12 | Lavoura de ruínas
Oi, oi, incomunzetes!!! Como estão por aí??? Passaram bem as festas e o ano novo?
Espero que 2025 seja gentil com todos nós e que consigamos ter mais do que nos é importante 💜 Vai ser o ano de finalização de Incomum Acordo, então já fico bem sensível porque essa história já me ensinou e amadureceu muito 🥺 Deve ter uns 19~21 capítulos!
Muito, muito, muito obrigada mesmo a quem acompanha e comenta, sériooooooo 😭 é super importante pra mim e fico bobinha com os comentários!
Só lembrando que esse capítulo é narrado pelo Jimin (o livrinho é o emoji dele!)
Boa leitura e, se gostarem, comentem, porque é o que mais me motiva!!
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Colhe-se o que se planta. Deveria ser um ditado para amedrontar, para impedir que pessoas ajam de maneira vil, ou a perversidade retornará na mesma medida. Para encorajar que as pessoas ajam de maneira generosa, porque se beneficiarão. Porém, colhe-se o que se planta; não só quanto ao outro, mas também a si.
Plantamos, ostensivamente, monoculturas a se perder de vista. Frágeis, porque a diversidade protegeria caso uma praga acometesse certa espécie. Egoístas, porque não alimentam ninguém.
Monoculturas com sementes selecionadas a dedo com tudo que não nos fará bem. Para que tenhamos uma colheita de nossos fracassos pessoais, de nossas neuras, de nossa autodepreciação. Poucas coisas são mais humanas do que uma lavoura de ruínas.
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Naqueles tempos, desenvolvi uma notável e contraditória habilidade: a de não notar. Capas de revistas, comentários de internet, perguntas específicas de entrevistadores e conhecidos.
Não notar o álbum que meu aplicativo de música insistia em pipocar na tela inicial. Não notar a forma visceral como eu escrevia a tal história que eu nem sabia o que era — e não notar, talvez, o fato de que nunca mandara nenhum trecho para Namjoon e nem pretendia. Passei boas semanas fugindo das conversas e das reuniões com meu editor — não apenas por não estar escrevendo o que deveria —, e acatando todos os convites de Taehyung. Jantar, teatro, jardim botânico; uma imensidão de destinos, opções e coisas que eu poderia notar. Notações seguras.
Eu já me considerava faixa preta em não notar — tanto quanto eu era, antes, um mestre em notar e escavar — quando Jungkook deu um basta. Um basta sorrateiro e manso, todo perfeitamente justificado: seu aniversário.
Até então, o não-notar era amparado pela correria pós-lançamento de álbum de Jungkook. Amparado, mas também alimentado. Com o surgimento do tal aniversário, enfim parei para notar. Na verdade, parei para ter certeza sobre todas as suspeitas que esgueiravam, malquistas, pelos cantos de meu olhar.
Por muitas vezes, eu reconhecera a voz de Jungkook compondo o ambiente — cafeterias, lojas de calçada, parques cheios de pessoas cujo ápice do prazer era ouvir música alto, programas de rádio enquanto eu acabava arrastado de carro de um ponto a outro a fim de cumprir agenda. Naquele último mês, só notara — mesmo fazendo questão de não notar — um silêncio. Um silêncio de Jungkook.
Antes fosse um silêncio generalizado; seu nome permeava todos contextos possíveis e imagináveis. E em todos aqueles contextos eu aparecia — pior, protagonizava — sendo seu namorado.
Sem escapatória, enfim cedi aos desejos do meu aplicativo de música e cliquei no álbum que não largava minha tela inicial. E então atestei o motivo de tanto me procurarem: eu estava nas entrelinhas, nas sobrelinhas e nas sublinhas de cada verso, embebido em cada refrão das músicas.
Não era minha primeira vez como protagonista de um álbum, então não entendera todo o rebuliço — que eu não notara, claro — que escapara das estribeiras do marketing. Entretanto, ao ouvi-lo até o último segundo, com toda a completude do meu ser, eu só me confundia mais: as músicas arrepiaram-me os pelos, umedeceram-me os olhos, arrebataram-me o peito. Se "parafraseei", que não me trouxera nenhum daqueles sentimentos e possuía letras muito mais polêmicas, tinha estourado e fora tão aclamada, por que "arqueologia" recebia um tratamento tão diferente?
De qualquer forma, ao ouvir até o fim, sentir tudo que havia para sentir e notar tudo que havia para notar, a decisão já havia sido feita por si só. Era uma questão de tempo, uma que tentei ingenuamente evitar — como se enquanto eu me mantivesse longe de Jungkook, interromperia a linearidade do tempo da nossa própria história, congelando-a em sua forma inócua. Tudo já fora prorrogado em demasia. Minha comodidade gerara danos irreversíveis.
