15
7 anos atrás
Leto acordou com raios solares atingindo-o no rosto. Um bocejo escapou e logo observou o local vazio onde uma mulher deveria estar dormindo. Ela já havia partido.
O quarto era enorme e esbanjava de um minimalismo que um só um tipo específico de rico conseguia ter; ao lado direito da cama, onde deveria existir uma parede acinzentada na mesma tonalidade que as outras, na verdade dispunha de uma vidraçaria pegando de fora a fora. A vista dava para o gramado que se alongava até um muro formado de sansão do campo bem aparado.
Quando a roupa se mostrou em falta, Leto as procurou no chão, mas só foi encontrar quando olhou de relance uma muda dobrada na mesa de cabeceira.
Saiu do quarto na ponta dos pés carregando nada além do telefone celular e passou por corredores luxuosos que pareciam levar a lugar nenhum. Leto já não se lembrava do caminho que fez para parar naquele quarto. Tinha apenas vislumbres dos cômodos.
No fim, deparou-se com uma sala de descanso.
— Bom dia.
Na esquerda havia uma espécie de cozinha com uma ilha no centro. Uma cascata de fios escuros caíam sobre os ombros da mulher e seguiam até a cintura. Ela estava de costas mexendo em frigideiras.
— Bom dia.
— Senta, estou fazendo o nosso café da manhã.
Ligeiramente receoso, ajeitou-se nas banquetas frente à ilha e ficou calado observando-a cozinhar.
Naturalmente, teve um fim. A mulher colocou ovos mexidos e torrada num prato e empurrou junto de uma jarra de suco. Ajeitou um copo de leite com café para ela e sentou-se na frente dele.
— Está bom?
— Sim! — a resposta energética e imediata a fez sorrir, as linhas de expressão que contornavam seus olhos repuxaram suavemente.
— Quer que eu te leve para a escola? — ela deu um gole no café — ou prefere passar o dia aqui? Tenho uma piscina no gramado.
Só de considerar a proposta seus pelos se eriçaram.
— Tenho uma apresentação hoje — os ombros caíram em desânimo. — O tema é microbioma humano e não precisa me levar.
Leto ganhava presentes regularmente, as mulheres mais velhas gostavam de dar algo fora o dinheiro. Talvez fosse a forma que encontraram para a absolvição da culpa.
Mas ele sabia que não poderia aceitar regalias desse tipo, passar o dia na casa de uma rica. Simplesmente não podia.
— Céus, nem imagino como começaria isso — ela mordeu o lábio inferior ao sorrir, não era propositalmente erótico, mas Leto a achou divina. Os olhos verdes da mulher contrastavam e davam um visual ridiculamente bonito, ninguém deveria ser tão atraente assim.
— Você tem um marido?
— Nunca tive tempo para manter um relacionamento desses, uma desembargadora de 38 anos precisa trabalhar bastante — ela suspirou e quando fitou Leto novamente, parecia abatida, como se o cansaço de muitos anos finalmente a tivessem atingido. A mão direita pairou sobre o rosto de Leto por segundos antes de se retrair. — Talvez se eu não tivesse abortado no início da faculdade teria pelo menos um filho.
O silêncio ecoou pela mansão.
— Entraram com um recurso semana passada — ela levantou e colocou o prato na pia — vou dar mais uma revisada na decisão do juiz, preciso chegar cedo.
Ela disse de uma maneira que mais parecia uma afirmação para si. Um sussurro conciso.
— Leto, não é? — disse sem olhá-lo, estava virada para o corredor pelo qual ele tinha vindo.
— Sim — ia arriscar — qual o seu nome?
Ele queria saber. Ele precisava saber.
Essa mulher era diferente, uma melancolia incontida tomava conta de cada centímetro de sua pele e Leto sentiu-se atraído pela dor que ela mostrava, um olhar soturno remediado por um sorriso encantador.
— Fica para a próxima — ela virou e sorriu largamente, suas principais linhas de expressão marcaram e os lábios de Leto se ergueram levemente em resposta. — O dinheiro já está na conta.
