Com passadas largas e concisas que ribombavam pelas paredes do corredor — irritantemente longo —, Leto se viu com migalhas de nervosismo dissidentes da noite anterior; ele ficou duas semanas montando e maquinando falas que explorassem suas ideias da maneira correta, passou e repassou o slide pelo menos vinte vezes de madrugada, organizou tudo certinho e corrigiu qualquer erro remanescente.

O décimo quarto andar era um grande túnel com paredes 3D em formatos de quadrados esquisitos, quase como se Leto estivesse em outra dimensão. Este era o andar onde ocorria a maioria das palestras, apresentações e coisas do gênero, Leto nem conhecia seus superiores(além de Mikaela) e não fazia ideia de quem estaria na bancada avaliando sua proposta.

A porta automática de vidro abriu-se no momento em que Leto parou diante dela, não deixando tempo nem de respirar. No primeiro passo ele notou um burburinho envolvendo o lugar, as pessoas estavam todas conversando entre si e nem prestaram atenção quando ele entrou.

A não ser, é claro, por olhos ferozes o fitando com desdém. Mikaela estava sentada na ponta esquerda do semicírculo de bancadas grudadas. Leto subiu no tablado e sentiu que estava prestes a discursar no Congresso Nacional.

— Bom dia aos senhores — ele pigarreou — meu nome é Augusto Galba Leto Delyon e estou aqui para explicar sobre a proposta que está em suas mãos.

À pedido de Leto, Fabien havia deixado uma prévia impressa(também feita por Leto) do que seria falado. Ele não tinha tempo de passar lá mais cedo, então o amigo se mostrou muito prestativo.

— Há quanto tempo não temos um Neil Young? Um Justin Bieber? O Canadá vem tendo uma leva de cantores bem sucedidos, mas nada como um sucesso certeiro que irá fixar-se na mente das pessoas ao redor do mundo. — Leto apontou a caneta laser e o slide passou, revelando a imagem de uma jovem. — Apesar da TSK Entertainment também acolher pequenos talentos, todos são mandados para empresas maiores, principalmente para nossa parceira coreana. Adina Cheon é uma jovem associada que segue no ramo de influencers e faz vídeos e posts sobre maquiagem, mas recentemente vem mostrando grande interesse em seguir com a carreira de cantora.

Adina Cheon. Dezesseis anos. Cabelo escuro e longo com ondas. 430 mil seguidores.

Ela tinha um potencial enorme, Leto notou quando viu uma pequena onda de hate chegando nos comentários da garota por ser bonita demais, mas seus fãs espantaram todos. Houve ameaças de processo e Leto deliciou-se em risadas com artigos de leis sendo jogados nos comentários maldosos. Ele decidiu dar uma boa olhada no perfil, achou um vídeo e a voz era simplesmente linda. Em contramão à sua aparência, era grossa e num timbre intenso que faria qualquer um parar para ouvir com atenção.

— O que eu quero dizer é, precisamos de uma cara nova na TSK. Por si só a empresa já é muito famosa, mas seguimos na mesmice. Para chamar atenção dos jovens e montar um futuro ainda mais promissor, acredito que não devemos formar mais um idol no estrangeiro, é um desperdício para a empresa largar os talentos que aparecem num país já cheio de grupos famosos.

Os velhos pareceram ponderar, alguns cheios de dúvidas e outros, satisfeitos. Uma conversa baixinha assolou a bancada, mas um olhar indignado ainda o fitava com irritação.

— Augusto, presumo que você não conheça o incidente Nora. É inaceitável que arrisquemos novamente no mundo dos artistas musicais, não precisamos disso agora e nem nunca.

O burburinho dos senhores pausou, todos olharam desacreditados para Mikaela.

— Eu conheço bem o incidente Nora — Leto deveria estar preparado para confrontar ela, mas seu sangue já borbulhava. — Foi um fracasso e milhões de reais de marketing, no lixo. O responsável por ela foi demitido, mas não foi um erro ao acaso. Se ele tivesse pesquisado, feito planilhas e estudado mesmo que um pouquinho, nada teria sido tão catastrófico.

— Augusto — um dos senhores chamou, sua expressão era suave, mas seus olhos exibiam uma rigidez enorme — você estaria disposto a cuidar da carreira de Adina Cheon?

— Eu... eu poderia trabalhar nisso, mas como os senhores sabem, faço parte da análise de dados do marketing. Com certeza tem alguém mais experiente para isso.

— Análise de dados nada tem a ver com administração de carreira — Mikaela franziu as sobrancelhas em desalento —, não posso acreditar que realmente estão considerando aceitar uma proposta tão fracassada quanto essa.

Dois homens cochicharam por momentos, um assentiu em rendição e o outro, que perguntou se Leto cuidaria da carreira de Adina, ficou muito sério. Eles pareciam ter decidido algo. Se fosse para chutar, os dois eram os representantes mais importantes, o voto deles é que valeria de algo.

— Meu nome é Harold, prazer em conhecê-lo, Augusto. Sua proposta é um grande exemplo da juventude de hoje, em prol de uma empresa evoluída, estaremos aceitando com condições que serão repassadas até semana que vem.

— Isso é inacreditável — Mikaela mostrou-se insubordinada — duvido que o sr. Tsukumo aprove algo tão ultrajante.

Harold franziu as sobrancelhas, cético. Coçou a barba e deu um sorriso de escárnio.

— Não precisa se preocupar com seu pai. Para que não haja mal entendidos, foi definido que esse projeto será auxiliado pela senhorita — os lábios de Mikaela tremeram em ódio não contido. — Poderá assessorar da forma que achar melhor, só não boicote, pois terá consequências seríssimas.

Leto sentiu-se como uma formiguinha que não deveria estar ali, encolhido no meio do tablado, teve a visão de que aquilo era uma rixa antiga. Estar no meio de algo entre superiores era pedir para se lascar.

Mas, espere... pai?