Havia algo reconfortante na presença dele, mesmo que nenhum dos dois fosse capaz de admitir isso.

No instante seguinte, os dois saíram do carro juntos e atravessaram a rua até o DPGC. Enquanto caminhava, o frio cortante fez Delilah se encolher e subir um pouco mais o cachecol bordô que estava vestindo. A sensação era quase sufocante, mas ela precisava daquele abrigo físico contra o frio brutal de Gotham, seu reflexo sendo quase automático.

O Departamento de Polícia estava mais agitado do que o habitual, o caos do crime e das guerras da máfia corroendo o lugar. Havia um frenesi nos olhos dos oficiais, uma espécie de cansaço desesperado que Delilah conhecia bem. Seus olhos vasculharam o ambiente, buscando Gordon e ignorando o oficial na recepção, enquanto as mesas ao redor pareciam uma confusão de documentos, cafés mal tomados e conversas apressadas.

Logo, ela o avistou. Jim Gordon, saindo de uma sala próxima às escadas que levavam ao andar de cima, discutia algo com um policial mais jovem. Ele gesticulava com uma pasta em mãos, apontando para alguma coisa enquanto o outro o ouvia atentamente. A conversa terminou com um aceno rápido, o tenente entregando a pasta para o subordinado e dando algumas batidas amigáveis nas costas dele antes de se afastar.

Sozinho agora, Gordon enfiou as mãos nos bolsos de seu sobretudo e olhou ao redor, fixando seu olhar nela. Delilah levantou a mão, um aceno breve, quase formal, que cortou a distância entre os dois e atraiu o tenente para mais perto. Ele se aproximou com passos decididos, seu semblante expondo o cansaço das longas noites que deveria estar passando na delegacia.

── Dra. Morgan, obrigado por vir ── Gordon a cumprimentou assim que se aproximou, apertando sua mão com firmeza.

O olhar do tenente não se demorou apenas em Delilah. Ele oscilou rapidamente para Bruce, um exame discreto, mas afiado, como se houvesse algo que ele estivesse tentando compreender. Jim avaliava, observava os dois como quem tinha muitas perguntas a fazer, mas não estava disposto a verbalizá-las. Sob os olhos sempre atentos de Gordon, Bruce, no entanto, permanecia impassível, a máscara de neutralidade perfeitamente intacta.

── Planejo ser breve, não quero tomar o tempo da sua sessão com o doutor Hunter. ── disse o tenente, recuando um passo e seguindo com a conversa.

── Não se preocupe, tenente. Minha consulta foi remarcada para depois do almoço ── respondeu Delilah, o tom quase despreocupado. ── Eu não teria conseguido chegar no horário, mesmo se quisesse.

── Mesmo assim, eu preciso ir em breve. Barbara tem uma apresentação na escola, e eu prometi estar lá ── disse ele, em seguida consultou o relógio em seu pulso rapidamente. ── E tenho certeza que você vai querer retornar ao caso do ceifador o quanto antes.

Delilah franziu o cenho, o desconforto tangível em sua expressão.

── Mas... fui tirada do caso. Estou suspensa, você mesmo disse ── respondeu ela, a confusão infiltrando-se em suas palavras.

── A situação mudou. A queixa de Steven foi retirada, descobrimos que ele comprou as testemunhas ── Gordon cruzou os braços, o gesto dele carregado de exaustão, o peso de mais uma traição o deixasse descontente e fazendo seu rosto se contorcer ── Conversei com o comissário. Não há mais motivos para manter sua suspensão, e estamos sem pessoal. Ele concordou em reintegrá-la.

── A contragosto, imagino ── murmurou Delilah, o ceticismo escorrendo por suas palavras, os lábios se curvando levemente num sorriso que não chegou aos olhos.

Jim suspirou, como se tentasse apaziguar a tensão crescente.

── Ele não tem nada contra você, doutora. Savage está lidando com muita pressão desde o início desse caso ── rebateu ele, tentando soar justo, mas o tom denunciava o peso de sua própria frustração. ── São tempos complicados. Ninguém está no seu melhor.

Delilah mordeu o lábio, pensando. Duvidava de que as intenções de Savage fossem tão inocentes quanto Gordon fazia parecer, mas escolheu não discutir. O sistema, afinal, tinha suas engrenagens corroídas, e ela conhecia as regras do jogo.

