CAPÍTULO 02
— 'Amira? (princesa)— ouvi a voz de Lila, mas não senti vontade de mexer.
Minha serva entrou no banheiro onde eu estava desde que recebi a informação que teria que fazer uma visita de cortesia com Haidar a uma vila distante. Isso era algo para meu pai fazer, mas eu tinha certeza que Lâmia tinha feito com que meu pai mudasse de ideia, assim ele me enviaria junto com Haidar.
Lâmia se esforçava para me afastar sempre que podia.
— Aí está você! — Lila sorriu e se aproximou. — Separei o vestido mais lindo que encontrei em seu closet. — ela se animava somente com a possibilidade de me arrumar.
— Me diga que ele é preto? — fiz uma pergunta retórica sem muita vontade.
Ela soltou uma respiração pesada e me olhou com pesar. Eu odiava esses olhares de pena que via não somente nela, mas em quase todas as pessoas de dentro desse palácio.
— Não dificulte as coisas. — ela começou a separar alguns produtos de cabelo que estavam em cima da pia do banheiro. — Afinal sair daqui nem é tão ruim assim. — nisso eu tinha que concordar.
Eu sempre amei meu lar. Meu povo. Aprendi desde cedo ainda com minha mãe sobre o papel que eu tinha perante a todos, e eu sempre a obedeci. Sempre desejei que tanto ela quanto meu pai se orgulhassem de mim. Mas isso mudou quando ela morreu. Parece que tudo que sempre sonhei morreu junto com ela. Minha vida nunca mais foi a mesma, e hoje eu não via a hora de sempre poder me afastar de tudo isso aqui. Olhei para Lila que me olhava com aquele sorriso nos olhos. Senti um peso no peito.
— Achei que iria combinar com meu humor. — falei forçando um sorriso falso quando ela me olhou e seu olhar mudou para repreensão.
— Eu sei que os ânimos entre você e Haidar não andam bem desde que vocês foram para sua festa em Mascate. — fecho meus olhos na tentativa de apagar as lembranças daquela noite. — Até hoje eu não sei o que aconteceu lá, mas sei que algo de ruim aconteceu. — eu não queria falar sobre a noite em que Mustafá levou um tiro. — Vocês não são mais os mesmo desde aquela viagem.
— Onde está o vestido? — sei que minha tentativa de mudar de seu interesse faria com que ela mudasse de assunto rapidamente. Seus olhos brilharam novamente.
— Venha, o deixei em cima de sua cama, e também separei aquele...
Á segui para fora do banheiro e deixei com que ela fizesse o que quisesse da minha aparência, sem prestar atenção no que ela dizia. Dizer que minha relação com Haidar não estava bem era eufemismo. Estávamos vivendo momentos de ódio recíproco.
Nessa queda de braço eu sempre levava a pior, já que ele era meu guardião, era ele quem decidia o que eu fazia, ou não. E, ele tinha pegado no meu ponto fraco, tirou de mim a única coisa que eu verdadeiramente amo, meu acesso ao haras.
Falar com meu pai não adiantaria de nada, já que ele passou as responsabilidades que cabiam a ele para meu primo, isso mostrava que seu interesse com o que acontecia comigo era baixo. Desde que minha mãe morreu, meu pai se afastou gradativamente, e após Lâmia ser a escolhida para estar ao lado dele, tudo só tem piorado.
Sinto sua falta, do tempo que passávamos juntos. De quando saíamos pelas vilas tomando conhecimento das necessidades do nosso povo. Eu amava sair com ele. Mas isso ficou para trás. Sem que eu esperasse a porta do quarto foi aberta com tudo me assustando.
Lila se afastou abaixando a cabeça ao ver Haidar entrar nos meus aposentos.
— Achei que já estivesse pronta. — falou me olhando pelo espelho, e fez sinal para que minha serva saísse.
— Você sabe que não pode entrar assim no meu quarto. — ele desvia o olhar do espelho e olha seu relógio. — Afinal, eu ainda sou a princesa. — ele voltou a me olhar pelo reflexo e um sorriso surgiu em seu rosto.
— Graças a mim, você ainda é a princesa desse palácio, e nós sabemos disso Ayra. — o sorriso sumiu do seu rosto e ele se aproximou, se apoiando na cadeira que eu estou sentada e falou baixo ao meu ouvido. — Ás vezes você parece esquecer desse detalhe.
