CAPÍTULO 20
Boa noite, algumas pessoas estão preocupadas comigo, mas não se preocupem eu estou bem. Graças a Deus. Tudo anda bem corrido por aqui, mas no final vai dar tudo certo. Só uma questão de tempo e organização... nesse segundo requisito eu confesso, é difícil kkk
Volto na segunda. Bjs
Boa leitura!
.
Saber que hoje coloco meus pés fora desse lugar, me fez acordar exibindo um sorriso como há tempos não fazia. Depois de tomar um banho e me arrumar, juntei o que precisaria, e mandei colocar minha pequena bagagem no carro que eu usaria.
Até cheguei a sorrir para os membros da família de Ayra quando fui tomar café. A piscadinha de dei para a madrasta foi bem discreta, e confesso que nunca vi aquela mulher tão sem jeito como ficou pelo restante do tempo que fiquei a mesa.
Estranho foi Ayra não ter aparecido. Eu estava ansioso, e queria colocar os pés fora daqui o mais rápido possível. Quando me dirigia para o portão onde está o carro, eu encontrei com a serva de Ayra, Lila e pedi para que ela a chamasse.
Eu olhava para o horizonte já sentindo o gostinho da liberdade. Olhei para o céu e contemplei o sol que hoje parecia estar mais radiante do que nunca. Hoje eu estava insuportavelmente inspirado a perceber detalhes que nunca dei muito valor.
É o que dizem, que só damos valor quando perdemos.
Eu estava com a cabeça inclinada permitindo que os raios solares penetrassem pelas lentes dos óculos escuros que usava me aquecessem por inteiro.
— Don Corleone. — ouvi a voz de Melissa ao meu lado. Quando olhei para ela, a mesma parecia me encarar com incredulidade. — Sério isso?
— Que? — confesso que muitas das vezes meu cérebro não conseguia acompanhar o raciocínio dela.
— Você citou O Poderoso Chefão ontem com aquele papo de mantenha seus amigos por perto, e seus inimigos mais perto ainda. — sorri ao lembrar do que ela falava, e não fiquei surpreso por ela ter pesquisado sobre.
— E qual o problema?
— Ok. Vito Corleone construiu um império. — meneio a cabeça em concordância. —Mas na máfia, essa figura é sua referência? — dei de ombros.
— A sua é de um menino que troca os irmãos por manjar turco, e tem um guarda roupa mágico, você acredita que tem moral para criticar minhas referências? — ela cruzou os braços e bufou. — E, eu não vou perder meu tempo discutindo isso com você. — olhei para os lados a procura de Ayra. — Onde raios ela se enfiou?
— Vai ver a forma carinhosa com que você a tem tratado, tenha feito com que ela tenha preferido se jogar do alto da torre ao ter que viajar com você. — eu estava prestes a responder a petulante ao meu lado quando vi Ayra surgir mais à frente.
Pela primeira vez em dias fiquei feliz em ver vê-la. Notei que seus cabelos estavam mais esvoaçantes, os passos que ela dava em minha direção eram tão graciosos, que parecia simplesmente flutuar. Expirei profundamente, absorvendo cada belo detalhe da sua beleza.
A liberdade era linda.
Eu estava livre.
— Mandou me chamar? — Ayra perguntou se aproximando e sorriu para Mel. — Oi Mel.
— Oi Ayra. — ambas sorriam. Olhei para sua serva que não tinha nada nas mãos.
— Onde estão suas malas? — perguntei.
— Que malas? — ela perguntou colocando a mão na frente do rosto para se cobrir do sol ao olhar para mim.
— Eu avisei que iriamos viajar. — ela franziu a testa nitidamente confusa.
— Ah, sobre ontem? — concordo. — Achei que tinha falado aquilo somente porque Lâmia estava me provocando. — fecho os olhos procurando manter a calma. — Não levei a sério.
— Quer que eu arrume suas malas? — ouvi a voz de sua serva.