── E quanto a Steven Bullock? ── A voz de Bruce cortou o silêncio, finalmente dizendo algo desde que haviam chegado na delegacia ── O que ele fez foi um crime. Falsidade ideológica. O que acontece com ele?

Por sua vez, Gordon sustentou o olhar, o semblante endurecido por uma espécie de resignação amarga.

── Steven está sendo investigado, sr. Wayne. Não só por isso, mas por outros crimes também. ── Ele deu um passo adiante, como se precisasse do movimento para dissipar o desconforto. ── Prendemos alguns homens na baía de Gotham, e todos disseram que estavam lá sob ordens do Steven. Foi assim que descobrimos a falsidade da acusação, o esquema dele de venda de drogas e... vários outras coisas.

Delilah sentiu uma ponta de ironia atravessar sua mente e conteve a vontade de rir daquela situação. Quanta confiança ou estupidez era necessária para que alguém agisse com tamanha imprudência?

── Com isso, estamos tomando as providências para sua reintegração ao cargo de patologista ── continuou Gordon. ── Steven provavelmente vai enfrentar o tribunal por outros crimes, mas você também tem o direito de processá-lo, se quiser. A decisão é sua. Afinal, ele quase manchou a sua imagem.

Ela assentiu lentamente, absorvendo as palavras.

── O policial Bullock foi afastado de seus deveres. Não deve retornar ao departamento ── acrescentou, sua voz mais pesada, carregada de uma desculpa que ele parecia relutante em dar. ── E lamento, Delilah. Por toda essa situação.

── Não é culpa sua, Jim ── disse ela, seu tom suavizando. ── Você não poderia saber que isso iria acontecer. Não podia prever até onde ele iria.

Gordon balançou a cabeça, seus ombros caindo sob o peso da culpa.

── Eu deveria. Como padrinho dele, sempre me senti responsável. Ele frequentava minha casa, cresceu com Barbara... eu o apoiei quando ele decidiu entrar para a polícia. Agora ele jogou tudo fora. ── Jima resmungou, colocando as mãos na cintura. ── Pensei que ele fosse ser diferente do Harvey, mas eu estava enganado...

── Não deveria estar surpreso, considerando que a corrupção permeia cada canto desse departamento ── murmurou Bruce, sua voz fria. De braços cruzados, ele quase se eleva, inflando seu peito com certo desgosto ── Era de se esperar que você soubesse que tudo o que ele disse era mentira.

── Bruce ── Delilah o repreendeu, seu olhar cortante se direcionando a ele.

── Ele tem razão. Cometi um erro ao não perceber a pessoa que Steven tinha se tornado ── admitiu Gordon, com uma tristeza amarga. ── Eu tenho uma filha, não gostaria que ela passasse pelo o que você passou.

As palavras de Jim eram carregadas de sinceridade. Ao falar, ele olhava diretamente para ela, enfatizando tudo o que dizia. Delilah podia ver nos olhos dele que haviam muitos arrependimentos em relação à Steven.

── Mesmo assim, você não deve se culpar ── disse Delilah, seu tom firme, quase reconfortante. ── O importante é que isso se resolveu, e eu fico aliviada por poder voltar ao trabalho.

── Eu imaginei que você fosse ficar ── Gordon sorriu minimamente, quase fraternal ── Você deu sorte de não ser o Savage a te dar essa notícia, garota.

O rosto de Delilah se contorceu em um careta.

── Ele faz qualquer notícia boa se tornar ruim ── ela comentou, fazendo Jim rir e balançar a cabeça de um lado ao outro.

── Os corpos permanecem no necrotério do DPGC ── informou ele. ── Se quiser que eles voltem ao Mercy, é só avisar. Eu providencio o transporte.

── Não precisa. Já finalizei o que precisava com eles ── disse ela. ── Obrigada, Jim.

── Certo. Então, estamos conversados. ── Gordon olhou para os dois. ── Se precisar de algo, me ligue. Vou te atualizar sobre o que aconteceu nos últimos dias. Mas agora, preciso ir. ── Ele olhou de relance para o relógio, o rosto voltando a expressar a pressa anterior. ── Tenho que estar na escola da minha filha em trinta minutos.

