08 | Anuência à infelicidade
Oi, oi, incomunzetes!!! Como vocês estão???
Eu tô é muito animada pra bienallllll!! Vou estar dias 14 e 15! Quero dar abracinhos em vocêssss!
Mais uma vez, muito obrigada por todo o carinho com a bebê 🥺 esses dias acho que ando mais distante de redes sociais etc. e ver vocês interagindo aqui me deixa muito feliz 💜
Só lembrando que esse capítulo é narrado pelo Jimin (o livrinho é o emoji dele!)
Boa leitura e, se gostarem, comentem, porque é o que mais me motiva!!
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A coragem e o controle são virtudes ingratas. Obrigam-te a encarar infortúnios, a aceitar verdades indigestas e a se reconhecer como é: infeliz.
Para qualquer criatura, a felicidade é um sonho inato, um Nirvana emocional que sempre se escapa aos dedos. Uma ilusão. Mas uma ilusão tão desejada que, por pequeneza de ser, fingimos ser real.
Fingimos intensamente, até se tornar realidade, pelo menos para nós. Pelo menos por um tempo. Até um lampejo de coragem nos amaldiçoar novamente.
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Borrões pretos dominavam minha visão; tive a má sorte de ser vítima dos flashes insistentes, e nem havia chegado no evento. Aprendi minha lição: fechei a janela escurecida da limusine. Até então, tinha a impressão de que tal tratamento obsessivo era direcionado apenas aos atores e outras celebridades cujo rosto fosse relevante. Ao menos na primeira temporada de O Cúmplice de Aldeberan, a première seguira aquela lógica.
Talvez eu estivesse colhendo os frutos de todo o marketing, mesmo que criado por puro capricho. O álbum de Jungkook sobre nosso relacionamento dera o que falar, por vários e vários dias, quiçá semanas; e, diante de nosso silêncio, os fãs começaram a fazer especulações sobre um possível término.
Eu não poderia mentir: divertira-me um bocado acompanhando as teorias sobre a desavença. Elas variavam desde o fato de "não estarmos mais usando a pulseira de casal" — sendo que estávamos, mas às vezes ela ficava escondida debaixo de outros acessórios e roupas — até "você viu aquele vídeo do Jimin respondendo numa entrevista como decide se um casal de personagens vai ter um final feliz ou triste? Só pode ser uma indireta!".
Minha vista mal se recuperara quando precisou enfrentar sua segunda provação: o tapete vermelho. Verifiquei o celular.
Assim que saí carro, fui aninhado entre um par de seguranças altos e corpulento, ambos carregavam a expressão de pouco amigos. Mais uma vez, os flashes eram tantos que eu mal enxergava as pessoas por trás das faixas delimitando o tapete vermelho.
A amargura da noite só piorou, um chá de boldo: eu procurava rosto conhecido; das sessões de autógrafos, de cafeterias e de metrôs por aí... Porém, cada tentativa minha de erguer a face era confrontada com um clarão diferente. Depois de poucas tentativas frustradas, apenas sorri, acenei com a mão, e andei a passos no limite do "não apressado" para dentro do teatro.
São e salvo, lamentei não ter admirado melhor a fachada. O interior exalava pompa; bonito, apesar de não ser um teatro clássico como o da orquestra com Taehyung. Taco escuro cobria o chão para, depois de alguns metros, ser coberto por um carpete com desenhos assimétricos em tons de cinza e bordô. Em frente às grandes e maciças portas de madeira que levavam ao Grande Teatro, resplandeciam taças, petiscos e várias pessoas separadas em grupinhos, tudo — e todos — milimetricamente arrumado. Várias, a não ser meu não-namorado; isolado em um canto, sem esconder o próprio incômodo e indignação.
Apesar de não ser cavalheiro de minha parte, ri da cena. De qualquer forma, apenas eu fui capaz de notar minha risada. Mesmo vestindo uma expressão tão indignada no rosto, o corpo de Jungkook vestia elegância. A estilista merecia um aumento — conseguia fazê-lo se vestir bem e respeitar a personalidade neutra do dito cujo ao mesmo tempo —, uma calça flare preta, bem ajustada torneava as pernas fortes, e uma mistura de bata e paletó dava um toque de elegância: um grande decote triangular, que se entrevia até o início do abdômen, fazia um ótimo contraste com o corte mais oversized.
Meu celular vibrou e eu o verifiquei mais uma vez. Depois, analisei a quantidade de pessoas a cumprimentar. Inspirei e expirei devagar. Era o momento de parar de admirar e começar a resolver.
