• SEIS ||- OTÁVIO
Estando um pouco mais controlado e apto para dirigir sem que eu causasse um acidente, fizemos o percurso até minha empresa em silêncio. Silêncio esse que não me incomodava em nada, muito menos ao meu amigo que tanto quanto eu estava perdido em seus próprios pensamentos. Sou agraciado com um amigo que considero como um irmão e que sabe respeitar meus momentos de silêncio. Sabe levar situações como essa com uma tranquilidade sem igual, mesmo estando surgindo diversos cenários em nossas mentes de como deve estar sendo para um garoto de onze anos de idade, ter fé presenciar mais uma das brigas entre a avó paterna e a mãe.
Ainda imerso em meus pensamentos, me lembro do dia que finalmente o encontrei. Depois que nossos ânimos foram acalmados, Tyler se desculpou com Celeste e então pedimos para ver o menino. No início ela não aceitou de imediato, acredito que amedrontada demais por ter de incluir praticamente dois estranhos na vida do filho. No entanto, uma semana depois ela veio até minha sala e me disse que o menino estava ansioso em nos conhecer. Quando nos encontramos em um parque perto de minha empresa, foi como se uma parte do meu coração adormecido há muito tempo voltasse a acordar. Diante de mim, a cópia vívida de meu primo sorria timidamente para nós. Tyler se desmanchava de tanto chorar ao meu lado. Eu no entanto, não chorei ou sorri. Apenas abri meus braços para recebe - lo. Prometendo que nunca o perderia de vista.
Desde então, ele alterna em passar seus fins de semana comigo ou com o russo abusado. Celeste nunca reclamou e segundo ela, estava feliz por ter uma parte do pai abraçando tão imediatamente o filho. Isso mudou quando Mérida que depois de se desculpar com Tyler, passou a conviver com meu sobrinho. Não havia como esconder a paternidade dele. Então as brigas entre as duas começaram e isso nos leva a hoje. Eu dirigindo o mais diligentemente possível para chegar até ele.
Não havia percebido ter parado. Um toque firme me faz olhar para o lado. Os cabelos quase loiros de Tyler estão soltos e formam uma bagunça. Os olhos fixos em meu rosto e uma pergunta muda em sua expressão: eu ou ele entramos? Dou de ombros, o chamando silenciosamente. Não estou com ânimo para lidar com Mérida nesse instante. Acordar sem um traço de sono, com uma Mariana enrolada em mim como um polvo e a visita ao hospital, literalmente me tiraram as forças.
Entramos no elevador, minha respiração trava como sempre acontece. Mas me forço a ficar calmo. Diariamente eu tinha que faze - lo, assim não despertaria a curiosidade alheia, no entanto hoje não era meu melhor dia. Descobri isso dá pior maneira possível, quase sendo ridicularizado no meu primeiro dia de trabalho. Chegamos no local onde minha secretária tem uma mesa, trabalhando diretamente para mim. As portas de minha sala estão escancaradas e lá dentro vejo Mateus agarrado ao tio como se sua vida dependesse dele, de seu afeto e atenção. Com a respiração rasa mas uma postura inabalável, faço - me ser notado ao pigarrear.
Ambas as mulheres, com o rosto afogueados, posturas tensas, cabelos fora de lugar e com o constrangimento nítidos em seus rostos. Vagarosamente olho de uma para outra sem ter de emitir uma só palavra. Por um longo tempo, sem me preocupar em cumprimenta - las ou faze - las se sentar e enxergar suas malditas razões. Nunca fui um bom mediador, odiava conflitos e se pudesse me manteria longe. Muitos dizem que sou frio ou indiferente. Não sou nenhuma dessas opções, eu apenas sou prático. Direto e gosto das coisas em seus devidos lugares.
Mérida é a primeira a se mover de maneira inquietante em seu lugar, seus dedos finos e bem cuidados apertam vorazmente a alça de sua bolsa cara. Olhos iguais aos do filho mas que nadam em tristeza profunda há anos.
- Otávio...- com um único olhar eu a calo. Apertando firmemente os lábios rosados, desvia o olhar. Ainda a fitando fixamente, eu digo calmamente para Ty.
- Tyler, leve - o para o carro. Estarei lá em cinco minutos.
Sem questionamentos, eles deixam a sala. Ainda pego um vislumbre de meu sobrinho, seu lábio inferior trêmulo assim como suas mãos, agarradas fortemente na jaqueta do tio.
- Otávio...- Celeste se pronuncia pela primeira vez desde que cheguei aqui, mas não me olha nos olhos.
Encosto meu quadril na borda de minha mesa. Ela está como sempre a deixo. Limpa de todo e qualquer documento. Com apenas uma foto sobre ela, das crianças que fazem minha vida melhor. Admito que nunca quis estar perto de crianças, não é que não goste das minúsculas pessoas que em noventa por cento do tempo, são barulhentas. Não. Eu simplesmente não tinha jeito para lidar com elas. No entanto, Vivi quebrou esse impedimento em mim assim que se jogou em meus braços quando nos vimos pela primeira vez. Meu computador também ocupa um lugar ao lado e só.
