#1.3 - Criando uma história
Definimos quem é o nosso herói/heroína e também sabemos que ele vai viver aquela ideia que falamos no ponto 1.1! Vamos agora trabalhar aquela fagulha para que ela ganhe forma e se torne uma história incrível.
Repetindo o passo anterior, sugiro que aqui você também tenha uma folha ou um documento novo no computador para realizar suas anotações. Eu sempre escrevo muito neste ponto, enquanto existem pessoas que não utilizam o planejamento. Isso depende de você.
Toda boa história tem um tema central, caso contrário o enredo acaba se perdendo e é muito provável que o leitor desista da leitura assim que perceber que a promessa inicial foi esquecida. É neste ponto em que você insere a ideia que teve no ponto 1.1. Você pode ter imaginado uma cena, ou apenas ter definido um gênero, mas é algo que deu vida à história e, portanto, pode-se dizer que é o elixir da trama (vamos chamar de foco). No topo de sua ficha anote qual é o foco da história. Por exemplo, pode ser a busca pelo verdadeiro amor, pelo sucesso, por uma recompensa, pode ser um crime que parece não ter solução; qualquer coisa, desde que dite qual será o caminho percorrido pela personagem (nota: o foco necessariamente deve influenciar na história. Não confunda foco com tema).
Após definido o foco, chega o momento de planejar a trajetória de sua PP. Claro que não é possível termos tudo definido neste ponto, mas é bom saber quais serão os impasses e aprendizados pelos quais a PP passará até alcançar seu objetivo na história. Qualquer obra precisa ser composta de início, meio e fim – exatamente como a professora do primário nos ensinou, – mas o que realmente devemos considerar são os estágios pelos quais a PP passará nestas três fases da história. A seguir dividi e categorizei as três fases com sugestões de planejamento do enredo, mas quero lembrar que não é necessário seguir esta ordem e você pode optar por excluir alguma parte ou inserir outras. A história é sua e fica ao seu critério a montagem e sucessão dos acontecimentos.
Christopher Vogler, roteirista de cinema, definiu a jornada do herói – um trajeto a ser percorrido por todo herói, mapeado por acontecimentos e dividido em etapas. Aproveitando-me de sua ideia, irei também dividir – de forma mais concisa – as etapas de planejamento da história (nota: se você se interessar por esta forma de planejamento, te aconselho a pesquisar mais sobre a jornada do herói).
Fase 1 – O início.
Esta é a fase inicial, onde seu leitor irá decidir se continua ou não com a história. É bem aqui que você precisa indicar qual é o foco da história, assim você atrai o tipo certo de leitor e evita que o público errado te traga problemas futuros. O começo de uma história deve trazer três pontos essenciais: a apresentação, o primeiro conflito e a travessia que nos leva ao meio da história.
O mundo quotidiano: este é o primeiro elemento a ser introduzido em uma história. Consiste basicamente no primeiro capítulo; o primeiro contato entre o leitor e PP. Lembre-se que esta é a carta de apresentação de sua história e aqui deve-se introduzir o foco da história. Neste passo também apresentamos a PP e algumas das personagens que irão viver a trama. Lembre-se de que o leitor não tem o mesmo conhecimento que você sobre a história, por isso não é aconselhável que se apresente personagens em excesso neste primeiro momento. Uma boa ideia é mostrar como é a vida da personagem principal, apresentar algumas das pessoas que poderão vir a ser importantes para a história ou então aqueles mais próximos da PP. Aproveite e defina neste ponto qual será o o problema interno/menor da personagem (os pontos que colocamos como medos e desejos na base da pirâmide da personalidade do ponto 1.2).
De acordo com a personagem que criei no ponto anterior, irei formular uma pequena trama. Considerando que minha PP (irei chamá-la de Maria) é insegura, seu problema interior será aprender a confiar em si. Em seu mundo quotidiano, irei introduzir Maria aos leitores, mostrando por pequenas ações que ela tem questões pendentes consigo mesma. Aproveitarei para criar uma situação em que seus pais estejam envolvidos, demonstrando o quanto ela depende da família e assim o primeiro ponto do meu início está planejado. Os detalhes podem mudar, mas eu já tenho definido qual será o problema menor de Maria e de que forma irei apresentá-la a meus leitores.
Em sua ficha, faça as anotações para o que deseja mostrar como sendo o mundo quotidiano da PP. Tenha em mente o que deseja que seus leitores saibam logo de cara e lembre-se do foco de sua história enquanto planeja este ponto.
