Capítulo 28
Está escuro quando abro os olhos. Meu corpo continua dormente, pesado, como se fosse feito de pedra. Reconheço essa sensação e, de certa forma, não me surpreendo com o formigamento que a acompanha.
Um arrepio inebriante percorre meu corpo quando percebo que estou superando o veneno. É viciante, mas ainda estou longe de estar perfeitamente bem para focar nisso.
Mexo os dedos devagar, testando minha força, e viro a cabeça na direção das vozes que ecoam pelo ambiente. Elas estão abafadas, quase distantes, mas ainda assim próximas o suficiente para me deixar alerta.
ㅡ Não da para voltar mais no tempo... Deixa de ser chorão... ㅡ Triket comenta, com um tom que parece descontraído demais para a situação. Consigo ver o brilho de seu corpo destacando-se na escuridão.
Há apenas mais um ser com ela. Eu estreito os olhos, tentando entender quem é, tentando focar naquela presença familiar.
ㅡ Estamos ferrados... ferrados... ㅡ Meu olhar se fixa no dono da voz, mas a criatura está de costas e faz leves movimentos. Não consigo ver nem seu perfil.
ㅡ Não tem problema... tenho certeza de que sua Alteza não viu você... ㅡ Triket fala, iluminando o príncipe preso com cordas em uma árvore, restrito com aquelas algemas encantadas que inibem magia. ㅡ Está amordaçado, algemado, preso, vendado...
ㅡ Para! Para! Você só está piorando as coisas... ㅡ A criatura interrompe a fada. Eu não reconheço sua voz, por mais que me esforce, por mais que a ache familiar... o som ainda parece distante. ㅡ Como eu saberia que era ele? A Társila rasgou o jornal e escondeu a foto.
ㅡ Quem manda não prestar atenção...
ㅡ Já disse que não está ajudando.
ㅡ Tanto faz... vamos apenas trocar por algo valioso... ㅡ Triket voa novamente em direção à criatura.
Não consigo processar de imediato, mas meu corpo treme quando os ventos sopram os fios dourados de seu cabelo, caindo como uma cascata brilhante, iluminada com tanto descaso pela luz de Triket.
De repente, a dor no meu corpo volta com tudo, e me sinto novamente paralisada. Meu coração aperta tão forte que parece que será esmagado pela pressão, quando reconheço aqueles fios dourados, quando reconheço aquela presença acolhedora que é difícil de ignorar.
A falta de ar me consome, puxo todo para os pulmões e esqueço que ele está lá dentro. Quero correr até o senhor Musk, mesmo que ele seja uma alucinação, porque não faz sentido que seja ele, mas é ele e ele está ali, bem ali, diante de mim. Não parece falso.
Contudo, minhas pernas me traem e não consigo me mexer. Eu quero ir até ele, falar com ele, pedir conselhos, alguma dica, escutar sua bronca e a sua forma simpática de lidar com as coisas, mesmo quando tudo ao redor está um caos.
Fico animada em vê-lo e, envergonhadamente, feliz por isso.
Então me lembro da última vez que vi seu rosto, em como não parecia convincente com seu último plano improvisado, e aquele ar de tranquilidade estava tão distante que sua expressão me assustava. Meu peito se aperta de novo.
Recordo de como pediu para que o culpasse por ter tirado minha escolha, e um choque gelado percorre minhas vísceras. Sinto-me idiota por vários motivos, principalmente por essa ter sido a última conversa.
Me sinto ainda pior quando penso no que dizer por não ter conseguido ajudar ninguém. Por ter sido a única a sobreviver. Como vou explicar isso? Como vou contar sobre a Senhorita Flinner, os irmãos... seu filho... Markson?
ㅡ Desculpa... ㅡ falo por impulso, é a última coisa que penso.
Eu não consigo me manter ali, ainda me sinto fraca, agora de um jeito mais vulnerável. Fecho os olhos e me perco novamente na escuridão.
🥀🥀🥀
Abro os olhos e me sento sem pensar. Continua escuro. Não sei quanto tempo dormi, mas tento ignorar a tontura que me invade. Respiro fundo e, com esforço, fico de pé. Meu corpo vacila levemente para o lado, mas consigo me equilibrar.
ㅡ Você vai cair... ㅡ escuto a voz de Markson, caminhando em minha direção. As mãos dele estão ocupadas, segurando uma jarra e um copo improvisado. ㅡ E eu vou rir.