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O fim da première aliviara-me mais do que imaginado. Queria ir para casa, dormir. Acordar para uma bela e revigorante caminhada, em um novo dia. Sentar em frente ao meu computador e escrever, estar na minha desconfortável zona de conforto.
Mas eu ainda tinha uma tarefa a finalizar, a do meu acordo. Quase a esqueci, mas os flashes desesperados na saída do evento fizeram questão de me lembrar.
Examinei Jungkook de cima a baixo. Desavisado e belo, como de costume. Os flashes expandiam, cada vez mais insistentes, roubando todo o cenário para si, pintando-o de um distante branco. O lugar e o momento ideal, seríamos protagonistas da alvura imposta.
Soltei a mão de Jungkook e o puxei pelo pulso até ficar de frente para mim. Depois, corri minhas mãos até sua nuca, colando os corpos. Ele pareceu surpreso, como sempre parecia quando o puxava para um beijo. Também como sempre, reagiu correspondendo-o. Apertou minha cintura com a firmeza perfeita, cobriu meus lábios com os seus, cada toque embebido de uma paciência quase sacra.
Também o correspondi como sempre faço ao ter os beijos correspondidos. Seguimos em uma sequência de correspondências boba e desnecessária.
Lembrei dos paparazzis quando um deles gritou. Jungkook acelerou o beijo, deixando-o desesperado e carnal. Foi o que bastava para me trazer de volta à realidade do acordo.
Findei o beijo com o alívio de dever cumprido, mas um amargor de final precoce defumado com racionalidade: éramos namorados, assumidos e tudo. Apenas precisaríamos coroar com uma postagem bem melosa nas redes sociais, coisa que ambas assessorias estavam preparadas para disparar assim que nossas fotos vazassem.
Arrastei Jungkook até a minha limousine, ainda fustigados pelos incansáveis flashes; era noite, mas seu clarão era uma degustação de consultório médico. Apesar de me considerar alguém averso ao transporte individual — uma limousine, então... — o calor confortável e o cheiro de couro de seu interior foi muito convidativo. Jungkook suspirou de alívio após fechar a porta.
Houve alguns segundos de silêncio. De dúvida sobre o que fazer. Então, tratei de voltar ao que começamos: sentei em seu colo e encaixei o rosto em seu pescoço.
— Lindo, continuamos na sua casa?
— Achei que hoje eu ia ter o prazer de conhecer a mansão Park.
— Não sabia que tinha tanto interesse assim em minha humilde residência... — retruquei com uma voz mansa. — Apenas moro distante da civilização.
— Estamos de carro mesmo... — Jungkook deu de ombros. Depois de uma pausa, tombou a cabeça para me encarar nos olhos. — Ou... o príncipe não gostaria de receber o próprio namorado-oficial em seu palácio?
— Por que está falando tão cheio de pompa? — Desencostei de seu corpo para empinar o nariz.
— Tô aprendendo com o melhor!
— Tudo bem, vamos ao meu grande e suntuoso palácio, lindo — deixei o sarcasmo engolir minhas palavras. — Será uma honra te receber.
Arrastei-me pelos bancos até a janelinha do motorista. Com a nova rota confirmada, estava pronto para voltar ao meu lugar de direito: o colo quente de meu namorado oficial de mentira. Entretanto, o dito cujo me encarava estranhamente.
— Alguma coisa aconteceu? — perguntou.
— Sim, a première de minha série.
— Não isso... — Revirou os olhos, como de costume, talvez um hábito cravejado por mim. — Algo ruim. Algo sobre você, não sei...
Apesar de um pouco surpreso, tombei minha cabeça de um lado ao outro, bem devagar, até Jungkook perder a paciência. Ele suspirou.
— Tudo bem, então... Se quiser conversar depois sobre... Ah, sei lá, meio que sou seu namorado.
— Estou ciente desse fato. — Enfim, voltei ao meu lugar de direito: seu colo. — E você? Algo aconteceu?
Jungkook não era um livro aberto, era um livro escancarado. Então, apenas com o jeito do nariz torcer, eu recebera a informação que, sim, algo acontecera.
— O quê? — insisti. — Alguém te obsediou na première? O camarão te fez mal?
— Não, não! — disse, com pressa. Pensou mais um pouco e suspirou. — Não é nada demais, na real. Só briguei com o cara da gravadora por causa do último álbum.
— Hmm, você não parece muito de briga, lindo.
— É isso que tá me incomodando... — confessou, deslizando o polegar pela minha nuca devagar. — Eu nunca brigo. Pelo menos não do jeito que foi, no calor do momento. Não entendo por que isso aconteceu.