— Como vou esquecer com você me lembrando a cada minuto? — ele se afasta, mexe em minha orelha, vendo os brincos que estou usando.
— Troque. — ele diz começando a se afastar para sair do quarto.
— Eu gosto deles. — falo passando os dedos nos brincos que eram de minha mãe.
— Pode usar quando estiver em seu quarto, mas não são aceitáveis para a ocasião, Princesa. — ele olha para o relógio novamente. — Cinco minutos Ayra, não demore. — com isso ele sai batendo a porta.
Tive vontade de chorar de raiva por seu autoritarismo, mas do que adiantaria? Eu sentia que ver meu sofrimento o agradava de alguma forma. Então eu tinha que somente engolir o choro e qualquer outro sentimento, colocar minha melhor máscara e fazer o que tinha que ser feito.
Terminei de me arrumar, e sai do quarto indo em direção a ala leste, era onde ficava o jardim que era compartilhado por todos. Cada aposento tinha seu próprio jardim particular, e havia um maior que era compartilhado por todos os membros da família real. Esse ficava na parte oposta de onde se encontrava meu quarto.
Quando meu pai se casou novamente, após a morte da minha mãe, sua esposa a mãe de Karim fez questão de me colocar o mais longe possível de todos da minha família. No início eu até tentei questionar, mas por fim acabei deixando, ficar longe de todos era ficar longe dela também.
— 'Amira (Princesa) — ouvi a voz de Nuria, e ao olhar para trás, vi a jovem menina correndo em minha direção. — Já está de partida?
— Sim. — ela tentou pegar minha mão para reverenciá-la, mas não deixei. — Já disse para não fazer isso. — a repreendi, e ela sorriu olhando para os lados.
— Nunca sabemos se os olhos de Lâmia, estão por perto. — era assim que ela se referia aos servos da minha madrasta.
— Como se ela se importasse com a forma que alguém me trata. — comentei fazendo o olhar de Nuria se tornar complacente. — Mas o que você queria?
— Burcu está estranho hoje, e disse que não vai comer até sua volta. — acabei sorrindo com a forma de chantagem emocional que ele vinha usando. — Falei que a princesa ficaria uma semana fora.
— E, ele? — ela riu.
— Então disse que só comeria pão e água. — rimos. — Se me permite dizer a princesa da muita moleza para ele. — agora era seu ciúmes falando. Abracei-a e beijei seu rosto.
— Não tenha ciúmes do seu irmão, você sabe que amo os dois de igual forma, mas você é minha pequena ajudante, meu braço direito. — seus olhos voltaram a brilhar. — Agora cuide do seu irmão até eu voltar, faça com que ele coma, e quando voltar, falarei com ele. — ela concordou. — Peça para a cozinheira fazer as comidas que ele mais gosta, sei que ele vai comer. — ela riu.
— Pode deixar. — ela segurou minhas mãos. — Rihlat saeida (boa viagem) Que Allah cuide de seus caminhos.
— Shkran. (obrigada)
Eu sabia que minha conversa com Nuria havia me atrasado, mas não estava me importando com isso. Haidar que esperasse. Ao adentrar o jardim me encaminhei para os portões, onde os carros da comitiva estavam parados.
Haidar estava conversando com alguns homens e nem notou minha presença. Melhor assim. No mesmo instante que olhei para meu primo, senti uma sensação ruim passar pelo meu corpo, um arrepio. Olhei para o outro lado me deparando com Mira me encarando. Seu olhar era tão intenso que acredito que se pudesse me matar com os olhos, já teria feio.
Sorri e dei um tchau para ela.
Ela me odiava, eu sabia. Mas Mira era somente mais uma na infinita lista de pessoas que me queriam ver pelas costas, e que tentavam de tudo para se livrar de mim. Era como mais um grão de areia no deserto. Voltei minha atenção para frente e agradeci quando um servo abriu a porta do carro para que eu entrasse. Me, acomodei e coloquei os fones, e enquanto ouvia música, me perdia em pensamentos. Pensar em minha família, e, nas pessoas que me queriam mal, sempre me fazia perder a noção do tempo.
