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𝟎𝟐. › WHAT IS THERE TO FEAR

𝟎𝟎𝟐.⠀⠀⠀⠀O QUE HÁ PARA TEMER.

OUTONO⠀──⠀ NOV. 18, QUINTA-FEIRA
NARROWS, COMPLEXO DE APARTAMENTOS.

DO QUE VOCÊ TEM MEDO?

Aquela pergunta reverbera na mente de Delilah a algum tempo, lhe fazendo pensar sobre o que poderia deixá-la realmente assustada. A muito tempo, já não temia mais a morte. Não temia a cemitérios, muito menos a monstros escondidos debaixo de sua cama ─

Então, o que ela temia?

Exatamente uma semana depois do ataque ao necrotério, as memórias ainda a perturbavam. Havia recebido alta a 3 dias e estava de volta ao seu apartamento em Narrows, reclusa desde que fora afastada de seu trabalho para se recuperar, confinada a aquelas quatro paredes que lhe serviam de abrigo mas também de prisão. Encarando os mesmos móveis velhos que comprará em brechós ou lojas em liquidação assim que se mudou de cidade, a chuva constante era como uma música de fundo.

Nada que tinha em sua casa era caro ou novo, era tudo que estava dentro do seu orçamento e que poderia ser facilmente descartado caso necessário, sem guardar qualquer apego. Delilah não se recordava muito bem do dia em que chegou em Gotham, mas sabia que trouxe o mínimo o possível consigo, decidida a começar do zero na cidade. Assim que conseguiu se estabelecer, fez compras nas lojas mais baratas para mobiliar seu apartamento e arranjar roupas que ocupassem pelo menos uma parte de seu guarda-roupa quase vazio.

Agora, com uma caneca fumegante de chocolate quente na mão, Morgan recostou-se no sofá, enquanto a TV estava ligada no noticiário em um volume baixo e a chuva do lado de fora continuava caindo, sem pretensão de parar tão cedo. Bom, Delilah não tinha planos de sair mesmo.

Ela se contentava em permanecer dentro de casa, onde era seguro e poderia deixar seus pensamentos a torturarem por horas, até que ficasse cansada demais ou dopada demais de remédios para dor para se importar. Sabia que precisava tirar sua mente do que aconteceu, mas simplesmente não conseguia. Várias e várias vezes, Morgan pegasse repassando todos os acontecimentos.

Algumas coisas eram apenas pequenos borrões, fragmentos perdidos. Outras ela se lembrava nitidamente, como por exemplo a voz do assassino e sua mão em torno de sua garganta. Às vezes, acordava de um pesadelo onde estava de volta ao necrotério e era ela em cima da mesa de autópsia e não a última vítima encontrada. Era o corpo dela que ele abria, era o sangue dela que ele provava.

Delilah estremeceu com a lembrança.

Não sentia medo dele, mas aquilo ainda a deixava desconfortável. Pensar naquele homem a deixava enojada, não lhe trazia boas lembranças ou boas sensações.

Ela afundou mais no sofá, levando a caneca de café aos lábios e bebendo um pouco do líquido para se confortar. Observou a televisão, mas não estava realmente focada na reportagem que passava, absorta demais em seus próprios pensamentos para tentar se importar.

Ao todo, Delilah levou 20 pontos. Foram horas na mesa de cirurgia, horas que achou que seria um caso perdido se não estivesse nas mãos dos melhores cirurgiões de Gotham, ── ela estava evitando ao máximo pensar na conta do hospital que deveria chegar em alguns dias ── assim teve a garantia que viveria para ver mais um dia nascer.

Enquanto terminava de beber o chocolate quente na caneca de porcelana, Morgan escutou o toque familiar de seu telefone em cima da mesa de centro da sala. A tela se iluminou com a chamada e os olhos de Delilah se estreitaram para o aparelho celular.

Deixou a caneca na mesa e pegou o aparelho, aceitando a chamada do tenente Jim Gordon e tentando não ficar um pouco ansiosa por isso. Delilah estava esperando impacientemente pela notícia de que poderia voltar ao trabalho e o tenente estava dificultando isso.

── Tenente Gordon. ── Ela o comprimenta, assim que ele atende. Pode escutar o som da chuva do outro lado da linha, imagina que Jim está saindo da delegacia agora.

── Doutora Morgan, boa noite. Espero não ter te acordado. ── A voz de Jim soa um tanto culpada, talvez incerta e distante. Delilah sente-se bem com a forma como ele se importa com ela.

── Não se preocupe com isso, você não me acordou. ── Respondeu a Morgan, tranquilizando-o. Ela endireitou sua postura no sofá, colocou suas pernas dobradas para cima no assento do sofá de couro surrado, coberto por um cobertor feito à mão para disfarçar os remendos. ── Estava assistindo o jornal, ainda sem sono. Aconteceu alguma coisa?

── Eu não queria te incomodar, sei que faz pouco tempo que você saiu do hospital, mas... ── Gordon solta uma respiração frustrada. ── Precisava conversar com você sobre algumas coisas, doutora. Se não for incomodar, é claro.

── Sobre o que seria? ── Indagou ela.

── Não posso... Falar com você por aqui. Seria bom se nos encontrássemos pessoalmente. ── Disse Jim. Delilah franziu o cenho. ── Sei que é um pedido estranho, mas é importante. Juro que não vai tomar muito do seu tempo.

── Ok. Tudo bem, tenente. Isso não é problema para mim, só foi... inesperado. ── Ela diz, descansando os pés no chão e calçando os chinelos enquanto encarava o relógio redondo na parede. ── Está chovendo bastante também, pensei que o senhor fosse pelo menos esperar essa tempestade passar para uma conversa tão tarde da noite. ── Lilah ri fracamente, observando pela janela.