Os dois despediram-se de Gordon, que, sem perder tempo, marchou em direção à sua mesa, juntando suas coisas com a mesma urgência de sempre e resmungando algo para si mesmo enquanto o fazia. Delilah e Bruce cruzaram a recepção do Departamento, encaminhando-se para o lado de fora, onde a luz fria da tarde os alcançou.

Eles desceram os poucos degraus até o estacionamento, mas foram impedidos de se afastar muito.

── Delilah, espera! ── a voz de Alistair interrompeu o fluxo, carregando uma nota de urgência. Ela se virou instintivamente, encontrando o homem correndo em sua direção e logo descendo as escadas para alcançá-la.

── Alistair? O que você está fazendo aqui? ── O cenho dela franziu, refletindo a inquietação súbita que o surgimento dele causava. Bruce, sempre como o observador, permaneceu ao lado dela, ligeiramente atrás, mantendo a habitual distância calculada. ── Pensei que você estivesse suspenso.

Antes de responder, os olhos semicerrados de Alistair passaram por Bruce, breve, mas intensamente. Não demorou, no entanto, para que ele desviasse o olhar, voltando a focar em Delilah e aquela sombra se dispersasse rapidamente.

── Ainda estou ── respondeu Alistair, a voz carregando um traço de frustração velada. ── Mas tenho um caso em andamento e Savage exigiu uma reunião. ── Ele deu de ombros, tentando parecer despreocupado, mas o gesto saiu mais tenso do que ele provavelmente gostaria. ── De qualquer forma, a suspensão continua. Só vim resolver essa pendência. Não que me importe ── acrescentou, com um sorriso que não chegou aos olhos. ── Eu precisava de alguns dias de folga mesmo.

Delilah esboçou um sorriso de canto, observando como Alistair parecia mais relaxado, mas havia algo ali, uma rigidez não dita. Ela conhecia Alistair o suficiente para saber que ele estava longe de se sentir em paz com aquela situação.

── Podemos conversar... a sós? ── A sugestão veio quase casual, mas o olhar que Alistair lançou para Bruce era tudo menos isso. Era um desafio silencioso, uma tentativa de medir terreno.

Antes que Delilah pudesse responder, Bruce, como se já previsse o desenrolar, deu um passo à frente.

── Vou esperar você no carro ── disse Bruce, sua voz rouca soando baixa próxima a ela. Sem hesitar, ele partiu, seus passos soando firmes enquanto se afastava.

Ambos o observaram enquanto ele cruzava o estacionamento, atravessando a rua com uma calma que era natural. Não foi uma surpresa para Delilah que Bruce atraiu alguns olhares pelo caminho, alguns policiais olhando para ele e depois conversando entre si.

Com um suspiro que soou mais como uma resignação, Delilah virou-se novamente para Alistair, esperando, sabendo que o que viria a seguir não seria apenas uma conversa casual e que ele teria muito a dizer, principalmente em relação a Bruce.

── Então, o que você quer conversar comigo? ── A voz dela era direta, sem rodeios. Havia uma firmeza que Carroll conhecia bem.

── Gordon me contou que você foi reintegrada ao trabalho ── começou ele, o tom leve como se tentasse iniciar uma conversa difícil focando em uma boa notícia ── É uma ótima notícia.

── A melhor que eu tive a semana toda ── respondeu ela, esboçando um sorriso de canto, mas que não tocava seus olhos.

── Mas você não parece muito feliz ── ele retrucou, os olhos se estreitando e ainda fixos nela, como se quisesse penetrar além das palavras.

Delilah coçou a nuca, um gesto que sempre indicava que estava sendo pressionada além do que gostaria. Ela sabia que Alistair não deixaria isso passar.

── Bom, eu queria muito que tudo se resolvesse... e agora que se resolveu, nada parece diferente. ── As palavras saíram hesitantes, quase como se ela estivesse revelando algo que ainda não havia admitido nem para si mesma. ── Era horrível ficar com essa acusação nas costas, e é um alívio não ter que lidar com isso mais. Mas... o Ceifador ainda está à solta. Nada mudou, na verdade. Só retornou aos trilhos.

