10 | Açúcar ardiloso
Oi, oi, incomunzetes!!! Como tá por aí???
Por aqui, esse é outro capítulo programado porque sei que estarei na correria no trabalho depois de voltar das minhas férias! Mas aliviada de estar deixando tudo direitinho pra vocês, amo ter essa interação
Só lembrando que esse capítulo é narrado pelo Jimin (o livrinho é o emoji dele!)
Boa leitura e, se gostarem, comentem, porque é o que mais me motiva!!
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Nada mais somos que meigas crianças, mas com o demérito de não nos perceber como uma. Somos facilmente seduzidos por qualquer dulçor, alheios às intenções de quem o oferece pelo encanto da prenda, do mimo.
Culpado seria o mundo, por trazer tanta amargura? Por nos fazer tão desesperados por mero grão de um açúcar ardiloso qualquer?
Ou culpados seríamos nós, por não enxergarmos a doçura do que já se tem? Certamente, mais uma faceta da ganância humana; uma faceta fraca, patética e pueril.
Não havendo agente ao qual se atribuir essa culpa, resta-nos vagar por aí, sem justiça e sem sentença, eternas viáveis vítimas.
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As ruas fora da janela do carro me cumprimentavam com desdém. Nada mais era que um reencontro inesperado e indesejado.
Os pais de Jungkook moravam em um bairro bem afastado do centro. Eu apoiava a decisão com a alma, âmago e ser; não havia nada tão pacífico quanto estar longe da correria forçada típica das ruas principais. Dado meu privilégio de escritor, a inconveniência de estar longe não era um problema, não quando as ruas principais não importavam, ou importavam muito pouco frente à grandeza da casa, do ela representava a você.
Quando o carro desacelerou em uma rua pequena, cheia de carros e bicicletas estacionados na calçada, fiquei maravilhado com as cores diversas e desbotadas das casas, com as pessoas fervilhando na suposta tranquilidade.
Estacionamos em frente a uma oficina de conserto de carros. Jungkook saltou para a calçada, e um homem corpulento de macacão azul-encardido foi de encontro a ele e o agarrou em um abraço de urso. Não precisei ser apresentado, nem fazer grandes adivinhações: o nariz inconfundível dizia por si só.
— Que coisa boa, finalmente ver meu genro em carne e osso! — exclamou e puxou-me em um abraço tão apertado quanto o dado no próprio filho. Pude ouvir minha coluna estalar; talvez ele logo visse o genro em apenas carne.
Eu havia preparado uma resposta perfeita, vinda de uma infinidade de diálogos imaginados e preparados zelosamente para a ocasião; tudo para conquistar aquela família com a mesma facilidade com que eu fazia com o mundo. Uma doce mistura de gracejo, perspicácia e simpatia, mas não fui rápido o suficiente.
— Entrem, entrem! Sua mãe já tava louca de preocupação. Eu falei que o tempo de viagem tava normal, mas quando ela enfia coisa na cabeça, não para quieta, né? Estão com fome? Devem estar cansados, né?
Enquanto ele nos escoltava como reféns muito bem tratados pelo jardim da frente, percebi que a oficina era, na verdade, uma garagem muito espaçosa de uma casa ainda maior. A cor azul bebê da fachada contrastava com o cinzento da oficina. A porta da frente foi escancarada antes mesmo de chegarmos perto, dando passagem a uma senhora cujos olhos eu conhecia tão bem quanto o nariz de seu marido.
— Ai, finalmente vocês chegaram! Já tava pra tirar o desenho dos meninos da Samsoon da TV e colocar no jornal pra saber se alguma coisa tinha acontecido! Jungkookie, você sabe que meu coração não é dos melhores, né? — disse ela, sem parar nem no momento em que abraçou o filho, dicção e pulmões de ouro. — Ai, Jiminie! Que vergonha de primeira impressão! Mas se sinta em casa pelo menos, viu? Como foi de viagem? Tá com fome? Passei na melhor padaria aqui no bairro, acho que você vai gostar!