── Não te tiraria de casa durante essa chuva se não fosse algo importante. ── Jim responde, sem apresentar algum humor.

Delilah torce o rosto por conta da seriedade dele.

── Aonde quer que eu te encontre? ── Pergunta, ficando de pé e pegando a caneca vazia enquanto se encaminha para a cozinha.

── Me encontre no estacionamento circular da Bleake Island, próximo ao posto de bombeiros da Grand Avenue. ── Disse Gordon. Delilah escuta o limpador de parabrisa funcionando no fundo, enquanto Jim liga o motor de seu carro.

── Certo. Estou indo para lá. ── Delilah pescou suas chaves em cima do mármore da cozinha. ── Até daqui a pouco, tenente.

── Até, doutora. ── Finaliza Gordon.

Ela desliga o telefone e vai até a porta, vestindo o casaco por cima da blusa de frio bege que escolheu para aquela noite. Delilah coloca o celular e as chaves em um dos bolsos vazios da parte da frente de seu casaco azul marinho e o isqueiro e o maço de cigarro no outro. Morgan calçou seus tênis e ajeitou seu cabelo, soltando-o do rabo de cavalo desleixado que havia feito mais cedo, juntando alguns fios soltos atrás da orelha para que parecesse mais apresentável.

Delilah estava com esperança de que Jim falasse sobre seu retorno ao trabalho. Não achava que ela a abordaria apenas sobre isso, mas desejava que ele tocasse no assunto.

Se dependesse dela, teria retornado ao necrotério assim que recebeu alta, porém Gordon foi quem a impediu. Eles tiveram uma pequena discussão no hospital, Jim agindo como uma figura paternal protetora e decidindo que Morgan ainda precisava de mais tempo para se recuperar.

Ele também disse que estava pensando sobre a possibilidade de deixá-la retornar para o caso do Ceifador, se realmente faria isso. Temeroso pela ideia de tê-la lidando novamente com um assassino lunático que chegou muito perto de matá-la, Gordon criou empecilhos.

Delilah queria dizer para ele que não precisava se preocupar com ela. Havia passado sua vida inteira se virando sozinha desde que seus pais faleceram em um incêndio quando era pequena, sabia cuidar muito bem de si mesma e não era um suposto Ceifador que iria assustá-la, porém Gordon não estava disposto a escutá-la naquele momento. Quando tinha uma ideia em mente, era difícil tirá-la da cabeça do tenente e, dada a situação, ele a via como alguém frágil e fazendo com que Morgan odiasse isso.

Ela demorou muito tempo para conseguir passar confiança para a delegacia e principalmente se desvencilhar da imagem de uma mulher que sempre precisava da ajuda dos outros. Delilah era independente, sempre foi. Não queria ser vista como alguém que precisava de proteção ou segurança. Agora, por conta de um erro, parecia que todos estavam tendo o cuidado redobrado para lidar com ela. Incluindo Alistair, que se sentia culpado pelo o que aconteceu.

Não tendo conseguido chegar a tempo de impedir o assassino pois havia sido nocauteado pelo mesmo, estava agindo de maneira diferente em torno dela desde que Delilah acordou no Gotham Mercy. Os dois não se viam a alguns dias e o silêncio constante dele a perturbava. Delilah queria poder apagar a visão que estavam tendo dela.

Saindo de seu apartamento, ela desceu até o estacionamento do lado de fora do prédio, caminhando até o local onde seu carro estava. Destrancou o veículo e o ligou assim que entrou, estremecendo um pouco por conta dos pontos recentes em seu corpo. Saiu da vaga, entrando na rodovia e indo em direção a Bleake Island.

O tempo chuvoso não foi um empecilho para Delilah chegar rapidamente em frente ao posto de bombeiros e subir com seu carro pelo estacionamento circular. Em tal hora da noite, não havia movimento pela área. Os carros estavam parados em suas vagas e o lugar estava completamente escuro, sendo iluminado pela luz da lua e dos prédios ao redor.

Delilah estacionou seu automóvel e o desligou. Colocou-se para fora dele e fechou a porta, encostando-se no carro enquanto escutava o som dos pneus de um outro veículo se aproximando. Avistou primeiro faróis, depois o carro familiar de Jim Gordon. O tenente estacionou na vaga ao lado e saiu para encontrá-la.

── Bom te ver, doutora Morgan. ── Cumprimenta Gordon, estendendo a mão na direção dela após dar a volta em seu veículo.

── Digo o mesmo, tenente. ── Morgan aperta a mão dele, soando simpática. ── Como andam as coisas na delegacia?

── Nada fora do normal de Gotham. ── Responde enquanto se afastam um pouco. Delilah leva suas mãos ao bolso do casaco. ── Como tem sido sua recuperação?

── Tranquila. Não ando tendo problemas. ── Disse ela. ── Não foi dessa vez que um assassino psicopata conseguiu me matar.

── É bom saber disso. ── Assentiu Jim.

── Então... Qual era o assunto tão importante que fez o senhor me tirar de casa às meia noite e meia? ── Sem desejar fugir do assunto por mais tempo, Delilah indagou. ── Alguma novidade para mim?

── Na verdade, não sou eu quem gostaria de falar com você. ── Morgan franze o cenho, confusa. Jim leva as mãos aos bolsos do sobretudo e limpa a garganta, desconfortável. ── Ele queria te encontrar pessoalmente.

Delilah demorou alguns segundos para entender onde Gordon queria chegar e quem era o ele da frase em questão. Ela não precisou de muito esforço para entender a quem o comissário se referia.

