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𝟏𝟓. › BACK TO NORMALITY

𝟎𝟏𝟓.            DE VOLTA A NORMALIDADE

OUTONO⠀──⠀ NOV. 29, SEGUNDA.
GOTHAM MERCY GENERAL HOSPITAL.

AS DISTRAÇÕES TÊM um jeito estranho de se infiltrar nas nossas vidas, especialmente quando menos esperamos. Para Delilah, naquele dia em particular, elas estavam em todo lugar.

Era uma segunda-feira monótona no Gotham Mercy, com um tempo ameno e frio, e Delilah estava presa dentro da sua própria mente enquanto observava o céu de seu lugar favorito no refeitório externo do hospital. Sem qualquer sinal de chuva, o tempo estava consideravelmente limpo se você ignorasse a poluição natural da cidade causada principalmente pelas fábricas locais, como, por exemplo, as Químicas Ace.

Durante o dia, Delilah se viu tendo uma manhã estressante. Após se atrasar para pegar o ônibus e derramar café em si mesma, ela deveria ter percebido os sinais. A noite mal dormida estava cobrando seu preço mais uma vez, e seu foco no trabalho estava parcialmente afetado por sua mente nublada.

Não era um bom dia, por mais que Delilah estivesse se forçando a ter um. Mesmo que nada grave tenha acontecido, apenas alguns deslizes que renderam a ela alguns olhares repressivos de Ronan e Alex, ainda assim estava sendo um dia desagradável. Aquela segunda não era para ser o seu dia. Delilah sentia isso em seus ossos e almejava apenas que as 17 horas chegassem para que pudesse sair daquele hospital.

Não ajudava, é claro, que as horas pareciam estar se arrastando e que, mais tarde, precisaria se encontrar com Bruce. Eles não se falavam desde domingo, quando ela deixou a torre de forma fria e distante. Ela ignorou a mensagem que ele enviou perguntando se ela havia chegado bem em casa e apenas enviou o endereço dos Stirk em Otisburg mais tarde, quando julgou que ele estava dormindo. Delilah estava dizendo a si mesma que era melhor assim.

Ela nem ao menos gostava de se aproximar de pessoas novas, não entendia o motivo de estar tão afetada por colocar Bruce em uma zona segura de sua vida. Talvez fosse porque uma parte dela estava decepcionada com ele. Wayne foi a primeira pessoa que Delilah permitiu se aproximar tanto e ele havia mentido, a feito de fantoche para algo que provavelmente o beneficiaria. Ao mesmo tempo que estava brava com ele, também estava brava consigo mesma por ter sido tão tola.

Massageando as têmporas, Delilah respirou profundamente. Os ombros dela cederam quando seus olhos abriram para encarar a marmita com comida sobre a mesa. Não era um costume seu levar comida para o trabalho, porém Janet a entregou várias sobras do jantar de Ação de Graças que fez com a irmã e os sobrinhos no domingo à noite, assim que Delilah retornou para casa. Ela não queria ser mal-educada e negar, então permitiu que a senhora Vand lhe entregasse várias vasilhas com as porções dos pratos típicos do feriado, junto de mais alguns brownies que ela preparou durante a semana.

Para que a comida não fosse desperdiçada, Delilah separou um pouco e levou para o trabalho. Ela se sentou sozinha durante o almoço, esperando conseguir tranquilidade e um tempo para reorganizar seus pensamentos antes de retornar ao trabalho. Entretanto, infelizmente, o universo parecia ter planos diferentes para ela.

── Quando você planejava me contar que o seu encontro era com a porra do Bruce Wayne?! ── o questionamento partiu de Pietra e pegou Delilah desprevenida, fazendo-a se sobressaltar e encarar a doutora. Gilcrest parou ao lado de Delilah segurando o próprio celular com a tela voltada para ela e apresentando uma carranca cheia de raiva, um olhar severo.

As orbes esverdeadas da mulher observaram o que a Gilcrest estava mostrando, encontrando uma foto dela e de Bruce entrando no restaurante de braços dados no sábado à noite. Nenhum dos dois havia percebido aquela fotografia sendo tirada e, pelo ângulo, havia sido tirada do outro lado da rua.

Delilah deveria ter imaginado que isso iria acontecer. Gotham estava comentando sobre Bruce estar sendo visto com mais frequência, era claro que as revistas de fofoca começariam a cavar mais fundo. Eles precisavam de algo para abafar o caso do Ceifador, pelo menos um pouco. Bruce Wayne comparecendo acompanhado ao jantar anual de Regina Zellerbach era um prato cheio para os abutres da mídia.

── Nunca ── disse Delilah, erguendo o olhar para Pietra enquanto bebia um pouco do café em seu copo, parecendo completamente inabalável e impassível em suas feições. Gilcrest bufou. Arrastando a cadeira ao lado de Delilah, a mulher se sentou.

── Você tem muito o que me explicar.

── Não tenho, não ── cantarolou Morgan, limpando a garganta e fingindo estar interessada em qualquer outro ponto no refeitório.

── Como isso aconteceu? Como vocês dois se conheceram? ── Pietra a questionou, e Delilah revirou os olhos. ── Meu Deus, vocês estão namorando?

── Não! ── Delilah exclamou, e depois suspirou, massageando o pescoço no processo. ── Pietra, é uma longa história, a qual eu não estou afim de contar agora. Mas saiba que não, Bruce e eu não estamos namorando, nós somos apenas...

Amigos? Depois de ontem, parecia errado dizer isso, mas Delilah não tinha uma definição melhor. Não podia dizer para Pietra que os dois eram parceiros, nem conhecidos. Ela conhecia aquela mulher, sabia que Pietra iria querer mais informações, começaria com as perguntas incessantes e que faziam Delilah ficar contra a parede.

Gilcrest ergueu uma sobrancelha escura para ela, esperando-a completar, porém demonstrando não acreditar no que Delilah dizia antes mesmo dela proferir aquelas palavras.

── Somos amigos, Pietra. Apenas isso ── ela afirmou. Pietra sorriu com escárnio.

── Ele te deu a porra de um cartão sem limites.

── Ele não me deu, eu devolvi ontem.

── E você quer mesmo que eu acredite que não está nada rolando entre vocês? ── indagou Pietra, ignorando a fala anterior de Delilah. ── Se eu soubesse que você estava dormindo com Bruce Wayne, eu tinha comprado mais do que apenas um salto alto com aquele cartão.

── Primeiro de tudo, Gilcrest. Eu não estou transando com ele, nós não somos namorados, mal somos amigos ── ela disse, severamente, apontando um dedo na direção da amiga para pontuar. ── Então, por favor, se acalme, porque não vou responder mais nenhuma pergunta sobre esse assunto, ok?

Pietra abriu os lábios para dizer algo, com certeza estava prestes a retrucar, porém foi interrompida pela chegada de Kyle.

── Estão sabendo da novidade? ── indagou o enfermeiro, animado. O olhar dele intercalava entre as duas.

Kyle é um homem alto e de pele negra, porém clara, com um tom de bronzeamento natural. Seu cabelo é castanho escuro, curto e encaracolado, cheio de pequenas ondas e sempre penteado para cima. Há uma barba por fazer em seu rosto, um pouco falhada em alguns pontos de seu rosto fino, mas que lhe cai muito bem. Ele estava vestindo a roupa azul dos enfermeiros do hospital e segurando alguns lanches da máquina mais próxima, como um Twix e duas barrinhas de cereal.

── Se for sobre a Delilah sair com o... Ai! ── Antes que Pietra pudesse continuar a frase, Delilah pisou no pé dela com força, fazendo a mulher olhar para ela com indignação.

── Que novidade? ── perguntou Morgan, colocando o queixo sobre a mão e ignorando Pietra, que a fuzilava com os olhos.

Com o cenho franzido, o olhar de Kyle ia-e-vinha entre as duas, cheio de questionamentos por trás de suas orbes caramelo. Porém, o rapaz decidiu ignorar a estranheza da situação, dando de ombros e puxando uma cadeira para sentar.