Dezesseis para trinta e oito.
Grande diferença.
Leto não se importava. A maioria não era boa assim, só pagavam igualmente bem.
Os dois nunca mais se encontraram.
🫐
Duas semanas haviam se passado desde a apresentação de Alicia, a primavera já estava na metade e Leto decidiu passar a tarde de sábado no David Lam Park.
A grama verdejante reluzia sob a luz do sol, as flores cresciam em diversas tonalidades e folhas de cerejeira adornavam boa parte do parque; com um rosa bebê, formavam tapetes sobre as ruas. O cheiro da natureza impregnava nos transeuntes.
Seus pulmões encheram-se de fumaça antes de expirar o tabaco e uma onda de deleite traçar as unhas por baixo de sua pele. Leto relaxou no banco e escorou a cabeça sobre o ferro maciço que contornava as extremidades das ripas de madeira.
Os céus exibiam o costumeiro azul celeste, nuvens brancas, sem qualquer sinal de peso chuvoso, vagavam. Sentiu os olhos doerem por olhar por tanto tempo, mas aguentou até lacrimejarem pelo excesso e voltou-se para um grupo de ciclistas.
Ele geralmente não ia em parques para algo além de correr. Nunca teve fascínio em observar plantas, o false creek ou pessoas se exercitando.
Era como uma crise da meia idade adiantada.
— Fico imaginando se quando eu era jovem também tinha uma cara de merda dessas — um homem com seus cinquentas e poucos anos disse quando sentou-se ao lado dele — sem ofensas.
Leto acenou.
— Não é, mas não me acho feio assim.
Uma gargalhada escapou do estranho.
— Estou falando desse rosto cheio de angústia — ele fitou o lago — o que pode estar atormentando uma alma tão jovem?
— Chantagens e um passado ruim.
— Passado criminoso?
Leto arregalou os olhos.
— Não! Pelo menos da minha parte, não — o senhor colocou a mão no peito e fingiu relaxar, Leto sorriu. — Surpreendentemente uma coisa não tem relação com a outra.
— Menos mal, seria mais complicado se fosse o caso — Leto concordou. — Sabe, já fiz algumas coisas ruins no passado. Elas não atormentaram meus negócios depois que deixei o país, só a minha mente.
Talvez ele fosse o ex-criminoso da história, mas Leto preferiu ignorar; já tinha problemas demais para se preocupar com velhos de passado suspeito. Mesmo que pela blusa de manga curta fechada, de tecido comum e liso, Leto conseguisse ver resquícios de uma tatuagem preta e vermelha escapando pela parte traseira da gola.
— Espero que a barreira entre a minha mente e a realidade continue bem dividida — disse e o estranho sorriu divertido. — Por enquanto tenho uma boa distração, o aniversário da minha namorada é daqui duas semanas e eu estou organizando uma festa surpresa com a amiga dela. Uma mulher bastante complicada, aliás.
— Não acho que exista uma única mulher sem suas complicações, faz parte da natureza feminina.
— Ou melhor, da natureza humana — completou. — Só que alguns se importam demais e outros, menos.
— Você é qual?
— Sou uma constante pilha de nervos.
— Então, se importa demais — ele deu tapinhas em suas costas. — Deve ser um bom namorado, continue assim e não perderá sua amada.
— E o senhor? Qual é?
Ele estava prestes a responder quando seu relógio de pulso apitou, vibrava feito um alarme.
— Bem, encerramos por aqui — levantou-se e espalhou o pó das calças — foi bom falar com você, garoto...
— Leto.
O senhor sorriu em resposta, virou as costas e já ia sair andando quando Leto perguntou:
— Nenhum conselho sábio para um estranho no parque?
— Não — respondeu com um sorriso suave.
Leto riu e meneou a cabeça, um adeus.
Ao invés de afundar-se em mágoas, agora organizava mentalmente os preparativos para a festa surpresa; comida, decoração, locação. Era demais? Precisava de tantas coisas se seriam poucos convidados? Leto não fazia ideia, nunca montou uma e nunca teve uma.