Batman.

── Sério, Jim? Não acredito que me tirou de casa pra isso. ── Ela retrucou, frustrada. Delilah cruzou os braços na frente do peito, ficando na defensiva. ── Poderia ter me dito antes.

── Ei, ele insistiu pra isso. ── Se defendeu o tenente. ── Disse que queria conversar com você pessoalmente sobre o que aconteceu naquela noite no necrotério.

── E você concordou?

── Ele está ajudando com o caso. Disse que seria algo rápido.

── Vocês já me interrogaram, o que mais ele pode querer? ── Retorquiu Delilah, soando cada vez mais indignada. ── Cash tem um relatório sobre isso, ele não pode ler?

── O relatório não foi concluído, você disse que não se lembrava de muita coisa daquela noite e Carroll não deixou que os policiais continuassem, ou se esqueceu disso também? ── Questionou Jim, fazendo a mulher bufar, frustrada, e que desviasse o olhar. ── Olha, sei que você tem seus motivos para não gostar dele-

── Nunca disse que não gosto dele.

── -Mas eu te garanto que nada de ruim vai acontecer. O morcego só tem algumas perguntas. ── Gordon continuou. ── Precisamos fazer progresso nessa investigação. Qualquer pista é válida no momento e eu não concordaria com isso se não confiasse nele.

Delilah o encarou por um instante, antes de soltar um suspiro aburrecido e massagear o pescoço, ainda sem gostar da ideia.

Nunca teve nada contra o Batman. Não o via como um criminoso ou um lunático, como muitos homens da lei tendiam a chamá-lo. Delilah entendia o que ele estava fazendo, até mesmo encarava como algo positivo e sabia que, de certa forma, estava fazendo um bem para a cidade que outras pessoas não estavam dispostas a fazer.

Gotham era um lugar cheio de criminosos. O crime dominou as ruas por anos e as hierarquias ajudaram a consolidar isso. Muitos homens e mulheres morreram lutando para tentar mudá-la. Poucas pessoas estavam realmente dispostas a fazer a diferença. Então havia o homem mascarado que estava sobrevivendo a tudo e fazendo mais que a maioria da população e até a polícia juntos.

Delilah não tinha nada contra ele, mas não significava que queria encará-lo.

As pessoas chamavam o Batman de o melhor detetive de Gotham por um bom motivo. Isso por si só era um aviso para as pessoas, um alerta para que mantivessem distância caso não quisessem que algo que escondiam fosse descoberto.

── Você não precisa responder tudo o que ele perguntar. Caso se sinta desconfortável, me garantiu que não vai insistir. ── Jim tenta convencê-la. ── Prometo que será rápido.

Ele percebe que os dois tiveram uma longa conversa sobre o assunto.

Morgan comprime os lábios em uma linha fina e, mesmo a contragosto, assentiu. Deixa-se ser persuadida pelo comissário pelo simples motivo de confiar nele e acreditar que vai poder cobrar sua volta ao trabalho.

── Se eu fizer isso, estou de volta ao hospital e a esse caso na próxima semana. ── Ela sugere. Gordon solta um suspiro em sinal de frustração.

── Já conversamos sobre isso, doutora.

── Não. Você falou o que pensava, julgando que seria melhor me tirar do caso. ── Respondeu a mulher. ── Nunca concordei com isso. Sei que estou bem para continuar o trabalho como legista pra delegacia e não quero sair desse caso tão cedo. Se quiser que eu converse com seu amigo, essa é minha condição, Jim.

Delilah sabia que não tinha poder para fazer exigências, ainda mais para o tenente de polícia de Gotham. Ela estava praticamente desafiando seu chefe. Porém James Gordon era uma boa pessoa e, mesmo ela estando na cidade a pouco tempo, havia formado uma boa parceria com ela.

Sabia que para lidar com ele, apenas precisava ser firme em suas decisões e passar verdade em suas palavras. A preocupação de Jim era como a de um pai, não queria que ninguém se machucasse, principalmente ela que, antes de ser legista criminal, era apenas uma civil.

Jim a encarou, pensativo. Ela observa enquanto ele movimenta o bigode, repassando em sua mente suas opções. Pelo olhar no rosto de Delilah, ele sabe que ela não planeja mudar sua mente quanto a isso, muito menos voltar atrás em sua decisão.

O comissário era teimoso, porém Delilah Morgan conseguia ser mais ainda.

── Tudo bem. Você está de volta ao caso. ── Ela relaxa ao ouvir aquelas palavras. ── Mas tem uma condição. Você vai ter que frequentar a terapia.

── O que? Não, isso não é necessário.

── Sim, é. Eu sei que você dispensou o acompanhamento psicológico que o Doutor Morrison recomendou. ── Disse Gordon. ── Eu preciso ter certeza de que você está bem para continuar nesse caso. Se quiser voltar, precisa consultar o Doutor Hunter.

── Isso é ridículo. Eu não preciso de acompanhamento psicológico, já disse que estou bem. Mais que bem. Eu me sinto ótima. Me sinto como rosas e luz do sol e purpurina.

Delilah Morgan não se sentia como purpurina. Os músculos doíam, as artérias ainda pareciam estranhamente privadas de oxigênio, e ela não conseguia se livrar da dor de cabeça que a acompanhava desde que tinha aberto os olhos sob a luz branca fluorescente do hospital a 1 semana atrás.

── Serão apenas duas consultas, para ter certeza. ── Insistiu o tenente. Gordon proferiu aquelas palavras mais suavemente. ── Apenas isso, doutora. Duas consultas e nunca mais falamos sobre isso, o que acha?