— Não precisa. — falei assim que Lila deu dois passos. — Isso vai demorar no mínimo uma hora, você sendo rápida. — abro a porta do carro para Ayra, e a puxo pela mão. — Você compra o que precisar. — ela estava indecisa se entrava ou não.
— Mas viajar para onde? — ela perguntou.
— Para qualquer lugar bem longe daqui. — falei a ajudando entrar e bati a porta. Soltei o ar profundamente.
Olhei para Melissa que tinha um sorrisinho no rosto, e estava ao lado de Lila que me encarava incerta do que fazer. Nesse momento um carro parou atrás do meu, e Jamal saiu dele. Ao menos isso, agora Melissa não era responsabilidade minha.
— Se cuida. — falei para ela.
— Quem se meta em encrenca aqui é só você, Mumu. — quando pensei em responder, ela bateu continência e sorriu abraçando Jamal. — Oi Tigrão.
Balancei a cabeça e me neguei a falar ou sequer perguntar qualquer coisa. Eu só queria sair desse palácio. Quando o carro passou pelos portões e eu os vi se fechando pelo retrovisor, eu sorri.
— Nem acredito. — falei.
— Posso ao menos saber para onde vamos? — olhei para o lado vendo Ayra me olhando de forma apreensiva. Bom eu tinha que ser cuidadoso em como trata-la.
— Para minha propriedade. Tenho muita coisa para resolver. — falei conectando meu celular no dispositivo do carro e liguei para Abul. — Onde você está? — perguntei assim que a ligação foi atendida.
— No mesmo local. — me dirigi para o local combinado e esperava que ele já tivesse conseguido descobrir alguma coisa sobre o que pedi.
Tão logo cheguei no local, ele entrou no carro. Seguimos em silêncio, se Ayra estranhou a presença dele, se manteve calada. Bom isso até quase metade do caminho quando pediu para parar por quinze minutos.
— Comeu algo que não te caiu bem. — falei vendo que ela estava com feições estranhas como se fosse vomitar a qualquer momento.
— Ou talvez a falta de ter comido algo. — comentou jogando água no rosto e pescoço. — Estamos longe?
— Você não comeu nada hoje? — perguntei, ela negou. Olhei no relógio calculando o tempo restante. — Umas duas horas, talvez. — olhei para os lados e não tinha nada além de areia.
— Mastigue essas duas folhas. — Abul lhe entregou duas folhas secas. — Vão ajudar a passar a náusea. — ela pegou as folhas e me olhou meio incerta se fazia o que ele disse ou não.
— Ele não vai te matar envenenada, foi ele que te salvou na verdade. — ela ficou surpresa, e comeu. — Às vezes eu penso que a culpa pode ter sido sua, sabia? — escuto Abul rindo baixo.
— Obrigada Abul. — Ayra o agradeceu.
— Não precisa agradecer. — pronto agora começaria a rasgação de seda.
— Se já acabaram, vamos porque temos chão pela frente. — sai de perto e entrei no carro sem esperar por eles.
Logo em seguidas eles entraram e notei que Ayra ria. Segui viagem. Passado alguns minutos olhei para Ayra, e vi que ela dormia. Olhei para Abul pelo retrovisor e ele sorriu discretamente.
— É efeito das folhas, a náusea passa, mas deixa a pessoa sonolenta.
— Se a Jasmim não tivesse se casado com Zayn, ela seria a pessoa perfeita para se casar com você. O dois para gostarem de ervas e afins. — acabei lembrando do que Melissa falou sobre ele e Nádia. — Afinal não pensa em se casar? — pela cara que ele fez, eu não fui o único a ficar surpreso com minha pergunta.
— Talvez um dia, quem sabe.
— Quem sabe. — falei casualmente. — Seria bom que a pessoa trabalhasse para mim, assim não o perderia como geralmente acontece. — ele me olhou incerto. — Então quando encontrar a pessoa, arrume um lugar para ela perto de você. — ele concordou.