Pela expressão no rosto de Alistair, Delilah percebeu que ele não concordava totalmente.

── Você pode achar que nada mudou, Delilah, mas as coisas mudaram, sim ── disse Alistair, com a voz baixa, quase sombria, enquanto os olhos dele se fixavam nela com uma intensidade inquietante. ── Resolver um problema é só dar espaço para outro crescer. Ou acha que o Bullock está satisfeito com a forma como tudo se desenrolou?

Um calafrio percorreu a espinha de Delilah, porém ela não deixou transparecer. Franziu a testa, sentindo a tensão crescendo entre eles como eletricidade no ar antes de uma tempestade.

── O que você quer dizer com isso? ── ela o questiona.

── O que eu quero dizer ── ele começou, a voz adquirindo uma ponta de frustração contida ── é que você vai precisar tomar muito cuidado agora. Ele ainda não foi preso, está nas ruas, e você sabe tão bem quanto eu que, na cabeça dele, você arruinou a carreira dele, mesmo que de forma indireta. ── Alistair fez uma pausa, como se deixasse as palavras afundarem na mente dela. ── Eu não acho que você está segura, Lilah. Steven tem conexões com a máfia. Um estalar de dedos e ele pode decidir que vingança é o próximo item na agenda.

Delilah cruzou os braços, sentindo o desconforto se insinuar pelos ossos, mas sua voz saiu firme.

── Eu não sou responsável pela prisão dos amigos dele. Nem sabia que essa operação estava acontecendo. ── Sua mandíbula se apertou. ── Eles foram presos porque ele estava armando um roubo de drogas. Só descobriram mais merda no caminho. Eu não tive nada a ver com isso.

Rivalizando com o olhar dela, Alistair a encarou, a frieza em seus olhos suavizando-se um pouco, mas não o suficiente para aplacar a seriedade em sua voz.

── Eu sei, você está certa. Mas isso não muda o fato de que, para ele, você é um alvo. ── Ele deu um passo em direção a ela, como se quisesse reforçar o ponto, a proximidade trazendo um novo peso à conversa. ── Eu só estou tentando te avisar. Mesmo que não seja você o foco, Bullock vai atrás dos policiais envolvidos na operação, mas... ele pode querer fazer de você um aviso. Um recado. - Ele hesitou, as palavras carregando uma densidade que deixou Delilah mais alerta. ── Um aviso para mim.

── Para você? ── A mente dela disparou, conectando as peças soltas aos poucos ── Alistair, você... foi você quem interferiu no esquema dele? Você estava envolvido com aquela operação?

Alistair assentiu lentamente, sem desviar o olhar.

── Não só participei, como fui aquele que prendeu todos os babacas no porto sem reforço ── Alistair sorriu presunçosamente. ── E é por isso que estou preocupado com sua segurança. ── Ele cruzou os braços, a rigidez no corpo dele refletindo a gravidade do que estava dizendo. ── Enquanto o Bullock não estiver atrás das grades, temos um problema. E eu não vou descansar até ver aquele desgraçado apodrecendo na cadeia.

── Alistair... ── Delilah balançou a cabeça, uma mistura de incredulidade e preocupação se formando em seu rosto. ── Você está se arriscando demais.

── Eu disse que ia resolver essa situação, não disse? ── A voz dele soou quase desafiadora. ── Parece que você não acreditou em mim.

── Quando você disse que iria me ajudar, pensei que fosse... não sei, expor a verdade. Fazer o Bullock retirar a queixa, algo assim. ── Delilah elevou o tom, a frustração começando a transparecer. ── Não esperava que você fosse colocar sua própria segurança em perigo!

E a segurança de Casey, Liz e dos seus conhecidos, Delilah pensou. Foi imprudente da parte de Alistair, ainda mais porque se envolveu sozinho.

── Esta foi a única maneira de desmascará-lo, Delilah ── Alistair manteve o tom firme, mas havia um cansaço nos olhos dele, uma exaustão disfarçada pela determinação. ── Mostrar quem ele realmente é, tanto para o Gordon quanto para o Departamento. E agora não estou mais totalmente sozinho nisso. Mas eu precisava te avisar. ── Ele fez uma pausa, como se estivesse escolhendo as próximas palavras com cautela. ── Se você puder dormir na casa de uma amiga ou evitar o Bowery por um tempo... seria mais seguro.