Delilah observou o teto do estacionamento com uma criança fazendo pirraça, odiando ceder para conseguir seu trabalho de volta.

── Tudo bem. ── Ela resmungou, olhando para Jim mais uma vez.

── Quero deixar claro que, se eu perceber que o que aconteceu possa ter te comprometido de qualquer forma, não vou hesitar em te tirar desse caso. Não importa o que você diga, estará fora do trabalho de legista para a delegacia, entendido?

── Certo. Isso é justo. ── Morgan concorda, sentindo-se cansada daquela conversa. ── Bom, e onde está o seu amigo? Não quero ficar nesse estacionamento a noite inteira.

Gordon leva uma mão para o bolso dentro do sobretudo e próximo ao peito, ele retira um aparelho ── um rádio para ser mais exato.

── Vou chamá-lo. ── Ele anuncia, porém o vulto no final do estacionamento faz Delilah perceber que não vai ser necessário.

── Acho que você não vai precisar. ── Disse Morgan. O Comissário ergue o olhar para ela, Delilah ergue o queixo para atrás dele e Jim vira-se, seguindo na direção onde os olhos dela nunca se desviaram.

Batman sai das sombras como uma presença maçante. Ela não havia notado quando ele chegou ali, nem escutado qualquer som que revelasse seus passos. Até mesmo agora, ele era tão silencioso quanto um animal predador procurando pela sua próxima caça.

Naquele instante, Delilah sentiu-se inquieta. Ainda o encarava quando começou a beliscar a ponta do dedo indicador com a unha do polegar. Suas mãos estavam vazias demais e ela precisava de algo para se distrair.

── Sempre pontual. ── Murmura Gordon, virando-se para Morgan mais uma vez. ── Quer que eu te acompanhe?

── Não precisa. ── responde Delilah, inspirando profundamente e erguendo os ombros. Na mão esquerda, ela aperta a caixa de cigarro que ainda está dentro do bolso esquerdo do casaco.

Sem ter para onde fugir, caminha até o homem que lhe aguarda.

── Estarei aqui caso precise de alguma coisa. ── Gordon diz, buscando ser prestativo. A doutora assente para ele uma única vez, mas não o responde.

Batman está próximo ao parapeito da saída do estacionamento, Delilah apenas para quando fica ao lado dele e a uma distância de 4 passos. Metade do rosto dele é escondido pela escuridão e a outra pela luz provinda do poste do lado de fora. Durante um tempo, os dois apenas se encaram em silêncio.

Ela não sabe como reagir na frente dele, não o teme, porém nada do que planeja dizer parece certo. Como iniciar uma conversa com um homem mascarado que luta contra bandidos durante a madrugada? Não há um livro sobre isso, ou uma regra para se seguir, porém ela sente que os olhos escuros dele queimam sobre seu corpo e isso incomoda.

── Então... ── Ela inicia, ficando de frente para ele e decidindo ser direta. ── Gordon me disse que você queria falar comigo, algo sobre o que aconteceu no hospital a 1 semana atrás.

── Sim. Quero saber sobre seu incidente com o Ceifador. ── Ele responde. A voz é grave, pouco familiar, sombria e monótona. Imagina quantos homens temeram apenas em ouvi-lo. ── Você ficou frente a frente com ele e sobreviveu.

── Não foi exatamente frente a frente, você faz parecer que tomamos chá e brincamos de casinha quando na verdade nem conversamos direito. ── Retrucou Delilah, pouco contente. ── Foi mais para uma tentativa de assassinato. Não leu o relatório?

── Seu relatório foi vago. ── afirma o Batman, direto. Morgan evita revirar os olhos. ── Você disse que não se lembrava de muita coisa que aconteceu, lembra-se agora?

── Talvez. ── Dá de ombros. Retira o maço de cigarro do bolso do casaco, decidida a ocupar suas mãos com algo e pescando um da caixa de papel em seguida.

── Talvez? ── Ele indagou.

── Vai depender do que exatamente você quer saber. ── Delilah respondeu, ríspida. ── Em determinado ponto, eu desmaiei. Sabe, perda de sangue e essas coisas.

── Do que se lembra? ── Questionou o vigilante. ── Ele falou com você?

Ela suspira, começando a se arrepender de ter concordado com aquele interrogatório.

Virando-se para o parapeito, Morgan coloca o cigarro nos lábios e o acende com o isqueiro. Todo o tempo, Batman a observa com atenção. Ele não aparenta ter pressa, muito menos se incomodar com o jeito frígido que ela age.

Delilah traga o cigarro uma vez e o retira dos lábios preso aos dois dedos, expelindo a fumaça no ar.

── Ele me agradeceu. ── Disse ela, apoiando as mãos no parapeito e encarando o mascarado por cima do ombro.

── Pelo o que? ── Seu tom de voz era áspero.

── Pelo meu trabalho com o corpo. Disse que eu fiz um bom trabalho, mas... que ainda não tinha terminado. ── Ela completa. ── E foi só isso. Acho que depois ele pensou que eu morri, não sei. ── Morgan traga o cigarro mais uma vez. ── Ele só me deixou no chão e foi para o corpo da mulher sobre a mesa.

── Notou algo nele?

── Ele estava usando máscara. Não dava para ver o rosto. ── Delilah explica.

── Digo pelo corpo. Algo lhe chamou a atenção? ── A pergunta dele a enfurece um pouco.

── Eu estava muito ocupada com as mãos dele em volta do meu pescoço e sangrando litros de sangue para perceber qualquer coisa. ── Vira-se abruptamente para Batman, ele não parece se afetar pela rispidez dela. ── Que tipo de pergunta é essa?