Não iria falar que a pirralha intrometida da Melissa suspeitava dele com Nádia. Deixaria ele a vontade de tomar suas próprias decisões, sem o influenciar. Sorri internamente. Quando eu comecei a me importar com o sentimento das pessoas? Influenciar e controlar as decisões dos outros sempre foi meu passatempo predileto.
Quando os portões da minha propriedade foram abertos, eu senti o ar entrar em meus pulmões de um jeito diferente. Me sentia em casa. Percorri o caminho até a casa sem pressa. Olhei cada cantinho do lugar que sempre foi meu refúgio.
Parei o carro em frente à casa, e assim que desci abri meus braços.
— Finalmente em casa. — Abul deu a volta me entregando as chaves da casa principal.
— Providenciei tudo como sempre pediu para quando ficava alguns dias por aqui. — peguei as chaves.
— Obrigado. — olhei para dentro do carro vendo que Ayra ainda dormia. — Vai demorar para passar o efeito da tal erva? — ele olhou e negou.
— Não, já era para ter passado, mas talvez pelo estomago vazio demore um pouco mais, logo ela desperta. — concordei pensando no que fazer.
— Tire minhas coisas do carro e me espere no escritório temos muitas coisas para colocar em dia.
— Sim senhor. — ele foi fazer o que pedi, e eu voltei olhar para Ayra.
Segui até a porta do passageiro e abri.
— Ayra? — ela resmungou algo, mas virou para o outro lado se ajeitando melhor. — Claro que você vai me fazer te carregar, facilitar para quê?
Sem querer perder mais tempo, eu a peguei no colo e a levei para dentro da casa. Entrei no quarto, e a deixei em cima da cama. Fiquei ali por alguns minutos olhando para Ayra dormindo em minha cama.
Nunca trouxe uma mulher para essa casa, e, no entanto, agora tem uma dormindo em minha cama, uma que carrega meu sobrenome. Pensar nela dessa forma, me deixa incerto de tantas coisas. Confesso que antes quando eu tive meus embates com ela, tanto sobre a égua que temos sociedade, ou por somente a infernizar, imaginei por diversas vezes o que aconteceria se eu ultrapassasse os limites, e hoje ela está aqui e tudo o que a envolve parece errado.
Eu não tinha que tomar nenhuma decisão, não agora. Tinha coisas a resolver e muito o que pensar. Estava saindo, mas então pensei que ela poderia acordar assustada. Afinal eu não sabia o efeito dessas ervas que Abul usava.
Peguei um papel e deixei um recado para ela. Satisfeito com o bilhete, o deixei ao seu lado e fui tratar de saber o que Abul descobriu.
Me espreguicei sentindo meu corpo se esticar por inteiro. Antes de abrir os olhos para ver onde eu estava, senti o gosto amargo na boca. As folhas que Abul me deu eram horríveis. Mas ao menos não enjoei mais.
Abri os olhos vendo que estava em um quarto. Já tínhamos chegado a propriedade do Mustafá e nem sequer lembrava de como entrei. Mas isso não faria diferença. Agora eu precisava urgente de um banheiro. Ao me levantar minha mão esbarrou em um papel que caiu no chão.
O peguei e li.
Você deveria procurar um médico para saber o motivo de roncar tanto. Isso pode ser perigoso, além da baba ser nojenta. Estarei no escritório. Não mexa nas minhas coisas. Tem comida na geladeira. Ah, e um detalhe princesa, não tenho funcionários por aqui, então vossa majestade terá que se virar.
Atenciosamente, seu carma.
Revirei meus olhos e o amassei jogando em cima da cama. Eu precisava ir ao banheiro. Haviam duas portas, a primeira revelou um anexo que tinha uma vista linda de um lago, e que no final dava ao closet.