— Não entendo. — Dei uma risada e deixei meus dedos afundarem nos cabelos de Jungkook. — Está chateado por ter brigado com o Hoseok ou por ter brigado?
— Acho que os dois...
— Parece mais o último.
— É, talvez.
— Bem, pensar no cara da sua gravadora me entristece, então.
— Por quê?
— A não ser que ele seja... hm, peculiar... como você, meu lindo, ele há de estar triste por ter brigado contigo. Planejando desculpas, revivendo a situação na cabeça, arrependido... Enfim, coisas que pessoas fazem após uma briga.
— O Hoseok?! Impossível ele ficar chateado!
— Se você diz. — Dei de ombros e me acomodei mais em seu colo, corpos encaixados como peças de montar. — Não conheço o Hoseok, então não saberia dizer. Pessoas costumam ficar chateadas.
Jungkook apertou os lábios, como se pensasse. Uma raridade.
Tentei me acomodar de um jeito mais picante, mas Jungkook não se aproveitou de nenhuma deixa. Ainda me encarava com aquela preocupação despropositada. No fim, o silêncio reinou durante o longo trajeto. Com o cansaço acumulado, não me dispus a mudar o curso das coisas também.
— Chegamos — eu disse ao que estacionamos na frente de minha casa. Jungkook, porém, grudara o rosto na janela para observar muito antes.
Nunca fui conhecido pela minha agilidade, mas o trajeto até chegar à porta foi demorado até para mim. Jungkook perguntou sobre o motivo dos enfeites de jardim serem como eram: personagens de meus livros e livros que eu gostava, pequeninos e rechonchudos, feitos sob medida. Perguntou o nome das plantas e, depois que descobriu outras miniaturas, dessa vez de insetos caricatos enterrados dentro dos vasos, investigou cada um deles em busca de mais.
Arrependi-me no mesmo instante do suspiro de alívio que soltara ao atravessar a porta — Jungkook não questionara o capacho com os dizeres "hospício lotado", ao menos —, meu falso namorado mais lembrava uma criança em uma loja de doces. Tagarelou sobre cada uma das minhas prateleiras, cheias de livros e edições de colecionadores; book nooks; crochês dos meus personagens; desenhos, artes e mimos variados recebidos por leitores. Mexeu em todas minhas mesas, atulhadas de panfletos que me soaram engraçados, de uma enxurrada desproporcionais de abajures e luminárias charmosos demais para eu não comprar — de água-viva, de sapo, de cogumelo, várias vintage ou retrô que eu garimpara em antiquários — e de pequenas esculturas de animais feitas com os mais diversos tipos de pedras. Fez até mesmo questão de verificar o próprio reflexo em cada um dos vários espelhos, de diferentes formas e tamanhos, que preenchiam uma parede inteira.
— Engraçado que se eu visse alguém com uma casa assim antes, nem acreditaria. Mas tô é achando muito normal, porque é sua — falou, com um grande sorriso, quando se deu por satisfeito com seu tour pessoal.
— Parabéns, lindo! Devo te oferecer um prêmio?
— Tá rabugento, hoje, credo!
— Sempre estou, só você que não é muito bom em notar.
— Até parece.
— Mas é verdade! É possível ser bonito, cativante, charmoso e alegre como sou sendo rabugento também. — Enquanto eu gargalhava, Jungkook revirava os olhos, e eu nos arrastava para sentar no sofá, lado a lado. Naquele momento, parecera uma boa ideia.
— Jimin... — Jungkook chamou depois de muito premeditar e depois de eu muito julgar minha decisão de sentar no sofá. Sua voz soava tão aveludada que meu humor oscilou no mesmo instante. Não consegui retornar o sorriso ao meu rosto. — Quero fazer minha pergunta da semana.
— Pois faça.
— O que aconteceu que você tá tão... preocupado? — murmurou, meio choramingante. Talvez aquele movimento funcionasse com outros, mas não comigo.
— Pensei que não se importasse com as emoções dos outros; seu produtor Hoseok que o diga.
— Você tá bravo comigo? — Jungkook soou magoado. Era minha primeira vez vendo aquela expressão em seu rosto. — Desculpa... Se não quiser responder, tudo bem.
— Não, só quis te provocar. — Suspirei. Como concordara com aquele acordo supérfluo das perguntas, expliquei: — Minha irmã foi parar na casa dos meus pais de novo. Fugindo do marido.
— Nossa... — Jungkook se engasgou com as palavras, como eu imaginava que iria e tanto desejava evitar. — Ela... ela foge muito?
— Com bastante frequência — respondi, apesar de não saber o porquê. Eu já dera a resposta que lhe era de direito. — Ele é bem violento.
