Capítulo 30
Ele me encara com os olhos afiados, e se estou cheia de pré-julgamentos sobre sua pessoa, aposto que ele também tem esses pré-julgamentos sobre a minha. Ele continua assim, me encarando por alguns segundos, até ser o primeiro a desviar o olhar e mostrar indiferença.
ㅡ Qual é... ㅡ escapa de minha boca de maneira frustrada. ㅡ Não suporto essa revirada de olhos... Quer que eu o amarre ainda mais? Posso deixá-lo bem mais desconfortável.
ㅡ Você me prendeu duas vezes... Quer que eu morra de amores por você? ㅡ pergunta ele com uma ironia cortante, um sorriso leve dançando em seus lábios, mas sem qualquer traço de humor real.
Inclino o corpo para ele, com um olhar genuíno de surpresa. Um olhar genuinamente falso.
ㅡ Pode mesmo fazer isso? Morrer de amores por mim? ㅡ Minha voz sai com uma animação exagerada, e um sorriso largo se abre no meu rosto. ㅡ Não achei que poderia ser tão apaixonado. Estou vivendo um sonho!
Ele vira o olhar para mim, piscando algumas vezes. Mantenho a expressão vibrante e animada, mesmo após ele perceber que estou mentindo.
ㅡ Você é insuportável. ㅡ ele declara, o tom frio, a voz baixa.
ㅡ Você não me conhece... ㅡ respondo no mesmo tom, sustentando o olhar com faíscas.
ㅡ Por isso tenho que tomar cuidado... ㅡ ele diz. Acho graça de sua fala, como se mudasse algo, agora que está amarrado.
ㅡ Deveria ter pensado nisso antes.
ㅡ Fala logo o que você quer... e me solta.
ㅡ Também deveríamos ter cuidado... ㅡ diz Markson. ㅡ Me conte primeiro o que está planejando... Társi.
ㅡ Eu sei... não se preocupe com isso. ㅡ Levanto a cabeça para falar com o elfo.
ㅡ Foi você que me acertou? ㅡ o príncipe pergunta.
ㅡ Não foi por querer, majestade... ㅡ o elfo começa, a voz baixa, mas cheia de sinceridade.
Encaro Markson com raiva, na esperança de que ele entenda que não pode demonstrar fraquezas na frente do príncipe. Elfos não falam baixo, não demonstram remorsos; são seres mágicos cheios de si, autossuficientes em sua essência. O Senhor Musk que o diga... Por mais que sua serenidade fosse seu ponto forte, ele nunca abaixou a cabeça para ninguém. Nunca demostrou parecer errado.
Markson é diferente... em todos os quesitos. Ele não carrega a altivez típica de sua raça, nem a confiança inabalável que parece pulsar no sangue dos elfos. Se não fosse pela semelhança física gritante com seu pai — claro que não estou falando da altura — eu duvidaria de sua paternidade.
ㅡ Confesso que nunca havia visto seu rosto em lugar algum... o que é estranho... não sabia quem era... ㅡ admite o elfo, sem perceber que está se enrolando. Tento tossir para chamar sua atenção, mas é em vão. ㅡ Foi... uma reação instintiva.
ㅡ Também foi sem querer que me prendeu aqui em volta da árvore? ㅡ o príncipe continua, cheio de sarcasmo para quem está amarrado. ㅡ Com essas algemas?
ㅡ Não caia na dele, Markson! ㅡ me adianto, finalmente, chamando a atenção do elfo. ㅡ Está só provocando você para soltar ele.
Markson me encara com raiva, como se eu fosse a errada no momento. Quando olho para Dérium, percebo que está sorrindo de maneira animada, os olhos fixos em mim, mas como se fosse um hábito, ele desvia esse olhar assim que o percebo.
ㅡ Não seja frouxo! ㅡ Não me importo com os olhares, e continuo reclamando com o elfo. ㅡ Ele está apenas te usando...
ㅡ Na verdade, estou impressionado... ㅡ o principe me contradiz com o tom mais insuportável possível. ㅡ Não o vi chegando, nem sequer vi seu rastro. Se não fosse tão fiel a ela, chamaria você para ficar ao meu lado... lutar para recuperar a coroa. Você teria a riqueza que quisesse no final.
ㅡ Quem disse que sou fiel? ㅡ Markson se prontifica. ㅡ Podemos negociar algo...
ㅡ Traidor... ㅡ murmuro.