Chamar de furacão seria subestimar a família de Jungkook, ela era um amontoado furioso de todas as catástrofes naturais existentes. A mesa farta de café da manhã na qual fui acomodado tinha a rotatividade de um brinquedo de parque de diversão: os primos — que também eram vizinhos — chegavam pelo quintal de trás trazendo pedaços de bolo e levando de volta tempero de alho, e a cada minutos apareciam e desapareciam mais primos e mais ingredientes; tios vinham pedir ferramentas para o sr. Jeon; crianças brigavam pelo controle da TV em alto e bom som; sr. Jeon e os homens da oficina jogavam truco enquanto faziam a pausa para o café; cliente querendo ser atendido gritava e batia palmas do lado de fora da casa; Junghyun, irmão mais velho de Jungkook, indevidamente apresentado com a brevidade de qualquer interação feita sob aquelas condições, balançava na rede do quintal, sendo que fora lá para podar os arbustos. Era como aglomerar uma quantidade desproporcional de personagens principais, cada um profundamente comprometido com sua própria narrativa.
A preparação do almoço seguiu na mesma toada, mesmo o café da manhã mal tendo passado. A vizinha chegou com um pedaço generoso de bacon e um repolho lindíssimo, vindo da roça do outro vizinho ainda, e se juntou na preparação do almoço. Pensei em me oferecer para ajudar, mas Jungkook, sua mãe, seu pai, seu irmão, a vizinha e o filho adolescente da vizinha já ocupavam todos espaços possíveis — e impossíveis. Fiquei lá, com as mãos formigando de ócio, enquanto um delicioso aroma de alho e cebola fritos tomava o aposento.
Jonghyun, talvez compadecido de mim, pegou louças e talheres de um armário — diferente do que eu vira Jungkook pegar louças e talheres mais cedo, mas que explicava a infinidade de armários — para que eu servisse a mesa. Cogitei perguntar se tinha um padrão, uma etiqueta, talvez; mas toda a dinâmica ao redor respondia: feito melhor que perfeito. Perguntar apenas atrapalharia o fluxo alegre de falação — dos pais e vizinhos, no caso; Jungkook apenas ouvia, em silêncio e com um sorriso.
Em um tempo recorde e chocante de quarenta minutos, um almoço completo — mais que completo, um buffet de festa, quase — ocupou por inteiro a grande mesa coberta por uma toalha de renda: salada de folhas, salada de repolho com maionese e bacon, uma montanha de arroz, uma panela muito funda de feijão, quantidades chocantes de carne de panela na maior panela de pressão que eu pousara os olhos e uma vasilha de mandioca frita. Todos os utensílios da casa eram colossais, de alumínio martelado, exceto a panela de feijão, de pedra.
Jonghyun me sentou em uma cadeira e se acomodou ao lado, Jungkook me flanqueou do outro. Todos foram se sentando onde havia lugar, sem lógica ou lugares pré-determinados aparentes. O almoço foi tão barulhento quanto seu preparo, com pausas ocasionais quando outros conhecidos apareciam para papear e levavam um potinho de comida embora.
— Jimin, meu querido, é tão complicado fazer as perguntas de sempre pra você! — a sra. Jeon lamentou. — Adoro perguntar sobre o que fazem da vida, mas todos nós já assistimos a série de CDA...
— Somos mais criativos que isso, querida — sr. Jeon argumentou antes de eu sequer formular um gracejo para o comentário da esposa. — E então, Jimin? Sua primeira vez em Busan?
— É. — Em muitos anos, ao menos. — Acho que dá para dizer que sim, lembro de ter passado de carro por aqui algumas vezes.
— Nenhuma sessão de autógrafos? — Jungkook questionou, em choque.
— Não — suspirou Junghyun. — E eu esperei, viu?
— Lamento, mas agora há uma sessão particular para você, isso não nos deixaria quites? — sugeri, com um sorriso convincente, para fugir do tópico. Busan não era pequena a ponto de não terem cogitado uma sessão lá, eu só conseguira recusar todos os convites categoricamente. Todos menos o do meu namorado de mentira, claro.
— Deix...
— Então temos que levar você pra visitar a cidade! — sr. Jeon interrompeu o filho e a refeição como se fosse me jogar debaixo do braço e cruzar a cidade inteira comigo naquele mesmo instante.
— Não se incomode, por favor. Vim visitar a família do meu digníssimo, e estar nessa casa já é visita e diversão o suficiente, garanto!
— É, não dá pra negar que aqui é bem... dinâmico — Jungkook complementou com um riso.