— Esse tipo de situação é complicada mesmo... Consigo ajudar?
— Acho que não. Eu mesmo não consigo ajudar muito.
— Por quê? Ela não te ouve?
— Ninguém da minha família me ouve.
— Por quê?
— No fim, não importa, porque não vai mudar. Nunca mudou, em todos esses anos. — Caminhei em direção à cozinha, distraindo-me com minha variedade de chás, maior que de abajures. — Enviei dinheiro, que é o que eu consigo fazer. Aceita um chá?
Jungkook levantou do sofá e caminhou até a mim. Imaginei que para avaliar os sabores de chá, mas ele me virou até que estivéssemos frente a frente e me puxou para um abraço. Como sempre, não tinha cheiro, apenas um calor morno. Aguardei um discurso pronto, típico de quem teve alguém para se apoiar, como se encaixasse em qualquer realidade. Entretanto, Jungkook permaneceu quieto. Provavelmente, por não conseguir pensar em nada para falar; eloquência não era uma de suas aptidões. Mas funcionou bem. Melhor do que eu mesmo esperaria.
— Qual chá você vai escolher? — indagou ao se afastar um pouco. Manteve, porém, a mão em minha cintura.
— O de erva-doce.
— Tá bem.
Ele me guiou até o sofá. De tão exausto, permiti. Acomodou-me lá e, após me escanear de cima a baixo, sentou-se ao meu lado apenas para desabotoar o apertado colete de couro e escorregá-lo para fora do meu corpo. Assisti em silêncio a toda sua trajetória de volta à cozinha; sua busca por uma leiteira no armário das panelas; sua concentração em entender como funcionava a chaleira elétrica ao encontrá-la; sua indecisão de quanta água servir e sua consulta persistente às breves instruções na embalagem do chá.
No fim, ele voltou e apoiou na mesa duas xícaras sem seus pires. Respirei longamente, pela segunda vez na noite. A densidade pegajosa de preocupação no ar me nauseava, alimentando ainda mais meu desconforto. Ao mesmo tempo, rompê-la custava uma força que eu não possuía àquela noite.
Após se acomodar no sofá e ficar me observando muito mais do que era de meu gosto, Jungkook tomou a iniciativa de ligar a TV. Uma boa pedida, distraía, diluía o clima em algo mais palatável.
Bons minutos regados por competição culinária e chá se seguiram, suficientes para Jungkook realmente se distrair com a ansiedade das eliminações. Busquei meu celular, para verificar o retorno sobre o assunto da minha irmã: nada mais que um emoji de polegar para cima no comprovante de transferência. Já era muito; se havia um culpado em todo meu lamento, era eu, que já deveria ter aprendido a não esperar nada mais que indiferença.
Com o celular em mãos, decidi conferir algo que eu controlava, algo que eu decidi. A primeira postagem que apareceu na tela inicial quando abri o aplicativo foi a do Jungkook, publicada uma hora antes. A primeira foto do carrossel eram nossas mãos, entrelaçadas, com as pulseiras no pulso. A segunda, uma troca de olhares mansa, com cabelos ao vento enquanto fazíamos um piquenique em um parque. A última, era um beijo, com apenas nossas silhuetas visíveis na contraluz de piscas piscas de uma praça exageradamente decorada. Todas dirigidas e tiradas por nossa assessoria de imprensa, claro. Sem dúvidas muito mais bonitas do que qualquer uma que tentássemos tirar espontaneamente; até porque nunca tirávamos fotos, então não havia nem prática para ajudar.
Na legenda, apenas um "minha ruína 🐰🐣". Uma ótima sacada pensando no marketing da segunda temporada de CDA e, não menos importante, de criar emojis para representar a nós como casal, fãs adoravam aquele tipo de breguice. Olhando o conjunto da obra, Jungkook parecia mesmo terrivelmente apaixonado.
O mais impressionante, porém, foram as curtidas: mais de 500 mil. Até o dia seguinte, poderiam se tornar um milhão! Como artistas nichados, nenhum de nós nem possuía essa quantidade de seguidores. Com uma perfeita chance em mãos, virei a tela em direção a Jungkook.
— Seus fãs estão mesmo em polvorosa — comentei.
Jungkook olhou com um ar de desinteresse. Até tentou balançar a cabeça enfaticamente, mas não foi possível esconder a falta de ânimo na voz pastosa:
— Ah, legal.
— Somos uma dupla e tanto, lindo. — Com um sorriso no rosto, estendi minha mão até sua coxa. Dedilhei-o vagarosamente.
