II- Danger
- Como foram as coisas por aqui? - Tia Adelaide questionou ao atravessar a porta de madeira antiga com duas malas de couro em mãos.
- Você sabe. Nada fora do habitual. - menti descaradamente ocultando minha saída para a boate na noite anterior e o encontro com aquele cara esquisito de lindos olhos verdes.
Ela definitivamente não precisa dessas informações!
Encostei meu ombro contra o batente que da visão para a sala de estar, e observei Tia Adelaide colocar as malas sobre o sofá, em fração de segundos asas batendo se fizeram presente no cômodo banhado pela luz que chega a nós através das enormes janelas, Whisky se acomodou sobre o ombro esquerdo de Tia Adelaide e roçou a ponta da cabeça contra seu pescoço, que retribuiu com carinho e algumas palavras de afeto.
Fiz o meu melhor para não revirar meus olhos diante da cena.
- Bem vinda. Bem vinda. - Whisky começou a repetir para tia Adelaide.
Whisky me encara, seus dois olhos me analisam silenciosamente, arqueio a sobrancelha o desafiando a dizer algo.
Uma disputa silenciosa que logo fora quebrada.
- E que tal esses ovos mexidos? - tia Adelaide sorri largamente ao se virar para me olhar.
Desvio o olhar de Whisky rapidamente e balanço a cabeça sorrindo.
- Estão maravilhosos, e como foi em Balmore? - suspirei me aquietando.
Observei o movimento de seu quadril ao mexer com a colher de pau na panela, a linha branca em seus cabelos negros parece se destacar ainda mais com a claridade da luz ultrapassando as persianas.
- Produtivo. - disse apenas.
Tia Adelaide se contém quando o assunto é o seu "trabalho", como se quissese me manter o mais afastada possível, respiro fundo me dando por vencida.
Mais uma vez, depois de tantas tentativas acabei por perceber que insistir é apenas uma perda de tempo, para ambas.
- Bom, eu acabei aqui - anunciei me levantando e limpando as mãos num pano de prato disposto sobre a mesa - Preciso ir para o colégio.
Whisky bateu suas asas e partiu em direção a sala.
Essa ave é estranha.
Definitivamente.
Escuto o barulho do sininho soar em uma das mesas e ajeito meu vestido azul e branco com as mãos, a lanchonete onde trabalho tem como temática os anos 50 e constantemente me sinto como se fosse a Dorothy em O mágico de Oz.
O dia está ligeiramente abafado, oque é um tanto incomum para uma cidadezinha que está na maioria das vezes coberta por nuvens escuras e ventos gelados que fazem seus braços se arrepiarem, não posso dizer que não gosto desse clima pois vivi minha vida toda aqui e de certa forma já me acostumei, é quase como se fosse uma extensão de mim.
Denise a menina baixinha de cabelos curtos que trabalha junto comigo cutuca meu ombro com o dedo esguio e fala por sobre o tintilar de pratos e as vozes dos clientes:
- Ele está aqui!
Ela está sorrindo quando diz isso, e eu também sorrio porque sei de quem se trata, a mais ou menos um mês esse garoto começou a frequentar a lanchonete, sempre sentando na mesma mesa e sempre atraindo minha atenção desde o primeiro dia que veio aqui, seu cabelo é castanho e curto e sua pele é ligeiramente branca demais, mais não que isso seja um problema, seus olhos são escuros e eu sinto como se ficassem mais profundos ainda quando me encaram.
- Vou ir lá. - anunciei ajeitando o laço azul em meu rabo de cavalo.
- Tente não parecer desesperada por favor é constrangedor.
Me virei para encarar Denise e lhe mostrei a lingua, uma atitude um tanto infantil devo admitir.
- Não estou desesperada! - disse ofendida.
Peguei o cardápio sobre o balcão e andei em passos largos até a última mesa, vi suas costas tensionarem debaixo da jaqueta preta e respirei fundo antes de me aproximar:
- Boa tarde, aqui está o cardápio. - deslizei o papel por entre suas mãos.
Seu olhar encontrou o meu e prendi o ar por alguns segundos, sua beleza é quase que de outro mundo, os traços em seu rosto são como uma pintura antiga, sinto essa sensação estranha quando o vejo, mais talvez seja coisa da minha cabeça, afasto esses pensamentos e me foco apenas em tentar não tropeçar em meus pés.
Espero pacientemente enquanto seus olhos vagam pelos nomes escritos, e observo o anel em seu dedo é uma joia robusta e um tanto obscura, seus dedos se comprimem como se tivesse sido picado e esconde a mão por trás do papel.
- Vou querer uma porção de batata fritas, um X-burguer, uma coca cola e... - estava anotando seu pedido em meu bloco de notas até que ele fez uma pausa e seu olhar se voltou para mim - Um encontro com você hoje a noite.