Jungkook [19:43]
vem aq
preciso de ajuda p pensar onde vou fazer meu aniversário
queria uma coisa + íntima, mas sl
separei umas opções
roubei td da heeyeon
já te contei q faço isso?
parece q sáfica nasce com um guia de locais e restaurantes legais embutidos em um pedaço do cérebro delas
Jimin [19:43]
Contou, sim.
Certo, estou indo.
Como para mim não há distinção entre roupa de usar em casa e de usar na rua, peguei meu celular, chaves, bolsa, e saí. Desci o pequeno morro até o ponto de ônibus. Eu não era dono de carro, bicicleta, metrô nem nenhum meio de transporte. Era passageiro, sempre.
Jungkook me recebeu com um abraço apertado, um suspiro longo e com o cheiro neutro de seu corpo morno. Depois, sorriu. Por último, segurou meu rosto com cuidado; daquele jeito que sempre antecede um beijo longo e terrivelmente lento.
— Ufa, ainda bem que essa semana acabou! — gemeu, comigo ainda em seus braços. — Como foi a sua? Aliás, comprei comida japonesa, espero que esteja com vontade também.
— O álbum tem te dado muito trabalho?
— É... Dá pra dizer que sim — comentou devagar, como se mastigando cada palavra. Encarou-me de baixo a cima. — Você anda muito ocupado também?
— Tenho me ocupado bastante escrevendo essas semanas — não menti. Ocupei-me. Não por prazo, nem ao menos escrevendo algo publicável. Talvez houvesse me ocupado para respondê-lo daquela forma, sem titubear. E, antes que perguntasse: — Para não me distrair, nem tenho consumido muita coisa. Livro, TV, música, rede social... Entrei em meu modo eremita. A senhora Youngok, da padaria, têm me dado muitos sermões por eu não saber continuar as conversas de atualidades com ela.
Mais uma verdade. Só o foco da minha não-distração que não tinha a ver com a escrita em si; ou talvez, visto que não escrevia o que deveria. Jungkook encarou-me mais um pouco, abriu a boca e um arrepio percorreu minha espinha. Entretanto, mudou a rota e soltou um suspiro. Longo, quase sentido. Suspirei igual; ou melhor: meu coração suspirou, minha alma talvez, meu rosto nem se moveu.
— Então, quais as opções para seu aniversário? — perguntei para manter a roda girando. Fui desembalar a comida japonesa no balcão da cozinha. — Quem você quer chamar?
— Não sei, tô com preguiça, na verdade...
— Imagino que você não tenha o direito de ficar com preguiça, o que seus pais vão pensar?
— Ah, vou lá comemorar com eles uns dias depois. Você sabe, lá em casa, qualquer evento que dê motivo pra comprar mais comida e chamar mais vizinho é sucesso. Meu aniversário não consegue fugir do destino. Quer ir junto?
Mesmo com o iminente e constante risco de mancharmos o sofá, servimos o jantar na mesinha de centro. Talvez fosse a vista da janela que nos atraísse: o mar de luzes e finitudes. Sentamos ao lado um do outro e deixei que a comida ocupando a boca servisse de justificativa para minha demora em responder:
— O prazo para o fechamento do primeiro rascunho do meu próximo lançamento está chegando, temo que não terei tempo.
— Ah, justo! — Engasgou-se, quase. — Tá muito complicado? Tipo, esse livro?
— Não realmente, só é longo. Às vezes eu poderia ser menos prolixo. Também sempre tenho projetos paralelos porque me ajudam a me manter revigorado para escrever o principal, e eles têm atrasado um pouquinho.
— Nem me fale de atraso... Era pra eu ter terminado esse último álbum umas três semanas antes, atrasei todo meu cronograma de lançamentos do ano. Não costumo atrasar.
— Também não.
Trocamos mais olhares, em silêncio. Todos aqueles sentimentos engasgados navegavam alegremente na ausência do som; um completo desrespeito à nossa tentativa de discrição. Havia chegado a um ponto em que meias frases e meias palavras não funcionavam com Jungkook, além do próprio não ser mais tão direto e literal. Todo meu controle e meu poder, meu motivo de orgulho e de tranquilidade, era uma vela no fim de seu pavio.
— Bem, então você quer uma festa mais discreta... — continuei. — Um jantar em um restaurante com amigos mais próximos?
— Nem tenho muito amigo próximo. — Jungkook suspirou e deixou as costas apoiarem no sofá. — É esquisita, sabe? A vida aqui.
— Em que sentido?