A expressão de Jungkook saiu de desinteressada para confusa. Não era a reação que eu desejava, de novo. Quando me inclinei para me buscar seu pescoço com os lábios, ele teve a audácia de desviar.
— Jimin, você quer mesmo? — questionou. O maldito livro aberto estava genuinamente confuso. Fervia-me o sangue e exauria-me a alma.
— Por que não gostaria, lindo? É uma bela noite, cheia de sucessos do nosso acordo. Nada melhor do que coroá-la com um bom sexo para uma boa noite de sono.
— Somos namorados, podemos ter outras noites de sucesso — rebateu, rápido, alheio à ausência do "falso" em sua frase.
— Por que não essa? — Fiz mais e mais charme, forcei e forcei minha expressão, na expectativa de que meu esforço fosse ser considerado.
— Você sabe muito bem porque não, Jimin. — Daquela vez, Jungkook foi firme, de uma forma que não era comigo. Um aperto gélido tomou minha garganta e estômago. — Acho que podemos encerrar o assunto por aqui.
E o assunto foi, de fato, encerrado. Já não tinha energia o suficiente para provocar antes, insistir não seria uma boa ideia. Depois de alguns minutos de silêncio, Jungkook olhou para mim e enlaçou o braço ao meu redor para me puxar para perto. Acomodou-me em um abraço apertado.
— Não fica chateado comigo — pediu. Assenti, devagar. Estava chateado, sim, não havia dúvidas, mas apenas comigo.
Meu ímpeto minguou de vez, e cedi a liderança dos acontecimentos daquela noite ao Jungkook, muito à contragosto. Ele, por outro lado, vistoriou alegremente todos os armários da minha cozinha e apareceu todo satisfeito com um prato de bife com purê. Eu não lembrava de ter bife na geladeira.
Tudo que se desenrolou depois continuou fora da minha zona de conforto, alimentando uma ansiedade descomedida em mim, um desespero tão pungente quanto uma faca. Comemos e ele lavou as louças. Assistimos mais algumas coisas na TV, e ele me puxou para ficar apoiado em seu peito. Fomos dormir, e ele me ajeitou na cama antes de se acomodar logo atrás, com o braço pela minha cintura. Era desconfortável, mas a quentura morna de seu corpo não era de tudo ruim.
Apesar da exaustão, demorei a dormir, ao contrário de Jungkook. Consegui sentir os espasmos característicos do seu corpo caindo no sono e fiquei lá, mastigando uma inveja amarga enquanto tentava domar a ansiedade espinhenta. Fiquei planejando como conseguiria reverter a situação na manhã seguinte. E fiquei, por um tempo incapaz de se medir, pois nenhuma resposta se entrevia para mim.
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Quando os raios da manhã fustigaram com precisão milimétrica minhas pálpebras e me obrigaram a acordar, a noite passada se reavivou na minha memória mais rápido do que eu sabia ser possível. Ao meu lado, não havia ninguém. Meu espreguiçar em sequência foi bem mais tranquilo. Sorte: dormira sem um plano e acordara com ainda menos ideias.
Sem Jungkook, sem problema. Eu poderia me distrair com as cores do céu, com o cheiro da manhã, com a textura do meu suéter, com as histórias que eu gostaria de mergulhar. A tristeza limitava meu olhar a mim, e meu olhar limitado me aprisionava ainda mais na pequeneza de meu sofrimento até ela ser uma grandeza de autopiedade.
Eu mal havia chafurdado propriamente em meu alívio quando o cheiro de café invadiu meu quarto. Preocupado, levantei da cama para espiar pela fresta da porta. Mesmo sem familiares nem amigos próximos, verdadeiramente esperei que fosse alguém diferente ali. Uma criatura mágica, ou até mesmo o fantasma que eu tanto ansiara encontrar em meu casarão não tão assombrado. Encontrei, porém, a opção mais óbvia e assustadora de todas: Jungkook fazendo o café da manhã.
Suspirei, chateado. Por que meu namorado de mentira fazia tanta questão de existir no momento em que eu mais gostaria de ignorar a existência de todos? No momento em que eu já teria me trancado em casa por uns três dias, sem dar sinal de vida, sob pretexto de estar muito envolvido na minha escrita?
Um dia tranquilo e silencioso não era um pedido exigente. Um mísero dia para caminhar em única companhia de meus pensamentos era suficiente. A desinibição de Jungkook ao vasculhar e utilizar minha cozinha, entretanto, não permitia que eu cultivasse o sonho de ter meus desejos atendidos. Era como o oposto de um gênio da lâmpada: roubava três desejos meus.