O resto do almoço transcorreu bem. Ainda como uma entrevista, mas uma entrevista que não perguntava sobre meu relacionamento com Busan — nem com minha família, mas o assunto nem viera à tona, talvez Jungkook os avisara de antemão sobre ser um tema sensível.
Falei sobre meus livros, sobre trabalhar em séries, sobre decoração da casa, sobre roupas, sobre comidas favoritas. Eles eram melhores que eu em fazer perguntas para desconhecidos — um talento natural, sem a premeditação que me era característica —, e me ver do outro lado de tal interação foi um tanto quanto curioso.
Mas a cereja do bolo veio depois do almoço, com as louças já empilhadas na pia e todos disputando pelo lugar mais confortável do sofá: a exposição das desventuras infantis de Jungkook. Ele faltava aula para tocar guitarra, mas sempre era capturado de volta pelo irmão estudioso; prendia, com frequência, a cabeça em alguma grade aleatória ou em peças de carro, tanto que os bombeiros da cidade até o chamavam por apelidos carinhosos; comia a própria meleca; tinha pavor de tomar banho.
A avó dele, vizinha da outra casa ao lado — pela minha contagem, a família Jeon possuía ao menos seis vizinhos da casa ao lado, apesar de cada casa ser ladeada por outras duas, apenas —, voltou da confraternização da igreja só para contar da vez em que pedira ao Jungkook de sete anos para virar médico e cuidar dela, e ele respondera que "até lá ela você já deve estar morta, pede pro Junghyun". O avô contara que a oficina tinha um cliente fiel — adulto — por quem o Jungkook de uns dez anos era fascinado e que, no dia que passara para buscar o carro com a namorada, Jungkook a jurou inimizade eterna.
— É a primeira vez que vejo o Jungkookie corar com isso! — observou Junghyun.
— Bom mesmo, devia se envergonhar mesmo de ser tão desalmado com sua preciosa vovózinha! Antes tarde do que nunca! — dona Baram complementou.
Jungkook soltou um suspiro contido. De fato, suas bochechas e suas orelhas pintavam-se de um suave tom rosado. Até sua forma de corar era contida, um charme que eu aprendera a apreciar. Na verdade, o súbito enrubescer espantou-me tanto quanto à sua família.
— Vó, não tá na hora da dona Jangmi passar na casa da senhora?
— Tá tentando se livrar de mim, danadinho? Jangmi sabe que se bater lá e eu não tiver, é só bater aqui.
E, então, procedeu-se a sessão de recordações de micos e de manias do Jungkook criança. Para alguém tão inexpressivo, fora uma criança deveras atentada — pelo visto aquela era a graça; ele ser uma criança tão séria e caladona que nenhum dos professores das escolinhas o acusavam de ser a mente maligna por trás de cada travessura.
Dona Jangmi realmente bateu na porta poucos minutos depois e trouxe com ela uma bacia cheia de lichias colhidas de seu quintal. Crianças — três primos, de cinco a treze anos — desceram do segundo andar da casa para participar da festa de lichias que se sucedeu.
Eu não tinha controle. Nenhum. Eu não conseguia fazer perguntas, não conseguia acompanhar a contação de história de uma pessoa sequer antes de ser abordado e interrompido por outra.
A linearidade fácil das minhas interações do dia a dia soava inocente e choca ao experimentar um pouco da bagunça calorosa. Os repórteres afobados e meio rudes que tentavam me aterrorizar nas coletivas de imprensa pareciam iniciantes na arte de chamar atenção sob tal viés. Até a priminha de cinco anos de Jungkook era mais habilidosa — talvez por ter a prerrogativa de se jogar no meu colo e ficar pulando na minha frente até eu respondê-la.
Depois de um revezamento não competitivo de pessoas, de frutas, de perguntas com respostas interrompidas por surgimento de novos assuntos, convenci a família de Jungkook a me permitir sair para uma caminhada, sozinho. Apesar da hospitalidade, logo notei minha incapacidade de participar da algazarra por mais de noventa minutos corridos, e precisava tomar um ar.
Com Jungkook no meu encalço, eu já suspirava aborrecido quando Junghyun o puxou de volta e fê-lo "parar de ser um chato grudento". Uma risada me escapou.
Permiti que meus passos pela calçada fossem lentos e contemplativos. O bairro me era estranho, e sua estranheza me aquietava o peito. O outono fazia o clima ser aceitável mesmo com a falta de árvores ladeando as calçadas quebradas. Um casal de idosos caminhava do outro lado da rua; uma criança de uniforme zunia em sua bicicleta no meio.