── Alguém fez uma doação bem generosa para o hospital ── respondeu ele, murmurando para que apenas as duas pudessem ouvir. ── Uma super doação, a maior que a gente tem em anos.

── Sério? ── perguntou Pietra, ao que Kyle prontamente assentiu. ── Sabe quem foi?

── Não tenho a mínima ideia, mas escutei o doutor Morrison conversando com o dr. Lindow e ele comentou sobre um "doador anônimo" ── disse Kyle, fazendo aspas com as mãos. ── Escutei também que o tal doador deixou claro que o dinheiro deveria ser usado para melhorias no hospital, principalmente na segurança. Ah, e ele disse algo sobre a área de pediatria também. Morrison não parecia muito feliz por alguém conhecer tão bem os problemas do hospital, acha que algum médico está espalhando fofocas, segundo o doutor não é pertinente e passa uma visão errada sobre ele.

Delilah mordeu o lábio inferior quando Kyle terminou de falar. Pensativa, ela tenta não deixar transparecer que sabe de algo, pois não é tola, não trataria aquela ação como coincidência. Bruce era o doador anônimo, com certeza. Ele pareceu muito intrigado com o hospital no domingo.

── Alguém decidiu agir, então ── Pietra comentou, inclinando-se para trás em sua cadeira e soltando uma risada de escárnio. ── Só assim pro Morrison fazer algo útil.

── Não é? Acho que ele estava esperando outro médico quase morrer para agir ── disse Kyle, soltando uma risada baixa. Porém Pietra o repreendeu com o olhar e as expressões no rosto de Kyle mudaram. Rapidamente, ele olhou para Delilah. ── Ah, eu não queria dizer... você sabe...

── Tudo bem, Kyle. Não tem problema ── com desdém, Delilah acena ── e o que você disse não é uma mentira. O que aconteceu comigo pode acontecer com qualquer médico se não tomarmos cuidado.

O Ceifador antigo havia matado uma médica do Elliott uma vez e, por pouco, Delilah não teve o mesmo fim que ela. Era de se esperar que os outros ficassem com medo e, sem uma segurança eficaz no hospital, eles ficavam ainda mais suscetíveis a acidentes, não apenas com esse serial killer, mas com qualquer outro louco disposto a tentar fazer alguma atrocidade.

── Eu só espero que o Morrison realmente use esse dinheiro de forma correta ── disse Pietra. ── Não vai adiantar nada se for usado em coisas fúteis.

── Bom, o doador deixou claro para onde esse dinheiro deveria ir ── retrucou o enfermeiro, dando de ombros. ── Cabe ao doutor arcar com as vontades dele.

Pietra assentiu, concordando com ele. Enquanto Delilah decidiu permanecer em silêncio, deixando que os dois conversassem. Ela fez uma anotação mental de conversar sobre isso com Bruce mais tarde. Por mais que ela aprecie o que ele fez, imagina que o doutor Morrison dará um sermão nos médicos na próxima reunião para que parem de espalhar mentiras sobre "o descaso com o hospital".

Vai ser desagradável, porque seu chefe sempre foi do tipo que gosta de estar sempre certo. Delilah nunca teve problemas com ele, mas observava bastante o jeito que o homem agia. Passivo-agressivo por natureza e alguém que gostava de ter seu ego amaciado, o doutor Morrison era uma pessoa que se tornava um problema quando se sentia humilhado. Ele ficaria ao redor dos internos e residentes como um lobo, disposto a descobrir quem estava envolvido.

Decidida a se concentrar em comer um pouco, mesmo que seu apetite estivesse um pouco afetado pelo seu dia, Delilah segurou o garfo e perfurou um pedaço de frango quando passos se aproximaram de sua mesa.

── Delilah ── a menção de seu nome fez com que Delilah erguesse o olhar e encarasse Dolores, que veio rapidamente até a mesa para chamá-la. ── O tenente Gordon está na recepção, disse que está aqui para conversar com você.

── Agora? ── ela questionou, ignorando os olhares curiosos de Pietra e Kyle.

── Sim, agora ── Dolores assentiu, empurrando os óculos para cima com dois dedos. ── Ele disse que é importante.

Delilah suspirou, deixando o garfo em seu lugar e se levantando. Apenas trocou alguns olhares rápidos com os dois presentes e saiu, dizendo a eles que voltaria logo.

Seguindo Dolores para fora do refeitório, ela caminhou até a recepção, encontrando Jim Gordon junto com outros dois policiais fardados na entrada. Delilah estava confusa, e tinha um mau pressentimento quando Gordon a notou se aproximando e encerrou a conversa com os dois homens, os quais ficaram atrás dele em silêncio.

── Boa tarde, doutora. ── assim que Delilah se aproximou dele, Jim a cumprimentou. Ela não sabia o motivo, mas percebeu que o tenente estava tenso.

── Boa tarde, Gordon. ── ela cumprimentou com um aceno breve com a cabeça. O cenho de Delilah ficou levemente franzido. ── Está tudo bem? Dolores disse que você queria falar comigo. Aconteceu algo?

Os lábios de Jim estavam comprimidos em uma linha fina e ele torceu o nariz, movimentando seu bigode no processo, da forma que sempre faz quando está prestes a dar uma notícia ruim. Gordon protelou um pouco, ajeitando sua postura.

── É algo a ver com o Ceifador? ── Delilah perguntou, cruzando os braços. Tensa, ela já esperava o pior. Esperava que Jim dissesse que eles acharam outro corpo. Os dias sem vítimas haviam se encerrado...

── Não, não tem nada a ver com o caso do Ceifador, doutora. Não diretamente, pelo menos ── Jim respondeu, dando a ela um alívio momentâneo. Com as mãos na cintura, ele respirou fundo. ── Na verdade, tem a ver com Steve Bullock.

── Ah ── foi tudo o que Delilah conseguiu dizer quando os flashes daquela quarta-feira retornaram a sua mente. ── O que ele quer?

── Ele denunciou você à delegacia por agressão.

── O quê? ── Estupefata, Delilah exclamou.

── Steven alega que, há algumas noites, vocês se encontraram em um bar na Bowery e você agiu de forma "histérica e descontrolada sem razão alguma", o agrediu com uma garrafa e torceu o braço dele ── disse Jim, repetindo palavras que possivelmente entraram em um relatório policial.

── Não foi isso que aconteceu. Esse canalha está mentindo. ── Morgan retrucou, sentindo seu sangue começar a esquentar. ── Ele ao menos tem provas?

── Ele tem 3 testemunhas que estavam lá naquela noite e confirmam a história dele ── Gordon não parecia contente em dar aquela notícia, desgostoso.

Delilah balançou a cabeça de um lado ao outro, incrédula.

── Não acredito que esse babaca está fazendo isso... ── ela murmurou, olhando para o céu. Em seguida, respirou fundo, tentando se controlar. ── Ele está mentindo, Jim.

── Então você não o agrediu?

── Não! Quer dizer, sim... Mas eu me defendi dele ── Delilah exclamou. ── Você tem que entender que eu não fiz isso do nada. Estávamos conversando e ele tentou... ── ela engoliu seco. ── Ele queria me fazer transar com ele no banheiro, eu não quis. Ele insistiu, eu me defendi. Foi isso que aconteceu.

── Você tem alguém que possa confirmar essa história?

Delilah abriu os lábios e depois os fechou, piscando os olhos como um peixe fora d'água sem conseguir encontrar as palavras para responder. Ela tinha? Provavelmente não. O bar não estava cheio, havia poucas pessoas, e a maioria mal deveria ter os notado, bêbadas demais para se importar.

Mesmo se Delilah encontrasse alguém para confirmar a sua versão da história, Steve era um policial. Ele tinha contatos. Não duvidava nada de que ele poderia ter comprado aquelas três testemunhas que arranjou. Seu peito apertou. Não era possível que aquilo estava acontecendo com ela.

── Eu não sei... Acho que não. ── Delilah respondeu. ── Mas você tem que acreditar em mim, Gordon. Ele não é a vítima aqui.

