UM || - OTÁVIO
O gosto amargo não deixa minha boca, a mesma está seca assim como minha garganta. Me ergo sobre o vaso sanitário, a visão do meu jantar ali dentro faz - me ficar enjoado novamente, fecho a tampa dele e dou descarga. Limpo o suor do meu rosto com meu braço e noto que meu corpo está suado também, respiro profundamente ou ao menos tento levar ar para meus pulmões. Arrumo minha postura e olho - me no espelho e um riso sem humor flui por meus lábios ressecados como lâmina afiada, o engulo. Lavo meu rosto e o seco com uma pequena toalha presa ao suporte ao lado da pia.
Abro o pequeno armário localizado acima da pia e em segundos pego o que preciso no momento, tenho de tomar apenas um comprimido, mas jogo dois na palma de minha mão e os tomo a seco, encarando o homem seco refletido no espelho. Duro e inflexível! Esse sou eu, o homem que muitos dizem não sentir nada. Dou a costas para o homem que zomba de mim, e abro a porta de minha varanda. Respiro o ar fresco da madrugada e com apenas uma cueca boxer cobrindo- me sento - me no chão de minha varanda, da qual tenho uma vista privilegiada de todo o centro do Rio, e observo. Meus olhos pesam, no entanto me recuso a dormir e ter de sonhar com aquele dia.
Abraço minhas pernas nuas e minhas costas pressionam firmemente as portas de vidro, elas estão geladas contra mim, mas não me importo. Eu não sei quando, mas eu dormi e não me lembro de ter sonhado, o que é bom! Não fui transportado para o pior dia de minha vida. Os raios de sol aquecem minha pele, abro meus olhos e fico cego por alguns segundos, mas logo me acostumo com a claridade desse novo dia.
Olho ao redor e vejo a grade de proteção e sinto as portas de vidro atrás de mim, frustração me toma, eu dormi aqui de novo. Vou acabar vendendo minha cama, já que não a uso desde que a comprei quando vim morar aqui. Quando não estou no apartamento do Ty, outro lugar onde me sinto confortável e consigo ter uma noite sem pesadelos e durmo em uma cama, eu só consigo dormir na varanda de minha casa, sim me chame de louco, mas eu sou assim.
Tomo um banho rápido ao olhar para o relógio e ver que estou atrasado, e não poderei passar na academia para treinar um pouco e descarregar toda essa tensão que corre através de mim. Isso, essa tensão vem me corroendo aos poucos desde que uma certa barraqueira chegou em minha vida. Mariana! A expulso de minha mente, não posso, ela deve ficar onde ela está, sendo amiga da noiva do meu melhor amigo, não preciso de mais problemas. E ela grita isso, assim como há um letreiro piscando essa palavra em sua testa.
Termino de me vestir, borrifo um pouco do meu perfume e coloco meu relógio. Tento sorrir para mim mesmo no espelho, o que não dá muito certo, saiu mais como uma careta. Com minha maleta em mãos Nancy vem em minha direção e sorri para mim, mesmo que eu não retribua.
- Bom dia menino, seu café está pronto! Sente- se e nem pense em dizer que está atrasado, você precisa comer para ficar forte. - a olhei fixamente e como sempre não se incomodou com meu escrutínio.
Ao contrário, a pequena encrenqueira ergueu seu pequeno queixo em desafio com uma mão em sua cintura, e apontou seu pequeno dedo em direção a um dos bancos de frente para a bancada de minha cozinha.
Foi assim desde a entrevista feita selecionar uma secretária do lar para mim, fiz cara de mau e aguardei que viessem, essa pequena chegou já dizendo que fazendo cara de lobo mau não iria adiantar, pois ela precisava de um emprego e já lidava com leões diariamente para se assustar com um filhote de cachorro. Sim, foi amor a primeira vista e está comigo até hoje.
Tomei café silenciosamente e ainda sob o olhar dela, terminei com tudo. Dei- lhe um beijo em sua testa, ela como sempre me abraçou, fez o sinal da cruz e murmurou um " Deus abençoe meu filho!". Sem demora cheguei ao meu carro na garagem subterrânea e segui para a empresa. Andei a passos precisos e lentos em direção ao elevadr, tomo respirações profundas antes de entrar na enorme caixa de aço, mantenho meus olhos fixos nos botões iluminados. Para assim não sufocar em mim mesmo. Assim que as portas se abrem no andar da presidência, encontro Celeste. Minha secretária tinha um olhar pavoroso no rosto, e eu já sabia por que.
- Em minha sala daqui a cinco minutos para me atualizar sobre minha agenda! - disse enquanto passava por sua mesa.
- S-Senhor, s-sua mãe...