Andei e andei, em busca de um parque ou qualquer outro lugar para sentar e pensar na vida em silêncio. Não havia parque, não havia praça, não havia nem uma rua sem saída sequer. Olhei ao redor e a única alternativa que enxerguei foi a loja de conveniências do posto de gasolina, com algumas mesinhas em frente.
Os frentistas já me fitavam com estranheza, talvez por causa das minhas roupas, mas não havia nenhum outro bar ou estabelecimento à vista. Ao menos, permitir-me-iam ficar em silêncio.
Apesar de empanturrado do almoço farto, comecei a me seduzir pela ideia de um suco. E, quem sabe, de algum docinho fútil. Então, deixei minha entrada na loja ser anunciada com alegria pelos sinetes.
Meus dedos mal relaram na caixa de suco e recuaram; meus olhos fizeram o favor de avistar algo que não me apetecia. Roubaram-me a diversão e a fome. Eu me sentia enjoado.
Apertei o passo. A saída estava ali, ao meu alcance, quando um aperto leve se fez em meu ombro.
— Mini... É você, não é?
— Não sou.
— Eu sei que é você, Jimin... — sussurrou. Virei o rosto e encontrei o caixa da loja. O olhar salpicado de sofrência, a expressão tristonha. Não me despertou um traço sequer de compadecimento; a vida me ensinara sobre a falsidade das pessoas, sobre a falsidade dele. Sua habilidade de atuação extrapolava até a de Taehyung. — Eu só queria te pedir desculpas. Podemos conversar?
— Não quero te ouvir.
— Por favor...
— O que você quer de mim? Foder comigo de novo? — Minha voz subia um tom por frase, alheia ao meu desejo de autocontrole. Uma inspiração longa ajudou um pouco, com a voz quase normal, perguntei: — Imagino que não aguente, não é? Ver-me bem.
— Não... Não é isso! — retrucou, sem firmeza; a firmeza lhe era extrínseca. — Por favor, deixa eu me desculpar.
Uma gargalhada rasgou minha garganta. Rancorosa e incrédula.
— Você é tão egoísta... Só quer livrar a si do fardo, não? Quer meu perdão para ficar em paz, sem se importar com o quanto esse ódio me é importante. Quer ganhar para si, tirando de mim. Não mudou nada.
Ele olhou para os próprios pés. As poucas pessoas na loja se amontoavam nos cantos das estantes para assistir à cena.
— É... Verdade, te entendo — gaguejou, patético. — E... eu... trabalho nessa loja aqui. De quarta a domingo, no horário comercial. Se um dia você estiver se sentindo bondoso pra me ouvir... Seria muito importante... pra mim.
— Temo que você tenha matado essa bondado de dentro de mim — respondi; não frio, mas congelado. Qualquer emoção boa que pudesse ser cultivada dentro de mim apodrecia antes de florescer, soterrada em piche. Surpreendi-me por todo o rancor ser tão genuíno, tão forte quanto antes.
No caminho de volta, o bairro parecia tomado por sombras daninhas; e o clima agradável de outono virara uma frieza devoradora. Tudo crescia, assomava, rugia; numa tentativa nada vã de me ameaçar. Como os frentistas, como os outros clientes da loja, como aquela pessoa. Apertei o passo. Minha divertida jornada de exploração se transformara em um pesado e inconveniente perigo muito mais rápido do que minha cabeça já paranoica ousava imaginar.
Eu não deveria ter aceitado vir para Busan. Aquele fora meu erro.
Quando passei pela porta sempre destrancada da casa da família Jeon, fui engolido pelos barulhos de pessoas, de louças e de televisão. Um alívio preencheu-me a ponto de amolecer cada pedaço do meu corpo e, apesar de felicidade estar muito distante de mim, um sorriso quase sincero tomou minha boca. Minha sogra de mentira — alheia à falsidade de nossa relação — arrumava a confusão de sapatos perto da porta quando cheguei. Levantou-se, encarou-me e sequestrou-me entre os braços fortes com uma rapidez inesperada.
Fui tomado pelos conflitantes sentimentos de querer fugir e de querer ficar. Quando algo rompia minha perfeita película de controle, o procedimento era claro: isolamento imediato. O abraço, entretanto, não era de todo ruim.