Respirei fundo antes de assimilar suas palavras, ele realmente queria sair comigo, me perguntei o porque do interesse, esse garoto poderia ter quem quiser e no entanto ele me escolheu.
- Quer sair comigo? - balbuciei.
- Talvez você não tenha percebido, mais eu venho reparando em você a algum tempo - sim eu tinha percebido, e também estava reparando nele - Pensei que seria uma boa nós sairmos, isso se você aceitar.
Claro que sim, como poderia dizer não, pensei em dizer mais percebi a tempo o quanto iria soar desesperada, e como Denise me disse, isso é constrangedor.
- Tenho que permanecer aqui até as 10 horas - suspirei imaginando que desistiria ali mesmo.
- Eu posso esperar. - seu rosto se iluminou em um sorriso, dentes brancos como em um comercial.
- Tem certeza que não tem problema? - analisei seu rosto novamente.
- Nenhum, eu adoro sair a noite.
Seus olhos escuros tinham um brilho diferente quando disse a frase, mais ignorei esses pensamentos tolos, não havia nada de errado nele.
- Então está confirmado, assim que meu turno acabar nos saímos - fiz uma pausa me lembrando de lhe levar seu pedido - Deve estar com fome me desculpe, seu pedido sai em 10 minutos.
Sorri para ele e me virei de costas, quando ia dar o primeiro passo me lembrei de que nao sabia seu nome, dei meia volta.
- Ah hum, eu não sei seu nome ainda...
Seus olhos se voltaram para mim e ele sorriu novamente.
- Derek.
Assenti com a cabeça e segui meu caminho, quando pousei a mão no balcão e entreguei a Denise a comanda ela me olhou com evidente excitação, certamente ela deve estar louca para saber oque falamos.
- Conte-me tudo e não me esconda nada. - disse apressadamente.
- Ele me chamou para sair depois que meu turno acabar. - sussurei.
- Eu sabia que ele estava interessado em você! - seus olhos se arregalaram e sua cabeleira balançou - Estava na cara, e oque você disse? Eu espero que tenha aceitado porque senão eu mesma vou lá e me comprometo em sair com ele, o cara é um gato.
Ri de sua animação.
- Eu disse que sim, claro. O nome dele é Derek. - disse observando algumas pessoas saírem das mesas - Acha perigoso sair com alguém que eu apenas sei o nome?
Denise pensou por alguns segundos.
- Certamente, mais oque seria da vida sem um pouco de perigo?
Concordei com a cabeça e tentei afastar qualquer duvida, o cozinheiro trouxe o pedido de Derik e respirei fundo me movendo até sua mesa.
10 horas em ponto retiro o laço azul e desfaço o rabo de cavalo, estou cheirando a fritura e tem cheedar em meu cotovelo, tento arrumar minha situação no banheiro dos funcionários antes de sair para ver Derik que me espera junto ao seu carro no estacionamento, passo um brilho labial de cereja e mando uma mensagem para Gracie.
" Tenho um encontro, me deseje sorte 😊"
Enviei outra mensagem, essa para Tia Adelaide
" Tenho que fazer hora extra hoje, não me espere acordada "
Sim eu menti descaradamente, mas ela teria tentando me impedir de qualquer forma, desliguei o celular e o coloquei no bolso do meu casaco.
- Tudo certo - disse para mim mesma me olhando no espelho - Até que não estou nada mal. - faço uma careta por estar falando sozinha, talvez eu esteja no ápice da minha loucura.
Assim que me aproximei vi os fios de seu cabelo castanho, encostado em seu carro preto, quando me viu me brindou com um sorriso largo, a lua estava cheia e lançava um brilho diferente sobre nossas cabeças.
- Que carro lindo - elogiei me aproximando - Aonde nos vamos?
Eu pensei nisso durante o turno todo, aonde iríamos, oque fariamos.
- Vamos dar umas voltas, quero te mostrar um lugar e acho que vai gostar.
Concordei e me sentei ao seu lado no banco da frente, ele era do tipo misterioso, e para meu desprazer eu sempre gostei de desvendar mistérios.
- Quantos anos tem? - perguntei quando o carro começou a se mover.
- Sou mais velho que você - ele me lançou uma piscadela, como se tivesse alguma piada interna que eu não tenha entendido - Tenho 2o anos e você?
- Tenho 18 anos. - me remexi no assento confortável enquanto as luzes das casas passavam como flashes pela janela.
- Oque pretende fazer agora que concluiu o colegial? - Derek me questionou.
- Não sei, na verdade as vezes eu me sinto meio perdida em relação ao meu futuro, não sei se quero ser uma dessas pessoas importantes de terno e gravata ou se quero viver uma história diferente a cada dia, ainda estou descobrindo.
As vezes é mais fácil abrir seus sentimentos para um estranho doque para alguém que te conheça a vida toda.
- Ouvi dizer que sua tia lê cartas de tarot - o encarei surpresa, não pensei que ele tivesse procurado saber sobre mim - Acredita nessas coisas?