ㅡ Eu falei que ele toparia, majestade! ㅡ Escuto a voz de Triket, acordada no ombro do príncipe. Quando a encaro, ela se esconde atrás dos cabelos prateados dele.
Contenho o impulso de não partir para cima e agarrar a fada.
ㅡ Lembre-se de sua promessa, Társi... não pode me comer! ㅡ diz Triket, quando chega ao topo da cabeça do príncipe.
ㅡ Nunca falei que não a comeria, apenas que não a ameaçaria mais! ㅡ As palavras saem por entre os dentes. Observo a forma assustada como a fada me olha, assim como a estranheza no rosto de Dérium. ㅡ É melhor não bobear... não darei mais avisos antes de enfiar seu corpo em minha boca.
Faço o gesto de morder o ar, os dentes batendo no vazio como um estalo seco. Triket estremece, o príncipe também reage, recuando o corpo no pouco espaço que possui.
ㅡ Posso morder você também... ㅡ provoco e Dérium me olha incrédulo.
Desvio o olhar para a fada, ela voa para o cabelo do elfo, alto o suficiente para que eu não consiga esmagá-la como a mosquinha que é. Quase escorrega ao pousar no topo da outra cabeça, balançando as asinhas rapidamente enquanto tenta se equilibrar.
ㅡ Você é tão estressada, Társi... se eu fosse trair você, teria apenas soltado as algemas do príncipe. ㅡ Triket fala, tentando ter razão suficiente para manter a calma, mas percebo o temor sutil em sua voz.
ㅡ Você não fez isso, porque teve medo! ㅡ digo, com uma risada curta e sarcástica. Conheço Triket o suficiente para saber que ela não arriscaria perder a recompensa garantida.
ㅡ Tive nada! ㅡ ela revida, batendo no pé na cabeça do elfo.
ㅡ Estendo a oferta para os dois. ㅡ Dérium fala, chamando a atenção. ㅡ Não são muitos que conseguem me capturar, e a cada passo percebo que está ficando mais difícil prosseguir só. Seria muito útil um ser voador e pequeno para espreitar as coisas e alguém com sua habilidade de luta. O que querem para se juntar a mim? Fama, poder, dinheiro... posso garantir qualquer coisa.
Por um instante, fico imóvel, surpresa pela rapidez com que ele montou essa estratégia. É claro que ele percebeu o que nem eu queria admitir: somos um grupo instável. A briga constante entre Markson, Triket e eu não é novidade, mas ele enxergou a fraqueza disso com uma facilidade desconcertante.
E o pior? É fácil acreditar que Markson e Triket poderiam aceitar. Markson sempre questiona minhas decisões, nunca esconde a insatisfação. Não vou nem falar sobre a Triket... ela mesmo se condena.
Mas o príncipe não sabe o que está falando. Markson não é bom em luta, nunca foi. Ele não sabe segurar uma espada direito, muito menos usá-la. E embora, há tempos tenha sido um ferreiro, parece ter sido em outra vida. Quando se trata de confronto, nem com palavras ele se sai bem. Não sei como ele conseguiu nocautear Dérium, mas vou descobrir.
E Triket? Ela é medrosa demais para vasculhar qualquer coisa sozinha. Nunca a vi indo à frente, nem mesmo para investigar algo que não oferecesse perigo. Sempre se esconde atrás de quem está mais perto, com um sorriso falso e desculpas prontas.
ㅡ Você é genial! ㅡ murmuro, de repente me pareceu engraçado a ideia do príncipe.
Dérium, Triket e Markson... Seria como os três patetas. Talvez um quarteto se contar com aquele transformo, mas não adianta procurar agora, certeza que está em sua forma pequena... o que me tranquiliza é que não tem magia.
ㅡ Você não vai estender a proposta a ela? ㅡ Markson aponta na minha direção, como se a pergunta fosse óbvia.
ㅡ Eu não quero fazer parte do trio de patetas... ㅡ deixo escapar sem pensar, e no mesmo instante levo a mão à boca, me condenando por não segurar os pensamentos na cabeça.
ㅡ O que disse? ㅡ Markson pergunta.
ㅡ Nada. Não disse nada. ㅡ Nego rapidamente com a cabeça. Pensando em como contornar a situação. ㅡ Só estou surpresa... nunca imaginei que você diria algo que parecesse defender a ideia de nós três estarmos unidos.
ㅡ Não fique tão surpresa...
E como não ficar? É estranho e esquisito, mas depois de tudo que aconteceu... Eu até entendo. Também não quero me separar. Mas isso não significa que vamos montar um quarteto de patetas.