── Preciso de detalhes.

── Leia a porra do relatório de novo! ── ela exclama. ── Eu já disse tudo que me lembro. Depois disso, ele ficou divagando no corpo, retirando o pâncreas dela enquanto pensou que eu estava morta naquele chão. Não tenho mais nada para você. Desculpe.

Alistair havia contado que o Ceifador retirou o pâncreas da vítima. Não havia digitais no corpo, pois ele usava luvas e levou a arma do crime assim que saiu. Carroll não entrou em mais detalhes do que isso, Jim não havia permitido. O que Delilah sabia era que ele foi apenas terminar o trabalho que doi impedido de finalizar. Se a deixou viver por algum propósito, ela ainda não sabia qual.

O homem sumiu da cena do crime pelo mesmo caminho que entrou: as portas dos fundos do necrotério. Ele havia nocauteado Alistair antes e seguido para a sala de Delilah, em busca de seu trabalho não terminado. Nenhuma câmera de segurança conseguiu pegar o rosto dele ou algo que servisse para identificá-lo.

── Eu quero entender o porque que ele te deixou viver. ── Batman disse, enquanto ela tragou o cigarro mais uma vez. Delilah soltou uma risada fraca e áspera.

── Ele não me deixou viver. Ele pensou que eu estava morrendo. ── Ela responde o que dizia para si mesma todas as noites, tentando não pensar demais naquela incógnita. ── Estou começando a pensar que você não é um detetive tão bom assim.

Debochando, leva o cigarro aos lábios mais uma vez e observa o lado de fora. Um veículo passa rapidamente, sumindo pela madrugada, seus faróis iluminam as vidraças do prédio dos bombeiros e as duas pessoas no estacionamento.

── Mas você ainda está aqui. ── Batman fala. ── Ainda está viva. O que te faz pensar que ele não poderia voltar para tentar terminar o trabalho?

Ela o encara, expelindo a fumaça. Seus olhos se semicerram através dela.

── Não sou uma das vítimas dele.

── Como sabe que não vai ser a próxima?

── Eu não vou. ── Ela afirma. ── Ele matou duas pessoas até agora-

── Quatro. ── Ele a interrompe. ── Quatro vítimas.

── Encontraram mais um corpo?

── Há poucas horas. ── Batman responde. Delilah respira profundamente, tensa. Isso a fazia compreender o porquê de ainda não ter sido nada noticiado, o Comissário Savage deveria estar controlando o vazamento do caso para a mídia, por isso Gordon parecia tão tenso.

Ela desvia o olhar mais uma vez, pensativa.

── Você fez a autópsia dos outros dois corpos. ── Ele comenta, dando poucos passos para se aproximar dela.

── Sim. ── A mulher assente quando Batman para a poucos metros ao seu lado. ── Mason Bridgers de 30, Julia Thorton de 25 anos e Susan Whalles de 27. Duas mulheres, um homem. Tive acesso ao segundo e terceiro corpo.

── Naquele dia você estava fazendo a autópsia do corpo da Susan. Fez alguma descoberta?

Delilah não sabia dizer se fez algum grande progresso. Ela pode ter compreendido a forma como o Ceifador trabalha, dando um passo em direção aos seus padrões e a sua forma de pensar, mas nada além disso. A forma como Susan morreu já estava clara, a autópsia do segundo legista ── durante o tempo que ela ficou no hospital ── conseguiu esclarecer isso para as autoridades.

── Meu gravador. ── ela comenta. ── Não encontraram ele na cena do crime, não é? ── Batman nega. ── Ele deve ter levado. Poderia ajudar com o caso, acho que ficou gravando na hora do ataque. Todo o meu progresso sobre a autópsia do corpo ficou nele.

── Por que usa o gravador?

── Me ajuda no trabalho. Eu gravo sempre que começo a autópsia do corpo e falo em voz alta tudo que encontro. ── Ela explica. ── Tenho o costume de me colocar no lugar da vítima. ── Completa, um tanto incerta sobre compartilhar essa informação com ele.

── Gordon comentou sobre sua maneira peculiar de trabalhar. ── Batman responde, sem qualquer surpresa ou julgamento em seu tom de voz. ── Por que faz isso?

── Mas fácil de entender o que aconteceu, me auxilia a compreender os fatos. Chego a uma conclusão mais rápido. ── Morgan inspira profundamente, depois de levar o cigarro aos lábios mais uma vez e tragar fortemente, queimando o mesmo rapidamente. ── O que mais você quer saber?

── Poucas pessoas têm acesso ao necrotério. Se ele quisesse entrar, alguém teria que ter deixado ou teria dado as chaves para ele. ── Comenta o morcego. ── As portas não foram arrombadas.

── Acha que alguém liberou o acesso para o assassino?

── Nenhum dos outros médicos deu falta de algum cartão de acesso. ── Ele explica. ── Não havia muitas pessoas de plantão naquela noite, o policial que estava com você foi derrubado depois que ele entrou.

── Certo, então você acha que alguém do hospital está o ajudando? ── Indagou Delilah.

── Alguma suspeita?

── Estou em Gotham a pouco tempo, não conheço ninguém direito ainda. ── Responde ela, tragando o pequeno pedaço de cigarro que sobrou entre seus dedos. ── Não posso sair acusando as pessoas ou suspeitando de todo mundo à minha volta.

── O que te trouxe para Gotham, doutora?

── A proposta de trabalho era boa, o apartamento que eu podia pagar. ── Delilah dá de ombros, mas depois o encara quando nota onde ele quer chegar,. ── O que? Está achando que eu possa ter ajudado o Ceifador de alguma forma? ── Ela solta uma risada irônica. Batman apenas a oberva e isso parece responder a pergunta dela. ── Sério mesmo que está querendo me tirar do papel de vítima para me colocar no de cúmplice?