Meu trunfo seria o de sempre: ser insuportável, tarefa para a qual a noite de sono me dera energia. Entrei no banheiro da suíte para me por mais que decente: vivo, dos pés à cabeça, com uma sombra cor-de-rosa, perfume de flores primaveris e tudo. Depois, demorei-me em meu closet. A dificuldade em escolher revelava o quão estranho me sentia. Significava não existir uma roupa certa para aquele Jimin.
— Bom dia, lindo! — cumprimentei, ao irromper do quarto como um ciclone tropical. — Vejo que se fez em casa na minha humilde residência.
— Você se faz na minha. — Ele deu de ombros, e eu não poderia retrucar.
Jungkook terminou de posicionar o último prato na mesa. Algo como uma rabanada, acompanhada de frutas picadas. O cheiro irresistível até mesmo para meu resistente desespero por solitude.
— O pão tava duro, aí fiz uma rabanada, é o que minha mãe faz, pelo menos. Se você achar uma ideia ruim, reclama com ela — explicou. Aproximou-se, depositou um selinho em meus lábios e empurrou-me até a cadeira. — Agora, não sei se acertei o café.
Serviu o tal café na xícara que, por coincidência, era minha favorita. De aroma preciso e cor de sempre, eu não precisava nem dar um gole para ter certeza se ele acertara.
— Pelo visto, você é bastante prendado, lindo. Faria o café da mesma forma.
— Que bom. — Ele se sentou ao lado e deu um bom gole na própria xícara, a que eu menos gostava, por ser toda branca. Suspirou. — Dormiu bem?
— Eu quem deveria perguntar, não? Já que você teve a honra de dormir no meu palácio pela primeira vez.
— Então pergunta — disse, em um tom brincalhão. Contudo, encarou-me com um ar tão compadecido, que vergonha se inflamou em mim. Jungkook lia cada motivo por trás de meus atos.
— Dormiu bem?
— Sim, sim. Muito bom o seu colchão. Só tive uns sonhos agitados, mas acho que foi culpa do episódio de CDA.
— Acontece comigo também.
Comemos o café da manhã em um silêncio que, a depender de mim, seria sepulcral. Na tentativa de me confortar, eu sentia mais como se Jungkook fizesse questão de mostrar todo seu conforto perante meu desconforto.
Cada garfada da rabanada era um pedaço de céu. Interior macio, exterior crocante. Docinha, harmoniosa com o café amargo. O aroma de canela deveria ter forçado a sensação de conforto em mim. Porém, mesmo me esforçando em notar cada detalhe, romantizar e absorver, nada nem perto de conforto cresceu em mim.
Sem saída, depois de comer recolhi as louças e comentei:
— Vou sair para uma caminhada. Pode ficar à vontade aqui, ou ir embora também. Só passar a chave por debaixo da porta.
— Não quer que eu te acompanhe?
— Não é necessário.
— Então... — Jungkook ponderou as palavras e umedeceu os lábios. Infelizmente, a noite anterior me ensinara que o ato de Jungkook ponderar não era apenas raro, mas um tanto quanto perigoso. — Posso te acompanhar?
— Ah, claro — respondi, escondendo o contragosto em minha voz. — Mas saiba que são caminhadas silenciosas.
E lá estava Jungkook: existindo contra minha vontade. Acompanhando cada passo da minha caminhada silenciosa. Pior, silenciosamente, não tentou puxar assunto algum. Talvez para que eu não tivesse pretextos para expulsá-lo.
A caminhada não foi como sempre: por já ser nove da manhã, o orvalho já tinha se recolhido para se preparar para a manhã seguinte, e a umidade já fora trocada por um mero frescor. A balbúrdia da cidade se fazia ouvir ao longe. As passadas de Jungkook soavam mais altas do que deveriam. Não por pisar duro, talvez só soasse assim para mim pela incapacidade de fugir e de não ouvir. Fui obrigado até mesmo a encarar minha hipocrisia: antes, queria algo novo em minhas caminhadas, mas seu charme era ser sempre igual, sempre sob meu controle.
Passamos um tempo sentados no banco do pseudo-mirante. Na maior parte dele, fiquei imerso em pensamentos. E irritou-me. Porque minha curiosidade era e deveria ser sobre o mundo. E a irritação me fez passar mais tempo imerso em pensamentos.
Como todo aquele mundo ao redor me era bem conhecido, apesar do céu já estar daquele azul infinito, em vez de tons quentes do nascer do sol, olhei para a maior diferença. A que mais me desagradava: Jungkook.
Já imaginava sua expressão de tédio. Não era uma tarefa hercúlea; eu sempre encontrava expressões de tédio em ocasiões como aquela. Jungkook, com toda sua simplicidade, não fugiria ao caso. Mas não. Eu o encontrei talvez encantado.