Eu o encaro, sentindo um embrulho no estômago. Sem entender nada, dou alguns passos em sua direção, hesitante. Aproximo-me devagar, tentando ter certeza de que minha visão não está me enganando, ou que não é outra ilusão como a de antes.
Agacho um pouco, alinhando minha altura à dele. Ele não está com o topete usual que sempre lhe dava pelo menos três centímetros a mais; o cabelo está solto, caindo até os ombros. Já o vi assim antes, mas ainda é estranho.
Não parece ele.
ㅡ É mais humilhante quando você se agacha... e fica em silêncio ㅡ Ele suspira, quase jogando o copo com água na minha direção. ㅡ Apenas conte uma piada como sempre faz e espere eu revidar.
ㅡ Você nunca sabe como revidar... ㅡ murmuro, achando graça. Bebendo um pouco da água e sentindo a sensação de alívio imediato.
Ele me passa, parecendo ofendido, mas balança o cabelo de um lado para o outro. A impressão é que ele fica mais baixo dessa forma, e tenho certeza de que ele tem plena consciência disso, mas pela primeira vez, não sinto vontade de fazer piada sobre sua altura.
ㅡ É bom ver você... ㅡ falo, observando ele parar de caminhar. Também me sinto estranha ao dizer isso, nunca imaginei que diria algo parecido.
Ele me encara por um momento, a expressão vazia por um segundo antes de esboçar um sorriso pequeno, quase imperceptível.
ㅡ Bom, eu não estou tão mal assim, né? ㅡ Ele ignora o que acabei de falar, enquanto balança os cabelos de novo, de forma descontraída.
ㅡ Está péssimo. ㅡ Nego com a cabeça, eu realmente estava disposta a não fazer piada, mas parece que ele fez a pergunta propositalmente para isso e não consigo me conter. ㅡ Parece um enfeite daqueles pequenos e de franjinha que balançam para lá e para cá.
Eu lanço a provocação com um sorriso travesso, sentindo um pouco de alívio por poder fazer algo mais leve, mesmo que seja uma piada boba. Ele revira os olhos, mas não consegue esconder o sorriso divertido que aparece em seus lábios.
ㅡ E você tem coragem de falar isso, parecendo essa mendiga? ㅡ ele diz, com uma expressão irônica. ㅡ Sua imunda...
ㅡ Eu só preciso de um banho... já você não pode resolver o seu problema vertical...
ㅡ Muito engraçada... ㅡ ele resmunga, revirando os olhos. Sempre chega um ponto que ele não consegue revidar e fica emburrado. Eu venço.
ㅡ Onde achou essa água? ㅡ pergunto, bebendo mais, quase secando a jarra.
ㅡ Tem um rio... um pouquinho mais adiante. ㅡ Ele aponta para o nada. Eu balanço a cabeça como se conseguisse enxergar o que ele enxerga, mesmo sem ter a menor ideia de onde está falando. ㅡ Vai conseguir chegar se caminhar reto por uns quatro minutos.
ㅡ Cadê a Triket? ㅡ pergunto, olhando ao redor, procurando o brilho característico dela, mas não vejo nada.
ㅡ Está dormindo no ombro do príncipe, enrolada no cabelo dele... ㅡ Markson diz, com um tom de desdém, apontando para o pequeno brilho suave que emite uma luz fraca no escuro. ㅡ Como a falsa que é, nem parece que estava planejando vendê-lo há pouco tempo.
ㅡ Não confie que ele está dormindo! ㅡ aviso, sabendo o quão perspicaz e impiedosa aquela criatura poderia ser. Mas, como estava, não parecia capaz de fazer mal.
Além de aliviada, fico tão feliz que preciso conter a vontade de me aproximar de Dérium, finalmente estando em uma posição bem mais vantajosa que ele. É difícil não se animar com isso, com as possibilidades que parecem dançar em minha volta.
Markson não dá muita atenção ao que digo, apenas se vira e caminha em direção ao amontoado de tralhas. Eu o acompanho, querendo saber tudo o que está ali, mas no escuro, não consigo distinguir muita coisa.
