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•Capítulo Trinta e Quatro•

Antonella

— Você está tão desanimada. — Maggie comentou, ela estava sentada no sofá da sala de estar, o ar ao nosso redor carregado com uma energia estranha, diferente de tudo o que já senti.

— Está acontecendo tantas coisas aqui, Mag. — falei com um suspiro de pesar. — E eu não tenho mais você aqui comigo para me distrair.

Maggie soltou uma risadinha, suas mãos com as unhas perfeitamente cuidadas e pintadas de vermelho massageando seu pé direito.

Aquilo tudo era tão real que estava quase sendo impossível de não  acreditar. Só podia ser um sonho, um sonho bom.

— Você tem Simona. — ela olhou para mim com seus lindos olhos castanhos escuros, seus cabelos da mesma cor caindo em linha reta pelos seus ombros até o quadril.

— Simona trabalha muito. — argumentei com um bico. — Você ficava aqui comigo o dia todo, eu sinto falta disso.

— Irmãzinha, não se faça de coitada, okay? Você tem um ótimo motivo para não sofrer por minha causa. — disse com seu ar zombeteiro de sempre.

— Você trabalhar para Simona não é  motivo bom o suficiente para me desgrudar do seu pé! — brinquei, a cutucando. Fiquei maravilhada — e surpresa — quando senti sua pele  quente, como eu me lembrava.

Abaixei os olhos para as minhas mãos juntas no meu colo e quando olhei para cima, encontrei Maggie me encarando séria.

— Você sabe que está ficando louca, não sabe? Seres humanos não conversam com mortos. — comentou, erguendo a sombrancelha.

— Você é apenas um fruto da minha imaginação. — admiti. — Eu sei que estou dormindo, só queria passar um tempo com você.

Maggie fez uma careta.

— Se eu estivesse viva te bateria várias vezes na cabeça para tirar essas paranóias desse seu cérebro sem neurônios.

Gargalhei com o seu comentário, Maggie sempre me fazia rir quando eu estava em um momento ruim.

— Não se preocupe, vou me certificar de não conversar com você quando estiver acordada. — pisquei para ela, rindo da careta que ela fez.

Me aproximei dela e deitei a cabeça em seu colo, segurando as lágrimas que ameaçaram sair pelos meus olhos quando senti a sua mão acariciando os meus cabelos.

— Eu tentei te salvar, Mag. Mas eu fui muito lenta.

— O importante era você ficar viva, fui contratada para isso e me afeiçoei a você. — suas mãos continuaram a acariciar os meus cabelos, seu copo sempre tão receptivo de quando eu me lembrava.

— Eu sei. — Suspirei com pesar — Você me salvou.

— Exatamente! — sua mão parou a carícia nos meus cabelos. — E eu quero um lindo funeral, e o meu caixão roxo. Chame Julia, já faz alguns anos que não vejo a minha irmã e quero que ela se despeça da casca oca e gostosa que é o meu corpo.

Gargalhei, virando de barriga pra cima para olhá-la. Maggie retribuiu o meu olhar, seus olhos brilhando com tristeza enquanto fitavam os meus. Talvez fosse a minha tristeza refletida nos olhos dela.

— Eu queria poder trazê-la de volta. — falei em tom de súplica.

— Mas não pode. Você sabe que isso é impossível. — ela passou a mão na minha bochecha, um sorriso fraco nos seus lábios. — Está na hora de acordar, querida.

                                  ~

Abri os olhos. Ouvi a respiração calma de Simona atrás de mim, então senti seu braço circulando a minha cintura e o calor do seu corpo nas minhas costas. Me mexi devagar, franzindo o cenho quando senti uma dor latejante... Naquele lugar!

Meu deus! Eu fizera isso na noite passada, seriamente?

Gemi desanimada e me virei para Simona. Iria acordá-lo, é claro, mas estava receosa, não queria ficar sozinha.

Seus olhos azuis já estavam me fitando no segundo que eu passei tomando a minha decisão sobre acordá-lo ou não.

— Bom dia, meu anjo. — ele cumprimentou, sua voz rouca pelo sono.

— Bom dia... — respirei fundo, desviando meu olhar do dele quando me lembrei o que fizera ontem. — Simona, eu... Sobre a sua mãe... Eu...

— Shh. — me interrompeu, sua mão tocando o meu queixo. — Meu amor, não quero que fale sobre isso, Marta tentou te matar e você apenas se defendeu. Ponto.

Olhei para ele confusa.

— Tem certeza? Eu acho que você merece um pedido de desculpas, ela era a sua mãe apesar de tudo.

Ele negou com a cabeça.