— Lá na minha cidade eu podia considerar todo mundo meu amigo. Pessoal da rua, pessoal da escola, pessoal da banda, pessoal da padaria... Qualquer pessoa. A gente ia na casa um do outro sem mais nem menos, a convivência fazia todo o trabalho. Aqui... Aqui não tem isso. Gosto do Hoseok e do pessoal da minha banda... Mas sei lá, não são meus amigos. Muito menos Seokjin. Heeyeon prefere levar um tiro no pé do que se considerar minha amiga. Sinto como se eu fosse antissocial, mas nunca achei que fosse até agora. Mas acho que não parei pra pensar também. A rotina e os costumes dessa cidaded não deixam espaço pra você, sem querer, ir e voltar pelos cantos de alguém e chamar isso de amizade.
— De fato, aqui tudo é cronometrado e planejado. Pode parecer esquisito, mas até que me agrada.
— Agora que parei pra pensar... — Jungkook coçou o queixo, todo teatral. — Você é daqui?
— É sua pergunta da semana?
Coçou o queixo ainda mais e espremeu as sobrancelhas uma contra a outra. Sempre ponderava tanto cada pergunta... era de fato cômico. Eu até mesmo flagrara uma vez várias perguntas anotadas em seu caderno — a maioria rasurada, provavelmente sensíveis demais para serem perguntadas. Definitivamente sensíveis demais, concordara eu ao decifrá-las entre os rabiscos —, mas mesmo com tanto planejamento, sempre cedia às perguntas casuais do momento. Nunca reclamei nem reclamaria: daquela forma, ele não perguntava bem, e eu mantinha minhas respostas importantes para mim.
— É, pode ser.
— Sou da mesma cidade que você e sua família.
— Sério?! — Sua voz mansa subiu um tom. — Faz muito tempo que você se mudou?
Ergui uma sobrancelha para ele e me demorei cutucando as peças com o hashi. Jungkook bufou:
— Como pode qualquer perguntinha ser paga pra você! Olha onde o capitalismo chegou...
— Não é qualquer perguntinha.
— Então é tão importante assim quando você chegou aqui? Jimin, olha bem pra minha cara, acha mesmo que vou desvendar qualquer um dos seus mistérios com uma informação desse tamanho? Tenho um total de dois neurônios, sou uma porta!
— É, não é importante — respondi, apesar de parte de mim achar ser. De qualquer forma, continuava sem mentir, já que eu mesmo conflitava em minha opinião. — Foi aos dezoito.
— Por quê?
— Só estou curioso com uma coisa: o que esse assunto tem a ver com o planejamento do seu aniversário, lindo?
Jungkook suspirou e, felizmente, aceitou mudar de assunto:
— Bem, acho que quero comemorar só nós dois, você se importa? Nem tenho amigos aqui direito. Não quero muita bagunça porque já vai ter lá nos meus pais, mas também não quero ficar sozinho.
— Não me importo. O que você gostaria de fazer?
— Ah, não sei... Tava olhando as coisas da Heeyeon e semana passada ela foi em umas cachoeiras bonitas? Tem uns chalés aos pés da montanha, então não precisa ser um bate volta. Parece legalzinho.
— Se você está tão decidido, acho que é uma ótima ideia.
— Mas você, gostou dela?
— Claro! Não sou exigente: gosto de toda e qualquer ideia. É a essência de um escritor.
— Pensei que escritores sempre buscassem a melhor ideia pra uma história.
— Alguns, sim. Os infelizes, talvez. — Uma risada escapou de meus lábios. Era eu um escritor feliz? — Tem quem diz que um escritor exímio é aquele que sabe emocionar com qualquer ideia, com qualquer banalidade. Concordo até, mas para mim é mais uma questão de paz. Um escritor em paz é aquele que se agrada e se diverte com qualquer ideia.
Os olhos de Jungkook me revistaram mais uma vez, com o comprometimento de um policial desconfiado. Os lábios estremeceram antes de abrirem em um sorriso e, em uma mansidão, soltarem:
— Gosto disso, de você gostar de qualquer ideia.
Falha minha, eu diria. Esquecera de mencionar uma importante exceção: aquilo que cultivávamos em cima do relacionamento de mentira e dos interesses. Das noites quentes e da coleta de histórias. Ervas daninhas, de crescimento rápido e teimoso. Era imprescindível capinar as ideias que não eram boas de se gostar.
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Jungkook — talvez Heeyeon — organizou tudo. Meu único esforço foi acordar de madrugada e entrar em um carro. Ah, e servir de recosto para Jungkook, cujos olhos abriram apenas para me dar um oi antes de voltar a dormir.
Ignorado pela benção do sono, entretive-me com a paisagem enquanto a enorme cabeça de Jungkook me pesava o ombro. A mata escura de quando saímos da cidade e pegávamos a estrada não me permitia entrever muito, mas quando, logo antes do nascer do Sol, a vista se abriu para as montanhas e pude apreciar o recorte de suas silhuetas no tímido alaranjado da alvorada, a consciência não me pareceu um tormento tão grande.