── Meu objetivo é entender o que aconteceu, através de uma análise dos fatos. Não posso descartar nenhuma opção. ── Com sua voz sombria usual, ele responde. Morgan se irrita.

── Fui esfaqueada duas vezes por aquele maluco. ── ela solta a guimba do cigarro no chão e pisa com a sola do tênis. ── Fiquei 8 horas em uma mesa de cirurgia por causa disso, eu quase morri nessa brincadeira e você jura mesmo que posso ser a porra de uma suspeita agora?! Que tipo de maluca você pensa que eu sou?!

── Nunca disse que você era uma suspeita.

── Mas foi o que você deu a entender. ── Ela exclama, um tanto exaltada. ── Só porque tem gente pirada que se vende por qualquer coisa nessa cidade não significa que eu sou assim.

Ele não a responde e o silêncio a frustra quando se encaram naquele estacionamento vazio. A forma impassível que o vigilante mantém não demonstra que ele planeja mudar de opinião, muito menos entrar em uma discussão, Batman não a descarta como uma possível suspeita e nem planeja fazer isso tão cedo.

Delilah passa as mãos pelos fios de cabelo que estão soltos por conta do vento, seu pé batendo no chão com impaciência e ela solta um longo suspiro, enquanto sente-se chegando ao limite caminhando sobre aquele ar cheio de tensão.

── Foda-se. Não vou mais continuar com isso. ── Responde em um murmúrio. ── Estou cansada dessa merda. Não tenho que provar nada a você.

Batman não a impede de ir embora, aceitando que a conversa se encerrou ali. É difícil lê-lo, entender o que ele pensa quando há uma máscara que expõem apenas seus lábios. Sobre todo aquele uniforme, existe um homem que ela não conhece, nem mesmo os olhos dele a entregam algo.

Quando se afasta, Delilah caminha até o seu carro e Jim ainda está parado no mesmo lugar. Ele não deve ter escutado toda a conversa, mas notou quando a discussão começou a esquentar. Diferente do Batman, Morgan era mais expressiva e estridente.

── Delilah- ── Ela o interrompe.

── Não. Chega, Jim. Estou indo para casa. ── Morgan entra em seu carro, passando pelo tenente sem diminuir seus passos. ── Já tive o suficiente dessa merda toda.

── O que ele te disse? ── Questionou Gordon, enquanto Delilah ligava o veículo.

── Ele acha que eu tenho algo haver com o Ceifador. Todo esse teatro foi pra isso. ── A mulher o encarou pela janela do motorista.

── Eu- Merda, me desculpe. Eu não sabia que ele cogitava essa possibilidade. ── Gordon se afasta quando ela começa a dar ré com o automóvel.

── Recomendo que você converse com seu amigo mascarado, Jim. ── Delilah manobra o veículo, indo em direção a saída. Olhando uma última vez para o tenente enquanto passa. ── Com certeza tem coisas que o Batman não está te contando.

Ao acelerar, Morgan deixa suas palavras amargas no ar e o tenente Jim Gordon para trás. Seguindo com o veículo para a saída, o brilho forte das placas de néon de uma boate no outro lado da rua refletem em seu carro e lançam uma luz roxa corpulenta sobre ela. Antes de deixar o estacionamento, ela vê o vigilante no mesmo lugar de antes e não consegue evitar de olhá-lo por um momento ao fazer a curva da descida.

Não dura muito, são segundos onde seus olhares se encontram e Delilah aperta o volante com força ao desviar. Quando encara o retrovisor para ver se ele ainda está lá quando ela parte, percebe que o olhar dele a segue, permanecendo em seu veículo enquanto Morgan parte. Sabia que não se livraria do arrepio que sentiu tão cedo.

── Delilah! ── Chama Janet, sua vizinha da frente, antes que ela pudesse entrar em seu apartamento. Virando-se, a mulher encontra a senhora fechando a porta de seu próprio apartamento e indo encontrá-la com uma cesta embalada nas mãos. ── Que bom que você está de volta, estava procurando por você.

Era tarde, passava das 1 da manhã quando Delilah finalmente conseguiu retornar para casa. Ela não esperava encontrar nenhum dos seus vizinhos acordado durante tal horário, porém sabia que sua vizinha da frente tendia a ter algumas noites de insônia.

── Boa noite, senhora Vand. ── Morgan tenta soar amigável, buscando afastar o estresse daquela noite. Para ao lado do batente de sua porta entreaberta. ── No que posso ajudá-la?

A senhora Vand tinha cabelos castanhos escuros, mas a maioria estava sendo substituída por fios brancos. Ela sempre vestia alguma blusa florida e calças de algum tecido fino e confortável, junto de um óculos de armação grossa e de um tom de marrom. Apresentava algumas rugas de expressão por conta do tempo e da idade.

Janet morava ao lado oposto ao de Delilah e a uma porta da direção do apartamento dela. Até onde Morgan sabia, a mulher morava sozinha, porém sua filha, Rachel, costumava visitá-la algumas vezes por semana. Uma jovem na casa dos vinte e poucos anos que tinha o tom de pele um pouco mais escuro que o da mãe e o cabelo com dreadlocks.

── Soubemos do seu acidente no trabalho, foi terrível o que aconteceu. Você não merecia passar por uma coisa dessas, ainda mais vinda desse assassino desequilibrado. ── Delilah sorri fracamente para ela, aceitando as palavras solenes da velha mulher. ── Por isso, eu e mais algumas pessoas do prédio nos juntamos para fazer uma cesta de café da manhã para você.