Delilah desviou o olhar, mordendo o lábio enquanto lutava contra a sensação de impotência que a situação provocava. O absurdo daquilo tudo batia nela com força renovada. A lembrança de como tudo começou - uma tentativa inofensiva de conversar num bar - agora parecia tão distante, tão trivial em comparação ao caos em que havia se envolvido. A angústia apertou seu peito, não por si mesma, mas por aqueles de quem ela se importava.

── Ei, olha para mim. ── Alistair segurou suavemente o queixo dela com a ponta dos dedos, forçando-a a encará-lo. ── Eu não quero que você fique preocupada, apenas vigilante. ── A voz dele era firme, mas carregava um toque de carinho que ele raramente demonstrava. ── Isso não vai durar muito. Eu te garanto.

Delilah soltou uma risada breve, amarga.

── Você não pode me garantir algo assim, Alistair. Sabe disso.

── Não duvide de mim, amor. ── Ele soltou o queixo dela, endireitando-se e sorrindo de lado, aquele sorriso meio torto, cheio de confiança. ── Estou nisso há muito tempo. E sou um homem de palavra.

Havia algo reconfortante naquela frase, na maneira como ele tentava tranquilizá-la, mesmo quando a realidade sugeria o contrário. Delilah balançou a cabeça de leve, um sorriso cansado brincando em seus lábios.

Ela entendia o que Alistair estava tentando fazer e era grata pelo esforço dele, não só por ele tentar ajudá-la, mas também por Gotham. O problema era que outros tiveram a confiança dele no passado, tentaram lutar contra a corrupção e a criminalidade e de alguma forma foram engolidos pela maldade da cidade ou acabaram cedendo à pressão, tornando-se peões. Ela não queria ver o mesmo acontecendo com ele, era por isso que se preocupava.

── Por favor, só não faça mais nada imprudente, ok? ── disse ela e, antes que Alistair pudesse responder, Delilah se apressou para continuar. ── Pensa na Casey, não em mim. O que você fez até aqui já foi mais do que suficiente, Alistair.

A seriedade nas palavras dela fizeram o sorriso no rosto do detetive sumir. Por um momento, ele pareceu desarmado, os ombros relaxando enquanto a gravidade da situação recaía sobre ele.Alistair assentiu, concordando com ela.

── Fica tranquila ── ele disse, quase como se estivesse prometendo algo mais para si do que para ela. ── Eu estou tomando cuidado. Eu juro.

Por um breve momento, Delilah permitiu que essas palavras a confortassem. Ela sabia, no fundo, que apenas promessas não bastavam, e que Alistair logo estaria se colocando em perigo novamente. Mas por ora, deixou que a ilusão da segurança a acalmasse. Seu corpo relaxou, a tensão que antes estava em seus ombros se dissipando, mesmo que fosse apenas temporariamente.

── Eu preciso ir agora. Bruce está me esperando ── disse Delilah, inclinando-se a encerrar a conversa. Era a melhor forma de evitar que isso se aprofundasse ainda mais.

Ao ouvir o nome de Bruce, o rosto de Alistair se contorceu em uma careta involuntária de desagrado. Ele sempre fazia isso quando o nome de Bruce Wayne surgia na conversa, e Delilah já estava acostumada, mas ainda assim aquilo a incomodava.

── Claro, o Wayne. Agora esse cara vai ficar seguindo você para todos os lados? ── ele indagou, descontente. O humor de Alistair havia mudado drasticamente.

── Alistair, não começa ── ela respondeu, seu tom ligeiramente impaciente.

── Só acho essa situação estranha, Delilah ── ele continuou, sem se dar por vencido. ── Até uns dias atrás, você agia como se ele nem existisse, e agora estão grudados o tempo todo. Como isso aconteceu?

── Eu tenho uma vida, Alistair. Não é porque não entro em detalhes sobre tudo o que acontece comigo que significa que não conheço pessoas. Nós nos aproximamos e é isso. ── A voz de Delilah apresentava firmeza, mas havia uma ponta de cansaço ali. Ela queria encerrar a conversa, fugir da tensão que ameaçava crescer.

Alistair estreitou os olhos, descrente.