── Eu não duvido da sua palavra, doutora. Mas... não tem nada que eu possa fazer nesse caso ── ele respondeu, desapontado. ── Infelizmente, não posso manter você no caso do Ceifador enquanto houver essa queixa.

── O quê?

Jim sinalizou para os dois policiais entrarem no prédio, e Delilah apenas os acompanhou com o olhar, sem poder fazer nada.

── Savage exigiu que os corpos das vítimas sejam retirados do hospital. Eles vão para o necrotério da delegacia, as autópsias voltaram a ocorrer no departamento ── disse Gordon. ── A denúncia te proíbe de exercer seu papel como patologista forense até que a queixa seja retirada ou seja provada sua inocência no tribunal.

── E se eu não conseguir provar?

── Vai depender do que o juiz decidir, mas provavelmente você será afastada definitivamente do trabalho como patologista e deverá pagar uma multa a Steven. Também dependendo da sentença, e da política do hospital, seu trabalho no Gotham Mercy como médica também pode ser comprometido se te julgarem instável para continuar aqui ── disse ele. Delilah cravou as próprias unhas em seus braços cruzados, sentindo seu estômago se revirar. ── Eu sinto muito, doutora.

Aquilo a atingiu em cheio. Delilah não sabia o que dizer, ou como agir naquela situação. Ela não teve nenhuma reação. Deveria estar com raiva, mas não tinha ânimo nem mesmo para gritar com Jim ou sair daquele prédio para tirar satisfações com Steven. Do que adiantaria, afinal? Nada que fizesse resolveria aquela situação, talvez só a afundasse mais. Eles a investigariam agora, e o advogado de Steven muito provavelmente usaria o ataque do Ceifador contra ela.

Gordon planejava se despedir, mas ela não ficou para escutar o quanto ele sentia muito e o quanto ele se compadecia dela. Delilah sabia que não era culpa dele, Jim estava apenas fazendo seu trabalho e ela ficou minimamente feliz por ter sido ele quem veio falar com ela e não Savage ou qualquer outro policial idiota do DPGC, porém ela estava farta daquela cena e de escutar o que ele tinha para dizer, pois receber aquela notícia foi o suficiente para abalar a falsa tranquilidade que Delilah estava mantendo naquele dia.

Ela retornou para o refeitório, encontrando Pietra e Kyle ainda sentados à mesa. Os dois se voltaram para ela no momento em que se aproximou, porém Delilah os ignorou. Ocupou-se em guardar sua marmita dentro da bolsa novamente, pois seu apetite havia desaparecido.

── Delilah, está tudo bem? ── Pietra perguntou, notando as ações robóticas dela enquanto guardava tudo e jogava o copo com café pela metade no lixo.

── Tudo ótimo ── ela respondeu sem nem ao menos olhar para eles, sem permitir que nenhum dos dois fizesse mais questionamentos. ── Tenho que voltar ao trabalho.

Ela queria ── não, precisava ── ficar sozinha e pensar no que fazer, e não conseguiria fazer isso com Kyle e Pietra ao seu lado.

── Mas você nem comeu... ── Kyle disse, o tom de sua voz diminuindo aos poucos, enquanto ela o ignorava.

Antes que mais perguntas fossem feitas, Delilah se virou e saiu.


O cigarro aceso que Delilah traga está pela metade quando ela o leva aos lábios, sentindo o gosto da nicotina em sua boca e o cheiro que permeia no ar, deliciando-se com seu próprio veneno enquanto o frio daquele anoitecer bagunça os fios já soltos de seu cabelo.

Seu horário de trabalho chegou ao fim há mais ou menos 2 horas, mas, desde a notícia de Jim, parecia que ele havia se encerrado bem antes disso. Delilah cometeu mais erros durante o dia do que o habitual, recebendo broncas de Ronan por sua desatenção. Ela estava tentando, realmente tentando, manter sua cabeça no lugar, mas parecia difícil quando todo o seu universo passava a sair do eixo antes mesmo que ela pudesse alinhá-lo corretamente.

Delilah sabia que não pararia de investigar aquele caso mesmo tendo sido temporariamente afastada; entretanto, sua frustração estava naquela acusação falsa que estava prestes a destruir sua carreira. Se não se livrasse de Steven Bullock, Delilah perderia também seu emprego no Gotham Mercy e dificilmente conseguiria outro trabalho em outro lugar. Além disso, ela não tinha tempo para procurar outro hospital em Gotham para trabalhar.

Ela passou em casa assim que saiu do hospital, tomou banho e trocou de roupa e, durante cada minuto que passou, teve muito tempo para pensar em soluções para o seu problema. Delilah cogitava tentar falar com Steven amanhã. Aquela alternativa não lhe agradava, mas, talvez, precisasse ao menos tentar fazê-lo voltar atrás.

Ela encolheu os ombros, afundando-se mais ainda dentro do casaco que vestia como se pudesse se esconder completamente dentro dele. Sentou-se em um banco na calçada próximo a um poste com uma luz amarelada bruxuleante que mal a iluminava, com seus fones de ouvido e com um cigarro entre os dedos. Os acordes de "Flowers of The Cities" de ASY e Fairuz tocavam, para que pudesse ignorar o mundo exterior ── o que era consideravelmente fácil naquela hora da noite; ela parecia ser a única pessoa presente naquela rua em Otisburg durante aquele horário.

Desde que chegou, minutos atrás, Morgan não havia visto uma alma sequer na rua, apenas os carros que passavam de hora em hora. Sabia que havia pessoas, pois notara algumas dentro de suas casas; muitas luzes estavam acesas e algumas vozes abafadas podiam ser escutadas mesmo à distância em que estava.

Dois outros veículos passaram antes que o carro preto familiar estacionasse na vaga à frente dela. Delilah observou Bruce sair do Audi, fechando o botão do casaco de linho que vestia e olhando ao redor na vizinhança pacífica onde estavam. Ele vestia uma gola alta cinza por baixo do casaco preto e andava até ela com a elegância que apenas Bruce Wayne consegue ter ao fazer a ação mais mundana conhecida pelo homem.

── Espero não ter feito você esperar muito ── ele diz quando para em frente a ela na calçada. Não lhe escapa a forma como Bruce a analisa, percebendo que algo está errado antes mesmo de Delilah proferir qualquer palavra, e Delilah sente uma ânsia em se esconder. ── O trânsito nesse horário não é dos melhores.

── Tudo bem ── Delilah coloca-se de pé, soprando a fumaça para longe de seus lábios entreabertos ── Cheguei há pouco tempo.

Ela não diz a verdade a ele, pois não lhe apetece; Bruce não precisa saber que ela está sentada naquele banco em silêncio desde que o ônibus a deixou no ponto a 2 metros dali. Ele não precisa saber que ela ficou 30 minutos presa dentro da própria mente e fumou dois cigarros durante esse tempo.

Ela começa a se afastar, andando na direção da casa com as mãos dentro dos bolsos do sobretudo preto, sentindo sua carteira dentro de um deles, enquanto Bruce a segue com o cenho franzido, inspecionando-a como sempre faz quando ela não está olhando.

── Está tudo bem? ── ele pergunta em seu tom sério habitual, mas há uma ligeira mudança no brilho de seus olhos que Delilah não evidencia.

Ela sente algo estranho quando aquela pergunta é feita, porque queria muito dizer que não. Seria bom não ter que mentir. Queria muito poder dizer a Bruce tudo o que a perturba, mas ela se lembra da noite passada, se lembra da mentira de Bruce e não consegue mais encará-lo da mesma forma.

Ao invés de um passo para a frente, Delilah dá dois para trás e o coloca na zona que acha que ele pertence, onde todos os outros estão em sua vida. É melhor assim, Delilah pensa. E ela também não precisa descarregar seus problemas sobre ele. Os dois sairiam ganhando.

── Sim, por que a pergunta? ── ela olha para o lado, onde Bruce está agora acompanhando seu passo.

── Você não parece muito bem.

── Dormi mal a noite passada. ── Delilah responde, preferindo uma mentira parcial a uma completa. ── Mas estou bem. Não há nada com o que se preocupar.