Janet dá tapinhas na cesta que segura perto do quadril como se fosse um bebê. Delilah arregala os olhos, surpresa. O ato de solidariedade de seus vizinhos não era esperado.

── Ah, vocês não precisavam se incomodar com isso. Devem ter gastado tanto.

── Querida, não foi incomodo algum. Todos concordaram com isso, até mesmo a mege- digo, a senhora Duvall do quinto andar. ── Janet dá um sorriso forçado e Delilah controla-se para não rir da quase gafe dela. ── Deve estar sendo uma recuperação difícil para você.

── Mais ou menos. Os remédios tem me ajudado bastante. ── Ela responde, limpando a garganta ao engolir o riso e ficar séria novamente. ── Pensei que fosse ser pior, mas... está sendo suportável.

── Tenho certeza que você estará 100% em breve, querida. Você é jovem e bonita, tem uma sáude ouro. ── Janet sorri. ── Onde eu posso deixar a cesta? Está pesada, prefiro que você não se esforce.

── Bom... ── Morgan olha para trás, abrindo mais a porta para observar sua cozinha. Ela não achava um problema ter Vand em sua casa ── Pode deixar sobre o balcão. ── Liberando o espaço, deixou que Janet entre e vá para a cozinha.

── Tem andado ocupada, querida?

── Não tanto quanto eu gostaria. ── Delilah responde, fechando a porta. A mulher da a ela um olhar solene e compreensivo. ── Trabalho tanto que não estou acostumada a ficar tanto tempo em casa. Acho que já li os mesmos livros umas 10 vezes só essa semana.

── Sei o quanto você é uma workaholic, mas precisa aprender a descansar. ── Janet leva as mãos aos ombros de Delilah, apertando brevemente para um conforto. Ela estremece quando o polegar da mulher roça os pontos recentes no seu lado esquerdo. ── Oh, meu Deus. Me desculpe, querida.

Sobressaltada, Vand se afasta.

── Não, tudo bem. Isso não foi nada. ── Delilah tenta tranquilizá-la, estando um pouco curvada. ── Fique tranquila, senhora Vand. Eu estou bem. Foi só uma dorzinha incomoda, os pontos ainda são recentes.

Delilah ameniza a situação.

── Sinto muito, Delilah. Me esqueci completamente. ── Sentindo-se culpada, a mulher fala.

── Tudo bem, sério. Não precisa se desculpar. ── Morgan dá um pequeno sorriso para ela, porém Janet ainda parece afetada pelo o que fez. Delilah acha que a melhor opção que tem é mudar de assunto. ── Então, que tal a senhora me dizer as maravilhas que tem embaixo desse embrulho?

Apontando para a cesta, Morgan endireita a postura ao falar, sentindo a dor passando rapidamente.

── Bom, nós compramos e fizemos bastante coisa. ── Deixando um pouco da insegurança de lado, Janet dá alguns passos à frente para ajudar Delilah a desembrulhar a cesta. ── Edith do 580 fez alguns donuts caseiros, o senhor Johnson do 341 fez uma torta e-

Antes que ela pudesse continuar falando, o telefone fixo do apartamento começou a tocar. As duas se viraram em direção ao som, encarando o aparelho sobre a mesa na sala de estar. O cenho de Delilah franze.

── Desculpe, senhora Vand. Vou atender. ── Ela se afasta, enquanto Janet assente, garantindo a Morgan que não tem problema algum. Encaminhando-se para a sala, está no terceiro toque quando ela atende. ── Alô?

Há uma respiração do outro lado da linha, é profunda e contínua, faz com que o vinco na testa de Delilah se aprofunde enquanto mantêm o telefone pressionado ao ouvido.

Ela ainda escuta a senhora Vand no fundo, terminando de abrir a cesta de café da manhã, cantarolando alguma música para si mesma. Por um tempo, Morgan apenas aguarda, porém não demora muito para que alguém fale do outro lado da linha.

── Você gosta do seu trabalho? ── Chega o questionamentos aos seus ouvidos, feito por uma voz que é familiar. Delilah reconhece aquela voz que a assombra, mas ainda se mantém firme onde está.

── Quem é? ── Ela indaga, agindo de forma controlada.

── Para... ── Disse em um suspiro. ── Você só está dizendo o que é pra dizer, não faz isso. ── Inspirando profundamente do outro lado da linha, ele completa. ── Você sabe quem é, doutora.

── O que você quer? ── Os olhos dela focam nas janelas próximas a sala, observando conforme os pingos de chuva escorrem pela vidraça.

── Eu peguei o seu gravador. ── Diz o homem, respirando bem próximo ao telefone. ── Eu ouvi o seu trabalho... ── Ele respira pelo nariz e fala com um tom de humor. ── Você finge que é o morto, eu gosto disso. A senhora é boa no seu trabalho.

── Me diz quem é você. ── Delilah ordena com os dentes cerrados, fazendo o possível manter seu tom estável e não chamar a atenção de Janet na cozinha.

O Ceifador nega.

── Não vai ser tão fácil. ── Responde ele.

── Certo. ── Ela decide entrar no jogo dele. ── Você quer ser conhecido, famoso, mas não quer que ninguém te veja. Você usou uma máscara no hospital, destruiu meu laboratório e tentou me esfaquear até a morte.

── Não fala assim comigo. É melhor você parar.

── Você acha que está faltando alguma coisa. É isso, não é? Tem algo faltando em você?

Ele respira algumas vezes, tão próximo ao telefone que incomoda. Vem em baforadas curtas, soa perturbador.