── Não vou cair nessa. Ele estava com você quando você encontrou o corpo na universidade. ── O tom dele endureceu, a voz carregada de uma acusação velada. ── Ele é um civil. E você quer que eu acredite que simplesmente confiou nele o suficiente para arrastá-lo para uma investigação, só porque ele é seu "amigo"?

Delilah suspirou pesadamente, o som de sua exasperação ecoando no pequeno espaço entre eles. Seu olhar desviou para o lado, evitando o confronto direto. Tudo aquilo a lembrava dolorosamente da última discussão que tiveram, no estacionamento da universidade, e ela não estava disposta a repetir aquela cena.

── Olha, eu preciso ir. Não tenho que ficar aqui me explicando para você ── disse ela, a voz baixa, porém decisiva, como uma barreira que Alistair não poderia atravessar dessa vez. ── Preciso passar no hospital, almoçar e depois ainda tenho consulta com o doutor Hunter. Meu dia vai ser cheio. A gente se fala depois, ok?

O silêncio que seguiu foi breve, mas carregado de uma tensão que parecia crescer entre eles, até que Alistair finalmente assentiu, o gesto relutante, mas resignado.

── Tudo bem, Lilah. Nos vemos depois ── disse ele, a contragosto, sabendo que não havia mais espaço para questionar.

Eles se despediram, mas havia um peso ao redor, denso e sufocante como o céu da cidade antes de uma tempestade. Delilah podia sentir os olhos de Alistair fixos nela, como se tentassem escavar a distância crescente entre os dois. Ele não disse nada, mas as palavras não ditas vibravam no ar entre eles. A tensão era palpável, quase uma entidade própria. Delilah não precisava ser uma detetive para perceber: ele estava magoado, não pela situação, mas pela proximidade silenciosa que ela e Bruce haviam desenvolvido. Uma intimidade que não pedia permissão, que crescia à revelia, e Alistair estava do lado de fora, observando.

Ela não era tola. Sabia reconhecer quando alguém se retraía, e Alistair, por mais que tentasse esconder, havia se retraído. E isso a incomodava mais do que ela admitiria, porque forçava uma verdade incômoda a emergir. Enquanto atravessava o estacionamento do DPGC, com os passos ecoando no concreto vazio e a figura de Bruce podia ser vista dentro do carro, sua mente a traiu, trazendo de volta uma conversa que ela havia se esforçado para enterrar. Pietra havia dito dias atrás que ele sentia algo por ela, havia jogado a bomba alguns dias antes, de forma casual demais, como se fosse o óbvio.

Delilah tentou afastar a ideia, lutou contra isso como se fosse um vírus. Se convencesse a si mesma com força o suficiente, talvez aquilo desaparecesse. Mas agora, enquanto olhava por cima do ombro, seus olhos pousaram sobre Alistair, que se afastava, ombros curvados, passos pesados, e a dúvida se arrastou para dentro dela como uma sombra crescente. E se Pietra estivesse certa? E se a vida fosse mais fácil, mais linear, se ela pudesse simplesmente sentir por Alistair o que ele claramente sentia por ela?

Ela reprimiu um suspiro, a garganta apertada. Delilah não gostava de se sentir vulnerável, não gostava de incertezas, e, acima de tudo, não gostava de admitir que, talvez, apenas talvez, ela estivesse perdendo o controle dessa narrativa. Porque, no fundo, ela sabia que os sentimentos de Alistair não eram o verdadeiro problema. O verdadeiro problema era que ela não sabia se poderia ou se queria retribuir.

AUTHOR'S NOTE.

I. |  Acho que essa manhã seguinte não foi como vocês esperavam, mas espero que entendam que esses dois tem um certo problema de comunicação, principalmente quando envolve muitos sentimentos no meio. Mas não se preocupem, são dois livros para trabalhar o desenvolvimento emocional deles, uma hora eles vão aprender. 🤪

II. |  Essa é a penúltimo att de ID esse mês. A próxima vai encerrar o Inner Demons Month, mas não deve sair na sexta-feira pois vou estar viajando. Provavelmente vai sair no dia 31. Não costumo atualizar quinta, mas dessa vez vou abrir uma exceção porque não quero ficar sem postar esse capítulo.

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