Mesmo sem ser o nascer do Sol, mais estimado, Jungkook se perdia na paisagem. Os olhos resplandeciam, mas não uma galáxia como no mini show, e sim com uma inocência verdejante de dia de primavera, mesmo que fosse transição entre o outono e o inverno.
Voltei a olhar o céu, com o desejo de voltar a carregar em mim tal sopro de primavera, mas eu combinava bastante com a estação.
Quando o vento se revoltou de fresco para frio, iniciei nossa caminhada de volta. Gostaria de me chafurdar em uma roupa e em uma bebida quente. Mas Jungkook, ali, atrapalhava mais aquele plano.
Ao chegar em casa, fui atrás do celular. Despertaria o mais próximo de ira que Namjoon era fisicamente capaz de sentir, mas o fiz mesmo assim. Guardei o celular no bolso e fui atrás de um casaco.
— Tenho que encontrar com meu editor, lindo — comentei, com a voz cheia de mau humor. O mau humor era sincero. — Espero que a caminhada tenha sido aprazível. Estude o local do nosso próximo encontro, pode ser? Um lugar que fique fácil para os paparazzis nos acharem e tirarem fotos.
— Mas é domingo... — respondeu, franzindo o cenho. — Seu editor é exigente assim?
Soltei uma gargalhada. Namjoon me esganaria, se fosse capaz. Dou de ombros.
— O exigente sou eu, lindo. Sempre.
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— Jiminie! Você...
— Vai me perguntar se quero te matar do coração?
— Se quer me matar do estômago! — respondeu, pressionando a ponte do nariz com os dedos compulsivamente. — Estou flertando com uma úlcera!
— Não seja assim, benzinho. Quero vê-lo em um bom estado.
— Só parar de me ligar aos domingos. Não é uma tarefa muito complexa, imagino eu.
— Por qual motivo você não dormiu bem hoje à noite? Passou a madrugada inteira lendo?
— Meus planos eram dormir até a hora do almoço. — Verificou o horário, 11:13, no celular, apenas para bufar ainda mais. O infeliz não tinha um mísero toque de autopreservação. — A única fuga ao plano foi você.
— Lamento dizer, mas planejou meio mal. — Sorri, como se isso fosse impedir de Namjoon guardar tanto ódio dentro de si que ficou abrindo e fechando a boca, controlando-se com esforço aparente.
— E então, me acordou para quê? Só olhar sua cara?
— Bem provável.
— Você costumava ser objetivo comigo. É sobre alguma história?
— Acho que dá para dizer que sim.
— Mas por que não exatamente? É aquela história que você quer escrever, mas não sabe o que é?
— Acho que sim. O que outros escritores fazem?
— Depende do escritor, cada um tem um ritual — começou a explicar com uma paciência inesperada para alguém entalado de ódio. Nem poderia dar crédito aos nossos quitutes, pois era para seu clássico americano só dar gasolina à revolta. — Você não tem cara de quem se resolveria com um ritual apenas. Landon Branderson, escritor de FogRaised, talvez tenha um método que te ajude, talvez.
— Qual?
— Encontrar a causa raiz. Fica procurando o porquê dele sentir do jeito que está e querer escrever outra coisa. Parece funcionar pra ele. É bem pragmático.
— Não parece muito prático ao meu ver, por que ele simplesmente não faz algum ritual também?
— Sabe, para alguém tão espalhafatoso, é esquisito você ser tão reservado. Acho que você deveria conversar mais com outros escritores. Faz bem pra história. O pessoal que é agenciado pela Megh que nem você é simpático.
— Você se acha insuficiente para mim, benzinho?
— Nem vou te responder. — Namjoon franziu o cenho com cansaço e deu mais um gole no café. — Parece até que não te conheço, sinceramente... Se é tão péssimo em aceitar conselhos, por que me arrasta para esses lugares?
— Ora, para tomar um delicioso café na minha companhia de ouro.
Namjoon rolou os olhos. Infelizmente, a única opção dele era, de fato, aproveitar o café. Pediu mais um americano e um rolinho de canela. Após me mandar um olhar cortante, complementou:
— Isso vai na sua conta.
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Minha casa estava vazia quando voltei, e poucas coisas me trouxeram tanta alegria naquele ano. Meus móveis emanavam aquela ternura de quem estava pronto para me receber; e a cozinha, chamando-me para petiscar.