Após retas e curvas — mais curvas que retas —, matas abertas e fechadas, céu laranja e céu azul, chegamos ao pé de uma montanha verde. Além de nós, só se ouvia paz. Levaram nossos pertences até um chalé amarelo desbotado e nos receberam com uma farta mesa de café da manhã sobre uma toalha xadrez clichê. Havia muito a se notar, mas deixei a serenidade se unir ao meu cansaço e criar um ócio esquisito e gostoso. Eu e Jungkook comemos devagar ao som do anfitrião discorrendo sobre toda a história do lugar. Não precisar fazer parte da conversa parecia confortar Jungkook tanto quanto confortava a mim.
Depois do café, tomamos um banho e tiramos um cochilo. Acordamos na hora do almoço e comemos — de novo! —, antes de enfim decidir subir a trilha que levava às cachoeiras.
Banhados de protetor solar e repelente e cobertos por roupas que não poderiam ser consideradas as mais belas, mas se mostraram muito úteis, caminhamos em silêncio durante vários metros. Mais que metros, muitos minutos, minutos que se estendiam como o horizonte. Caminhamos mais, passo por vez, imersos no canto altivo dos pássaros e no farfalhar das folhas, gentis, mas ignorantes quanto ao silêncio que se instaurava: um oco. Jungkook passou vários minutos ajeitando o cabelo e roçando a mão na minha antes de se pronunciar:
— Posso fazer uma pergunta pra você? A da semana?
— Nem sei por que perguntar se é a pergunta da semana, lindo.
Ao ter uma prerrogativa para tal, parei de andar e me virei para ele. A expressão preocupada no rosto de alguém cuja habilidade principal era se preocupar apenas com supérfluos fazia minha cabeça gritar para que eu mudasse o rumo das coisas. Talvez não de tudo, mas pelo menos daquele momento.
— Você tá feliz agora? — perguntou. — Tipo, feliz de verdade, sabe?
Forcei um sorriso até ele ser convincentemente meu sorriso de provocação. Tombei a cabeça e cocei o queixo, demorando-me na resposta para que a verdade não soasse tão trágica quanto eu era.
— Acho que nunca estou feliz de verdade, meu lindo. Guardo uma melancolia cativa dentro de mim e temo que a adube e a regue com crenças que eu deveria ter podado há muito. Mas se você quer saber se gosto de estar aqui, com você, e nesse lugar; sim, gosto.
Ele pensou um pouco. Sempre um péssimo sinal e cada vez mais frequente.
— Desse jeito, não sei se fico feliz ou triste! — reclamou.
— Deveria ficar feliz. É seu aniversário, estou feliz de estar aqui e você não tem nenhuma responsabilidade sobre minhas ervas daninhas. Por que você estaria triste?
Arrependi-me da pergunta antes mesmo dela ter saído da minha boca. Meu coração quase explodia o peito. Mesmo agnóstico, rezei para que todo o potencial destrutivo delas se suavizasse.
— Acho que também tô cultivando uma tristeza dentro de mim — respondeu após alguns longos segundos. — Com expectativas que ninguém me deu margem pra criar, mas que criei mesmo assim.
Suspirei de alívio, só para mim mesmo. Ao mesmo tempo, doeu-me. Tudo.
— Acho que nós, humanos, somos assim. Deixamos secar o que nos é bom, e adubamos nossas ruínas.
— É... Boa escolha de palavras.
Mais alguns minutos de caminhada pelos paralelepípedos de pedra nos levaram a uma trilha de terra batida e úmida em meio a uma colina de grama verdejante, tão brilhante que poderia ter saído de algum papel de parede FullHD. As árvores ficaram para trás, como uma guarda após abrir passagem a um aposento mágico. Subimos e subimos a colina, com um céu dolorosamente azul e claro acima e, à frente, montanhas se desenhando de uma forma que se fazia questionar a existência das cidades, se o mundo longe delas era mais belo que o paraíso.
Subimos até o topo da pequena colina. Não daria para chamar de mirante, pois só havia banquinhos de madeira lá, mas a vista era sublime. Montanhas cobertas por um tapete espesso de árvores fofinhas, verde-escuras, uma cachoeira alta ao longe, refletindo a luz do Sol como lágrimas de cristal.
Eu e Jungkook nos sentamos em um dos bancos, o mais ao topo de todos. Lá, o Sol esquentava minhas bochechas queimadas de frio como um confortável e intangível manto dourado. Lá, senti-me seguro apesar de não ter nenhum motivo lógico para tal; apesar de saber, racionalmente, não estar.
— Aquela nuvem tem formato de coração! — Jungkook apontou com uma mão e com a outra entrelaçou a minha. Não fugi do toque, porque tínhamos mais algumas horas e porque o Sol estava muito gentil mesmo.