Delilah não sabe se está dizendo aquelas palavras para ele ou para si mesma, tentando se convencer de que tudo está bem, mas não quer analisar suas reais intenções mais a fundo, pois pode acabar se decepcionando com o que vai encontrar. Ela sustenta o olhar de Bruce por um momento, onde ele parece analisá-la sem expressão nenhuma em seu rosto, algo que a faz odiá-lo mais ainda naquele momento.

Era injusto como Bruce, muitas vezes, conseguia ser uma tela em branco, sem qualquer desenho expressivo sobre sua superfície para lhe direcionar por meio daquele mar de dúvidas. Enquanto ela era sempre como uma pintura que ele conseguia decifrar facilmente. A sensação de ter alguém que conseguia lê-la como um livro era ao mesmo tempo intrigante e irritante.

Bruce Wayne se qualificava em ambos, pois Delilah nunca conseguia definir quem ele realmente era ── e o que os dois eram um para o outro. Nos últimos anos, Bruce permitiu que as pessoas especulassem sobre ele, sobre quem ele realmente era e o que fazia. Cada site de fofoca, cada jornal, cada pessoa curiosa ou medíocre que tinha o mínimo de interesse pelos Wayne sempre tinha algo a dizer sobre Bruce e, no final, ele estava se mostrando o oposto do que ela esperava em tantos aspectos que era difícil saber quem Bruce Wayne realmente era.

Eles se aproximam da casa, parando em frente à cerca branca com a tinta lascada. Delilah inspeciona a residência, uma das únicas apagadas em toda a rua. A casa tem dois andares e é simplória, seguindo o modelo de todas as outras. A diferença é que parece mais antiga, a tinta verde está suja em vários pontos e em algumas partes expõe a tinta branca que está por baixo.

── Como descobriu que essa é a casa dos Stirk? ── Bruce pergunta. Antes de respondê-lo, Delilah traga o cigarro que está quase no fim e aproveita aqueles breves segundos para inspecionar a vizinhança uma última vez.

── Pesquisei mais a fundo na internet, descobri mais algumas matérias antigas e um site que gosta de tratar antigas cenas de crime como "as sete maravilhas do mundo" para turistas ── disse, soprando a fumaça para longe ── Liguei para um corretor de imóveis da vizinhança na sexta, falei que estava interessada em uma casa na região e acabamos conversando bastante. Ele deixou escapar sobre a casa, confirmando que era realmente essa.

Ela traga mais uma vez e, quando termina o cigarro, o joga no chão e pisa com a sola do tênis.

── A casa permanece no nome de Elizabeth, Jeremiah não transferiu os bens da família para seu nome e ignorou todas as tentativas dos corretores de vender o imóvel nos últimos anos ── ela comenta, segurando a porta de madeira da cerca com uma mão. ── Agora a casa ficou para o estado, pode ser demolida ou comprada por alguém aleatório. Os fãs de assassinatos bizarros já começaram um abaixo-assinado para preservação do local.

Delilah consegue abrir a porta, adentrando e passando pelo caminho no pequeno jardim da frente onde há várias plantas mortas, uma caixa de correio caída com o sobrenome da família meio apagado, restando apenas "Sti" e segue até a porta da frente, escutando a madeira rangendo sob seus tênis ao subir as escadas.

Bruce olha pelas duas janelas, uma de cada vez, inspecionando o interior, enquanto Delilah gira a maçaneta uma vez. Estava trancada, como ela já esperava. Suspirando, escolhe o caminho mais fácil.

── O que está fazendo? ── Wayne a questiona quando a vê se agachar e retirar dois grampos do cabelo.

── Pensei que fosse óbvio, estou arrombando a fechadura ── ela responde sem olhar para ele. Delilah se concentra em destrancar a porta.

── Não deveríamos estar fazendo isso, alguém pode ver ── Bruce retruca, murmurando aquelas palavras para que apenas ela possa ouvir e quase soa como um rosnado baixo, carregado de desaprovação. ── Vamos encontrar outra forma de entrar. Uma que não seja tão evidente.

── Que tal você só ficar de olho, ein? ── Morgan olha para ele por cima do ombro. ── Eu não quero ser pega tanto quanto você. Então faça o seu papel e vigie. Seja útil, Bruce.

Bruce suspirou, irritado, porém cedendo ao desejo de Delilah e se afastando, colocando-se de costas para ela na entrada da casa. Enquanto Delilah trabalha na fechadura, Bruce mantém seus olhos sobre a vizinhança, encobrindo o corpo da mulher com o seu para que ninguém próximo possa ver o que ela está fazendo e garantindo que os dois estão em segurança, por hora.

Ao escutar o click familiar da fechadura sendo aberta, Delilah não consegue evitar sorrir vitoriosa ao notar que havia conseguido atingir seu objetivo.

── Consegui! ── ela anuncia, pondo-se de pé e abrindo a porta completamente para que os dois possam entrar. O olhar dele suaviza quando ela se volta para ele sorrindo.

── Aprendeu a arrombar fechaduras na faculdade de medicina?

── Não, foi no fundamental ── Delilah respondeu ── A escola é selvagem. Uma garota precisa aprender a se virar para sobreviver.

O canto da boca de Bruce sobe, um sorriso lateral e debochado surge quando ele balança a cabeça.

── Está bem escuro ── ele comenta, inspecionando a casa de seu lugar próximo ao batente. Uma mão posta sobre a madeira para que pudesse observar o interior melhor.

── Não sei se as luzes estão funcionando, mas não é bom acendê-las ── disse ela ── Pode acabar chamando atenção. Bruce assentiu em concordância.

Retirando o celular do bolso, Delilah acende a lanterna e Bruce faz o mesmo com o seu próprio. Os dois trocam um aceno rápido, confirmando que estavam ambos prontos para inspecionar a velha casa por dentro. Wayne permite que ela entre primeiro, ficando para trás e observando o lado de fora uma última vez para ter certeza de que ninguém estava vendo o que faziam.

A porta é fechada com cuidado, extinguindo a única fonte de luz que entra na sala, que provinha do lado de fora. Delilah utiliza a luz da lanterna para se locomover pelo espaço, andando cautelosamente pela sala de estar.

Os móveis são todos antigos, feitos de madeira maciça e pesada ou estofados com couro marrom. Há uma televisão de tubo desligada e muito antiga, vários porta-retratos na parede e uma fina camada de poeira cobre todas as superfícies que eles avistam. Todas as fotos são em preto e branco e mostram a família Stirk em vários momentos de suas vidas. Há uma foto de Elizabeth e Fenton em seu casamento, uma foto dos quatro reunidos e outras apenas dos filhos juntos quando eram bebês, depois quando eram crianças por volta dos 7 e 6 anos. Também havia fotos de Jeremiah e da irmã sozinhos, tiradas em um fundo ornamentado para fotografias típicas daquela época.

Delilah percorreu com a luz em cada imagem, escutando apenas os passos de Bruce seguindo pelo lado oposto. Ela admirava os rostos juvenis nas imagens, a forma como Olivia sorria, destacando o quão bonita ela era em todas as fotografias. Ela e a mãe contrastavam com o pai e o irmão mais velho. Fenton tinha um olhar duro, seu rosto sempre aparentava ter uma carranca ou uma seriedade desmedida. Enquanto Jeremiah se mantinha neutro, porém seus olhos pareciam transparecer a tristeza que sentia ou uma seriedade carregada de raiva meio contida.

── Alguém ainda frequentava essa casa, Jeremiah provavelmente ── Bruce comenta, e Delilah o encara, notando onde ele está em frente à mesa próxima ao mármore que divide a sala da cozinha. Bruce ergue um papel amarelo ── Um panfleto da catedral de Gotham. Ele é recente.

Delilah se aproxima e pega o panfleto com uma mão, analisando os dizeres na frente onde o ano está gravado sobre a página: 2021. Também há um salmo na parte interior, o qual foi sublinhado com uma marca texto da cor verde.