Só me dei conta que já havíamos saído do palácio quando me desviei dos pensamentos, e foquei na paisagem que nos cercava, as pessoas seguindo suas vidas. Pessoas simples que dariam tudo para estar no meu lugar, porque para elas minha vida era perfeita, afinal eu era a princesa do seu reino.
Ao olhar para frente notei que Mira a serva de Haidar estava sentada a minha frente. Olhei para o lado vendo meu primo ocupado com seu celular. Voltei a encarar a serva, ela não cometeria o equivoco de dirigir seu olhar raivoso para mim, não na frente dele.
— Porque Lila não pode vir, já que sua serva veio? — minha pergunta fez Haidar tirar os olhos da tela do celular, olhar de mim para Mira. A impressão que tive era que somente agora ele tinha se dado conta da presença dela. Ele voltou a me olhar.
— Pare o carro. — ele ordenou ao motorista. Os carros que seguiam atrás também pararam. — Desça. — a ordem agora foi destinada a Mira.
— Ela não precisa descer, só perguntei por que não pude trazer Lila. — falei tentando evitar com que a mulher a minha frente fosse humilhada.
— Ela não está descendo porque você quer, Ayra. E sim porque eu estou mandando. — ele não precisou falar mais nada, a serva abriu a porta e saiu o mais rápido que pode.
Olhei para trás sentindo uma angustia pela situação, e a vi entrar em outro carro. Quando voltei minha atenção para Haidar ele me encarava com curiosidade.
— Não precisava fazer isso com ela. — falei voltando minha atenção para frente.
— Precisava sim. — ele expirou fundo. — Você não gosta dela. — eu ri com sua fala. — E, respondendo sua pergunta, Lila era desnecessária, Mira poderá fazer qualquer serviço que você precise nesses dias.
— Eu não ligo para Mira, e você sabe. — falei. — Ela é que não gosta de mim, e não o contrário.
— Ela é uma criada Ayra. Ela não tem que gostar de você, ela tem que te servir da melhor forma, e ela sabe que a vida dela depende disso. — olhei para ele séria. Ele sorriu. — Eu não tenho dificuldade em colocar os empregados em seus devidos lugares.
— Você a coloca na sua cama, e, todos sabem.
— E daí? — o encarei.
— Ela tem sentimentos por você, deve ter ciúmes de mim, por isso me trata assim. — falei respirando fundo. Um vinco se formou na testa de Haidar, e então me flagrei que falei além do que devia.
— Assim como? — ele quis saber.
— Não me trata como minha serva me trata. Somente isso. — desviei o olhar e comecei a olhar para fora. Sua mão segura meu queixo, forçando a olhar para ele.
— É somente isso Ayra? — demorei a responder, mas por fim concordei. Ele respirou fundo e aliviou o aperto. — Sei que estamos passando por um péssimo momento e desde que tudo aconteceu em sua festa, ás coisas para você estão piores, mas não quero que esconda nada de mim. — tentei tirar sua mão, mas ele insistiu. — Entendeu?
— Entendi. — respondi rispidamente.
— Ninguém tenta algo contra você e sai ileso, seja o quem for. — revirei meus olhos.
— Afinal isso é um direito que só você tem, não é mesmo? — sorri ironicamente.
Voltei a olhar para fora, e me afastei. Pude ver pelo vidro do carro que ele me olhava, mas se pensou em falar algo desistiu e voltou sua atenção para o celular. Algumas horas depois, já no meio da tarde chegamos ao nosso destino.
A pequena vila estava em festa, eu sorria ao ver as crianças correndo atrás da comitiva real. Os carros seguiram até as casas que pertenciam ao meu pai. Assim que o carro parou e fui sair Haidar segurou em meu braço. Olhei para ele que me observava.
— Serão quatro dias Ayra, vamos aproveitar que estamos longe de tudo e de todos do palácio, vamos fazer desses dias, bons dias. Acha que pode fazer isso? — suas palavras eram um pedido de trégua?
— Você fala como se a culpa fosse sempre minha.
— Você não facilita meu trabalho, que é cuidar de você, cuidar da sua segurança. — ele me encarava, e por um momento seus olhos suavizaram. — Vou recompensá-la por não ter trazido Lila.
— Claro, mantenha sua serva bem longe de mim, é o mínimo que pode fazer. — falei abrindo a porta e saindo.
