Ballando Solo
O sol atravessa a janela quando o despertador toca insistentemente. Ela grunhe com um pouco de irritação, desliga-o e se senta na cama, espreguiçando-se. Boceja algumas vezes antes de finalmente se levantar.
Na cozinha, prepara um café com leite e coloca-o no micro-ondas enquanto passa requeijão em uma fatia de pão. Ainda vestida com uma camisola de seda cor-de-rosa, arrisca olhar pela janela para ver se o vizinho já havia acordado. Nota as luzes da sala e da cozinha acesas e conclui que ele deve estar se preparando para acompanhá-la à delegacia.
Depois de comer, veste um vestido branco com estampa florida, prende os cabelos em um rabo-de-cavalo no alto da cabeça e passa um batom de tom perolado leve, optando por não usar mais nada. Antes de ir à casa do homem, verifica se está apresentável para aquele que mexe com seus sentimentos.
Ao sair, pega os itens necessários, guarda-os na bolsa e vai em direção à casa do vizinho. No entanto, ao abrir a porta, encontra-o se preparando para tocar a campainha.
- Oi! - dizem em uníssono, envergonhados.
- Bem, vim te buscar para irmos à delegacia! - ele aponta para seu carro.
- Ah, não precisava. Não quero incomodar você!
- Acho justo que eu vá. Acompanhei o caso de perto. - dá de ombros. - Venha, entre! - pega-a pelo pulso, guiando-a até o veículo.
[x]
O atendimento foi extremamente rápido, pois o delegado reconheceu o funcionário. Diferentemente do dia anterior, quando a jovem precisou de sua ajuda, o delegado estava de bom humor e simpatia. Ofereceu-lhes café, água e balas. Estranhou a princípio, mas logo percebeu que era uma forma de compensá-la por não ter resolvido o outro problema.
O Boletim de Ocorrência foi registrado. O delegado orientou que em breve seus pais, Rodrigo, Thiago e o próprio Daniel receberiam uma intimação para comparecerem à justiça. Com uma cópia da queixa em mãos, o advogado poderia abrir um processo contra seu ex-namorado assim que possível.
Ela respira aliviada ao sair do local, sentindo-se livre do peso incômodo que o ambiente lhe causava. Thiago percebe o desconforto e tenta quebrar a tensão:
- Sabe... É um saco ter que ficar esperando o canalha ser chamado para prestar depoimento, né? Porque pode demorar muito para ele ser preso!
- O Rodrigo vai cuidar disso o mais rápido possível. Ele me prometeu! - refuta, olhando pela janela do carro. - Mas vamos falar de outra coisa... - pede, desconfortável.
Um silêncio paira no ar. O homem coloca o cinto de segurança.
- Preciso fazer umas compras para minha casa. Quer ir comigo? - pergunta.
- Uau, que passeio de adulto! - graceja. - Tudo bem, vamos! - esboça um sorriso e também coloca o cinto.
Ele balança a cabeça com a brincadeira dela, liga o automóvel e o rádio.
- Hoje vai ouvir músicas de velho. Desculpe! - anuncia, dando de ombros.
A canção "Dancing With Myself", de Billy Idol, começa a tocar. Ele aumenta o volume no máximo, dá partida no carro e balança os cabelos de um lado para o outro. Ela o observa apreensiva e assustada enquanto ele dá seu show:
On the floors of Tokyo
Or down in London town to go, go
With the record selection
And the mirror's reflection
I'm dancing with myself
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Chegam ao shopping, onde há um supermercado no piso térreo. Ele estaciona, desliga o som e a vê encará-lo ainda perplexa.
- O que foi? - ele pergunta.
- Não sabia que entre seus múltiplos talentos estavam cantar e dançar. - ele galhofe.
Ela revira os olhos, tira o cinto e abre a porta. Também sai, seguindo-o.
- Pelo menos canto bem, né?
- Ah... - ele franze o cenho. - Já vi piores! - rebate, andando à sua frente.
Ela aperta os olhos e corre para alcançá-lo.
- O que foi que você disse? - simula ultraje.
- O que você ouviu, oras!
- Ah é? - ele leva as mãos ao topo da cabeça, bagunçando seu cabelo.