- Na minha sala em cinco minutos!
Não fico por tempo suficiente para ouvir sua resposta, abro minha porta e é como imaginava. Meu pai, um homem de estatura mediana veste seu terno impecável e tem um copo de whisky na mão, Carolina veste- se em seu vestido vermelho sangue e seu colo carregado com um colar de esmeraldas, folheia uma revista que na certa é sobre moda.
- Bom dia filho! - a voz alegre do meu pai chega até meus ouvidos, dou- lhe um elevar de queixo e me acomodo em minha mesa pronto para começar o dia.
- Otávio por que não foi a festa de recepção da filha do prefeito?- Carolina ergue seus olhos castanhos iguais aos meus e neles há irritação. Dou de ombros e logo a tela do meu computador se acende, digito minha senha e começo a trabalhar.
Papai começa a transpirar quando sua esposa dá um grunhido alto, um homem fraco, penso.
- Você ouviu o que eu disse? - há veneno em sua voz. - Não me ignore! - seu olhar vai para meu pai, o homem frouxo que me deu a vida.- Você vê como ele se comporta? Cadê a educação que te dei garoto?
- Querida...
- Cassandra ficou chateada por não te ver na festa Otávio! Ela é um bom partido, educada, fina e bonita! E dará publicidade para nossa empresa...
- Minha empresa! - a corto, sua boca pintada com um batom vermelho se torna fina, ao pressionar os lábios contra o outro. Deixo a planilha de lado e me esparramo em minha cadeira acolchoada. - Não preciso do prefeito, muito menos da chata da filha dele para que minha empresa cresça no mercado.
- Olha como você fala comigo garoto!- joga a revista para o lado, a deixo cacarejar e termino de ajustar a planilha. - Ele está nos ignorando de novo!
- Carolina eu preciso trabalhar, vá fazer suas compras e fofocar sobre a vida dos outros, pois isso sabe fazer com maestria.- Celeste surge na porta, os olhos verdes arregalados.- Entre Celeste, nos já acabamos! Pai!
Não poupo um segundo olhar, a porta se fecha com força, logo o ambiente está silencioso e somente escuto as golfadas de ar de minha secretária.
- P- peço desculpas senhor, e-eles já foram e-entrando...
- A agenda! - digo o mais suave possível e vejo- a relaxar e um pouco de sua tensão deixar seu corpo.
Depois de me informar sobre as três reuniões que teria hoje, Celeste deixou minha sala e se ocupou em atender os telefones pelo resto do dia. Almocei em minha sala mesmo, trabalhando o resto do dia. Cassandra a filha insuportável do prefeito tentou falar comigo, disse para Celeste dar um jeito e não sei o que ela fez, a mulher não me importunou mais. No fim da tarde, tenho a surpresa de receber meu amigo aqui.
Ty parecia deslocado no ambiente, pois suas roupas de couro não combinavam em nada com o clima formal do lugar, ele nada fez, deu um sorriso educado para Celeste seguida de sua piscadela de sempre e a mulher teve a decência de corar e suspirar.
- Belinda sabe que anda dando esses sorrisos de matar por ai?
- Nah, eu apenas sou educado homem, algo que você devia aprender!- cruza seus pés munidos de botas em cima de minha mesa.- Você não dá um maldito sorriso, devia treinar quem sabe não encontra a mulher de sua vida? - pisca- me um olhar, o ar divertido toma seu rosto.
Meus dentes se apertam, dou de ombros. - Certo, você não tem uma esposa para mimar?- desvio o assunto.
- Ela está com Mari e Elisa, foram em algum lugar! As crianças estão com meus pais, estou com vontade de treinar. Vamos? - se põe sobre seus pés.
Desligo meu notebook, afrouxo minha gravata e o sigo. Eu preciso disso, a aparição dos meus pais aqui, tirou a ordem do meu dia, a primeira coisa que queria ter feito era passar minha agenda, e não discutir com aqueles porcos. Estou estressado e nem o remédio que tomei alivia. Entramos na academia e depois de trocar de roupas, começamos, rodeamos um ao outro, e depois de muita moleza do meu amigo russo abusado parte para o ataque. Dei um chute cruzado com o topo do meu pé, pegou em sua costela, ele ofegou mas se recompôs, ambos estamos suados e respiramos fora do ritmo.
Depois de alguns passos, recebo seu soco em minha costela, trinco meus dentes ignorando a dor, parto para cima e lhe um chute em sua coxa, ele tropeça e quase cai, mas vem para cima de mim, recebo sua rasteira, e depois disso socos são dados. Cansados e um pouco doloridos, apertamos nossas mãos e nos dirigimos para o chuveiro.