ㅡ Concordo com Markson... ㅡ Triket quase grita, erguendo o dedo minúsculo na escuridão. ㅡ Não vai oferecer nada a ela? Quero dizer, a Társi não tem grandes qualidades... mas ela merece algo também, não merece?
Eu quase fico mais surpresa, admirada com a atitude da fada, tão quanto a de Markson, mas me recupero rapidamente, fitando a pequena criatura com um sorriso cínico.
ㅡ A Társi não tem grandes qualidades? ㅡ repito, agora mais para mim mesma, me sentindo quase desafiada pela afirmação. ㅡ Vocês são realmente idiotas? Ele só está oferecendo isso porque está preso. No momento em que o soltarem, o que garante que ele não prenderá vocês?
ㅡ O que seria de um príncipe sem palavra? ㅡ Dérium insinua, no tom mais desdenhoso que já ouvi. ㅡ Dou a minha a vocês.
Eu não posso competir com isso.
Observo o príncipe, meus olhos recaem no pano amarrado frouxamente em seu pescoço. O arrependimento me atinge como um soco. Por que fui tirar aquilo da boca dele? Saber que estava acordado já era o suficiente. Preciso aprender a me controlar e não agir tão abruptamente...
O Continente da Lua — o mágico Continente da Lua — protege os herdeiros de qualquer coisa. Então, se ele não tem magia para se proteger do frio, o ambiente esquenta ao redor dele para o deixar confortável e seguro. Eu só queria saber se ele tem consciência disso e tirar algumas dúvidas de como funciona... como se ele fosse me responder amistosamente...
Fui ingênua aqui... quem precisa ter cuidado para lidar com o ser à frente sou eu.
ㅡ O que está fazendo? ㅡ o príncipe pergunta, tentando recuar, mas sem ter para onde ir.
ㅡ Sua voz é irritante... ㅡ murmuro próximo ao seu ouvido, enquanto me inclino para perto dele, segurando o pano com firmeza, pronta para amarrá-lo de novo em sua boca.
ㅡ E você cansou de fingir que gosta de mim? ㅡ Ele aproveita o momento para sussurrar de volta.
Um arrepio desconcertante percorre meu corpo e eu recuo, o encaro paralisada. Mais uma vez, arrependo-me de ter retirado a maldita mordaça de sua boca. Ele não sabe de nada. Não sabe. E eu também não sei nada sobre ele...
Há um sorriso de expectativa no rosto do príncipe. Um sorriso maldoso e encantador.
Desisto de amarrar a boca de Dérium. Quando o encaro, tenho a nítida impressão de que, na próxima tentativa de amordaçá-lo, ele aproveitaria a oportunidade para me morder, me impedir, mesmo que isso me machucasse de alguma forma.
Pisco algumas vezes, mais um arrepio percorre minha espinha...
ㅡ Eu só não tento de novo porque não estamos sozinhos... ㅡ murmuro, provocando, imitando o seu sorriso, como se ele pudesse ler meus pensamentos e eu, os dele.
ㅡ Ainda assim... Por que não estende a proposta para ela? ㅡ Markson fala, aproveitando que não consegui fechar a boca do príncipe. ㅡ O que você tem contra ela?
O elfo estreita os olhos, observando todo o teatro que estou fazendo. Ele não sabe o quanto o príncipe já me odeia e espera que ele responda. Encaro Dérium, esperando com a mesma expectativa do elfo.
Fico me perguntando se Dérium me odeia porque cruzei o caminho dele, precisei prendê-lo e entregá-lo para os abatedores. Ou se não gosta de mim porque sou parecida com aquela tal de Ameera. A que o amaldiçoou. Talvez sejam todas essas coisas. Talvez seja mais, algo que eu ainda não saiba.
ㅡ Tsc... não é como se eu possuisse escolha, não é? ㅡ Dérium esconde a verdade por trás da pergunta. ㅡ Então... o que você quer, Tár-si?
Eu o encaro, confusa, sem entender o que ele está tentando fazer. Então percebo: ele está fingindo. Fingindo que não me odeia e que não se importa de me ter no grupo de mentirinha que está tentando formar.
Tudo bem, não tem como eu o obrigar a falar o verdadeiro motivo de tanto ódio em seus olhos. Se ele quer fingir, eu também posso. E, honestamente, eu finjo melhor.
Se ele acha que pode enganar alguém com esse joguinho de aparências, vai ter que lidar com a minha versão.