Se ele queria falar mais alguma coisa, Haidar teria que esperar, porque assim que sai do carro, fui recepcionada pelas mulheres dos chefes da vila. A atenção e o carinho que eu recebia do meu povo, compensava a falta dele vindo da minha família.
Todas essas pessoas são minha família. Era assim que eu as considerava dentro do meu coração. Fui levada para meus aposentos, e após um banho, uma refeição deliciosa, fui conhecer alguns pontos da pequena vila.
Eu tinha a intenção de melhorar os cuidados com as crianças. Mesmo que seus pais fossem meio contrários com algumas coisas sobre a modernidade, eu não pensava em deixar isso de lado. Nem que por último eu fizesse meu pai decretar.
Mas eu tentaria de tudo a ter que pedir algo a ele. Passada algumas horas nos reunimos na frente da casa onde passaríamos os próximos dias. Havia uma fogueira e as crianças dançavam de um lado para o outro. O clima estava ótimo, por um momento eu consegui sorrir verdadeiramente ao ver a alegria desses pequenos, por somente estarmos aqui.
Fui puxada por duas meninas e começamos a dançar, só tinha mulheres, ao menos foi o que pensei, mas notei que Haidar estava em um canto conversando com um dos chefes da vila e sua atenção estava em mim. Ele concordava com o que o homem falava, mas não sei se prestava atenção.
Virei de costas e continuei dançando. Não sei por quanto tempo ficamos assim, mas no momento em que as crianças pararam e baixaram as cabeças se afastando de mim, eu sabia que ele havia se aproximado. Olhei para trás e o vi se aproximar com o celular em mãos.
— Seu irmão. — falou ao me entregar o aparelho.
— Karim?
— Ayra, como você está? — sorri ao ouvir sua voz. — Pensei que conseguiria ver você antes da sua partida.
— Se você não viajasse tanto, passaríamos mais tempo juntos. — cutuquei-o mesmo sabendo que a culpa não era dele.
Tudo que sua mãe queria era nos afastar, e dar o máximo de responsabilidade a ele, mesmo que Karim fosse o herdeiro do trono, ela temia que eu pudesse fazer alguma coisa para impedi-lo de assumir.
— Você sabe que se dependesse de mim, seria mais fácil. — eu sabia, e como sabia.
— Eu sei, mas não consigo deixar de sentir saudades. E, eu estou bem. — falei olhando para Haidar que me encarava.
— Sei que sim, se não estivesse, eu já saberia. — revirei meus olhos. Ele ficou em silêncio, e pela forma como soltou a respiração eu já imaginava o que ele falaria a seguir. — Ayra, veja se não se mete em confusão, porque assim que voltar vamos viajar juntos. — suas palavras me animaram. Sorri.
— Está falando sério?
— Sim. Já falei com Haidar e ele está arrumando tudo. Só se comporte. — revirei meus olhos. — Prometa. — ele insistiu.
— Eu prometo. — falei e somente com os lábios eu pronunciei a palavra "tentar" sem que Karim pudesse ouvir, mas eu sabia que Haidar tinha lido meus lábios. Foi a vez dele de revirar os olhos. Eu ri. — Te amo, irmão. — me despedi, e entreguei o celular a meu primo.
— Já terminou por aqui? — ele perguntou enquanto guardava o celular no bolso, eu ainda estava animada, mas as crianças já tinham ido embora por causa da presença dele.
— Pelo visto sim. — falei e comecei a andar em direção a casa, mas ele segurou minha mão.
— Venha comigo. — pensei em não ir, mas ele insistiu me puxando. — Tenho uma surpresa para você.
— Não sei se gosto de suas surpresas. — ele riu.
— Você vai gostar. — falou me olhando.
Começamos a caminhar e eu não fazia ideia de para onde ele estava me levando. Mas o início da noite estava agradável. Caminhamos em silêncio, até pararmos em frente a um estábulo. Haidar fez sinal para um homem que estava na porta, e o mesmo entrou.
— O que tem aqui? — perguntei curiosa.
— Vamos cavalgar. — tentei esconder o sorriso, mas ele sabia o quanto eu amava, então foi impossível.
— E, por quê? — eu estava desconfiada, mesmo que estivesse ansiando por isso.
— Meu pedido de desculpas pelos últimos dias. — o encarei sem entender.
