Capítulo 4 - Carregando...
Boa tarde, povo!!!
Ontem foi feriado e não consegui postar por aqui. Simbora que hoje tem ;)
Estão gostando? não deixem de comentar e votar!
Beijo grande. Amo tus.
Oh, eles estão tentando abater os anjos
Estão tentando arrancar suas asas fora
Para que eles não consigam voar
E, oh, mas ela é tão corajosa
Como um tornado
Ela está nos levando como uma tempestade.
You Can't Stop The Girl, Bebe Rexha.
Droga! Preciso sair.
Me deitei no sofá assim que cheguei do escritório e acabei apagando. O somatório de trabalho, pesquisas e mais pesquisas para a viagem ao Brasil e as noites maldormidas têm me deixado extremamente cansada.
Além do horário, vi que há mensagens das minhas amigas, perguntando se estou bem e como está meu ânimo para a viagem, que será em três dias, porém depois eu as respondo, pois agora tenho um compromisso importante e não posso me atrasar.
Eu gosto de ser a primeira a chegar para ficar quase invisível em meu canto, apenas observando, sem chamar a atenção.
Ainda não estou preparada para me expor.
Respiro fundo, escolho uma roupa confortável e, em minutos, estou pronta.
O táxi me deixa na porta, e fico um tempinho parada antes de entrar. Tem sido assim desde que decidi conhecer este lugar há mais ou menos um mês. Penso, penso... e depois entro. Alívio me invade quando constato que ainda não há ninguém.
— Boa noite, Beatrice! — uma voz ecoa no ambiente vazio, e me viro em sua direção.
— Boa noite, Esther!
— Está tudo bem? — pergunta.
— Sim. E com você?
— Tudo bem também. Alguma chance de termos a sua presença na reunião de hoje?
— Prefiro continuar assistindo de longe.
— Certo. Compreendo. Tome seu tempo, mas não demore tanto. Sua voz precisa ser ouvida. Não por mim, mas por você.
Demoro alguns segundos para entender o que ela quis dizer e assinto antes de responder:
— Estou me preparando, Esther.
— Não irei perguntar novamente, Beatrice, fique tranquila. Não quero te afastar ou que se sinta sob pressão. Minha intenção é apenas te orientar. Eu sei o quanto nos sentimos perdidas antes de dar o primeiro passo, mas sinta-se à vontade. Só o fato de estar aqui já é um começo!
— Obrigada!
Ela se vira e começa a organizar as cadeiras em círculo e eu me sento em um cantinho afastado, onde a iluminação é mais fraca.
Aos poucos, as mulheres que fazem parte do grupo vão chegando e cumprimentam Esther antes de se sentarem. Algumas me veem e ficam receosas de falar comigo, talvez pensem que faço parte de alguma instituição, não sei, mas o sofrimento em suas expressões me deixa inquieta.
O que me diferencia delas? Posso parecer bem, externamente falando, mas e por dentro? O quanto da minha angústia ainda transparece?
A terapia me fez compreender que cada pessoa desenvolve uma reação ao passar por um trauma. Não dá para generalizar, comparar ou dizer quem sofreu mais... a dor é uma só. A perda de algo essencial acontece em todos.
As mulheres se preparam para iniciar a sessão, porém outras vão chegando, acuadas, tão desconfiadas, que Esther precisa acompanhá-las até as cadeiras extras.
É assustador como o grupo cresce a cada encontro. Meu estômago se revira, mesmo sem saber o que passaram. Afinal, se estão aqui, é sinal de que foram, ou estão sendo, vítimas de violência doméstica.
Esther então começa a reunião, falando um pouco de si e do quão importante é esse tipo de encontro, pedindo, em seguida, para as novas integrantes se apresentarem. Uma delas não consegue falar, mas as outras dizem seus nomes e idade.
Chega a hora dos testemunhos, e essa é a parte pela qual sempre aguardo. O que alimenta a coragem de um dia contar a minha história. Cada relato me atinge de uma forma, isso quando não preciso sair para respirar ar puro. É pesado, asqueroso e real.
A líder aponta para uma moça chamada Rachel, que frequenta o grupo desde quando vim pela primeira vez, mas nunca a ouvi.
— Boa noite para todos, me chamo Rachel e tenho 20 anos.
Meu Deus! Quase a idade que eu tinha...
— Cresci em um orfanato e sempre tive dificuldade para me relacionar com as pessoas. Cheguei a pensar que nunca encontraria um cara ideal pra mim. Quando comecei a trabalhar em uma lanchonete, o dono do estabelecimento começou a me olhar de um jeito diferente. Era gentil, atencioso, me elogiava todos os dias, e rapidamente me apaixonei. Mesmo sendo dez anos mais velho, eu não via problemas com a diferença de idade. Era respeitador, nunca havia me tratado mal. Eu o chamava de Príncipe.
A menina sorri, provavelmente perdida em lembranças, mas o sorriso não chega aos olhos.
— Três meses depois que começamos a namorar, minha vida virou de cabeça para baixo. O Príncipe se tornou um Monstro. Comecei a ser insultada por gostar de um gênero musical diferente do dele, por usar um batom da cor que ele não gostava, por ter engordado alguns quilos e até por cumprimentar algum conhecido na rua. Ele dizia que eu não tinha pais, pois eles não conseguiram me aguentar, que não era digna de ter um namorado como ele, ou de ter um filho, pois era uma órfã, e nenhum homem teria coragem de ter uma família comigo.
Nossa! Quando eu acho que já ouvi de tudo, vem um novo testemunho e me faz ver como estou longe de entender o que leva uma pessoa a tratar outra desta forma. O que esses homens pensam? O que acham que são? Deuses? Seres superiores?