ㅡ Prestou atenção no meu nome? ㅡ Mudo meu tom de voz quando o encaro, e falo da maneira mais melosa possível. ㅡ Que fofo... fica muito bom saindo de sua boca.
ㅡ De novo com isso? ㅡ Dérium revira os olhos, como se estivesse blindado contra qualquer provocação. ㅡ Achei que tivesse cansada de fingir...
ㅡ Fingir? ㅡ Faço um drama exagerado.
O príncipe ainda evita me encarar, mas nessa pequena conversa consegui pegá-lo fazendo isso por vezes, e não consigo deixar de sorrir sutilmente. Ele não tem ideia do que está começando a enfrentar e acha que é simples assim me evitar.
ㅡ Sabe o que é engraçado? Que você fala como quem tem a vantagem... mas está preso. ㅡ digo, me aproximando do príncipe, engatinhando com certa cautela.
Ele não percebe, nem se quer está olhando para mim.
ㅡ E daí? ㅡ Ele solta de maneira relaxada, em um tom quase desinteressado, algo que sugere ter tudo no controle. ㅡ É você que acha que vai ter a vantagem para sempre...
ㅡ Está bem... você tem um belo ponto...
Aproveitando suas pernas esticadas, eu me sento em seu colo, como de costume. Dessa vez, ele está bem acordado. Quando percebe o que fiz, já é tarde, não tem como encolher mais as pernas. Ele mexe o corpo, tentando se soltar das cordas, forçando os pulsos presos com algemas.
Eu rio baixinho, observando como de repente ele começou a se incomodar com minha presença ali. Se ele tenta desviar o olhar, eu me coloco no campo de visão dele. Vou provocar e deixá-lo desconcertado, a ponto de não conseguir pensar direito.
ㅡ Társi! O que está fazendo? ㅡ Markson se espanta, mas tem medo de chegar perto, por algum motivo, tem medo do príncipe.
Eu deveria ter medo também...
ㅡ Relaxa... essa aí tá acostumada a sentar nele... ㅡ comenta Triket.
ㅡ Então, deixe-me ver se eu entendi... vai me oferecer qualquer coisa em troca de sua liberdade?
ㅡ Tem minha palavra... ㅡ ele diz, os olhos finalmente fixos em mim, sem ter para onde desviar. ㅡ Mas é melhor dizer o que quer antes de me soltar.
Ele provoca, e eu dou um pequeno sorriso frustrada... achei que ele não teria coragem de falar nada comigo aqui em cima, que isso seria o suficiente para calar sua boca, ou impedir seu tom de desdém, mas estou começando a gostar de como ele não abandona o lado sarcástico, independente da situação.
Gosto de como ele é imprevisível. Gosto dessa pose inabalável.
Com calma, me levanto, relutante de chegar mais perto e provocar mais. Sem pressa, afasto-me do príncipe, mantendo o alto controle que tenho sobre mim mesma, e imito sua postura, erguendo a cabeça com a mesma confiança fria que ele demonstra.
ㅡ Társila... ㅡ Markson murmura, tentando chamar minha atenção. ㅡ Enlouqueceu? Não pode tratar o príncipe assim...
ㅡ Cala a boca... ela está negociando. ㅡ Triket voa em direção ao ouvido de Markson, interrompendo qualquer tentativa de objeção.
ㅡ Não estou negociando... ㅡ admito. ㅡ Mas não planejo deixar vocês de fora de nada, então confiem em mim só dessa vez.
ㅡ Onde está indo? ㅡ o príncipe finalmente pergunta, seu tom agora carregado de uma curiosidade que não consigo ignorar. ㅡ Você não quer nada?
Me viro para o encarar novamente.
ㅡ Eu quero você, Dérium... ㅡ falo com uma simplicidade que o espanta. ㅡ Sabe... estou perdidamente apaixonada por você e não posso simplesmente soltá-lo... precisa arcar com as consequências do que fez comigo.
ㅡ E o que eu fiz com você? ㅡ ele fala com velocidade, pela primeira vez sem pensar.
Por um momento, me questiono se finalmente consegui desarmá-lo ou se ele está apenas tentando decifrar cada palavra minha, se é ele que está me enganando. Decido não dar tempo para isso, para ele perceber que estou apenas sendo irônica, mesmo que seja óbvio.
ㅡ Vou fazer um chazinho para conversarmos melhor... ㅡ Abro um sorriso e me distancio um pouco mais.
E com a ajuda de Triket e Markson, encontro um recipiente para preparar uma das poções do grimório.
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