O primeiro conflito: a história, além de conter um problema menor, também possui o problema maior, que é o que define a aventura pela qual a PP irá passar. No começo da história este problema não é muito nítido, mas deve estar presente de alguma forma. O que irá impulsionar sua PP a sair do mundo quotidiano e se arriscar? Lembre-se das vontades definidas enquanto criou a PP e transforme esta vontade no problema maior da história, ou ao menos faça com que esteja de alguma forma relacionada ao problema maior da trama. Geralmente, o foco da história é a recompensa que será ganhada ao vencer o problema maior. Ou seja, em um romance, o problema maior será encontrar alguém que complete a PP; em um suspense a solução da trama é o que impulsiona as personagens e seu leitor; em um drama o problema maior pode ser a resposta sobre a condição de saúde de alguma personagem ou a dúvida se ele irá ou não conseguir o que procura. O problema maior é o foco da história; o elixir que impulsionará a história adiante, mas atenção: nesta primeira fase da história não queremos que o leitor já tenha as respostas para o problema maior antes da PP. Aqui nós iremos apenas introduzir a dúvida aos envolvidos na história. A PP terá seu primeiro contato com o problema e poderá lutar para não se envolver ou apenas julgar não ser necessário correr atrás do problema maior.
Para exemplificar, irei definir meu problema maior como sendo um problema de saúde da mãe de Maria. Minha PP encontrará um livro mágico por acaso, enquanto procura por algo no sótão de sua casa para a mãe que diz estar muito cansada para subir as escadas. Ela não dá importância ao objeto velho e após folhear e mal acreditar nas palavras deixa-o de lado e segue com seu objetivo no sótão naquele momento. Note que Maria teve seu primeiro encontro com o problema maior, mas mal notou sua existência, negligenciando-o por não considerar sua importância na trajetória dela.
A primeira travessia: este é o último ponto do início da história. Ao alcançar este ponto seu leitor já deve estar ciente tanto do problema menor quanto do problema maior em que a personagem está envolvida. Caso algum destes aspectos ainda não esteja definido, então sua história ainda está se iniciando. A primeira travessia consiste no momento de aceitação da PP em envolver-se na aventura – tanto de forma voluntária ou não. O problema interno e externo se intensificam um pouco, mas não de forma alarmante; a PP apenas nota a existência deles. Esta primeira travessia é importante porque traz uma prenuncia do que nos aguarda, mas não deve ser algo tão intenso. A PP deve sentir que ainda pode desistir se quiser; afinal, é o começo da história. Uma vez que a PP seja sugado para a aventura, sua história irá se desenvolver cada vez mais e não poderá voltar atrás; portanto deixe que ela caminhe em seu próprio passo, dando tempo para a PP se acostumar à ideia antes de a arrastar para o confronto.
Em minha ficha tenho o problema menor de Maria se intensificando. Ela teve que realizar algo por si e não conseguiu, pois não acreditou que fosse capaz. Após falhar, Maria resolveu se esconder no sótão, onde acabou encontrando novamente com o tal livro mágico. Frustrada, ela resolveu olhar novamente o interior do livro e algo inexplicável acontece: ela sentiu que estava caindo e acordou em um lugar desconhecido, onde um pequeno homem azul disse que lhe concederia três desejos se ela o ajudasse, mas se ela quisesse poderia ir embora apenas escalando uma escada. Maria vaga pelo lugar desconhecido algum tempo e volta para seu mundo através da escada. Ela acorda com o livro em mãos e tem certeza de que acabou adormecendo, porém algo dentro de si lhe diz que não foi apenas um sonho e ao invés de largar o livro mágico, Maria o leva consigo para seu quarto.
Neste momento a primeira parte de sua história deve estar planejada e concluída. Claro que nada é definitivo e você não precisa pôr muitos detalhes, afinal a história muda conforme vamos escrevendo, mas esta ficha serve como um guia para que você não se perca. Você pode voltar depois e mudar tudo, alterar alguns detalhes para que se adeque as demais fases da história ou adicionar mais informações que julga serem importantes para o início da história (nota: aqui eu geralmente tenho cerca de dez capítulos escritos, mas o número é relativo ao estilo de escrita e gênero que você escolheu).
Fase 2 - O meio.