── "O Senhor é a minha luz e a minha salvação; de quem terei medo? O Senhor é a fortaleza da minha vida; a quem temerei?" ── leu Delilah em voz alta.

Era o Salmo 27:1. Ela sentiu um calafrio percorrer sua espinha enquanto observava o papel em sua mão, as marcações na folha feitas com caneta vermelha no canto da página, onde havia rabiscos apressados de "medo" e "salvação" várias vezes.

A luz da lanterna tremeluzia, lançando sombras dançantes nas paredes cobertas de fotografias.

Bruce se aproximou e olhou sobre o ombro dela. ── Ele grifou "minha salvação", "medo" e "a quem temerei".

Ao comentário com um tom pensativo, Delilah concordou com um aceno de cabeça.

── Parecia estar buscando salvação ── ela respondeu, murmurando aquelas palavras no escuro. ── Ou fugindo dela.

Ela guardou o panfleto no bolso, ignorando a sensação de estranheza que sentia e continuando a inspecionar a casa.

Ambos abriram mais algumas gavetas, vasculhando o lugar e tudo o que conseguiram achar foi papéis antigos de boletos, jornais, cartas amassadas endereçadas a Elizabeth de sua irmã mais velha e vários outros panfletos da igreja que foram amarrados juntos com um elástico na primeira gaveta de uma estante. Delilah pensou que deveria guardar aquilo como um sinal e reservar uma visita para a catedral de Gotham no dia seguinte. Se Jeremiah era um visitante assíduo da Igreja, o padre poderia ter algumas informações para compartilhar sobre ele que não envolviam o confessionário.

Quando eles terminam o andar de baixo, tendo até mesmo inspecionado a cozinha que estava parcialmente queimada por conta do pequeno incêndio que ocorrera ali anos atrás, os dois sobem para o segundo andar juntos. Chegando no corredor que leva para os outros cômodos, Bruce sugere que eles se separem. Ela fica com a segunda porta e ele com a primeira.

O segundo quarto pertencia a Olivia e aparenta ter mais poeira do que os cômodos no andar de baixo. Tudo parecia incrivelmente intocado, como se fosse preservado há anos daquela forma, desde as persianas em um tom de rosa pálido até a cama de solteiro com uma coberta florida por cima. Há também bonecas antigas em uma prateleira, todas enfileiradas e cobertas de poeira e teias de aranha.

Delilah sentia o cheiro desagradável de mofo no ar, misturado com o aroma pungente de naftalina enquanto abria os armários, encontrando roupas antigas meticulosamente dobradas. Ela não as mexe, respeitando a ordem cuidadosa em que foram deixadas, como se desarrumá-las fosse um desrespeito à memória de Olivia, que, apesar de ausente, parecia ainda habitar aquele espaço através desses vestígios.

Seus pensamentos desviam para Jeremiah, um homem devastado pela perda de sua família, solitário e amargurado. Ele estava preso a uma casa que guardava todas as suas memórias, boas e ruins, aprisionadas nas paredes que o assombravam com lembranças de tudo o que ele havia perdido. Incapaz de viver ali, mas também incapaz de se desfazer daquele lugar, ele estava preso em correntes invisíveis feitas de saudade e culpa.

Ela se imaginou como ele, retornando àquela casa e buscando por um consolo que nunca viria, possivelmente. Delilah pensava em milhares de motivos para Jeremiah frequentar aquela casa, mesmo não morando mais ali.

Observando ao seu redor, imaginou Jeremiah entrando naquele quarto que um dia pertenceu à sua irmã mais nova, a única pessoa que compreendia tudo o que ele passava, todos os maus-tratos, todas as dores. A falta que ela fazia deveria corroê-lo por dentro, mas não era maior que a culpa. A culpa de não estar ali quando tudo desandou, quando ela viu o pai atentar contra a vida da própria mãe e depois se matar.

Ela deu um passo para o lado e, sob seus pés, uma madeira rangeu abaixo do tapete.

Seus movimentos pararam completamente e, olhando para baixo, notou que um pedaço da madeira parecia elevado. Agachando-se, ela inspecionou a irregularidade com a lanterna antes de retirar o tapete e colocar o celular sobre ele com a tela virada para baixo.

Delilah levantou a madeira, removendo-a por completo para revelar um pequeno esconderijo. Estava escuro dentro dele, mas o buraco não era fundo e ela conseguiu retirar uma caixa retangular pequena daquele espaço. Era feita de metal, pintada de um azul lascado e enferrujado em várias partes. Dentro dela, algo balançava, sugerindo que havia vários objetos guardados.

Não havia uma fechadura, mas a tampa mostrou-se difícil de retirar. Ela precisou usar força até a tampa ceder, revelando o conteúdo para que seus olhos esverdeados pudessem vê-lo claramente. Quando finalmente conseguiu, seu coração errou uma batida e ela engoliu sua surpresa, petrificada por míseros segundos.

O espanto cobriu suas feições enquanto seus olhos, arregalados, observavam os pequenos dentes brancos e imaculados dentro da caixa de latão. Dentes de adultos. Vários deles. Uma arcada dentária completa, manchada com pequenas gotículas de sangue. No meio, ocupando todo o espaço, havia um caderno de mão com uma capa de couro.

Delilah engole a seco e, com cuidado, retira o caderno de dentro vagarosamente, sem que seus dedos encostem nos dentes. Ela deixa a caixa enferrujada no chão e, segurando o caderno com as duas mãos, o abre para encontrar algumas folhas vazias, enquanto outras estão preenchidas com nomes.

Há uma lista com vários nomes de homens escritos com uma caligrafia desleixada. Alguns nomes estavam tão riscados que não poderiam ser identificados. Ela os folheia, mas encontra apenas quatro páginas preenchidas e nenhum dos nomes que lê são familiares.

Escutando o som de passos, Delilah ergue o olhar quando Bruce aparece na porta. O rosto dele, impassível, concentra-se nela, agachada, com os joelhos no chão e segurando aquele caderno em suas mãos.

── Encontrei uma coisa ── ela murmura. Bruce se aproxima e Delilah estende o caderno para ele, pensando que Wayne vai querer vê-lo, porém, inicialmente, Bruce ignora o objeto e a ajuda a levantar, estendendo uma mão.

Quando está firme em seus próprios pés, Delilah o agradece e entrega o pequeno caderno de couro nas mãos dele. Os olhos dele se direcionam para a caixa, notando os dentes.

── O caderno estava dentro da caixa, junto com os dentes. ── Ela responde, não provocando qualquer reação de surpresa sobre ele. Bruce folheia o caderno.

── Friedrick Hendricks, Martin Lovelace, Will Philips... ── ele lê alguns dos nomes em voz alta.

── Algum nome é familiar para você? ── Delilah pergunta, vendo-o virar a página e inspecionar o restante. Ele balança a cabeça negativamente.

── Não reconheço nenhum deles ── ele respondeu. ── Vamos pesquisá-los quando sairmos daqui. Não podemos demorar mais, alguém pode começar a achar...

Um barulho no andar de baixo faz com que Bruce se cale abruptamente, e ambos se voltam na direção da porta.

── O que foi isso? ── Delilah sussurra para ele. O som se repete e eles trocam olhares, antes que Wayne leve um único dedo aos lábios pedindo silêncio enquanto guarda o caderno em seu bolso.

Ele caminha em direção à porta sem fazer barulho, andando cautelosamente até o corredor. Delilah o segue, acompanhando-o enquanto descem a escada para o andar de baixo. A porta de entrada ainda estava fechada e nada parecia fora do lugar. Porém uma luz vinda do porão chama a atenção de ambos.

A porta que leva para o andar de baixo está entreaberta e uma fresta expõe a luz acesa, algo que antes não estava dessa forma. Bruce não troca olhares com Delilah quando anda naquela direção, ele não espera para ter a aprovação dela, avançando com calma para não pisar em nenhuma tábua que pudesse ranger demais e alertar o invasor.