Fiquei tentada a mexer em tudo, só por desaforo do bilhete, mas isso ficaria para depois. Assim que entrei no banheiro tranquei a porta. Não queria Mustafá entrando aqui como fez no meu quarto. Depois de fazer xixi, fui lavar as mãos e me olhei no espelho. Eu estava horrível, mas não achei resquício de baba. Resolvi entrar no box e tomar um banho.
Claro que não tinha nenhum produto destinado para mulher, então resolvi usar os dele, mas não achei nada além de um sabonete em barra. Pensei em seus cabelos e como o mundo era injusto, eu gastava horrores em produtos e afins para manter meus cabelos bonitos, e ele usava somente sabonete em barra?
Depois de banho tomado, me enrolei na toalha e voltei ao closet para procurar alguma coisa que eu pudesse usar.
Eu estava me sentindo tão animada por não ter ninguém atrás de mim, já segurando as roupas que eu deveria usar como era no palácio, mas a frustração veio quando olhei as roupas dele, não tinha nada para mim ali. Confesso que fiquei feliz, por não ter produtos femininos no banheiro e nenhuma roupa de mulher em seu closet.
Me senti intrometida em fuçar nas coisas do Mustafá, mas a culpa é dele, afinal não deixou Lila fazer minha mala. Somente agora me dei conta que nem mesmo meu celular eu havia trazido. De primeiro momento fiquei preocupada, mas então sorri. Ficaria sem notícias, mas também iria descansar de tudo um pouco.
Peguei uma camiseta preta e uma calça cinza de moletom que tinha um cordão na cintura, assim eu consegui regular para que não caísse e ela ficou perfeita. Sai do quarto não fazendo ideia para onde ir, então entrei em algumas portas, e achei uma saleta que tinha alguns quadros, e alguns livros, e mais uma vez a parede de vidro dava uma visão do lado de fora da casa. Quase todos os cômodos que entrei tinham essa parede de vidro.
Enfim depois de entrar em cinco ambientes diferentes, achei a cozinha. Meu estômago estava doendo de fome, eu não fazia ideia de que horas eram. Comecei a procurar o que comer, e não tinha nada pronto.
Abri a geladeira e achei muitas coisas, mas tudo tinha que ser preparado. Eu nunca tinha feito nada na cozinha. Bom para tudo tem uma primeira vez. Afinal não deve ser tão difícil. Peguei uma embalagem que tinha algo que parecia um frango, mas eu não sabia se era.
Coloquei o pacote na bancada e peguei uma faca. Fiquei um tempo olhando para o pacote sem saber o que fazer. Como fazer. E depois de cortar, o que tinha que ser feito? Cozinhar, é claro. Então eu deveria já procurar uma panela.
— É um relatório sobre o sumiço de mulheres de um dos vilarejos de Omarak. — Abul fala sobre o papel que eu tirei foto no escritório de Haidar. — Parece que não é a primeira vez que isso acontece, mas sempre em vilarejos diferentes, de tempos em tempo. Não é algo que aconteça sempre.
— Então foi isso que fez o babaca do Haidar faltar ao café. — comento.
— As pessoas da vila não comentam muito, parecem ter medo de algo pior acontecer.
— Ou sabem quem faz isso, por isso tem medo de algo pior acontecer. — ele concorda.
— É uma das possibilidades. Tenho que ganhar a confiança das pessoas, logo elas falam algo mais. — lembrei do envelope com os fios de cabelo de Burcu.
— Mande para analise, desconfio que o dono dos fios estava sob efeito de alguma substância. — ele concorda.
Deixando esse assunto de lado e comecei a tratar de assuntos de trabalho. Não fazia ideia de quanto tempo havia se passado, Abul já tinha ido cuidar de algumas coisas que pedi, então comecei a sentir um cheiro estranho. Deixei tudo de lado e sai lembrando que Ayra estava na casa. Não foi difícil achar onde ela estava, uma fumaça vinha da cozinha.