- PARA! - ela grita em meio a risadas altas.
- Nada disso... - ele puxa o elástico que prende seu rabo-de-cavalo, desgrenhando também os fios soltos.
Continuam andando e se divertindo até que um segurança surge diante deles:
- Olá, gostaria de pedir, por gentileza, que falem mais baixo. A gritaria de vocês pode incomodar outros clientes.
Eles o encaram sérios, mas depois começam a rir.
- Desculpe, moço! Desculpe de verdade! - Pâmela ajusta.
O segurança mira-a com seriedade.
- Se continuarem com essa baderna, terei de retirá-los daqui. - orienta.
- Ok. Ficaremos quietos. - Thiago diz, puxando-a pela cintura e adentrando o mercado.
Ao passar pela porta automática, voltam a gargalhar.
- "Se continuarem com a baderna, vou retirá-los daqui!" - a ruiva imita.
- "Vou dizer que estão incomodando os clientes, pois odeio meu trabalho e não quero ver ninguém se divertindo!" - o vizinho engrossa a voz, estufando o peito e ficando na ponta dos pés para parecer o segurança.
- Nossa, pegou pesado agora, hein! - ela balança a cabeça em negação.
- Pesado é o Faustão e o André Marques no mesmo palco!
- Mas eles emagreceram!
- Pra você ver há quanto tempo não assisto TV!
[x]
O carrinho já está lotado de coisas, mas o assunto ainda rende:
- Como você consegue trabalhar só de segunda à sexta na polícia?
- É que sou da parte administrativa. Aquele dia em que você me viu fazendo os relatórios foi porque o Renan havia faltado. - ele explica, escolhendo uma melancia. - Acha que essa está boa para comer?
- A aparência está bonita! Mas me diga outra coisa... Se não gosta do seu trabalho, por que não sai?
- Ora, porque não vivo de vento! - ele expõe como se fosse óbvio. - Todo mês chegam contas a pagar. Aliás, não ganho mal. Por isso moro naquela casa boa e tenho um bom carro. - reflete por alguns segundos. - Acha que seus pais gostam do trabalho deles?
- Eu sei que não gostam. Mal ficam perto de mim! - ela diz com tristeza.
- Seja bem-vinda à vida adulta! - ele abre os braços e faz uma careta. - Ser adulto é fazer coisas que odiamos. - resume. - Sinto muito em acabar com seu sonho encantado!
- Isso não é justo. Por que não podemos realizar nossos sonhos? - cruza os braços, introspectiva.
- Porque meu sonho era tocar saxofone numa banda de rock nos Estados Unidos. Mas não sei tocar sax, o rock não tem esse tipo de instrumento e não tenho passaporte para lá. - ele clarifica, pegando uma maçã. - Quer parar de filosofar e me ajudar a escolher umas frutas?
Contrariada, ela obedece, mas continua pensativa com o que acabara de ouvir.
[x]
Depois de comprarem o necessário, almoçam em um self-service, tomam uma casquinha, dão uma volta, conversam e se conhecem melhor. As horas parecem ter passado voando, pois quando estão juntos, é como se o tempo parasse.
O pôr do sol já se fazia presente quando chegaram à casa do ex-policial. Ele pediu que ela o ajudasse a guardar as compras. Ela aceitou de bom grado, sentindo prazer em estar ao lado dele e não querer ficar sozinha.
Depois de organizarem tudo, sentam-se no sofá, exaustos.
- O que podemos fazer agora? - ela pergunta, encarando-o.
- Já sei! - ele replica entusiasmado. - Já volto! - sai, deixando-a curiosa.
Quando retorna, coloca uma caixa sobre a mesa de centro.
- Isso aqui se chama dominó. Um jogo muito comum entre caras da minha idade.
- Ah, me poupe! Sei o que é dominó! - ela revida. - E não é coisa de caras da sua idade. Não é tão velho assim!
- Obrigado pelo elogio! Eu acho... - ele faz uma expressão confusa. - Já sabe as regras?
- Claro que sei! Coloca isso logo! - bate na mesa de vidro com força.
- Se bater assim novamente e quebrar, eu é quem vou parar na delegacia por bater em você! - ele ameaça brincalhão.