Quero entender tudo ao meu redor e, ao perceber que estamos na redoma de sempre, aquela que apenas camufla nossa localização, sinto um impacto maior do que o esperado. Tento conter o leve tremor que começa a me invadir, acompanhado de um arrepio que percorre minha espinha.
ㅡ Quanto tempo eu dormi? ㅡ pergunto, ainda tentando processar as informações, me lembrando do perigo iminente. ㅡ Cadê os abatedores? Onde estamos?
Espero que Markson responda todas as minhas perguntas, minha cabeça rodando com tantas outras, mas ele apenas me encara por um momento, antes de entregar um pacote que tirou das tralhas com as quais estava mexendo. Nem sei como conseguiu juntar tudo aquilo.
ㅡ Dormiu apenas algumas horas, mas ficou acordando muito... ㅡ ele desvia o olhar e eu o acompanho. ㅡ Os abatedores não estão aqui... vai gostar de saber o que aconteceu com eles... na volta do seu banho, porque você está precisando muito dele... tenta sentir o cheiro.
ㅡ O quê? ㅡ pergunto, sem entender. ㅡ Cheiro de quê?
Ele não responde, apenas me abana com uma mão, tampando o nariz com a outra. É impossível eu estar fedendo tanto. Por mexer muito com plantas, acabo ficando com o perfume delas impregnado nas roupas, um cheiro leve que logo se acostuma e não fede! Sei que é exagero dele, tentando descontar as piadas sobre sua altura.
Ainda assim, não posso negar que realmente preciso de um banho.
ㅡ Tem certeza que não vai ter ninguém lá? ㅡ pergunto, indicando o rio. ㅡ Para atacar...
ㅡ Tenho... ㅡ o elfo murmura, me interrompendo o mais rápido que pode. ㅡ Estamos muito perto de Pinos... e não há mais abatedores. É sério.
Não sei como me sentir; parece muito ser falso, como se meu desejo simplesmente tivesse se tornado real. Só que... dessa vez, eu quero acreditar. Porque não consigo mais pensar no que fazer caso não seja verdade. Meu peito aperta, e sinto, mais uma vez, que preciso tirar o peso dele.
ㅡ Onde conseguiu isso? ㅡ pergunto, surpresa, encarando a muda de roupa do pacote que ele me entregou.
ㅡ Na casa de boas-vindas de Pinos... estamos na margem da corte... ㅡ ele fala com certo orgulho, como se já tivesse pensado em um plano. ㅡ Quando me perdi de você, consegui encontrar a entrada... é um pouco depois das margens do rio... por isso ele é seguro.
Não consigo confiar nele. Não dá para acreditar.
ㅡ Só cuidado para não morrer afogada ㅡ o elfo alerta, fazendo descaso. Ele não sente o mesmo que eu. ㅡ Mas aí seria burrice sua, depois de tudo.
ㅡ E como conseguiu nos achar de novo? ㅡ pergunto, ainda tentando entender como ele apareceu ali, sem qualquer aviso.
ㅡ Os Brownies estão assustados... mas eles são ótimos em localização... fizeram esse último favor antes de irem embora.
ㅡ Ah... ㅡ Solto um suspiro, procurando ao redor como se os Brownies fossem aparecer de repente, mas não os encontro. Acho que estão distantes agora, bem... se eu fosse eles, estaria. ㅡ Quero saber como você conseguiu nocautear o príncipe.
Minha pergunta parece ter sido abrupta demais, pois observo Markson congelar. Ele nega com a cabeça, como se uma tremedeira súbita tivesse tomado conta dele naquela região, e o sorriso sarcástico desaparece de seu rosto.
ㅡ Eu já disse que não sabia que era ele! ㅡ ele fala com certo tremor na voz, o olhar evitante e as mãos nervosas mexendo no cabelo. ㅡ Não faria isso se soubesse quem era...
ㅡ Do que está falando? Você fez bem em bater nele.
Markson me olha, surpreso.
ㅡ Eu mesmo teria batido, se estivesse em condições... ㅡ falo, enquanto observo o elfo incrédulo. Ele parece agitado demais sobre isso, e eu, cansada demais para insistir no questionamento.
ㅡ Você é pior que a Triket!
ㅡ Fico ofendida por me comparar com ela... ㅡ respondo, me virando e começando a caminhar em direção ao rio que ele indicou. ㅡ Quando voltar, quero saber como foi que fez...
Talvez eu precise fazer algo parecido.
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