Sem alternativas, forcei um sorriso, porque só eu deveria ser conhecedor do Jimin sem maquiagens. Sra. Jeon o correspondeu com uma gentileza desnecessária.
— Chegou na hora certa pro cafézinho da tarde! Gosta de pavê?
— Confesso que nunca comi, mas estou certo de que será uma experiência maravilhosa se tratando da senhora.
Fui intimado a me sentar na cabeceira da mesa, e um prato com um pedaço generoso de pavê e uma xícara de café surgiram em minha frente como passe de mágica. Jungkook fez o mesmo truque: apareceu sem avisos na cozinha, com a camiseta suja de graxa e o cabelo colado no rosto suado. Curioso conserto de carros ser uma das habilidades do cantor indie água com açúcar.
Ele massageou meu pescoço com firmeza e cuidado, sua presença sempre branda repentinamente esmagadora. Roçou nos fios da minha nuca com leveza antes de se sentar ao meu lado. A mãe o serviu de um pedaço de pavê também.
Jungkook não falou nada comigo. A senhora Jeon arrumava a cozinha com uma quietude estranhíssima. Até as panelas e louças decidiram se chocar de forma silenciosa.
A vergonha começou a mastigar minhas entranhas, um pedaço por vez. Esfomeada e voraz, deixou-me vazio em um lampejo de minuto e abandonou-me com aquela míngua abissal. Mais uma vez, desvendado; não só por Jungkook, mas por sua família também, todos alheios à inconveniência dos dons detetivescos.
Em uma tentativa de me manter inexorável, gracejei sobre as habilidades culinárias da senhora Jeon. Em vez do rubor alegre comum à situação, ela se sentou ao meu lado, sorriu para mim, acariciou meus cabelos e me ofereceu o sorriso mais gentil e maternal que eu já presenciara junto de seu agradecimento.
Um conforto enxerido se infiltrava no abismo deixado pela vergonha, trazendo consigo um traço de alegria e um bocado de alento. Podendo me agarrar a qualquer uma das bagunças invasoras de meu âmago, a resposta veio fácil: a vergonha me servia mais. A vergonha, a rebeldia e a teimosia. Agarrei-me a elas, de uma forma que não ofendesse à família de Jungkook, claro. Não desejava ser bem recebido, mas não havia glória em ser má visita.
— Quero ter a experiência completa de ser da família Jeon! A senhora tem alguma tarefa para me oferecer? Talvez a oficina do sr. Jeon?
— Faz parte da experiência de ser da nossa família comer o pavê e relaxar, querido — sra. Jeon disse, mansamente.
Fechei a boca e peguei uma colherada do pavê como uma criança repreendida o faria. Delicioso, com alguns pedaços suculentos de uva e outros crocantes de biscoito.
— O pavê da minha mãe é o melhor de todos, digo com propriedade! — Jungkook comentou com a boca estufada, bastante convincente. — Mas você tem que experimentar depois o pudim do meu pai! Ele já prometeu fazer pra mim quando terminar lá na oficina.
— Não me farei de rogado, mas se eu puder ajudar no nascimento do pudim, seria ótimo.
Jungkook revirou os olhos e bufou o quanto era possível bufar com a boca cheia. Desde que sentara na mesa, eu não a vira vazia.
— Depois daqui, vou ter uma tarefa pra você, respira.
— É? O quê?
— Surpresa.
Ao me ver comendo, sra. Jeon pareceu ter concluído sua missão e voltou a mexer na cozinha, mesmo que nada estivesse fora do lugar. A cozinha era como seu território, e eu nunca entenderia o real relacionamento entre ambas. Mesmo sabendo que tal relacionamento e tradição poderia ter como princípio um lado lamentável da sociedade, era-me um tanto charmoso. Pessoas. Famílias. A relação delas com casas, cômodos, objetos magnânimos e lembranças pueris.
Deixei-me demorar comendo. Jungkook, por outro lado, fagocitava seu pavê e já pegara vários pedaços. O café quente amargava e aquecia ainda mais depois das colheradas no pavê, da forma que eu mais gostava. Os sabores me voltavam aos poucos, e as cores também: a cozinha de azulejos amarelos, os armários metálicos azuis, a estampa de galinhas da cortininha que tampava o gás do fogão.