— Você nunca se desculpou antes por me tratar mal. — acusei, porque era verdade. Ele expirou profundamente.
— Não peço desculpas quando tenho que te punir de alguma forma pela sua desobediência. — cruzei os braços e o encarei.
— Eu não quero ter essa conversa, estou cansada e quero tomar um banho.
Falei me afastando, mas escutei um relinchar e quando olhei em direção ao celeiro, o homem que havia entrado segurava as rédias de um cavalo. Olhei para Haidar que tinha um sorriso singelo.
— Tem certeza? — ele sabia que eu não conseguiria negar.
O homem se aproximou dele e entregou as rédias do animal e voltou a entrar. Ficamos em silêncio, eu acariciava o cavalo e Haidar verificava a montaria. Então me dei conta que não estava com roupas apropriadas.
— Não estou vestida adequadamente. — ele parou o que estava fazendo e me olhou.
— Não se preocupe, iremos para um lado desabitado. — ele não precisou falar duas vezes.
Notei que o homem tinha trazido outro cavalo. Haidar me ajudou a subir e pegou as rédias do outro animal e o montou. Deu algumas ordens aos seus capangas, que eu quase nunca os via, mas sabia que sempre estavam por perto.
Ele fez sinal para que eu o seguisse, e assim o fiz. Dei a ordem ao cavalo que estava montada e ele seguiu Haidar como se já soubesse para onde ir. Assim que saímos da vila, Haidar me olhou e falou:
— Vamos, me mostre o que você sabe. — ele instigou ao cavalo a aumentar a velocidade, fiz o mesmo.
Eu sentia o vento cortando meu rosto, o gostinho da liberdade se infiltrar em minhas narinas, eu sabia que era algo falso, que eu verdadeiramente não era livre, mas era gostoso pensar que pelo menos por algumas horas eu podia fazer o que quisesse sem dar satisfação a alguém ou simplesmente saciar um desejo meu.
Por algumas vezes Haidar permitiu que eu ficasse a sua frente, e fazia cara de derrotado quando eu o passava, mas sabia que era somente porque ele deixava. Não sei ao certo quanto tempo cavalgamos pelo deserto, mas quando voltamos já não havia ninguém da vila acordado. Isso era sinal do horário avançado da noite.
Eu sentia meu corpo vibrar com a adrenalina. Estava sendo difícil me despedir do cavalo. Eu ainda estava passando a mão em seus pelos, quando senti a presença de Haidar ao meu lado.
— Vou poder cavalgar nele novamente antes de irmos embora? — perguntei.
— Você vai poder fazer o que quiser, ele é seu. — eu o encarei.
— Sério?
— Sim, é meu pedido de desculpas, mas só não o use para tentar fugir. — eu acabei rindo, e ele também.
Fugir era algo que já havia passado pela minha cabeça, mas as consequências foram pesadas demais, então minha única esperança de fugir do meu terrível destino passou a ser meu casamento. Eu me casaria e me livraria de tudo. Mas até mesmo isso hoje já era uma possibilidade distante.
— Você sabe que eu não faria isso. — falei passando a mão na crina do cavalo, perdida nas lembranças do que aconteceu no passado.
— Eu sei. — ele parou ao meu lado. — Eu tenho algumas coisas para resolver amanhã, e não sei que horas vou me desocupar, então caso queira sair para cavalgar.
— Você vai me deixar sair sozinha? — eu estava surpresa.
— Você vai poder sair com três dos meus homens. — fechei a cara. — Não faça essa cara, você sabe que sua segurança sempre está em primeiro lugar.
— Eu sei. — seu celular começou a tocar e ele se afastou para atender.
Voltei minha atenção ao animal e sorri.
— Eu ainda não sei seu nome, mas amanhã nos vemos de novo amigo. — me afastei permitindo com que o homem o levasse para o estábulo.
Haidar ainda estava conversando, então decidi seguir para a casa, porque eu agora mais do que nunca estava precisando de um banho. Assim que entrei no quarto que estava ocupando vi Mira deixando algumas roupas minhas em cima da cama.
Respirei fundo e segui para o banheiro sem falar nada, e nem ao menos olhar para ela. Eu sabia que mesmo com meu pedido para que ele a mantenha longe de mim, isso não seria atendido. Tomei um bom banho, e quando sai do banheiro tinha uma refeição generosa servida em meu quarto.