Empolgado, rumei ao meu quarto, querendo aquelas boas-vindas da cadeira do meu escritório também. Ela, porém, não parecia tão alegre em me ver. Ou era coisa da minha cabeça porque, em primeira ordem, móveis nem ao menos possuem emoções.
Escrever era escrever. Simples assim. Era sentar e ver o que acontecia. E sempre algo acontecia, nem que fosse pouco ou fora do meu padrão de qualidade.
Mas o cursor continuava piscando na mesma posição. Antes de eu reler o último capítulo; depois de eu reestruturar o planejamento. Como se os viadinhos siderais não quisessem ser escritos. Talvez em revolta pelo meu desleixo com o título.
Após mais de dez minutos daquela forma, comecei a temer. Temer que continuar lá, sentado, ia criar uma resistência, um desencantamento com o ato de escrever. Assim como o sono piora quando se insiste em continuar deitado mesmo sem conseguir dormir.
Sentei-me no sofá e fiquei contemplando os arredores. Depois, o sofá pareceu-me tão prejudicial quanto ficar olhando o cursor piscando, sem nenhuma letra surgindo ao seu encalço. Levantei-me e, apesar de não gostar tanto de fazê-lo de noite, fui fazer uma caminhada.
Era diferente. Fresco como a madrugada, mas sem a umidade acariciar minhas bochechas. Sem o cheiro da padaria se preparando para abrir. Sem a riqueza de detalhes que apenas a iluminação do Sol, mesmo em suas primeiras horas, poderia proporcionar.
Por ser um bairro remoto, quase todas as luzes dos postes eram de um alaranjado preguiçoso; isso quando não piscavam, isso quando não estavam apagadas há tanto tempo que nem havia a memória de um dia ali se fazer luz. Esse laranja intermitente contornava os arbustos, os troncos de árvore, os buracos na trilha com uma delicadeza tão brutal que mal se via.
Era diferente. Assim como eu me sentia perante à escrita. Sendo escrita algo tão intrínseco do meu ser, enfim as palavras de Namjoon ressoaram na minha cabeça. Não era a escrita que estava diferente. Era eu próprio. E, sem ouvir a mudança em mim, não havia como minhas palavras produzirem algo que ressoava comigo.
O erro era insistir em ignorar aquela turbulência em mim. A escrita era apenas vítima da minha inocente escolha de ignorar meus próprios sentimentos, por ter passado tempo o suficiente sem aquele peso detestável para fingir que nunca o havia carregado. Para descolar minha escrita do que eu era. Não era minha história atual que não queria ser escrita, eu quem não queria escrevê-la, por precisar, do fundo do meu âmago, expressar algo diferente.
Ao sentar para escrever, senti-me amargo. Porque eu não queria acessar aquela turbulência de dentro de mim. Porque não queria transformá-la em realidade. Porque não queria voltar ao momento da minha vida em que as narrativas e as palavras eram guiadas por aquele feroz descontrole de impotência e desespero. Porque queria que sufocar fosse o suficiente para me proteger.
Entretanto, escrevi. Porque notar meu medo de escrever sobre mim me assustou.
Era covardia. Porque escrever nunca foi um ato para me fazer feliz.
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❧luzinha é sua barda☙
@jungkookamoreterno
EU IMPRIMI TODAS AS FOTOS QUE OS JIKOOK POSTARAM E COLOQUEI NA PAREDE, SIM
ethan MDS EU AMO OS JIKOOK
@ethanluvsjk
em resposta a @jungkookamoreterno
EU TBMMMMMM! OLHA COMO FICOU
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❧luzinha é sua barda☙
@jungkookamoreterno
em resposta a @ethanluvsjk
QUE LINDOOOOOOOOOOOOOOOOOO!!! olha minha parede
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ethan MDS EU AMO OS JIKOOK
@ethanluvsjk
em resposta a @jungkookamoreterno
LINDA DEMAIS AAAAAAAAAAAAAA!!! sei q vencemos de vdd q até aql mal amada tá calada hihihi
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Beeeeeeeeeem, conhecemos um lado diferente do Jiminzinho! O que acharam? Esperavam?
Ah, não esquece de deixar seu votinho! 💜
Qual foi sua parte favorita? Pessoalmente, as partes mais fáceis de escrever são as... sobre escrever! Hsahuahua muito do processo criativo do jimin acaba sendo meu, enfim! Então diria que esse último pedaço do capítulo
Ahhhh! Lembrando que a rede social na qual sou mais ativa é o instagram (sou a callmeikus lá também) e, além do dia a dia escrevendo fanfics!
Beijinhos de luz, amo vocês, e até sexta dia 04/10 (dia da celebração do meu casamento hihi então vou programar o cap) às 19:00!
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