— Pareidolia.
— Hm? — Jungkook virou-se para mim, e deixei meus olhos se perderem no céu.
— É o nome desse fenômeno de enxergar rostos, objetos, significados onde não há nenhum — expliquei e logo complementei: — É um mecanismo involuntário, até outros animais o possuem; parece que é uma questão evolutiva, de defesa e de sociabilização.
— Ah... — murmurou apenas, mas voltou a olhar o céu e deu um longo suspiro. — Acho que tenho tido bastante.
— Bem, é involuntário, não há o que ser feito.
Aquela não deve ter sido a resposta que esperava ouvir, mas era a que eu esperava falar. Jungkook apertou minha mão com mais força.
— Posso fazer outra pergunta? Mesmo tendo gastado a da semana?
— Ah, lindo, poder você sempre pode.
Jungkook suspirou. Sabia que a regra da sinceridade não se aplicava mais e que eu não facilitaria. Um alívio tomou conta de mim. Mesmo assim, ele tentou:
— Alguma coisa aconteceu?
— Sim, claro. A cada instante, várias coisas acontecem em todos os lugares. Não é um tanto esquisito pensar nisso? Enquanto observamos o céu, no silêncio, nessa paz, desse jeito; podem ter pessoas tendo o pior dia da vida delas. Ou o melhor. Ou o mais barulhento.
— Digo, com você.
— Também está acontecendo: estamos observando o céu, e estou enfiando na sua cabeça conceitos inúteis para sua arte.
— Não são inúteis! — Levantou a voz, acidental e traiçoeiramente roubando meu olhar para si. Abaixou o próprio, mesmo com um céu tão belo para se ver. — Na verdade, tudo que você me ensinou me ajudou com o álbum, mas imagino que você não tenha ouvido.
— Fico feliz em ser útil!
— Você tá estranho.
— Estou como sempre, não?
Jungkook mergulhou em silêncio. Quando minha cabeça já se distraíra com as nuvens, comentou:
— É, tá mesmo. Acho que quem tá diferente sou eu. — Após um suspiro longo, continuou: — E você, não quer me fazer nenhum tipo de pergunta?
Conectei nossos olhares. Era de uma solenidade tanta que ele se encolheu e esforcei-me para não copiá-lo. Então soltei:
— Prefere lutar com um pato do tamanho de um urso, ou com cem ursos do tamanho de um pato?
— O que é isso? — Sem querer soltou uma risada, uma divertida e meio aliviada. Toda óbvia, para variar.
— Não ironicamente, uma pergunta de entrevista de emprego. — Uma gargalhada despontou de mim também. — Acho um tanto constrangedor fazer essa pergunta seriamente, mas justificam que é para testar a criatividade e a reação em situações de alta pressão.
— Me sinto pressionado mesmo, não tenho criatividade pra isso.
— Lindo, você é literalmente um artista. Como pode não ser criativo?
— Só gosto de trampar com música, acho que é isso. Não é bem criatividade. — Deu de ombros e, quando me viu levantar uma sobrancelha, olhou para o outro lado. De qualquer forma, a situação em que nos coloquei também não me dava o direito de questionar mais.
— Mas então: um pato do tamanho de um urso, ou cem ursos do tamanho de um pato?
— Pato é carnívoro?
— Bem, patos comem peixes... Talvez, se tivessem tamanho para comer algo maior, poderiam se aventurar gastronomicamente.
A imagem de um pato degustando quitutes em, sei lá, Paris, tomou minha cabeça e cultivei-a lá. Um charme.
— Hm... Preocupante — murmurou Jungkook, comprometido com a resposta. — Um urso do tamanho de um pato... Se diminuírem ele tipo com uma ferramenta do paint... os dentes e as unhas devem ficar pequeninhas, né? Se eu colocar uma bota... Pato é maior do que uma bota?
— Depende da bota e do pato, acho.
— E uma bota que vai até as coxas?
— Acho que você fica protegido.
— Mas cem é bastante coisa... — Suspirou. Ah, mas desse tamaninho, o urso deve ficar super lerdo. E aí é só correr ou ir chutando um de cada vez. — Suspirou de novo. — É, prefiro lutar com cem ursos do tamanho de um pato.
— Agressor de animais.
Jungkook encarou-me com uma expressão de pura mágoa, envolvido pura e intensamente com a questão esdrúxula. Agradeci às entrevistas de emprego humilhantes.
— Mas você não me deu opção de não lutar!
— Você deveria ser dono do seu próprio destino!
— E isso agora? — Soltou uma risada incrédula. — Por que você tá tão inspirado?
— Tive o desprazer de participar em um podcast com um coach de ladainha corporativa, deslize da minha assessoria.
— Deve ter saído um Frankenstein esse podcast.
