16 - parte II
Estirado na cama e com seu relógio biológico indicando que já passava das 10h, Leto observou com um único olho aberto Alicia agitando o edredom; ela dobrou o tecido e pôs na cama com cuidado.
Após o fatídico acontecimento na sexta-feira, Leto chegou a tempo de cantar parabéns com as centenas de pessoas que estavam ali. Quando o show de Mikaela acabou, a banda, Alicia e ele se reuniram numa área reservada do pub para comemorar.
Posteriormente, Leto levou Alicia para a casa dele e ela passou o sábado ali. Foi bom. Os dois fizeram comida juntos, assistiram filmes e doramas, rabiscaram desenhos e ficaram o tempo inteiro de camisetões e shorts samba canção.
Para cada coisa boa que acontecia, a culpa florescia e ressentia em seu peito.
Leto pôs as mãos atrás da cabeça e fitou o teto, a pintura não estava velha, mas alguns pontos ameaçavam a descascar.
— Eu beijei Seiji — ela parou de abanar a cortina que enfeitava a janela e manteve-se estática olhando para algo além de seu campo de visão — Foi quando o levei para longe de você no seu aniversário.
— É por isso que você estava estranho quando voltou... porque?
Leto sentou e deixando toda a angústia que carregava pesar em suas feições, abaixou a cabeça em derrota.
— Eu não posso falar.
— Ele barganhou?
As palavras voaram da boca de Alicia com tamanha naturalidade que Leto se questionou se realmente tinha botado a traição em cheque.
— Sim.
— Então esqueça isso — Alicia sentou-se na beirada da cama e com um olhar ameno, deu um pequeno sorriso. — Não se sinta tão culpado.
— Eu te traí, Alicia — ele arrastou-se para perto dela — me bata, me xingue ou o que te fizer ficar melhor. Mesmo que tenha sido sob circunstâncias complicadas, não deveria fazer diferença para você.
— Eu não tenho tempo para ficar brava com essas coisas, as olímpiadas logo irão chegar.
Como sempre, o comportamento de Alicia era um mistério. Leto não sabia o que esperar depois de confessar algo assim, mas a resposta que obteve definitivamente não havia entrado como uma de suas opções.
Era perturbador. A culpa juntou-se à indignação e rapidamente foi somada à angústia e raiva que vinha se acumulando há tempos, logo sentiu algo umedecer sua bochecha e salgar seus lábios.
Pôs a mão e identificou a origem. Ele estava chorando.
Alicia arqueou as sobrancelhas, ela estava surpresa; Leto não sabia o que pensar, sua mente estava um turbilhão e o choque de chorar diante dela o fez entrar num estado de maior perplexidade.
Lágrimas já borravam seu campo de visão quando ele sentiu mãos aparando seu rosto. Macias e delicadas, um cuidado que ele nunca teve antes.
— Pode chorar para mim — e o trouxe para si.
Com a cabeça enfiada no ombro dela e passando os braços por toda a extensão do corpo de Alicia, Leto permitiu-se experienciar a vulnerabilidade emocional diante de uma pessoa.
Era injusto com Alicia, ter ele em seus braços com tanta atenção e afeição após contar aquilo. Leto parecia a vítima, não ela.
Mas a indiferença trazida na conversa o deixou com um gosto amargo; talvez aquilo tenha resultado na explosão. Ou foi o constante medo de ser apontado? Ter o passado revirado?
Ou por mais que tivesse superado, a "cicatriz" tenha aberto após tanto coçar.
Leto não sabe quanto tempo ficou chorando no ombro de Alicia, mas em algum ponto a dor foi sobreposta pela necessidade. Ele precisava de um cigarro.
🫐
Os últimos resquícios de tons alaranjados pintavam os céus naquele fim de tarde. Da sacada, Leto escorou-se no batente e tragou, com calma, a nicotina.
Ao seu lado, Marika balançava a cauda num ritmo comedido, sabia bem que não passava pela rede de proteção — agora reforçada —, então satisfazia-se ao observar a movimentação das ruas.