Bruce escancara o restante da porta devagar, uma corrente de ar frio escapa do porão e arrepia a pele de Delilah. Ele olha para baixo, encontrando apenas as escadas de madeira que rangem sob seu peso e o chão de cimento rachado e úmido. Deixa a passagem completamente livre e desce com passos calculados, para que o degrau não passe a ranger. Delilah segue atrás, espelhando cada movimento de Bruce com precisão para não fazer barulho, os olhos arregalados com o medo que tenta controlar.

No porão silencioso, o ar é denso e sufocante. Eles olham ao redor, procurando por algo ou alguém, mas tudo o que encontram são algumas caixas empoeiradas debaixo da escada e uma mesa cheia de ferramentas abandonadas em um canto. O que realmente chama a atenção deles são as correntes de ferro presas à parede junto de um colchão velho e manchado.

Bruce se aproxima cautelosamente, agachando-se para examinar as correntes. Sente a aspereza do ferro frio e enferrujado enquanto seus dedos percorrem o material até chegar às algemas. Seu cenho franze e os lábios se entreabrem para dizer algo a Delilah, mas antes que ele consiga emitir um som, o barulho da porta do porão se fechando e trancando ecoa pelo espaço.

Delilah se sobressalta, correndo escada acima e tentando em vão abrir a porta. Suas mãos tremem enquanto giram a maçaneta inutilmente. A porta foi trancada do lado de fora. O cheiro acre e pungente de algo queimando atinge seus sentidos, e ela fareja o ar com pavor crescente.

Fogo. A casa estava pegando fogo.

Bruce, percebendo o mesmo, sobe rapidamente as escadas para ficar ao lado dela. A casa está em chamas, e o calor intenso começa a invadir o porão. Bruce chuta a porta com força, os golpes ecoando por conta da brutalidade. As dobradiças se quebram, a madeira cede, e a porta finalmente se abre para revelar o inferno na sala dos Stirk. As chamas lambem as paredes e o teto, a fumaça espessa envolve tudo, tornando o ar irrespirável e se alastrando rapidamente.

Ambos tossem violentamente, os olhos lacrimejando pela irritação da fumaça. Delilah sente lembranças violentas retornando para a sua mente, fazendo a casa dos Stirk se transformar na sua por um momento. Enquanto Bruce tenta protegê-la das chamas, ela escuta, dentro de sua mente, seus pais gritando por ajuda e sua garganta aperta.

Ela ainda está em estado de alerta, porém, e nota a porta da cozinha batendo. Pela janela, vislumbra um vulto correndo para longe. Sem hesitar, Delilah desvia das chamas e corre para fora da casa, ignorando o desespero que cresce dentro de si.

── Delilah! ── Bruce grita seu nome, a voz abafada pelo braço que cobre a boca, mas ela não para, mal o escuta. O instinto de sobrevivência e a necessidade de respostas a impulsionam.

Delilah chega ao quintal selvagem, onde a vegetação cresceu descontrolada. Vê um vulto escuro, presumivelmente um homem, pulando o muro. Ela o segue, seu coração batendo descompassado, mas ele já está fora de alcance. Ao abrir o portão e correr pela rua, ela olha para todos os lados procurando por ele, buscando uma direção para que pudesse segui-lo, mal percebe o carro que se aproxima.

Ofegante, com a visão turva e os ouvidos zumbindo, Delilah não percebe tardiamente os faróis piscando, uma buzina soa ensurdecedora, mas ela está paralisada. No último segundo, mãos firmes a agarram, puxando-a para trás com força. Ela engasga com a surpresa quando o veículo passa a toda velocidade, seguido por outro, a buzina ainda ressoando com raiva.

Na calçada, Bruce a gira para que ela o encare. Seus olhos estão selvagens, cheios de fúria e preocupação, carregados de voracidade intensa e tanta repreensão que jorram de sua boca em forma de palavras duras.

── Qual é o seu problema, ficou maluca?! ── Bruce exclama, segurando-a pelos ombros ── Por acaso está tentando se matar?

Delilah não consegue formar uma resposta coerente, as palavras não chegam e tudo o que faz é gaguejar. Seu peito está apertado, o misto de sensações a enlouquece e nada parece certo. Será que aquele era realmente o Ceifador? Ou apenas alguém pregando uma peça cruel? E se ela o alcançasse, o que faria? Por que seu corpo tremia incontrolavelmente?

Fragmentos de memória surgem em sua mente: o hospital, mãos apertando seu pescoço, seu próprio sangue escorrendo, a faca perfurando sua carne, e agora, o fogo. Ela está sozinha dentro de sua mente outra vez, confrontando imagens perturbadoras do passado e se sentindo como uma criança assustada diante de um inimigo sem rosto. Ela se lembrou de casa, lembrou de seus pais pedindo por ajuda quando a casa começou a pegar fogo e seu peito, que estava subindo e descendo, não parava de doer.

Se Bruce não estivesse lá, ela provavelmente estaria morta. E se ele não tivesse conseguido quebrar a porta, ambos estariam mortos. Aquele mero pensamento a perturba, fazendo sentir um calafrio em sua espinha. Mais uma vez ele esteve tão perto de matá-la, e mais uma vez ele escapou.

── Delilah... ── Bruce notou o olhar assustado no rosto dela e a expressão em seu rosto suaviza.

── Desculpa, e-eu... ── ela balbucia, estremecendo e engolindo o seco. Sua garganta aperta, seca demais. O cheiro de queimado, a casa ainda pegando fogo, permeia o ambiente e ela sente o peso do que irá acontecer ── Eu deixei ele escapar...

── Isso não importa. ── Bruce é severo ao responder, sustentando o olhar dela com o seu que parece tão voraz naquele momento. E, quando não aguenta mais tamanha intensidade, Delilah fecha os olhos e arfa.

Bruce permanece em silêncio, puxando-a contra o peito em um abraço apertado. Uma mão envolve suas costas, enquanto a outra acaricia lentamente seus cabelos escuros e lisos, transmitindo conforto.

As mãos de Delilah seguram o casaco dele com força, enquanto seu rosto se esconde abaixo do pescoço de Bruce. Ela sente seu perfume e ouve o som rítmico de seu coração, um som que a acalma e a ancora na realidade.

── Está tudo bem... ── Bruce murmura contra o cabelo dela para que apenas Delilah possa ouvir, acariciando as costas dela no processo. ── Está tudo bem.

E Delilah se esforça para acreditar. Ela precisa acreditar que aquelas palavras são verdadeiras, porque deseja desesperadamente que sejam.

A porta se fechou atrás deles com um click surdo. Delilah teria batido a porta com força se Bruce não a tivesse segurado. Ele a fechou devagar, depois permaneceu em frente à mesma, observando a mulher se movimentando pela cozinha. Após deixar seu sobretudo sobre a cadeira, ela pegou dois copos dentro de um armário e a garrafa de Smirnoff pela metade dentro da geladeira.

── O que você está fazendo? ── Bruce perguntou, e ela não o respondeu de imediato.

Ela caminha até a sala, onde deixa os copos e a garrafa sobre a mesa de centro.

── Eu vou beber ── Delilah respondeu de forma amarga, sentando-se no sofá. ── Fique à vontade para se juntar a mim.

Dando poucos passos até o sofá, Bruce a observa encher o próprio copo de vidro e depois tomar em um longo gole. O rosto de Delilah se contorce em uma careta quando o líquido desce queimando por sua garganta.

Depois que ela se acalmou, ele a arrastou até o seu carro para que pudessem sair dali. Os vizinhos já estavam ligando para os bombeiros para que o fogo fosse apagado, todos reunidos em frente à casa em desespero. Bruce julgou que seria melhor que eles não fossem vistos, pois muitas perguntas seriam feitas.

Durante a viagem, que foi tão silenciosa, Delilah apenas olhou pela janela. Ele pensou várias vezes em dizer algo, qualquer coisa para ela, mas não sabia o que. Naquele momento, ele, que apreciava o silêncio mais do que ninguém, estava odiando cada segundo. Bruce queria, de alguma forma, poder remediar a situação, mas não sabia o que fazer.