— Certamente foi um ultraje. — Suspirei com uma boa dose de sinceridade. — Aliás, Frankenstein é o cientista, sabia? O que cria a "criatura".
— Que cria o monstro?
— Sim, a criatura.
— Não sabia.
— É um ótimo livro — comentei. Prendi um novo sincero sorriso ao que Jungkook tombou a cabeça em meu ombro, com o olhar perdido na paisagem. — Acho que por ter sido um poeta desafiando uma escritora mulher a escrever uma história de fantasma. Só uma mulher teria escrito um terror do tipo, é muito sensível.
— Todo dia você tentando me convencer a ler um livro.
— Tenho conseguido?
— Me deixar mais curioso, sim. Agora preciso de muita vergonha na cara ainda pra parar pra ler.
Ri e Jungkook riu também. Uma paz inesperada se instaurou, talvez uma dádiva dada pelo carinhoso calor do Sol. Conversas mansas, silêncios tranquilos; os minutos foram se passando e passando, o Sol caminhando e caminhando pelo céu. Caminhando a ponto de ser necessário seguir nosso caminho para completar a trilha antes do pôr-do-Sol.
Mesmo sem o amparo do calor do Sol, a trilha continuava leve no coração. Talvez por ora eu, ora Jungkook, vacilarmos em nossos passos e nos aterrorizarmos com a possibilidade de nos sujar na terra úmida. Subimos direto até o topo, a última cachoeira.
Era um enorme paredão de pedra clara, imponente como uma divindade. Em cada um de seus cantos, a água caía de um jeito próprio; mas em todos o Sol refletia e criava pequenas partículas brilhantes como alegria condensada. Sentamos e admiramos, em silêncio de fala, mas ouvindo o ensurdecedor som da água contras as pedras. Tudo muito gigante, e eu pequeno. Pelo menos a imponência da natureza me deslumbrava, enquanto a de coisas intangíveis me amedrontava.
A admiração e o medo lutavam ferrenhamente em meu peito e continuaram naquela ladainha mesmo quando descemos a trilha de volta, parando em cada uma das outras seis cachoeiras. Nenhuma decepcionava, mesmo todas sendo diferentes. Havia a baixa, com um poço largo e raso, perfeita para banho não fosse o vento gelado que queimava a pele; havia a alta e fina que formava um riacho gorgolejante, gostoso de ouvir; havia a que formava dois poços em níveis diferentes; a que tinha uma queda d'água forte e barulhenta. Muitas. Uma beleza de se perder as contas e as vistas.
Quando voltamos ao chalé alugado, com a noite já lambendo sua soleira, fomos recebidos pelo cheiro de citronela e de fumaça do repelente em espiral e por um gato cinza espiando nossos movimentos ao longe, em cima de um toco de árvore. O interior nos abraçou com seu calor, restringindo a brisa cada vez mais gelada a só um sopro vindo da janela.
— Bem, já que a escolha do lugar foi feita por você com a ajuda milenar do bom gosto sáfico, trabalhei bastante para preparar uma surpresa... — comentei, sem muitas expectativas.
Jungkook, entretanto, direcionou-me os olhos brilhantes como um pote de glitter que cai ao chão; sincero, descontrolado e talvez um problema ambiental. Respirei fundo e aceitei. Permiti-me.
Fui até a pequena geladeira e tirei, com muita pompa, um grande pedaço de salmão de lá. Jungkook cobriu a boca com as duas mãos, exagerando a própria surpresa. Deixei uma risada escapar.
— Park Jimin me fazendo comida japonesa? É isso mesmo?!
— Você fala como se eu não soubesse nem fritar um ovo.
— É que você nunca cozinhou nada pra mim, então nem sei opinar. — Deu de ombros. — Mas escolher logo comida japonesa meio que botou moral.
— Não é tão complexo assim...
Já com todos os ingredientes que trouxera arrumados na bancada da cozinha, não esperei nem um segundo para me ocupar. Para tirar a imagem insistente de todas as vezes que comera com Jungkook. Restaurantes, cafés da manhã preparados por ele no apartamento dele, refeições fartas na casa dos pais dele... A única vez em que Jungkook visitara minha casa, também fora quem preparara a comida. Melhor assim. Ao mesmo tempo, temi. Temi que Jungkook percebesse o que acabei de perceber: o peso do gesto. A proximidade oferecida, de bandeja. Esperava que não; cozinhar era tão banal e familiar a ele, nada demais.
Com o arroz já no fogo, recorri ao outro trunfo que trouxera, o rei da anestesia e a droga mais absolutamente aceita pela sociedade: um bom vinho. Estava certo de que Jungkook não o negaria e de fato não o fez quando enchi dois cálices. Ao mesmo tempo, não planejava que ele me abraçaria por trás e encaixaria o rosto em meu ombro, sem dar indícios de sair. Não fugi, tomei uma decisão. Não o negaria, não naquela noite.