Jungkook tocou nossos pés debaixo da mesa, os dedos gelados me arrepiaram. O calor de sua presença, também.
Quando terminei de comer, ele pegou minha louça e a lavou sob meus protestos. Descobri, naquele instante, o quanto detestava ser visita, e o trabalho que dava aos outros ser uma visita.
— Calma, eu tenho uma tarefa pra você, não tenho?
— É mesmo. A famigerada tarefa surpresa — escarneei. — Conceito novo para mim, confesso.
Jungkook postou-se atrás de mim e me empurrou, pelos ombros, através da casa até o segundo andar. Um silêncio inesperado reinava, como se houvesse um acordo de que a confusão só era permitida no térreo. Paramos em frente à porta do que descobri ser um banheiro.
— Lavar o banheiro? — ponderei. — Parece-me bem limpo de onde estou...
— Não, não. — Jungkook riu e apertou meus ombros. — Tomar banho comigo, tô cheio de graxa.
— Isso é um fato, mas eu não estou. — Soltei-me de seu aperto e o encarei com mãos nos quadris. — Qual a minha justificativa para entrar no banho?
— Higiene pessoal?
— Perdão, vou reconstruir a frase: minha justificativa para entrar no banho no meio da tarde e acompanhando você.
— Seria muito solitário tomar banho sozinho, príncipe — choramingou e vestiu uma expressão de coitado que não combinava com sua face.
— Estou bastante certo de que a população mundial, inclusive você, está acostumada a essa solidão em específico.
— Por favor... — Ele me puxou contra seu peito e encaixou o rosto no meu ombro. Ao contrário dos dedos de seus pés, o hálito contra meu pescoço era quente.
Não concordei. Não verbalmente. Soltei os ombros enrijecidos e deixei-me ser guiado para dentro do aposento inesperadamente espaçoso. Ao ouvir o barulho da tranca atrás de nós, esperei encontrar Jungkook pura lascívia e selvageria.
Mas não. Para meu infortúnio, não. Meu falso namorado continuava transbordando aquela doçura incômoda, cheio de um açúcar ardiloso, prestes a me bagunçar o corpo com um pico de insulina.
Não houve diálogo algum. Era-me estranho estar sem palavras. Várias se acumularam na ponta da língua, mas os lábios as continham como se tomassem conhecimento de algo maior.
Jungkook se despiu e entrou primeiro no chuveiro. Não ficou me encarando, mas logo o acompanhei. A falta de pressão para que eu o acompanhasse pressionava mais do que qualquer fitada mandona. Provavelmente porque eu era bom em contrariar, e péssimo no que quer que estivesse acontecendo.
A água pelava. O chuveiro, um cubículo formado por azulejos pequenos e decorados, ostentava prateleiras amareladas carregadas com shampoo masculino 3 em 1 e diversos produtos de cabelo saídos direto do catálogo de outono de cosméticos — vendidos pela vizinha, eu apostava.
Tudo organizado, exatamente onde deveria estar; assim como Jungkook. Jungkook, quieto, inexpressivo e morno, tão oposto àquela família, tinha lugar lá. Vestia a própria pele com conforto de pijama.
Ele passou os dedos nos meus cabelos, deixando a água se infiltrar junto da doçura de seus toques. Espalhou-me até o shampoo e o condicionador. Notou que eu continuava com o colar no pescoço, pesado como nunca. Para meu alívio, desviou o olhar rápido e, então, cada um de nós se ensaboou sozinho, rendendo algumas cotoveladas. Os toques já incômodos quase me queimavam a pele.
No fim, não foi tão infausto quanto imaginei que seria. Tudo: banho, almoço, ter que continuar naquela cidade mesmo depois de um dos meus piores temores fugir do campo das paranoias.
Eu e Jungkook ficamos juntos na rede da varanda pelo resto da tarde, interrompidos apenas para comer o tal pudim do sr. Jeon, merecedor de toda fama. A família continuou como um furacão, mas como um furacão à distância, obediente.
Jungkook cochilou. Aproveitei para ficar mergulhado no corpo morno e no silêncio. A varanda dava uma bela vista do céu, e distraí minha própria apreensão com o espetáculo do azul celeste se tornando alaranjado por minutos a fio.
O jantar foi um caldo quente e reconfortante como aquela casa teimava em ser. Tinha o tempero carregado e saboroso, daqueles medidos no olho, e assim o era há várias gerações.