É nesta fase que a PP irá se envolver por definitivo no problema maior e não haverá mais como voltar atrás. Ele estará inegavelmente no caminho para sua recompensa e os problemas irão se intensificar, afinal, nada vem fácil na vida e, quando vem, traz consequências. Três pontos importantes nesta fase são: o encontro com o guia, a definição dos aliados e inimigos e a segunda travessia.
Encontro com o guia: todos precisam de alguém para nos ensinar e ajudar em algum momento da vida, inclusive sua PP. Ele deve encontrar com alguém que o faça ver a necessidade de perseguir o problema maior. O guia não precisa ser humano, mas deve existir alguma força externa que ajude a PP a compreender que está sendo chamado para sua própria aventura.
Em meu exemplo, o guia de Maria será a própria mãe, que lhe conta sobre o estado frágil de saúde em que se encontra. Neste momento, tanto o problema menor quanto o maior se intensificam. Maria pensa que não será capaz de ficar sem o apoio da mãe e decide que fará o que puder para lhe ajudar. Ela se recorda do encontro estranho com o gênio azul do livro e da recompensa que poderá ganhar.
Aliados e inimigos: assim como a PP, existem outras pessoas que desejam alcançar o mesmo sonho/vontade. Claro que a PP sabe que não é fácil alcançar o problema maior e ela agora conhece outros personagens que lhe deixam ciente da existência de concorrência. Por outro lado, também existem pessoas que estão em suas próprias buscas e que podem lhe ajudar – seja por boa vontade ou pela promessa de receber algo em troca. Nestes encontros surgem as primeiras dúvidas da PP. Ela se pergunta se é capaz de alcançar seu objetivo, afinal existe um inimigo que se mostra mais forte/capaz e talvez aquele problema menor – antes esquecido – agora volte para lhe assombrar.
Para ilustrar, voltemos à minha ficha. Maria se encontra novamente com o gênio, que lhe promete os três desejos em troca de ajuda. Maria logo reconhece que aquele será seu aliado e faz o que deve para receber sua confiança. Outras pessoas também atravessam seu caminho, um garoto disposto a lhe ajudar por estar entediado, uma fada que lhe ajuda porque Maria a salvou acidentalmente e um cão que surge do nada e começa a lhe seguir. Neste trajeto, ela se depara com uma mulher muito perversa que mostra muito interesse nos três desejos prometidos pelo gênio, ou seja, uma inimiga já que ambas desejam o que apenas o gênio pode conceder. Maria duvida de sua capacidade para ajudar o gênio e conquistar seu prêmio, afinal, no início da história ela não obteve sucesso ao tentar realizar algo por conta própria.
A segunda travessia/provação: aqui estamos novamente mudando de fase. É o último estágio do meio de sua história e o início do caminho para o final. Sua PP percebe que não pode desistir, afinal há muito em jogo. Ela deve descobrir a importância de continuar a lutar e também o que perderá se desistir agora. Neste momento a PP duvida de sua própria capacidade, mas também está ciente de que o mundo quotidiano será diferente se ela desistir e voltar atrás e que talvez não fique satisfeita em permanecer no mundo de antes sem sua recompensa.
No meu exemplo Maria duvida de sua capacidade, mas sabe que a saúde de sua mãe está ameaçada e não há nada mais a se fazer além de tentar ganhar os desejos do gênio. Seu problema menor é, no momento, realmente pequeno em comparação com o que ela irá perder se voltar para seu mundo agora. Maria decide seguir adiante já que precisa salvar sua mãe. O medo de ter de lutar sozinha é assustador, porém perder a mãe é algo muito pior.
Ao final deste ponto, você deve ter em sua ficha os detalhes básicos do desenvolvimento da trama, apontando o encontro com aliados e inimigos, a aventura central já definida e em andamento (pois forças exteriores a colocaram nesta posição) e a resolução da PP em seguir adiante.
Fase 3 - O fim.
Chegou o momento de responder às perguntas levantadas nas fases anteriores e oferecer uma solução para os problemas maior e menor da PP. Nesta etapa não devem surgir novos conflitos, pois as perguntas que devem ser feitas foram todas levantadas nas duas fases anteriores. Agora seus leitores querem apenas as respostas para o que vieram se perguntando durante todo o percurso que acompanharam a PP. Os pontos marcantes do final são: o encontro decisivo com o vilão e a vitória.