Jungkook, surpreendentemente, ficou calado. Grudado em minhas costas, observou-me preparar, largando uns "uau" ali e "nossa" lá com um corte mais preciso no peixe ou fosse lá o que o admirasse. Apenas me soltou para colocar músicas mansas para tocar na caixinha de som dele. Não as conhecia; eram estrangeiras. Eram bonitas, deveriam me encher de vontade do novo.
Sempre que eu soltava a faca, Jungkook puxava meu corpo de um lado para outro, embalando-me no ritmo da música e dele. Eu me deixei ir todas as vezes, com uma gargalhada e às vezes um beijo. Cada gole do vinho me incentivava mais e quaisquer fossem as melancolias cultivadas em mim, eu as deixei murchar, uma por uma.
Montei a maioria dos pratos: makimonos, uramakis, sushis, sashimis, temakis. Jungkook tentou montar alguns, mas não era um de seus talentos. De qualquer forma, divertia-me ver os temakis que, em vez de cones, eram cilindros tronxos, no meio das peças bem montadas. Gostava de ver os makimonos desmanchados. Gostava um gostar bem similar ao de observar a bagunça da casa Jeon.
Já com uma contagem considerável de goles de vinho, Jungkook aproveitou que eu servira a mesa não para se sentar, mas para me puxar em um abraço, de frente dessa vez. Voltou a me guiar de um lado para o outro, corpo colado ao meu, presenteando-me gargalhadas bobas e mansas, em uma alegria sem sentido.
Pele quente, peito agitado, boca manchada de roxo, sorriso límpido. Eu sentia e via tudo, aquela felicidade impossível de se ignorar. Giramos e giramos pela sala apertada até estarmos perto dos cálices de novo, e tomei mais uns goles para participar daquela alegria.
Deixei Jungkook me engolir, com sua boca e com seu riso. Deixei meus pés antes desengonçados abrirem caminho naquele vai-e-vem bobo, feito para se jogar. Deixei minhas mãos repousarem onde lhes era confortável: ombros largos, cabelos macios, rosto caloroso, cintura confortável.
Beijamos, com uma fome de quem tinha a mesa posta e intocada. Agarramos, com uma sede de toque de quem temia a ausência.
Como costumava acontecer na presença de Jungkook, não saberia dizer quando que fui parar no sofá, debaixo dele. A química de nossos corpos, física e palpável, continuava alheia a todas as reações inorgânicas do âmago, oscilantes e inexatas. Mãos apertavam, pernas roçavam, um vislumbre de preocupação sobre a comida até me ocorreu, mas não havia pensamento incapaz de ceder a mais um beijo e um puxão em meus cabelos.
Logo Jungkook, morno, insosso e inodoro, obrigava-me a dedicar toda minha atenção a ele. Arfares eram engolidos como petiscos pela boca alheia enquanto as mãos se perdiam, os quadris se atraíam.
Mesmo no frio, implorávamos para perder cada uma das peças de roupa. Mesmo sem elas, o calor do corpo não vacilava.
Jungkook revirou-me de todas as formas e posições, com mãos, boca, nariz e suspiros. E deixei, sem ao menos um resmungar. Minha famosa firmeza irreverente já vacilava mesmo antes do primeiro gole de vinho, e permiti-me os seguintes apenas para criar uma autojustificativa quando não sobrasse nada do que construíra para o "Jimin". Eu não queria ser Jimin. Não naquela noite.
Então, o não-eu deixou. Ofereceu. Suspirou. Entregou cada pedaço do que não considerava só corpo para a figura que prometera ser não reagente, mas mais parecia um catalisador.
Ao me preparar para o que eu já implorava com os olhos desde o começo, Jungkook beijou minha face devagar e com... um sentimento que mantive inominável. Muito sentimento em cada toque. E ao juntar a carne à minha, entrelaçou nossos dedos com uma doçura distante do salgado de sua pele.
Não fizemos com força, mas força nunca fora nosso forte. Fazíamos cada vez com mais pressa, aquilo sim, como se nossa farsa fosse ser revelada a qualquer instante e nos interromper. Daquela vez, não era pressa; antes fosse. Era uma lentidão dolorosa como os beijos oferecidos por Jungkook toda vez que eu chegava ao seu apartamento.
Não gememos com desespero. Desmanchamos um pouco de cada vez, como pétalas arrancadas em um bem-me-quer, mal-me-quer; sem ímpeto de chegar à pétala final.
O fim, em vez de trazer extasiamento, trouxe uma melancolia destoante do suor e do cheiro de prazer. Jungkook, talvez para amortecer a sensação, arrastou-nos até o chuveiro, para que fôssemos embalados em calor novamente, dessa vez da água.