Quando entrei vi que havia uma panela no fogão, o fofo estava ligado e a fumaça vinha dela. Ayra estava prestes a esfaquear alguma coisa. Ela segurava a faca no alto da cabeça com as duas mãos. Olhei na bancada a procura do alvo e vi uma embalagem.
Ela estava concentrada no que fazia, que nem notou minha aproximação. Ao olhar para a ave no balcão sabia que se ela empregasse metade da força que estava prestas a usar, a chance da faca bater no balcão e voltar contra ela seria grande.
O que ela pretendia fazer?
Se matar?
Matar ave morta?
Quando ela fez menção de baixar a mão eu segurei seu pulso pelas costas e enlacei sua cintura para que ela não se movesse com o susto.
— Está tentando se matar? — perguntei tirando a faca de sua mão e indo desligar o fogo. Mal consegui enxergar o botão. Tossi algumas vezes por causa da fumaça.
— Eu estou com fome. — ela falou afastando a fumaça da sua frente. Voltei a encarar. Apontei para o faisão.
— Ele já está morto e limpo, caso não tenha reparado. — ela ficou nitidamente sem jeito.
— Eu nunca preparei nada. — falou baixo. — Sempre tive quem fizesse tudo. — essa frase pronunciada por outra pessoa, soaria muito arrogante, mas vindo dela eu já imaginava querendo ou não ela é uma princesa. Mas ao menos o básico toda mulher tinha a obrigação de saber em nossa cultura.
Não iria questionar nada agora, afinal eu também estava com fome. Apontei para um armário atrás dela.
— Ali tem arroz e alguns temperos. — enquanto ela foi pegar o que pedi, peguei a faca e comecei a cortar o faisão nas articulações e coloquei dentro de um recipiente e o temperei. Não falei mais nada, e ela também não perguntou, mas era notório que prestava muita atenção em tudo que eu fazia.
— Parece que está queimando. — ela falou olhando dentro da panela quando eu já estava fritando a ave com algumas especiarias. Quando pensou em pegar a colher e mexer eu bati em sua mão.
— Eu comecei eu termino. — ela se afastou fazendo um bico. — Esse queimado é que vai dar o sabor no arroz e nos legumes quando colocar tudo aqui dentro.
— Entendi. — ela olhou novamente dentro da panela.
— Consegue lavar alguns legumes sem se matar? — ela não respondeu, mas vi que sorriu ao se afastar e ir procurar na geladeira.
Enquanto ela pegava o que precisava na geladeira, eu reparei que ela usava minhas roupas. Não sei dizer como me senti notando isso. Mas a sensação foi boa, o que me irritava. Evitei de olhar em sua direção até terminar.
Quando tudo estava pronto virei a panela inteira em uma travessa e coloquei na mesa. Ayra realmente estava com fome, porque mal coloquei a travessa na mesa ela já foi se servindo. Esperei que ela começasse a comer, para me servir.
Foi inevitável que alguns questionamentos surgissem na minha mente.
— Está uma delícia. — elogiou se servindo novamente.
— Já que a comida está tão boa, acho que posso fazer algumas perguntas. — ela parou de mastigar e me olhou nitidamente acuada. — Não se preocupe Ayra, acho que nossa relação pulou alguns pontos. — ela desviou o olhar, e isso me indicava que ela poderia não querer conversar. — Mas fiquei curioso em saber você não sabe fazer nada em uma cozinha, porque mesmo sendo uma princesa, isso é muito importante para uma mulher. — ela mexia a comida no prato. — Estamos no mesmo barco Ayra, acho que sermos sinceros um com o outro é o mínimo para uma boa convivência e sobrevivência, no seu caso. — ela sorriu sem vontade.