Encontrando o vilão: aquela sombra que perseguiu e ameaçou a PP por toda a história irá fazer sua última e dramática aparição. Assim como a PP, o vilão é alguém que também deseja muito o prêmio oferecido. Ele possui defeitos e qualidades exatamente como sua PP, o que o torna tão forte quando o herói. É neste momento que os leitores fazem suas últimas apostas e também conhecem mais ao fundo os motivos do vilão. Esta cena deve trazer um confronto onde a PP deverá utilizar tudo o que aprendeu até o momento e ser testado até seu limite, antes de derrotar o vilão. Aqui se resolve o problema externo (nota: se a personagem não aprendeu nada, então a história está vazia. Toda obra passa uma mensagem e os leitores buscam aprender algo em uma história).
Ilustrando, irei colocar Maria frente a frente com a mulher perversa. Neste momento nenhuma das duas terá a ajuda de seus aliados. É um confronto necessário para que Maria use a força que há dentro de si e dê seu melhor; confie em sua capacidade. A mulher perversa também mostra suas falhas, seus pontos fracos e os motivos para precisar dos favores do gênio. Elas entram em um combate e após ser testada de todas as formas, Maria acaba por vencer.
A vitória: o último ponto da história consiste no capítulo final. Após a movimentação que o confronto com o vilão nos trouxe, agora é a hora da PP sentar e pensar sobre o que aprendeu. Ainda há algumas perguntas a serem respondidas – o que o PP fará com seu prêmio? O que aconteceu com aqueles ao seu redor? – Em um momento reflexivo, sua PP deve analisar e estar ciente de tudo que aprendeu em sua jornada. Se ela não mudar ao longo da aventura ou não conquistar absolutamente nada, então toda a história terá sido em vão. Se ainda houver algum problema a ser resolvido – o menor, este é o momento. Lembre-se de responder à todas as perguntas feitas ao longo da história, pois você quer conquistar seu leitores e passar para eles algo essencial. A história só estará terminada quando todas as perguntas forem respondidas.
Para encerrar, em minha ficha Maria finalmente recebe os três desejos concedidos pelo gênio. O primeiro deles, ela não hesita em pedir e sua mãe é curada; ela tem mais dificuldade em pedir o segundo desejo, afinal, ela acabou se acostumando ao ambiente mágico e fez novos amigos, será que ela é capaz de deixá-los? Sabendo que a resposta é negativa, ela pede para que possa retornar ao mundo mágico sempre que quiser, pois sabe que seus amigos não se adaptariam a vida em outro mundo. Por fim, Maria concede o último desejo à mulher perversa, reconhecendo que a mulher tinha seu motivo e necessidade para aquele pedido. No final, percebe-se que a mulher não era tão ruim quanto demonstrou ser. Ao retornar para casa, Maria encontra sua mãe saudável e guarda o livro com muito cuidado, indicando que a qualquer momento uma nova aventura pode surgir.
Pronto, agora já temos planejados os acontecimentos mais pertinentes da história. Como eu disse, não é necessário seguir à risca este modelo, você pode adicionar ou remover fases. Também não se preocupe em ter tudo definido nos mínimos detalhes, o importante é saber qual é o problema maior e menor, conhecer os aliados e inimigos, o guia e as travessias pelas quais sua PP irá passar. Tendo estas informações, você adiciona mais situações para que a história se desenrole. E lembre-se de manter o foco! Eu indico a leitura do livro A jornada do escritor, de Christopher Vogler, para um entendimento melhor das jornadas do herói.
Em resumo:
▸ Defina o tema da história.
▸ Divida o planejamento de sua história em início, meio e fim.
▸ O início deve mostrar o mundo cotidiano, o primeiro conflito e a primeira travessia. Apresente o leitor à PP, faça-o se identificar com algo em sua história.
▸ Mostre no início o problema maior e o problema menor da história.
▸ O meio deve conter o encontro com o guia, a apresentação de aliados inimigos e a segunda travessia. Por que é importante se envolver na aventura? O que a PP pode ganhar? E perder?
▸ As provações pelas quais o herói passará devem estar presentes no meio da história.
▸ Para o fim, reserve as respostas e confronto final com o vilão.
▸ Após vencer, como a PP irá viver? Algo em sua vida mudou? O que ele aprendeu?
▸ Lembre-se de responder as perguntas levantadas durante o desenvolvimento da trama. A história só termina quando não há mais respostas a serem reveladas ou conflitos a serem resolvidos.
▸ Não se esqueça de definir e manter o foco durante o trajeto do seu herói!
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