Jimin começaria uma outra rodada ali, talvez jogado água e iniciado uma disputa despropositada. O não-Jimin, eu, permiti que Jungkook me abraçasse debaixo d'água, com gotas e toques tamborilando a pele.
Jungkook mergulhou os dedos em meus cabelos, e não pude deixar de lembrar da diferença entre sua aspereza em "cor e cheiro" e sua intangibilidade em "sem tapete". Jungkook sempre teve acesso a toques, então eu não esperava que ele conseguisse notar minha distância premeditada. Nunca imaginara que ele sairia da superficialidade das nossas ações. Por aquele exato motivo, eu não deveria me fazer palpável naquele momento, queria ser aquele Jimin de "cor e cheiro", a uma distância segura e confortável, cujos fios eram passíveis de toques ásperos, mas que significavam só aquilo: toques.
Lavou meus cabelos e corpo, apesar de cada ação me macular a alma. Retribuí, com uma roboticidade essencial para me manter funcionando.
Logo, estávamos ambos acomodados, em roupões quentes e felpudos, de cabelos úmidos, à mesa posta e negligenciada. Debaixo da mesa, Jungkook tocava os pés em minha panturrilha. Em vez de afastar, busquei as pernas dele com meus próprios pés. Soltamos uma risada idiota.
Meneei a cabeça e Jungkook fez as honras de começar a refeição. A reação exagerada ao provar um primeiro makimono me levou a rolar os olhos e rir, incrédulo. E fez questão de continuar: a cada peça que comia, gemia num exagero diferente.
O exagero fez falta ao escovarmos os dentes, compartilhando o espelho que teimava em nos enquadrar. Em me obrigar ver o que não queria ver. Em me fazer sentir o que não queria sentir.
Quando deitamos, com o braço de Jungkook pesando sobre mim, tive a deixa de firmar os pés ao chão, mas não o fiz. Troquei as posições e me recostei entre o peito e ombro dele, enlaçado pelo acalanto morno. A temperatura ideal para eu não me queimar.
O cansaço do acordar cedo, das trilhas, do Sol, do prazer se fez presente. E eu o aceitei, assim como fizera com cada pedaço e entrelaço oferecidos pelo dia. O abraço do cansaço e do sono eram um dos prazeres que me eram aceitáveis, ao menos.
Porque o novo prazer precisava ser cortado pela raiz, ou entranharia fundo demais. E quanto mais funda e mais grossa a raiz, mais difícil de manejar.
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gigi tá com os ouvidos sangrando
@gigiliteraldemais
q álbum ruimmmm misericórdia. @jeonjk97 perdeu de vez o juízo???? q merda é essa? termina logo com esse @jimineumesmo pq esse namoro só TE FODE. PARA DE FODER A GENTE JUNTO
Llucas com L
@lucascom2l
em resposta a @gigiliteraldemais e @jeonjk97 e @jimineumesmo
nossa na moral. perdeu total a essência dele como artista... só gosta quem lambe o pézinho desse broxa a qualquer custo, na moral.
Jéssica
@jessnolagodobuscape
em resposta a @gigiliteraldemais e @jeonjk97 e @jimineumesmo e @lucascom2l
Nossa, ouvi agora e achei as letras tão bonitas e as músicas tão interessantes... Não tô entendendo, de verdade.
gigi tá com os ouvidos sangrando
@gigiliteraldemais
em resposta a @jessnolagodobuscape
claro q não né puta? vc é fã desse inferno do jimin, vc não sabe o relacionamento do jk com a gente, e vc não sabe como ele faz música pra gente. ou fazia, né... se continuar assim, n tem mais como eu ser fã. espero q ele faça um pronunciamento!!!!
❧luzinha☙
@jungkookamoreterno
mds... eu n sei o que pensar, nem o q falar
ethan
@ethanluvsjk
em resposta a @jungkookamoreterno
nem eu amg. q esquisito
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Muita coisa acontecendo, né? Alguém aí sacou o que tá acontecendo? 👀
Ah, não esquece de deixar seu votinho! 💜
Qual foi sua parte favorita? Pra mim é difícillll, amo muito o diálogo deles, mas também gosto muito da transa dos dois 😭 melhor parte da minha "carreira" de fanfiqueira foi quando comecei a inserir "hot" só onde eu queria, na moral.
Ahhhh! Não se esquece de me seguir no instagram (sou a callmeikus lá também) porque posto meu dia a dia escrevendo fanfics e alguns spoilers nos stories! Também posto conteúdo e ~outros~ spoilers no feed!
Beijinhos de luz, amo vocês, e até sexta dia 07/02/2025 (meu deus, que loucura ser 2025 já!!!) às 19:00!
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