A raiva cresce dentro de mim, contudo a afasto para continuar ouvindo o que Rachel tem a dizer.
— Quando decidi que iria trabalhar em outro lugar, as coisas pioraram. Os insultos e ameaças se tornaram tapas, socos, pontapés... Até o dia em que precisei ser hospitalizada com fraturas múltiplas e deslocamento de retina. Só então consegui pedir socorro. Até isto acontecer, não havia percebido que o que ele estava fazendo era uma agressão. Achava que era minha culpa, que merecia todas aquelas palavras...
Ela não termina de falar, pois as lágrimas a impedem.
Eu não estou diferente. Choro silenciosamente. Coloco uma mão na boca, sofrendo calada, imersa em meu casulo.
Esther chega ao seu lado e a abraça, e é aí que Rachel se desmancha. Tadinha! Tão nova e já tão traumatizada... A história se repete...
Quantas mulheres mais passarão por isso? É necessário que haja uma fatalidade para que as pessoas compreendam o quão sério o assunto é?
As ouvintes, assim como eu, parecem soltar o ar que estava preso, e os olhares estão perdidos, aposto que lidando com suas próprias lembranças. Exatamente como me sinto agora.
É como se estivéssemos revivendo nossas prisões, enfrentando nossos dilemas, lutando contra fantasmas de vozes acusadoras, de puro ódio e ira.
Umas choram compulsivamente, outras tremem sem parar, e há as que permanecem indiferentes, apáticas, como se nada mais as afetasse por terem sido quebradas de maneiras inimagináveis.
A voz de Esther se sobressai aos pensamentos agitados do salão, ainda abraçada à jovem:
— A história da Rachel é mais uma dentre tantas que ouvimos diariamente nos jornais, semanalmente por aqui, isso quando o pior não acontece. Segundo a ONU, sete em cada dez mulheres no mundo já foram ou serão violentadas em algum momento da vida.
Ela faz uma pausa e retorna para sua cadeira.
— Por que é tão difícil identificar um relacionamento abusivo? Por que nós, mulheres, fortes, capazes, não conseguimos enxergar o que estava bem à nossa frente? Por que não demos um basta na primeira vez que eles gritaram conosco? Por que não demos um basta na primeira vez que eles nos proibiram de fazer alguma coisa? Da primeira vez que nos bateram? E bater não precisa ser fisicamente. Palavras machucam tão ou mais do que tapas e socos. Elas detonam o nosso psicológico, o que causa, na maioria dos casos, cicatrizes irreversíveis.
Deixo de respirar por alguns segundos, cerrando minhas mãos com força ao lado do corpo.
A culpa tem me corroído por tantos anos, que estes questionamentos são familiares demais. Ainda hoje não consigo aceitar que uma estudante de Direito, criada em uma família exemplar, que já tinha uma noção da vida, pudesse ter sido tão fraca a ponto de ser vítima de uma agressão psicológica e física. Que pudesse ter se rendido a um canalha acreditando que aquilo era amor... que era proteção.
Só depois é que fui compreender que, na verdade, eu estava emocionalmente dependente de Frederick. Não era amor. Ele me deixou doente. E me custou demais.
Esther continua:
— Mas o que tenho a dizer para vocês é: parem de se culpar! Nós nunca esperamos que vá acontecer conosco, até acontecer. Nós não somos fracas, não somos frágeis. Não há como imaginar que um homem que se mostra tão encantador será um carrasco dias, meses ou anos depois. Eles nos afastam das nossas famílias, amigos, trabalhos e se tornam o centro da nossa existência. É por isto que muitas mulheres sentem medo. Medo de perderem seus parceiros, pois ficam tão dependentes dos agressores, que preferem continuar vivendo em um inferno a se separarem, porque têm medo de encarar a vida, de criar filhos sozinhas, de não serem capazes de se tornarem independentes e donas de suas próprias vidas. Há ainda o medo de não conseguirem sair vivas após uma denúncia.
A orientadora do grupo se levanta e fica no meio do círculo formado, olhando para cada ouvinte. Ela deve ter um metro e meio de altura, mas, quando está falando, parece uma gigante. A autoridade que mantém na voz, na postura, chega a ser inspiradora.
— Para finalizar, reforço o que sempre falo: não podemos ter medo! As dificuldades existirão, com ou sem os agressores, e precisamos ter coragem e determinação para dar um basta. Se estamos aqui hoje, é porque estamos vencendo. É porque somos fortes e podemos motivar outras mulheres a serem fortes também. Precisamos alertá-las de que elas precisam falar com outras pessoas sobre o que está acontecendo. Não podemos ficar caladas! Vamos ao nosso lema?
Um coro se eleva no salão, ecoando por todos os espaços, o que me deixa arrepiada todas as vezes em que escuto, e resolvo fazer minha parte, soltando a voz:
— Eu sou mulher! Eu sou forte! Eu sou capaz! Não irão me calar!
Um senso de urgência me toma por completo. Não posso mais me permitir ficar observando, de longe, indiferente ao que essas mulheres estão passando, ao que eu já passei... Continuar me martirizando não vai fazer com que eu supere meu passado. Preciso agir, preciso usar as armas que tenho.
Quantas mulheres estão sem condições de saírem de suas casas, tendo como única opção ficar com seu agressor? Quantas mulheres deixam de denunciar seus companheiros por não ficarem à vontade ou não terem coragem de ir até um advogado?
Hoje eu sou uma operadora do Direito, trabalho em prol da justiça, em um escritório reconhecido, tenho notoriedade. Preciso usar isso de alguma forma. Quando retornar de viagem, será minha prioridade. Quem sabe, ajudando outras mulheres, eu não possa me ajudar também?
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