- Que coisas? - lhe devolvi outra pergunta.
- Coisas que sejam fora do comum, coisas que a maioria das pessoas não levariam a sério.
Tentei interpretar sua pergunta e pensei por alguns segundos.
- Sim acredito, cresci em meio a isso. Como poderia não acreditar?
O carro fez uma parada brusca
- Me desculpe se te assustei, nos chegamos.
Olhei pela janela, estávamos na beira da estrada, não sei ao certo quanto tempo se passou, posso escutar o barulho dos grilos e vejo um lago mais a frente por entres as árvores.
- É seguro entrar aí? - balbuciei encarando Derek.
- Não confia em mim?
Era difícil responder algo assim, durante o trajeto ele me fez dizer mais de mim doque dele e me deu algumas poucas respostas, mais eu já estava ali e não tinha pra onde correr.
Abri a porta do carro e senti a brisa contra meu cabelo levando alguns fios em meu rosto, afastei com as mãos e segui Derik por entre as árvores, eu não sei como deveria me sentir mais de alguma forma pareciam como se as árvores tivessem olhos, como se nos observassem como no filme da Branca de neve e os sete anões, a cena em que ela deixa seus medos aflorarem e se vê encurralada por milhares de galhos na floresta, tentei me manter relaxada.
- Está vendo como é lindo? - Derek já estava na encosta do lago.
Me perguntei internamente como tinha chegado tão rápido, ou talvez eu estivesse muito lenta. Me aproximei e parei ao seu lado absorvendo a cena a minha frente, a luz da lua estava refletindo no lago e tive que prender a respiração diante de tanta beleza.
Seu corpo se aproximou do meu sem que eu tenha sequer notado, me virei de frente para seu rosto e observei o quão lindo ele era na luz da lua, seus lábios rosados se abriram num sorriso de canto.
- Acho que quero te beijar.
Arfei e inclinei a cabeça para trás, subitamente sendo tomada por uma vontade louca de provar o gosto do seus lábios, fechei os olhos e senti quando sua boca fez contato com a minha, deixei que suas mãos se voltassem entorno da minha cintura e me aproximasse mais de si, passei os braços sobre seu pescoço e aprofundei o beijo, tinha gosto de molho de pimenta, e eu nunca vi nada do tipo antes, seus dentes prenderam meu lábio inferior e arfei sentido uma gota de sangue deslizar, Derik pareceu se empolgar mais e me deitou sobre a grama baixa, senti quando suas mãos se moveram até meu pescoço e arfei me afastando, estava quente demais.
- Oque está fazendo? - suas mãos continuavam no meu pescoço e senti que o ar estava começando a me faltar - Me solta!
Seus olhos que outrora estavam escuros se transformaram num vermelho vivo, me debati sobre a grama imaginando oque poderia ter acontecido, seria isso efeito de alguma droga? Meus dedos se agarram ao mato e balancei meu corpo tentando me soltar.
- Minha querida Violet, tem noção do quanto irei ganhar por levar sua linda cabecinha a Aaron? - franzi as sobrancelhas sem saber doque ele estava falando - Foi difícil te rastrear mais depois de tanto tempo consegui, felizmente você não passa de uma vadia fácil! - ele cuspiu as palavras como se fossem veneno.
Senti vontade de chorar, de gritar, tola por ter aceitado seu convite, tola por confiar nele e o deixar me levar até ali, e mais ainda com medo de morrer desse jeito, patética debaixo de seu corpo.
- Quero que veja isso - seu tom de voz havia mudado, estava mais sombrio, observei com os olhos lacrimejantes a lâmina que ele levantou - Gostou? - questionou rindo culpiosamente - Acho que este vai ser a assasinato mais prazeroso que já tive o prazer de cometer e o mais lucrativo.
A essa altura eu já não pensava em mais nada, apenas aceitei que aquela seria a última vez que veria a lua, imaginei se alguém me encontraria ali, quanto tempo levaria para notarem meu sumiço, fechei meus olhos e esperei.
Ouvi um estalo forte e senti seu corpo ser jogado para longe de mim, abri os olhos arfando com dificuldade, não consiguia me mexer, não conseguia correr, meu sangue bombardeando a mil por hora, vi seu corpo emergir do lago com a lâmina em mãos e comprimi os olhos para observar um homem ao seu alcance, sua silhueta se movendo contra Derik, forcei a memória para tentar me lembrar de onde o havia visto, o jeito de caminhar eu sabia que era familiar.
Como se um clarão tivesse passado por minha cabeça me lembrei, era o estranho da boate, me recordei do jeito que subiu em sua moto e sumiu na noite, do jeito que girava o anel em sua mão enquanto me observava, era ele.
Mais não pensei muito nisso, senti minhas pálpebras pesarem e me rendi ao cansaço e a dor, apaguei como em um passo de mágica.
Me rendendo a escuridão.
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