Quando eles chegaram em Narrows, em frente ao complexo de apartamentos onde ela morava, Delilah falou pela primeira vez, sugerindo que ele ficasse na casa dela. Era muito tarde e as pontes para Somerset estavam fechadas naquele horário, ele não conseguiria voltar para casa. Bruce disse que poderia ficar em um hotel, porém ela insistiu e, pensando que ela não ficaria bem sozinha, ele cedeu.

Agora, eles estavam juntos dentro do apartamento dela, onde Delilah nem ao menos se preocupou em acender as luzes. Bruce suspirou, retirando seu casaco e pendurando no gancho próximo à entrada, e depois caminhou até o sofá.

── Beber não vai resolver seus problemas ── ele comentou, vendo-a encher os dois copos. Bruce puxa um pouco a calça para cima antes de se sentar.

── Não estou tentando resolver meus problemas, ── retrucou Delilah e estendeu para ele um dos copos de vidro com Smirnoff até o meio ── estou tentando ficar bêbada.

O copo foi erguido um pouco mais, Delilah o instiga a pegá-lo. Ele sustenta o olhar dela por um momento, porém os ombros de Bruce cedem e ele aceita, segurando o objeto em sua mão e dando um pequeno gole. Relaxando contra o sofá, seu braço pousou no encosto e ele continuou observando Delilah beber em silêncio.

Do lado de fora, a chuva começou a cair, ainda fraca e fina, mas trazendo consigo um vento frio que era característico em Gotham. Delilah apoiou os cotovelos nas coxas e circulou a borda do copo com os polegares, enquanto segurava o vidro frio com as duas mãos e exalava baixinho.

Ela pensava que boas pessoas merecem ser felizes, mas ela não estava feliz ── o que a fazia questionar se realmente era uma boa pessoa. Havia tanto veneno na água, e estava lá a tanto tempo que passou a se entranhar dentro dela, a corroê-la de dentro para fora. Entretanto, teme que esteja correndo pela sua corrente sanguínea muito antes de Gotham.

Os pensamentos dela estão correndo loucamente pela floresta obscura que é sua mente. Aquele dia havia sido terrível em tantos aspectos, e a notícia que Gordon lhe deu ainda a preocupa. Não sabia o que fazer, ou que caminho seguir. Fechando os olhos com força, Morgan deu mais um gole no uísque como se fosse algum tipo de penitência.

── Podemos estar chegando muito perto de algo, Bruce, e ele sabe disso. ── ela fala preenchendo o silêncio entre eles finalmente, depois de um longo tempo onde apenas o som do relógio poderia ser ouvido ── Mas, o que mais me intriga é que, no estacionamento, naquela gravação, o Ceifador disse que queria que eu o encontrasse. Agora, ele tenta me matar? Não faz sentido.

── Ele é um psicopata, Delilah. Está jogando com você ── disse Bruce ── Não é porque quer que você o encontre que ele vai facilitar isso.

Mordendo o interior da bochecha, Delilah observou o líquido dentro do copo por um momento, notando seu próprio reflexo a encarando de volta, antes de beber o que sobrou em um último gole e encher mais uma vez com a bebida. Quando o copo estava abastecido pela terceira vez, ela colocou suas pernas para cima do sofá e se acomodou melhor para poder dar continuidade àquela conversa.

── O que deve fazer é agir com cautela. Se ele nos encontrou na casa dos Stirk, significa que continua de olho em você, está vigiando os seus passos.

── Ótimo, muito reconfortante escutar isso ── ela debocha, bebendo mais um pouco de uísque.

── Infelizmente, essa é a verdade, por mais dura que seja. ── Bruce pontua, sendo direto. ── Você não está segura.

── Eu nunca estive.

── Você sabe o que quero dizer, Delilah. ── retorquiu ele, severo. ── Você ainda é um alvo, mesmo que não aceite esse fato. Ele tem uma fixação por você, acha que você é como ele, que o entende. Ele deve ter algum tipo de prazer doentio em ver você se desdobrar para encontrá-lo e quer saber até onde está disposta a ir para encontrá-lo. É como um desafio e apenas um dos dois vai ganhar.

Ela pondera sobre as palavras dele por alguns instantes. Bruce não está errado. Tudo o que disse eram coisas que Delilah já sabia e remoeu durante muitas noites em seu quarto, não estava surpresa.

── Contanto que esse homem receba o que mereça ── ela murmura com os lábios próximos ao copo. Bebendo o restante do Smirnoff e sentindo os efeitos do álcool em seu corpo, que agora parece mais leve.

Ela sente o olhar de Bruce sobre seu corpo, queimando sobre si, analisando-a cuidadosamente, mas ignora.

── O que aconteceu hoje mais cedo? ── Bruce perguntou, mudando de assunto. Delilah agradece, pois queria esquecer um pouco os últimos acontecimentos ── O que aconteceu que te deixou tão estressada?

Era claro que ele não havia deixado passar, e o questionamento arrancou dela um sorriso de lado e meio bêbado.

── Recebi uma notícia ruim que fez todo o meu dia desandar ── ela respondeu, murmurando e sem olhar para ele. O braço direito descansando contra o braço do sofá e o outro segurando o copo. ── Atualmente estou colecionando dias ruins, eu acho. Mas hoje foi um dos piores. Sinto que não sei o que estou fazendo da minha vida, muito menos para onde estou indo.

── É normal se sentir perdido, de vez em quando. ── Bruce disse, bebendo um pouco de uísque.

── Sim, mas não achei que me sentiria assim a vida inteira ── Delilah suspira, voltando sua cabeça na direção dele e suas orbes verdes brilharam ── Me afastaram do DPGC. Não estou mais no caso do Ceifador. Eu estraguei tudo.

Ela nota através do olhar dele com o cenho franzido que Bruce não esperava por aquela notícia.

── O que houve?

Em um dia bom, sem álcool correndo pelo seu sistema, Delilah não teria dito para Bruce o que Steven Bullock fez. Ela teria evitado a história, dado um jeito de não fazê-lo se preocupar e guardado tudo para si mesma, pensando que poderia resolver tudo sozinha. Porém, aquele não era um bom dia e Delilah estava cansada de ficar guardando tudo.

Claro, o álcool a impulsionou a falar, mas foi bom poder contar para ele tudo o que aconteceu. Ela explicou detalhe por detalhe, percebendo como a expressão dele endureceu a cada minuto que passava. Irritação era algo que transbordava de Bruce naquele momento, fazendo-o apertar o copo com uísque com força.

── Isso não deve ficar assim ── ele disse assim que ela terminou de falar. Delilah engoliu mais um pouco da bebida, limpando o copo mais uma vez e limpando a boca com as costas da mão ── Ele não pode sair impune depois do que fez.

── Mas ele vai, muito provavelmente ── Delilah soluça ── e eu vou ter sorte se conseguir manter meu emprego depois disso.

── Vou arranjar um advogado para você. Eu conheço algumas pessoas.

── Bruce, mesmo se eu for para um tribunal, tentar provar que agredi aquele filho da puta por defesa e não porque tenho como hobby pessoal agredir pessoas aleatórias em bares moribundos, isso deve levar semanas e não tenho uma testemunha. Ninguém vai ficar do meu lado.

── Deve haver alguém que ele não consegue comprar ── disse Bruce, tentando manter a esperança. A mente afogada em álcool de Delilah achava fofo os esforços dele, por ora, ela havia se dado por vencida e estava apenas desabafando. ── Muito possivelmente aquele bar tem câmeras.

── Sim, e que vão apenas provar que eu bati nele com uma garrafa primeiro ── Delilah respondeu, debochando da situação. ── Se tiver câmera, não deve ter som. Só vai servir para que ele prove seu ponto, que eu sou "mentalmente instável e histérica".

Revirando os olhos, ela faz aspas com os dedos, enquanto se inclina para frente para tentar pegar mais bebida. Seus sentidos ainda estão afetados pelo Smirnoff e a garrafa quase tomba quando Delilah a pega para beber o resto. Se Bruce não se aproximasse, segurando-a, teria caído no chão.

Ele retira a garrafa com uma mão e a outra leva até a mão de Delilah, segurando o copo o qual ela se recusa a soltar pela parte de cima.