— Bom como posso explicar. — ela respirou fundo. — Depois da morte da minha mãe, Lâmia se empenhou em me impedir de aprender qualquer coisa que traga honra para uma mulher, coisas que um marido sentiria orgulho. No palácio era fácil eu burlar suas regras, então meu pai decidiu me colocar em um colégio interno na Europa, de início eu até gostei, porque ficaria livre dela, mas... — ela remexe a comida. — Quando cheguei lá descobri que a ideia tinha sido dela, afinal eu era mantida num quarto vazio. Onde só tinha uma cama, e eu poderia sair duas vezes por semana, para tomar um sol no jardim. — ela me olha apontando o garfo na minha direção. — Ou em ocasiões especiais, como o dia de fotografar minha falsa rotina, essas fotos eram enviadas para meu pai ter a certeza que eu estava bem.
Eu ouvia tudo aquilo sem saber o que dizer, e só me perguntava o motivo de Lâmia fazer isso com uma criança.
— Você nunca pensou em contar a verdade a seu pai? — perguntei.
— Tentei claro, mas ela tem a incrível capacidade de manipular tudo que até eu me espanto. — ela apontou entre mim e ela. — Olha para nós, dessa vez ela não teve culpa, mas é basicamente isso que ela sempre fez a vida toda. Ela manipulava tudo para que sempre parecesse que eu era a culpada independente do que fosse. Só vim ter um pouco mais de sossego, quando meu pai destinou Haidar como meu guardião.
— A relação de vocês sempre pareceu conturbada.
— E, é ou era. Não sei na verdade, minha vida mudou nos últimos dias e nem sei mais o que é o que. — ela me olha nos olhos. — Ele é o único parente que tenho por parte da minha mãe. Ele também perdeu os pais, então nos unirmos foi meio que natural.
— Confesso que de início achava que ele queria algo a mais com você. — ela ri e balança a cabeça.
— Não. Ele só tem um jeito estranho de fazer tudo, mas ele é uma boa pessoa. — bufei e revirei meus olhos. — É verdade, eu confesso que nunca facilitei a vida dele. Acho que de certa forma eu descontei nele tudo o que sempre aconteceu comigo, sabe? — ela dá de ombros. — Ele por ser homem, sempre teve privilégios que eu nunca tive. Podia tomar suas próprias decisões. Eu tinha inveja dele. Eu estava presa em um lugar longe e onde não conhecia ninguém, e ele estava livre. — ela me olha e vejo incertezas em seus olhos. — Eu consegui fugir algumas vezes desse colégio, aproveitava para passear e conhecer o lugar até que... — ela olha fixamente para o prato e para de falar.
— Até que? — ela me olha e sorri sem vontade.
— Até que entendi, que ali dentro por pior que fosse eu estava segura. Então eu fiquei lá até cumprir o tempo necessário, e quando voltei ao palácio anos tinham se passado, e eu não queria mais aprender nada sobre o que uma mulher tinha que aprender. Passei por um momento de autodestruição, foi quando meu pai incumbiu Haidar para ser meu guardião.
Eu ouvia tudo sem acreditar que ela tenha passado por tudo isso, e na verdade a curiosidade era mais no porque a madrasta fez isso com ela. Eu tinha que descobrir.
— Eu sei que nada do que aconteceu com você foi justo, e eu peço desculpas do fundo do meu coração Mustafá. Mas eu não me arrependo de ter concordado com o que meu primo fez. Podemos achar um meio termo, e termos uma boa convivência entre nós, mas prefiro viver com você me odiando todos os dias, do que me casar com Berat.
Não falaria nada agora. O que eu acabei de ouvir dela sobre sua vida, é algo repulsivo, mas não sei se por somente me sensibilizar com sua vida, seria motivo suficiente para desistir de me vingar de todos. Inclusive dela.
Me levantei e olhei para a bagunça na cozinha.
— Eu fiz a comida. Você lava a louça. — ela olhou para a bagunça e fez uma careta. — Para uma boa convivência, dividir as tarefas, é o mínimo.
Sai da cozinha e fui andar um pouco, afinal aqui eu teria o que mais precisava para pensar.
Paz.
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