— Ela apenas me carregou dentro da barriga dela, mas não foi uma mãe para mim... Além de tudo, ela matou o meu pai e nos traiu quando se juntou com os russos.

Mordi o interior da minha bochecha, estava incomodada com aquelas mortes, e ainda confusa e perplexa por ter matado Marta a sangue frio. Estava com tanto ódio e tão magoada que não consegui parar.

— Eu sou uma assassina. — comentei com um choramingo.

Simona riu, me fazendo olhar para ele.

— Porra, você não é. — ele meneou a cabeça em negação. — Você é forte e determinada Antonella, é diferente, você apenas se defendeu.

— Eu poderia ter apenas parado, Simona. Sua mãe não teria morrido se eu tivesse parado!

— Você fez certo em não parar, Marta merecia a morte e você me livrou da raiva e do constrangimento que seria matar a minha própria mãe. — Simona segurou o meu rosto em suas mãos, seus olhos azuis fitando os meus. — Você é a mulher de um criminoso, porra! — e me beijou.

                                •••

Simona estacionou o carro na entrada da minha antiga casa. Todo o meu corpo se arrepiou com a avalanche de lembranças ruins de quando eu ainda morava ali. Os maltratos do meu pai, — agora morto, — a minha mãe sempre machucada e Paolo, que vivia doente por falta de cuidados.

Mas isso se foi quando Paolo apareceu na porta da frente, seus cabelos escuros maiores, cobrindo a testa e as orelhas e seus olhos verdes esmeraldas idênticos aos meus.

— Ele está tão lindo. — comentei com Simona, observando Paolo inquieto de ansiedade na porta da frente.

Ele estava maior, mais forte e com mais cor. Já não era mais o menino pálido de antes.

— Certo, vamos lá ver a sua família. — ri, percebendo que Simona não concordou comigo sobre Paolo estar lindo.

Ele abriu a porta do lado do motorista e eu abri a porta do meu lado, saindo e a fechando.

Paolo andou até o topo dos três degraus na frente da casa, seu rosto uma máscara de ansiedade.

Simona e eu andamos até ele e eu não esperei mais nenhum segundo antes de abraçá-lo, forte e cheia de saudades.

Paolo já estava alcançando o meu ombro, quase do meu tamanho, e eu estava tão orgulhosa dele ser esse menino forte e bondoso, e não estar se tornando o mesmo monstro que fora o nosso pai.

— Você cresceu muito! — comentei com um sorriso, segurando seu rosto nas minhas mãos.

Deixei beijos estalados por todo o seu rosto, o fazendo rir.

— E você está gorda. — franzi o cenho para ele.

— Não se chama uma mulher de gorda! Isso é indelicadeza!

Paolo revirou os olhos, rindo.

— Eu quis dizer que você está mais... — ele fez um beicinho, pensativo. —
Diferente. Sadia? É assim que se diz?

Gargalhei, batendo em seu ombro.

— Sim, e eu já entendi. — olhei sobre o meu ombro para Simona, ele continuava quieto ali, sério, apenas observando. — Onde está mamãe? — perguntei olhando para trás dele.

— Está na cozinha preparando o almoço, ela pediu que assim que você e seu marido chegassem, era para irem lá. — ele deu de ombros. — Já disse.

— Certo. — olhei para trás, para Simona, e estendi a minha mão para ele. — Vamos?

Ele apenas segurou a minha mão e me seguiu para dentro da minha antiga casa. Os móveis eram os mesmos, mas a casa estava mais clara, mais alegre e não tinha cheiro de cigarros e charutos, nem bebida e mofo, como tinha quando o pai estava vivo.

Paolo subiu as escadas, — para o quarto dele — supuz.

— A cozinha fica para cá. — chamei quando percebi que Simona estava olhando para onde Paolo fora. Olhei para as escadas também, imaginando o que estava se passando pela cabeça dele. — Ei. — chamei de novo, Simona olhou para mim, piscando várias vezes. — Está tudo bem?

— Sim, só estava me lembrando de quando era um garoto. — ele meneou a cabeça. — Parece que foi a uma vida atrás.

Continuei olhando para ele, apenas escutando. Sentia que era importante para ele falar sobre aquilo.

Senti o cheiro inconfundível de cordeiro assado e sorri, mamãe era uma peça.

— Vamos? — Perguntei, dando um leve puxão na sua mão.

Simona sorriu e passou um braço pela minha cintura, me puxando contra ele.

Minha mão subiu para o seu ombro, olhei dentro das grandes piscinas azuis que eram os seus olhos. Estava tão feliz agora, me sentia completa, revigorada, mesmo que a morte de Maggie ainda doesse como nunca dentro de mim. Mas eu tinha Simona, e isso era como um bálsamo para mim.

Até daqui a pouco!❤




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