Com a proximidade da noite, o furacão se tornava vento. Quando me encontrei deitado, espremido em uma cama de solteiro com Jungkook, já era brisa. Fui aninhado nos braços insistentemente calorosos, alheios e desrespeitosos à própria mornura.
— O que aconteceu? — Jungkook murmurou, com a voz mansa e pastosa.
— Nada.
— Mas...
— Jungkook — cortei, seco. Ele prendeu a respiração atrás de mim. — Não utilize a pergunta da semana para isso.
— Tudo bem — aquiesceu. Pensou um pouco antes de continuar: — Vou fazer uma outra pergunta da semana então: quer que eu me afaste?
Inspirei com uma profundidade abissal, rara em meus pulmões. Deixei que a resposta escorregasse junto com a expiração:
— Não.
Jungkook não comemorou, não riu, não teve nenhuma reação audível ou sensível ao menos. Embrenhou o nariz nos meus fios de cabelo e beijou minha nuca.
— Boa noite, príncipe — bocejou. — Se precisar de alguma coisa, me acorda.
Mais cedo, achara que "príncipe" era apenas uma provocação. Uma zombaria, como era minha sincera e frívola intenção ao apelidar alguém.
Ao ouvi-lo pronunciar novamente, sem caretas, sem entonações; sem motivos para não dizer exatamente o que dizia; meu temor se mostrara tão verdadeiro quanto o apelido.
Apesar de ter fechado os olhos e estar aninhado no calor de meu namorado de mentira, eu nutria dúvidas sobre cada detalhe. Dele, de mim. Das palavras e das expressões. Das mentiras e das certezas que tomara para mim e iam se dissolvendo como cerração sob o toque insistente do Sol.
A maior dúvida, porém, era se eu conseguiria dormir.
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❧luzinha quer novo show do jk☙
@jungkookamoreterno
gente, mas q boato é esse q os jikook brigaram em busan?
gigi parafraseou
@gigiliteraldemais
em resposta a @jungkookamoreterno
viu? n avisei? nd de bom vai sair dessa relação #endjikook #JIKOOKNÃO CHEGA!!!
ethan está lendo CDA
@ethanluvsjk
em resposta a @gigiliteraldemais e @jungkookamoreterno
mds invocamos a chatona de novo. luzinha, ami, tem gente q tá falando q o jm brigou foi com outra pessoa, n com o jk. os dois tavam em busan pq o jk chamou o jm pra conhecer a família dele!! CASAL DE CASADOS!!!
Jéssica
@jessnolagodobuscape
em resposta a @ethanluvsjk e @jungkookamoreterno
Jimin, brigando com alguém? Muito esquisita essa história, nunca vi nada parecido. Tem fontes?
❧luzinha quer novo show do jk☙
@jungkookamoreterno
em resposta a @jungkookamoreterno
aiiiii, q alívio!!!! jikook pra sempreeeeeeeeeeeee
ethan MDS EU AMO OS JIKOOK
@ethanluvsjk
em resposta a @jungkookamoreterno
AIIIII OS JIKOOK ACABARAM DE POSTAR UMA FOTO DE CHAMEGUINHO NOS STORIES!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!! SOCORRO TÁ TUDO BEM MESMO
❧luzinha quer novo show do jk☙
@jungkookamoreterno
em resposta a @jungkookamoreterno
vou ter q marcar a @gigiliteraldemais nessa. tá doendo linda???? pq essa aí foi bem na tua cara
Jéssica
@jessnolagodobuscape
Estou achando que a fonte é dos desejos, hein...
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Eeeeeeeeeeeeeeeeeita que o passado do Jimin foi cutucado!!! Alguma teoria por aí? 👀
Ah, não esquece de deixar seu votinho! 💜
Qual foi sua parte favorita? Pessoalmente, gostei muito de narrar a família do Jungkook! Ao mesmo tempo, foi difícil pra mim e pro Jimin narrar o desconforto dele, mas acho que ficou bem demonstrado!
Ahhhh! Lembrando que a rede social na qual sou mais ativa é o instagram (sou a callmeikus lá também) e, além do dia a dia escrevendo fanfics!
Beijinhos de luz, amo vocês, e até sexta dia 06/12 (meu deus, como o ano acaba rápido!!!) às 19:00!
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