Limpos mas ainda doloridos, nos encontramos no estacionamento da academia, antes que subisse em sua moto, meu amigo me lança um sorriso de canto quando diz.- Seja o que for, pode contar comigo!
Meu olhar não deixa seu rosto, a felicidade que está experimentando ao estar casado e com a mulher de sua vida é visível. Diariamente. E fico feliz por ele, ele se martirizou por tantos anos, ele nunca acreditou que aquilo não foi culpa dele.
- Celeste me disse que seus pais vieram te visitar! Sei que não se dão bem, sua mãe..
- Obrigado russo intrometido! - tento brincar.- Da próxima vez me pergunte ao invés de ficar de conversinha com minha secretária!
- Eu perguntei e ela me falou! Simples! - dá partida em sua moto.
Entro em meu carro e fico por alguns minutos pensando em nada. Sem vontade de voltar para casa, dou voltas e mais voltas pelas ruas do Rio, peguei alguns engarrafamentos, mas continuei. Cansado de ficar dentro do carro, parei em frente a praia, sentei - me em um banco de concreto, fechei meus olhos e deixei que a brisa tocasse meu rosto, bagunçando meus cabelos. Depois do que seria uma hora, ainda com o sentimento de inquietude dentro de mim, dirigi para a casa dela. Mesmo sendo um lugar remoto e um pouco perigoso e ter muito tempo que não venho aqui, desde nossa última noite juntos, eu ainda me lembrava de seu endereço.
Desci do carro e fiquei parado em frente ao seu portão, o qual apresentava sinais de ferrugem e gritava por uma boa manutenção. Com as mãos nos bolsos de minha bermuda jeans, minha cabeça tomba para o lado e me debato se entro ou não. Decido que sim, não tenho mais nada a perder mesmo. O que é minha dignidade? Retiro meu celular do meu bolso discando seu número, o qual trocamos depois de alguns encontros nada convencionais.
Depois de dois toques dua voz alta como sempre ecoa pelo receptor do aparelho. - Alô? - minha garganta se fecha e não consigo falar.- Alô? Quem é? Olha se você for algum pervertido, pode ter certeza de que vou colocar a polícia atrás de você seu infeliz! - permaneci em silêncio somente desfrutando do som de sua voz, minha respiração estava pesada.- Olha, essa brincadeira não trem graça, se você não disser alguma coisa eu vou...
- Abra seu portão, preciso conversar! - a linha fica muda, coloco o aparelho em frente ao meu rosto e vejo que a ligação não caiu.
- E - espere u- um minuto! - ela desliga quase que imediatamente.
Mariana surge vestindo um pijama curto e que mostra muito de sua perfeita e bonita pele, seus cabelos presos em um coque. Seu olhar desconfiado não me deixa. Não a julgo. Estou sempre aparecendo em sua casa, em horários não pertinentes e mesmo assim ela me recebe. Afogando nossas minhas frustrações em seco bruto e suado mas sei que ela quer mais. Eu quero mais, no entanto dou covarde demais para me permitir mergulhar na miríade de sentimentos que tenho por ela. Dois anos inteiros.
- Entra!- abre o pequeno portão dando- me espaço para entrar.
A medida que passo por seu quintal e vou entrando em sua sala, me sinto desconfortável ou constrangido? Escuto seus passos atrás de mim, ela calmamente fecha a porta, colocando as mãos atrás de si. Minha mente viaja nas imagens de nós dois juntos em cada canto de sua sala, pisco buscando concentração. Jesus eu a tomei ali naquele tapete e no sofá, respiro de forma irregular e tento me controlar. Eu preciso conversar e não fode-la.
- Vai ficar ai só me olhando? - ergue sua sobrancelha. - Estou esperando! Aliás, por que me procurou mesmo? Você ao menos me suporta. - joga acidamente mas há um toque de humor em suas palavras.
Ela tem razão, no entanto finjo suporta - la. Sei que ela precisa ficar fora. Como em um filme macabro, sua voz estridente soa em minha mente. Carolina colocando em palavras claras e concisas que não sou capaz de nada. Olhando para a mulher forte a minha frente, me questiono se ela me verá sob a ótica da pena se eu lhe disser tudo o que carrego em meu peito.
Sem lhe dar respostas para suas perguntas, literalmente corro para fora de sua casa. Volto para meu carro e acelero para longe dali. Ela não precisa de um fracassado em sua vida. Cheguei ao meu apartamento, já me livrando de minhas roupas, entrando em meu quarto somente de cueca, me jogo na cama e pego no sono fitando o teto branco de meu quarto. Acordo nu, deitando no chão frio de minha varanda. Merda de vida!
28/04/20
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