- Estão mais calmas?
- Eu estava no meu direito de ver meu neto Otávio! - minha tia se defende acaloradamente. Nunca desvio meus olhos dos seus, mesmo de cores diferentes dos da minha mãe, são tão vorazes. Me encolhi em mim mesmo, não era hora de trazer minha progenitora para essa conversa.
- Não perguntei sobre seus direitos Mérida! Perguntei se estavam mais calmas.
- Não me trate como um dos seus empregados garoto!
- Pode ter certeza que o tratamento que lhe dou, não chega perto de como me relaciono com meus empregados. Afinal de contas, educação e zelo eles tem. - seu rosto se torna uma carranca. Respirando em arfadas agonizantes, aponta o dedo magro em minha direção, o que não me dá medo.
- Me respeita Otávio, sou sua tia.
- Como lhe informei anos atrás Mérida, você nunca se portou como uma, por que devo trata - la como tal agora? - digo calmamente, nunca me alterando.
- Não desconte sua frustração com sua mãe em mim!
- Me conte o que aconteceu Celeste! - minha tia bufa, a outra ainda de cabeça baixa estala os dedos nervosamente.
- Hoje não tinha aula para Mateus. Um recesso escolar, não tinha com quem deixar - lo pois Anita, a babá dele estuda pela manhã. Eu resolvi traze - lo para o trabalho comigo e então ela chegou exigindo que meu filho fosse com ela.
- Mateus é meu neto!
- Isso não lhe dar o direito de leva - lo quando bem quiser.
- Mérida, seus dias de ficar com ele são as segundas e quartas! - ambas ficam quietas. - E o que está fazendo aqui Mérida?
- Sua mãe...
- Sempre Carolina não é? - suspiro esfregando meus olhos. - Vocês entendem que o garoto estava assustado? Me ligou chorando? - as duas desviam o olhar. Vergonha é nítida em suas posturas, elas engolem em seco. - Estou levando ele comigo, se entendam para o bem dele.
- Otávio, você não pode...
- Celeste, o levarei para passar o fim de semana comigo, posso? - ignoro a mulher ao meu lado.
- Claro Otávio! - morde o lábio inferior. Dando um passo a frente, toca meu braço. - Pegarei ele na segunda de manhã. Obrigada.
- Avise para sua irmã para ficar longe de mim! Se ela voltar a ir a minha casa novamente, as coisas não vão ficar boas para ela. - Celeste volta para sua mesa, com as mãos trêmulas se põe a trabalhar.
- Ela é sua mãe Otávio, como pode trata - la dessa forma?
- Nós terminamos por aqui Mérida! - dou por encerrada nossa conversa.
Mérida vendo que não há nada que possa fazer ou falar para que eu mude de ideia, lança mais um olhar para Celeste que prontamente a ignora. Com um bufo, deixa o andar tempestivamente. Quando não há sinal dela, me aproximo de minha secretária. Aperto seu ombro suavemente, ela vira seu rosto em minha direção. Uma única lágrima desliza por seu rosto pálido.
- Ela vai tira - lo de mim Otávio!
- Não vai. Eu não vou deixar.
- Obrigada! Mande um beijo para o meu bebê.
- Ele odeia que o chame assim!
- Eu sei mas não me importo!
- Fique bem! Hoje será meu dia com as crianças! - soltando uma risadinha, a tristeza já está longe de ser vista.
- Tyler está te explorando novamente?
- Sabe bem como aquele russo é abusado!
[....]
Eu queria rir com todas as minhas forças, com a cena diante de mim. Mas me seguro pois tenho um minúsculo ser apoiado em meu ombro, que não se separou de mim desde que acordou e voltou a dormir novamente. Meu sobrinho tem uma carranca eterna desfigurando seu bonito e jovem rosto e seus braços cruzados rente ao estreito peito. Enquanto as meninas encenam uma cena de resgate estilo idade média na minha sala. Ainda estou tentando descobrir de onde a mulher de fala alta e sorriso quase ofuscante conseguiu as fantasias.
Enquanto elas brincam, sinto meus olhos pesados. Sem me anunciar, vou em direção ao meu quarto. Fecho as cortinas e me deito na enorme cama. Rapha se move por um momento mas logo volta a afundar o rosto em meu pescoço. Suas pequenas mãos agarradas a minha blusa puida. Quando consigo me deitar tento coloca - lo ao meu lado mas ele parece saber ainda que está em seu sono, sobre minhas intenções resmunga chorando baixo. Revirando meus olhos bufo me conformando. Ajeito meu travesseiro e suspiro quando encontro uma boa posição. Penso em como tenho dormido bem desde que está aqui, sobre a visita de Carolina e babá Cássia. Meu peito se aperta ao saber que seu tempo está no fim. Como se tivesse areia neles, meus olhos se fecham imediatamente, me rendi ao sono bem vindo.