O terrário de Surya estava aberto para ela ir e voltar como bem entendesse, mas o réptil descansava embaixo da mesinha central.
O painel da televisão estava congelado, pausado na introdução do sexto episódio de Secret Garden, vislumbrou Alicia se remexendo no sofá e apagou o cigarro.
Ela acabou pegando no sono, Alicia não gostava muito de romances e até fez uma força para continuar já que tinham recomendado. Por outro lado, Leto se viu imerso no programa e só pausou quando a viu dormindo.
Ela pôs a coberta de lado e esfregou os olhos.
— Que cheiro bom.
Leto serviu um picadinho típico do Brasil, pôs arroz na mesa, feijão, batatas fritas e ovos mexidos. Morando sozinho, não tinha pego o costume de jantar, mas montou algo simples e que tinha a certeza de ser saboroso.
— Gostoso?
— Perfeito! — respondeu com a boca cheia e ele segurou uma risada.
A culpa ainda martelava seus pensamentos, mas a intensidade diminuiu no decorrer do dia. Os dois passaram o domingo juntos fazendo o mesmo de sábado, comendo, brincando e assistindo. Alicia o compreendeu e o aceitou sem nem mesmo questionar, parecia irreal conseguir manter o vínculo tão forte.
À medida que se aprofundava naquele mundinho só deles — na redoma do fim de semana — mais desejava que pudesse viver daquela forma para sempre; uma eterna ouroboros de felicidade.
Mesmo que não merecesse.
— Adina logo vai fazer shows fora do Canadá — ele garfou algumas batatas — nos países das nossas principais parceiras, Japão e Coreia.
— Que incrível! — os olhos da mulher brilharam — você é o manager dela, com certeza vai junto — Alicia bebeu do copo cheio de suco de maracujá — e Mikaela também.
— Provavelmente — cruzou os braços — ela já não tem tanto gosto em me humilhar, mas não vai ser fácil conviver semanas assim. Você quer ir?
— As olimpíadas estão chegando, treino pesado agora — cantarolou e ele acenou, já sabia a resposta. — Queria assistir pelo menos um, mas é muito longe.
— Eu vou te mandar vídeos e fotos.
Alicia arregalou os olhos e arfou, num pulo, saiu correndo para o quarto. Em questão de segundos apareceu com uma câmera polaroid em mãos e a exibiu feito um troféu.
— Eu trouxe e esqueci totalmente de usar — ela entregou o objeto para Leto olhar e passou a mão pelo cabelo bagunçado. — Queria ter tirado algumas fotos pela manhã.
Alicia estava fazendo beicinho quando a câmera clicou. Logo a foto foi impressa e ela avançou.
— Me dá, eu 'to horrível! — Leto segurou firmemente a impressão e negou.
— Você está linda.
— É assim então? — ela pegou a câmera na mesa.
Alicia gargalhou quando viu a expressão de surpresa estampada em sua face, as mãos de Leto estavam posicionadas no centro do peito, guardando a foto dela.
— Estamos quites — Alicia disse com um sorriso largo no rosto.
— Quites — concordou, por mais que ele estivesse horroroso no papel.
Quando a comida acabou e a satisfação os atingiu após mais um episódio de Secret Garden, foram para a sacada. O clima estava bom, o frescor primaveril trazia um aconchego pouco visto nas outras estações. Leto roçou os dedos no bolso da bermuda e parou, Alicia estava agachada e ergueu uma sobrancelha.
— Pode fumar.
Ele não gostava de fumar na frente dela, mas o fez mesmo assim. Não era segredo, perfume algum engana o cheiro de um fumante.
O clique da câmera o acordou e Leto cerrou os olhos para ela, brincando.
— O que? — levantou as mãos em rendição, uma carregava a imagem dele com o tabaco nos lábios. — É uma mania que só traz malefícios, mas o ato é insuportavelmente bonito.
Alicia colocou a foto no bolso e levantou, o abraçou pelas costas e enfiou a cabeça nas costas de Leto.
— Eu queria que todos os dias fossem assim.
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