- Para quebrar isso aqui, só se eu for a Mulher-Hulk! - ela levanta as mãos em rendição.
[x]
Jogavam a terceira partida, tentando desempatar as outras duas, quando a campainha soa. Assustam-se, mas o anfitrião vai à porta verificar quem os visitava.
- E aí, parça! - a voz de Rodrigo ecoa pelo local.
- E aí, meu querido! - ele abraça-o.
Como de costume, Rodrigo
invade o lugar.
- Trouxe pizza, refrigerante e... - para ao ver a ruiva sentada no tapete da sala. - Oh, desculpe! Não sabia que estava atrapalhando. - seu semblante exibe constrangimento.
- Rodrigo! - Pâmela manifesta, correndo em sua direção. - Não está atrapalhando em nada. Pelo contrário, chegou na hora certa! - pega no braço dele. - Venha, vamos jogar dominó!
A atitude dela causa uma pontada de ciúmes no vizinho. Contudo, ele disfarça como pode e se senta junto deles para voltar ao jogo.
[x]
O relógio marca 00h37min quando acabam de comer a comida fria, contam piadas e gargalham alto.
- Pâmela, você é muito linda... Mas para contar piadas é horrível! - Rodrigo manifesta rindo.
- Se sou tão ruim, por que estão rindo? - ela pergunta com a boca cheia.
- Porque de tão sem graça, sua piada foi engraçada! - ele retorque.
- Eu te odeio, sabia!? - joga uma almofada nele, que a pega no ar e joga no amigo.
- Ei! - expressa, fingindo irritação.
- Preciso ir. Amanhã vou cedo à casa de uma cliente que quase não ouve nem enxerga, mas querem expulsá-la de seu imóvel. - o advogado se levanta. - Despeçam-se de mim, porque sei o quanto me amam.
- Adeus, caralho! - Pâmela zomba.
- Então é assim? - ele coloca as mãos no peito, fingindo estar ofendido.
- Vou trancar a porta depois que sair!
- Um policial com medo dos bandidos. Uau! - o amigo galhofa.
- Nem sou mais policial! - dá dois tapas no ombro dele. - Vamos!
Despede-se da jovem e se vai.
A garota segura um pedaço de pizza quando Thiago se senta ao seu lado.
- Só sobrou esse pedaço. Quer dividir?
- Claro! Vou pegar uma faca... - ele segura seu braço.
- Pra que faca? Cada um morde metade e come. Tipo "A Dama e o Vagabundo".
Ele olha-a incrédulo ao perceber que aquilo é uma tática dela para fazê-lo beijá-la. Assente. Mordendo metade do pedaço, seus lábios raspam nos dela. Após mastigarem, ele a puxa para um beijo que começa calmo e sereno. Depois de alguns minutos, intensifica-se. Ele a traz para mais perto de si, a fim de sentir seus corpos colados.
Vagarosamente, deita-a sobre o carpete, alisando seu corpo. Sente-se aquecer e, portanto, para o beijo, arranca sua camisa, permitindo que ela acaricie sua barriga. Volta a beijá-la, empolgado. Aperta sua cintura com força e morde levemente seu pescoço.
Gosta do que a provoca, mas se lembra de quando Daniel fazia o mesmo. Todas as vezes que chegavam a tal ponto, o interrompia por não se sentir preparada. Com ele não seria diferente.
Para-o e se afasta.
- Desculpe. Nunca fiz isso. Não estou pronta ainda!
Sem graça, ele coça a cabeça.
- Perdão, eu...
- Vou para minha casa! - ela se levanta, ajeitando a roupa e os cabelos. - Meus pais devem estar preocupados...
- Espera! - ele pega seu celular. - Acabei de lembrar que ainda não tenho seu número...
Ela ri e o anota no aparelho.
- Aqui está!
- Até amanhã, Pam!
- Até breve... - beija sua bochecha.
Decide não alimentar a esperança de um relacionamento, pois não se sente segura.
Ruma para sua casa, sentindo algo estranho, mas ignora.
Por trás de um dos muros, um homem de baixa estatura e cabelos negros a observa sair da casa do ex-policial. Imediatamente faz uma ligação:
- Chefe... Alvo avistado!
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