Ao longe escuto uma risadinha, tenho piscar para fora de mim o sono que me arrebatou com tudo. Mas não consigo, sinto um carinho em minha bochecha e então dentes minúsculos se afundam nela. Me sento em um pulo, a cama se afunda ao meu lado seguida de uma gargalhada alta. O garoto é como o pai nesse departamento. Olho para o lado e o encontro. Rapha tem cílios postiços rosa choque, as bochechas lilases, os pequenos lábios com um batom verde e seus cabelos encaracolados pesos no alto da cabeça. Aperto meus olhos para confirmar o que realmente estou enxergando. Um corpo cai no chão, um gemido é ouvido. Alegre ao extremo o menino bate palmas animadamente.
- Quem fez isso com você garoto?
- Hum... - olho para a porta onde Mariana e Vivi estão deitadas no chão e respirando com dificuldade. Seus cabelos lhe tapam o rosto, na certa se soltou na hora da queda.
- Mariana e Viviane Nikolaiev!
- Merdaaa Vivi, ele te chamou pelo nome completo!
- Me protege tia Mari! - se gruda na tia como um polvo. Olhos arregalados em minha direção. Passo a mão por meus cabelos, sinto presilhas neles. Fecho meus olhos firmemente amedrontado do que vou achar por todo o meu rosto.
- Fizeram comigo também não é?
- Não sei de nada tio! - tirando o celular do meio de seus seios, a mulher que me coloca maluco bate uma foto minha. Aponto meu dedo em sua direção.
- Se essa foto for parar no Instagram, te mato mulher!
- Olha lá Vivi. Todo nervosinho!
Rapha se deixa rolar na cama e logo está na chão. O menino não liga que está parecendo um palhaço, correndo com suas pequenas e ágeis pernas se jogando no meio da irmã e da tia. Nego olhando para os três gargalhando como nunca antes. Me jogo na cama de braços abertos, olhos no teto branco, lágrimas de alegria escorrendo por minhas bochechas. Meu coração está tão leve, tão desimpedido de bater livremente, eu posso sentir sem medo. Posso rir de algo engraçado sem ser repreendido, posso viver. Mãos minúsculas apertam os dedos dos meus pés, vejo Rapha tentando subir novamente na cama. O ajudo rapidamente, o menino deixa um beijo molhado em meu rosto pera em seguida o acariciar como se eu fosse uma jóia de grande valor. Seguro seu rostinho, meu interior se enchendo de felicidade ao ver a suavidade de seu rosto. Beijo seus cabelos levemente, afundando seu rosto em meu pescoço, o deixo ali.
- Onde está Mateus?
- Na sala ocupado com seu jogo.
- Ao menos ele não participou dessa barbárie.
- Ele também ajudou só para sua informação! - joga um beijo no ar.
- Pequeno traidor! - meu celular toca na sala. Bufo me levantando levando minha pequena carga comigo.
Mateus surge correndo com meu celular no ar. Os cabelos lisos acobreados apontando para todas as direções. Pego o aparelho vendo o número do hospital piscar na tela. Meu humor morre instantaneamente, o pequeno ser é retirado de meus braços por Mari, como se ela soubesse o que aconteceria em seguida, o menino protesta mas logo esquece quando a irmã lhe dá uma porção de seu cabelo para que brinque. Estou sozinho quando levo o aparelho ao ouvido.
- Falo com Otávio Lambertini? - minha respiração trava em meu peito, de repente sendo difícil formar as palavras certas.
- Sim. - grunhi as palavras. Um momento de silêncio é feito seguido de um pigarreio grave.
Então eu simplesmente sei que ela não está mais aqui! Sei que sua doce alma deixou seu corpo fragilizado por uma doença carrasca que arrasa com tudo pela frente. Sei que não ouvirei mais sua voz, não serei algo do seu olhar de amor que por tanto tempo eu duvidei ser sincero, não sentirei seus finos braços ao meu redor. Não sentirei sua vida fluindo através de cada palavra sua.
Estou sozinho mais uma vez!
Por isso não escuto mais o que a enfermeira me diz do outro lado. O celular encontra a porta do quarto, se partindo em dezenas de pedaços pela força empregada. Um grito quase animalesco corta através do meu peito dolorido, ecoando nas paredes que sabem tanto de mim e meus demônios. Meus joelhos se tornam fracos e então estou no chão, sozinho. Mas não por muito tempo, pois o perfume de canela inunda o ar, me confortando para enfrentar o que eu sei que virá pela frente.
28/04/20
MATEUS LAMBERTINI
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