── Acho que chega de uísque por hoje. ── Bruce fala, retirando os dois objetos do alcance dela. Delilah acaba cedendo, soltando apenas um bufo baixo.

Suas costas encontram o sofá novamente, de onde ela apenas observa Bruce se levantar e deixar os dois copos na pia da cozinha e retornar a garrafa para dentro da geladeira. Quando se senta no sofá novamente, os olhos de Delilah não estão sobre ele, ocupados demais em olhar para baixo.

Com os dedos, ela puxa os fiapos da manta que cobre o sofá, pensativa e claramente embriagada. Embriagada o suficiente para falar tudo que vem a sua mente.

── Eu só... fico pensando se isso que está acontecendo não é por culpa minha ── ela murmura, sua voz carregada de angústia e dúvida. ── Se eu tivesse cedido, seguido as vontades dele, talvez... talvez eu não estivesse fora do caso agora. Talvez não houvesse essa queixa e...

Bruce a cala suavemente, segurando seu queixo entre os dedos e virando seu rosto para ele. O toque firme, porém gentil, força Delilah a encará-lo quando ele se aproxima dela.

── Não é culpa sua. Nada disso é culpa sua. Você fez o certo, se defendeu. ── ao proferir aquelas palavras, Bruce a olha nos olhos e Delilah não consegue desviar deles por conta da tamanha firmeza que ele impõe. ── A única pessoa errada nessa história é ele, Delilah. Não você.

── Bruce, eu não tenho como provar que estava apenas me defendendo...

── Vamos dar um jeito. ── ele garante. ── Não importa como, a verdade vai vir à tona. Vou garantir que isso aconteça.

A certeza inabalável de Bruce não deixa espaço para dúvidas. Delilah sabe que ele está disposto a fazer qualquer coisa para resolver essa situação. Ela se preocupa que o envolvimento dele possa ser um erro, que ele possa se machucar por causa dela, mas é impossível contrariá-lo quando ele parece tão decidido a quebrar o mundo inteiro por ela.

Seu peito aperta com esse pensamento, e ela respira fundo, tentando buscar ar. Delilah percebe que está assustada com a intensidade de seus próprios sentimentos.

── Confia em mim? ── pergunta ele, e Delilah não demora muito para respondê-lo, pois sente aquelas palavras na ponta da língua.

── Confio.

Ela assentiu, dando a ele um sorriso mínimo que Bruce não espelha, mas apresenta um olhar mais suave após aquela resposta. E, mesmo depois de alguns minutos, ele não se afastou. Os dois permaneceram exatamente onde estavam.

A mão que antes segurava o queixo dela moveu-se lentamente, retirando uma mecha de cabelo que havia caído sobre seu rosto e colocando-a atrás de sua orelha. O rabo de cavalo, feito apressadamente, começou a desmanchar, algo que Delilah mal notou. os nós dos dedos dele roçando suavemente contra sua bochecha, o mero contato a faz prender a respiração e seu olhar estava fixo no de Bruce, seus olhos resvalando momentaneamente para os lábios dele. O ar ao redor dos dois começou a mudar gradativamente, tornando-se mais denso e carregado de uma tensão palpável.

Quando ela pensou que Bruce colocou uma distância entre eles, a mão dele rastejou pelo seu pescoço e acariciou sua bochecha, e um arrepio percorreu a espinha de Delilah quando a mão de Bruce se alojou próxima ao seu pescoço. O toque dela subiu pelas costas dele, permitindo que Bruce se aproximasse ainda mais, inclinando-se na direção dela até ficarem tão tortuosamente próximos que Delilah podia sentir a respiração dele contra seu rosto.

A sala parece mais quente que o normal e seu corpo implora pelo mínimo contato dos lábios dele sobre o seu. Desde o quase beijo, Delilah pensava em como seria senti-los, como seria se entregar ao deleite daquele pecado por um momento, ao menos.

── Bruce... ── Delilah murmura, sentindo seu coração martelando em suas costelas, seu peito subindo e descendo, implorando por algo para acalentar aquela dor que sentia quando seus olhos se fecham.

Bruce estava inebriando seus sentidos novamente, e ela estava feliz em deixar que isso acontecesse. Suas bochechas estão quentes, seus dedos se fecharam sobre o tecido da gola alta com força. Parecia mais íntimo do que realmente era, mais real.

Ela se inclina mais, tão perto de se tocarem, quando ele a impede de continuar, criando uma mísera distância entre eles que é como uma tortura.

── Delilah... ── Bruce sussurra em uma respiração quase dolorosa. Ele parecia reunir toda a coragem que poderia encontrar para falar. ── Não é uma boa ideia.

── Por que não? ── ela pergunta, sussurrando contra o rosto dele, seus olhos tremeluzindo.

Ele acaricia a bochecha dela lentamente, mal identificando como elas estão vermelhas por conta do álcool, mas ele sente o cheiro do Smirnoff e nota os olhos semicerrados direcionados unicamente a ele.

── Porque eu não quero que você se arrependa ── ele responde, escondendo a dor em seu tom de voz porque o olhar que ela lhe lançou quando suas pálpebras se abriram e aqueles olhos verdes ficaram em evidência mais uma vez, a súplica exposta neles, o mata aos poucos. ── Não é um bom momento. Não quero que seja dessa forma.

Não é o que Bruce desejava, porém ele sabe que é o certo. Ele sente que deveria falar, dizer mais, porém, no momento em que mais precisa usar suas palavras, elas não vem.

Ela engole o ar e em um minuto se afasta, o calor se vai, suas mãos parecem tão vazias agora. Tudo o que lhe resta é a reminiscência daquele momento, o qual ele mal consegue se agarrar, da mesma forma que foi naquela noite do jantar. Bruce não tem uma reação, nem ao menos consegue olhá-la nos olhos. Diz a si mesmo que estava fazendo o certo, mas uma parte dele questiona sua própria certeza.

A distância entre os dois é como uma barreira feita de gelo. Bruce sente Delilah a milhas de distância, mesmo que os dois estejam juntos naquele sofá. Ele pensa no que dizer, projetando todas as explicações que pode dar, pensando no que pode ter feito de errado quando estava apenas preocupado com ela.

Em contrapartida, Delilah está tentando processar tudo o que acabou de acontecer e, mais uma vez, se sentindo estúpida por ter cometido aquele deslize, por ter se deixado levar pelo que sentia por Bruce mais uma vez.

── Delilah, eu-

── Eu vou para o meu quarto, estou exausta. ── Ela o interrompe, fazendo-o fechar seus lábios em uma linha fina. ── Foi um... longo dia.

Ela engole seco e se levanta, Bruce não a impede. Nem ao menos a segue com o olhar, quando Delilah caminha até seu quarto. Ele espera que ela entre e tranque a porta, porém Morgan para e olha para Bruce de seu lugar no batente.

── O sofá está bom pra você? ── ela pergunta, e ele ergue o olhar, encontrando o dela.

── Está ótimo. ── Ele assentiu.

── Quer mais um cobertor?

── Não precisa. ── Bruce responde, e ela concorda.

Dando as costas para ele, Delilah entra no quarto e fecha a porta, colocando mais distância entre eles depois do que aconteceu. Bruce deita suas costas contra o sofá e olha para o teto, respirando profundamente e passando a mão sobre o rosto.

Delilah, por sua vez, se joga na cama, a cabeça cheia de pensamentos conflitantes. Sentia-se tola por ter se deixado levar pelo momento, mas não podia negar o quanto desejava Bruce. As palavras dele ecoavam em sua mente, e a frieza da resposta dela agora parecia um escudo que a impedia de se magoar ainda mais.

Os minutos se arrastam, e a noite parece interminável. O peso do não-dito e do não-feito paira sobre eles, uma sombra que não podem dissipar, chega a ser sufocante, mas Delilah disposta a ignorar o problema, como sempre faz. Buscando se distanciar da imagem do homem que agora ocupa seu sofá, ela fecha os olhos e, aos poucos, acaba dormindo.

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