Eu não sabia o que estava acontecendo comigo, mas há algum tempo eu não consegui comer a noite, no máximo eu tomava algum chá, ou comia uma fruta. Foi o que fiz, peguei algumas tâmaras, e me sentei no sofá, e pensei no dia de hoje.
Apesar de ter começado com a notícia dessa viagem de última hora, o dia tinha acabado bem. Sorri, ao lembrar do presente que ganhei. Haidar sabia como me agradar quando queria. Pensar nele, me fez lembrar que não agradeci.
Será que ele já estava dormindo?
Achava difícil. Então sai do quarto e perguntei ao guarda, onde era os aposentos do meu primo. Ele me acompanhou até que indicou uma porta. Bati.
— Entre. — ouvi, e entrei.
Não fiquei surpresa ao ver Mira em seu quarto. Haidar estava sentado atrás de uma mesa digitando no seu computador, e tinha muitos papéis a sua frente. Levou alguns segundos para que ele tirasse sua atenção do que fazia e olhasse em minha direção.
— Quero falar com você. Mas se estive ocupado, posso esperar. — ele fez sinal com a mão para que eu ficasse e olhou para sua serva. Com um olhar ele a dispensou, e assim que ficamos sozinhos, ele se levantou vindo em minha direção.
— Aconteceu algo? — ele parecia um tanto preocupado. Neguei.
— Só queria agradecer pelo cavalo. — seu olhar suavizou e ele se aproximou.
— Não precisa agradecer Ayra. — ele esfregou o rosto parecendo cansado. — Ás vezes sou severo porque sou cobrado, e você não ajuda muito, mas eu quero sempre o melhor para você. — ás vezes suas palavras pareciam contraditórias com relação a suas atitudes, mas entendia sua posição. — Desde o que aconteceu em Mascate. — ele meneou a cabeça e eu sabia sobre o que ele falava. — Só acho que todo cuidado é pouco. — lembrar daquele dia, me trazia muita angustia.
— Foi um acidente. — lágrimas começavam a se formar em meus olhos. — Foi um acidente. — ele deu um passo á frente e me envolveu em seus braços.
— Eu sei. — ele respirou fundo. — Mas não sou estúpido o suficiente para não entender que o tiro era para mim. — tentei me afastar, mas ele não permitiu. — Eu sei, e isso não muda o que sinto por você.
Era a primeira vez que estávamos falando sobre o que aconteceu na minha festa de aniversário em Mascate, á noite em que atirei em Mustafá. Eu não sabia de quem se tratava, e as lembranças que aquela casa me trouxe no dia.
Fechei meus olhos e o abracei de volta.
— Eu estava confusa com as lembranças, e estava com muita raiva.
— Raiva de mim. — ele falou.
— Sim de você. — respirei fundo pensando nas consequências. — Ele poderia ter morrido. — lamentei.
— Mas não morreu. — Haidar se afastou somente para poder segurar meu rosto e me fazer olhar para ele. — Não carregue o peso do que poderia ter acontecido, porque não aconteceu. — eu neguei.
— É minha culpa. — admiti.
— Ninguém tem como provar nada, eu cuidei de tudo. — olhei para ele.
— Você nunca me perguntou nada sobre aquela noite, nem mesmo porque fiz aquilo. — ele passou a mão em meu rosto, limpando as lágrimas que ainda caiam.
— Eu não preciso saber os motivos que te levaram a fazer aquilo. E nem me preocupo com o que poderia ter acontecido a ele. — ele me olhava sério. Ele não se importava que Mustafá quase morreu, ou com o fato de eu ter quase matado alguém. — Mesmo que eu tenha certeza que o tiro era para mim. Não importa Ayra, você sempre vem em primeiro lugar, sempre. — eu o abracei novamente.
— Ele sabe que fui eu. — falei, lembrando da conversa que tive com Mustafá no hospital, e ele falou que eu devo um favor a ele. E, que ele cobraria.
— Não importa. Ele nunca fará nada contra você.
— Como você tem tanta certeza? — perguntei me afastando para olhar em seus olhos.
— Eu vou cuidar para que isso aconteça.
Suas palavras fizeram um arrepio percorrer meu corpo, pela frieza que soava de sua voz.
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