── Falta alguma coisa. Vaso quebrado. ── Responde o homem.

── Mas você acha que os corpos das pessoas são que nem- ── Delilah é interrompida por ele.

── Instalações temporárias.

── E é por isso que você limpa elas? ── Indagou a mulher. ── Ou é outra coisa? Algo como Jesus lavando os pés dos discípulos?

── A senhorita já frequentou a igreja, que bom! ── Ele soa realizado com essa descoberta, Delilah aperta seus dedos finos em torno do telefone. ── "Se por tanto eu, o Mestre e o Senhor, vos lavei os pés, também vós deveis lavar os pés uns aos outros."

── Delilah? Está tudo bem? ── Questiona a senhora Vand, saindo da cozinha. Ela está mais próxima de Delilah agora, que permanece de costas para ela.

Delilah evita se virar, está tensa demais e tenta não transmitir isso para a mulher, porém acha que ela está começando a notar.

── Sua vizinha, não é? ── Pergunta o assassino na linha. ── Ela é bonita.

── O que? ── O corpo de Morgan se enrijece.

── Ela é uma senhora muito bonita, agradável. ── Responde ele. ── Ela tem filhas?

── Você está vendo a gente agora? ── O olhar de Delilah se intensifica na janela. As cortinas estão abertas, as duas janelas são grandes e há uma porta para a sacada que também é de vidro. A vista é direta para o prédio do outro lado da rua.

Delilah não vivia em um prédio de luxo, pelo contrário. Porém a localização do seu condomínio não era horrível. Ela havia escolhido justamente pela baixa criminalidade na área ── baixa, não nula.

── Delilah-

── Senhora Vand, por favor. ── Delilah a encara por cima do ombro. ── Fique longe das janelas. Volte para a cozinha.

Janet leva a mão ao peito, receosa. Delilah vira-se para a janela apenas quando a vê obedecer.

── Você tem uma casa tão legal. Gostei da foto de família guardada na sua mesinha de cabeceira. Por que você a esconde? ── Ele questiona.

── Você esteve aqui. ── Concluiu a Morgan, realização tomando conta de suas feições. ── Entrou no meu apartamento enquanto eu estava fora. Como fez isso?

Não havia sinal de arrombamento, as janelas estavam bem fechadas. Delilah era muito cuidadosa. Por onde ele havia entrado?

── Você tem muitos quadros, mas nenhum religioso. ── Comenta o assassino, quase decepcionado. ── São pinturas abstratas. Acha que elas refletem sua alma?

── Você esteve na minha casa.

── Delilah Morgan. Essa é a sua vida. ── Respirando próximo a linha, ele fala. Quase podia ver o sorriso nos lábios dele. ── Eu te deixei uma surpresinha. Está no seu freezer.

── O que você deixou? ── Lentamente, Delilah pergunta.

── Pega. ── Ele insiste. ── Está no isopor. É seu.

Virando-se em direção a cozinha, Delilah caminha até a geladeira com o olhar assustado e questionador de Janet sobre si, a seguindo a cada passo dado. A mulher ainda não entende o que está acontecendo, preocupada com a forma como a Morgan tem reagido. Delilah a evita por um tempo, focada no Ceifador do outro lado da linha.

Ela abre o freezer de sua geladeira e encontra o isopor citado pelo Ceifador. Ela o retira com uma mão e o coloca em cima da mesa da cozinha. Não é uma caixa grande, o tamanho é médio e o objeto está gelado, quase chega a deixar seus dedos finos dormentes.

A tampa está selada com fita, fazendo com que Morgan pegue uma faca para cortar, liberando o acesso para o que há dentro da caixa.

── O que é isso? ── Morgan pergunta pouco antes de abrir. Quando retira a tampa, o que encontra faz seu estômago embrulhar.

A curiosidade leva Janet a observar também e ela solta um grito fino, cobrindo os olhos enquanto começa a rezar.

── É metade. ── Responde o Ceifador. Pela forma como ele fala, Delilah ainda escuta o sorriso na voz dele, ainda o imagina como um sádico.── Metade de cada órgão.

── Que horror! ── Exclama a senhora Vand.

── Acalme-se, senhora Vand. Apenas... Apenas não olhe para cá. ── Delilah não sabe como reagir, o pânico de Janet a preocupa, porém ter aqueles órgãos em sua cozinha a perturba.

── Em algumas culturas antigas, se você comesse parte de uma pessoa, iria poder realmente saber como a pessoa era. ── Disse o Ceifador. ── Ia se tornar ela. ── Ele inspira profundamente. ── Eu sou mártir. Ou eu ainda vou ser. Mas eu não sou Cristo. Às vezes... Às vezes eu acho... Eu acho que eu sou... O outro.

A ligação se encerra, deixando a linha muda.

Delilah ainda está parada com a caixa aberta em cima da mesa. Janet parece ter se recomposto o suficiente para sair correndo do apartamento dela, deixando a porta aberta enquanto desapareceria do outro lado.

Abaixando o telefone lentamente, Morgan engole o seco quando abaixa o olhar para a caixa de isopor sobre sua mesa, encarando aqueles órgãos das vítimas dentro, envoltas em gelo. Delilah havia visto o seu quinhão de vísceras, órgãos e ossos enquanto trabalhava como legista. Era um costume, vinha com o fardo de ter aceitado esse emprego. Não lhe embrulhava o estômago.

Delilah Morgan não temia a morte. Não temia um vigilante mascarado, muito menos órgãos em sua cozinha ou um assassino do outro lado da linha que andou em seu apartamento durante a madrugada. Então, o que ela realmente temia?

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