Pouco tempo havia se passado antes que ele visse um conhecido nas redondezas, afundou-se no banco e desviou o olhar para o celular.
— Não é estranho que ninguém te chame de Galba?
— Não é e mesmo que chamassem, você não saberia.
Seiji colocou a mão no peito, ofendido.
— Claro que eu saberia, afinal-
— Você está me seguindo?
Talvez ele estivesse ficando neurótico. Seiji trajava uma regata preta, shorts escuros de corrida e um tênis, roupas normais para quem vai à um parque.
— Não? — ele passou a mão pela cabeleira escura e deu um sorriso cheio de dentes. — Como pode ver, vim correr! — e levantou-se num pulo agarrando a mão de Leto.
Leto também usava roupas esportivas, uma camiseta preta manga longa compressora com uma regata branca por cima e shorts de corrida. Ele só não tinha corrido ainda.
— Eu não ia correr agora.
— Logo escurece e você vai embora sem ter feito nada — Seiji começou a dar passadas maiores forçando Leto a andar mais rápido. — Que mal tem se exercitar com um amigo?
Ele já tinha se cansado de repetir que eles não eram amigos, então silenciou-se com a derrota.
Quando o suor já ameaçava cair aos montes, Leto vislumbrou o homem ao lado arrancando a camiseta e enfiando no bolso do shorts, um pedaço de pano escapulia pelo local e ele balançou a cabeça em negação. Todos que passavam olhavam, admiração e desejo alternavam nas faces dos desconhecidos e Leto simplesmente sabia que Seiji estava adorando a atenção.
— Isso é um local de famílias passearam — comentou com a respiração levemente entrecortada. — Está querendo seduzir senhorinhas?
— Não sei, está funcionando com você?
— Não.
Seiji bufou uma risada e Leto revirou os olhos.
— Sobre o show de Adina, você e Harold realmente... — Seiji parou abruptamente e Leto voltou alguns passos para ficar na frente dele — o começo de uma carreira é tão frágil quanto porcelana e independente da gravidade inicial do problema, a coisa pode virar uma bola de neve e destruir tudo.
Seiji arfou, puxou os braços para trás e esticou os músculos. Após terminar de exibir as costas largas e peitoral marcado para os transeuntes, fitou Leto com uma expressão diligente.
— Olha, isso é coisa de Harold. Não quero que Mikaela seja a sucessora e estou mais do que certo, não é? Sou o mais velho! Fora que eu deixaria ela ser o meu braço direito sem problemas — ele tocou no ombro de Leto com as duas mãos e suas orbes castanhas reluziram. — Querer arruinar a carreira de uma jovem é demais. Sou apenas um cavalo de aposta fingindo estar sendo manipulado... se achar outra saída eu não irei te dedurar, ok?
Leto observou com atenção cada resquício de mentira na face do homem, mas era difícil encontrar algo que denunciasse falsas intenções. No entanto, com uma vasta gama de conhecimento e envolvimento com mentirosos e trapaceiros, ele não podia afrouxar. Leto não ia simplesmente confiar e deixar sua cabeça de bandeja para o outro fincar na estaca.
— E eu confiaria em você porque...
— Porque? — ele o puxou para um abraço e Leto sentiu o suor pregar nele. Nojento. O corpo de Seiji estava quente, mas seu abraço era distante e longe do calor que ele queria emanar emocionalmente. — Nós somos amigos!
🫐
1. De maneira alguma concordo com a rápida relação que ele teve com a mulher. Pode parecer romântico, pode parecer que ele já tinha conhecimento das coisas, mas não é assim que funciona! Tentei mostrar a ingenuidade na cabeça de um jovem que mesmo tendo passado por tanto, não deixa de ser um adolescente sendo usado por uma pessoa bem mais velha!
2. Eles realmente nunca mais vão se encontrar, não tem perigo algum dela aparecer no decorrer da história e atrapalhar algo rs. Só queria expor um pedaço do passado dele, uma das dezenas que já passaram por aí.
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