Capítulo 26
Será que ele consegue fugir comigo? Ou, melhor ainda, será que é capaz de eliminar essas criaturas por mim, em troca de um simples beijo? Se for assim, se ele realmente resolver tudo de uma vez... eu nem me importo com o veneno. Não mesmo.
ㅡ Só que... se você acordar, não vai conseguir ganhar... já perdeu uma vez... ㅡ murmuro, tentando colocar um pouco de noção na minha cabeça enquanto observo o estado do príncipe. Meu olhar desliza de seus lábios para o restante do rosto. ㅡ Preciso pensar em outra coisa...
ㅡ Não é verdade! Ele ganharia se estivesse em boas condições... ㅡ O transformo solta de repente, mas parece se arrepender no mesmo instante. Sua mão voa até a boca, e ele se encolhe, repetindo aquele gesto nervoso que mais parece um hábito estranho e inconveniente.
ㅡ É mesmo? ㅡ provoco, estreitando os olhos enquanto cruzo os braços. ㅡ E como faz para ele estar em condições?
ㅡ Não posso dizer... ㅡ Ele balança a cabeça em negativa.
ㅡ Vamos lá... Sei que não estou errada. ㅡ Insisto, inclinando-me um pouco para a direção da criaturinha, tentando encontrar alguma pista no rosto dele. ㅡ O beijo o deixaria em condições de derrotar os abatedores?
O transformo permanece em silêncio, desviando o olhar.
ㅡ Nada? Não vai me dizer nadinha mesmo...? ㅡ Suspiro, frustrada. ㅡ Tudo bem... eu aceito que é o beijo que vai acordar o belo adormecido... mesmo você não querendo responder. Só que, mesmo se ele despertar e estiver em condições, não sei se vai querer lutar...
ㅡ Contra os abatedores? Não precisa nem pedir para lutar... a magestade os odeia... só não os odeia mais do que a pessoa que lançou a maldição nele... ㅡ ele diz, mas logo se cala, levando a mão à boca mais uma vez.
ㅡ E quem foi que lançou a maldição nele? ㅡ pergunto, abrindo um sorriso, percebendo como consigo tirar informações dele com mais facilidade do que imaginava.
ㅡ Não posso dizer... ㅡ ele nega com a cabeça, mantendo os olhos fechados, como se tentasse se proteger da minha insistência.
ㅡ Certeza que foi alguém que conheço... ㅡ digo, inventando uma mentira qualquer, observando cada reação da criatura, procurando por qualquer sinal que me mostre se estou no caminho certo.
Ele hesita por um momento, os olhos ainda fechados, mas logo vejo os músculos em seu rosto se tensionando.
ㅡ Não sei dizer... mas são tão parecidas que diria que são parentes... ㅡ ele começa a falar, sem sequer tirar a mão dos olhos.
ㅡ Como assim? ㅡ questiono impulsivamente, e eu repreendo imediatamente. Não esperava essa resposta de forma alguma, mas tudo bem. O silêncio da criatura só confirma o que eu já suspeitava.
Então, é isso: ela simplesmente não responde a perguntas feitas de forma direta. Não sei se é algo inconsciente, uma maldição ou uma forma de proteção, mas não serei eu a questionar o motivo. E também, não é como se fizesse sentido simplesmente perguntar o motivo.
ㅡ Então a pessoa que ele odeia se parece comigo... ㅡ digo, observando a criatura com atenção. Ela não falou nada, deve achar que acabei de fazer uma pergunta e percebo que talvez não seja tão fácil tirar informações como achei que seria. ㅡ Muito mesquinho de sua parte... podia forçar a interpretação para o outro lado.
Ele nega com a cabeça.
ㅡ Então tem alguém parecido comigo andando por aí... ㅡ comento, deixando escapar uma pontinha de animação com a possibilidade. ㅡ É a primeira vez que ouço algo assim. Aposto que é alguém importante... para conhecer o príncipe, tem que ser importante.
ㅡ Sim... a noiva dele é alguém importante, mas não deveria ser... ㅡ murmura a criatura, como se estivesse pensando alto, e logo leva a mão à boca, percebendo que disse mais do que deveria.
ㅡ Então ele ainda é noivo? ㅡ pergunto, esquecendo momentaneamente das condições para que ele me responda.
A criatura não diz nada. Não sei muito bem o que essa informação deveria significar, além de me deixar mais confusa. Não consigo dizer se sou capaz de transformar o fato de parecer com a noiva que ele odeia em algo bom para mim. Pelo menos, não ainda.
ㅡ Tá na cara que esse casamento é contra sua vontade... por isso está fugindo, não é? ㅡ comento, encarando o príncipe com um sorriso malicioso que não consigo conter. ㅡ Mesmo antes de te conhecer, já tinha prometido que te ajudaria a fugir... Não precisa se preocupar, não vou te devolver para ninguém... Acho que ninguém saberia melhor o que fazer com você do que eu... só não sei se vai gostar.
ㅡ Por favor... já pedi para não ser tão maculada com a sua alteza... ㅡ a criatura diz, com um tom de súplica.
ㅡ E eu já disse que não sei o que é isso. ㅡ respondo, com ironia, enrolando o cobertor que me envolve no príncipe também, como se o prendesse em um casulo. ㅡ Vou fazer de tudo para ele não me odiar tanto quanto odeia a noiva. Ele não vai querer sair de perto...
ㅡ Acho impossível... o conhecendo, sua alteza já deve odiá-la... ㅡ comenta, como se estivesse compartilhando uma fofoca. ㅡ Só por ser parecida com a senhorita Ameera.
ㅡ Ameera? ㅡ recuo com minha própria fala, esquecendo o que estava prestes a perguntar. Não é a primeira vez que ouço esse nome, e o gosto dele na minha boca também não parece estranho. ㅡ Ameera, Ameera...
Não consigo me lembrar, mas a sensação é estranha e não gosto nem um pouco dela. Já ouvi esse nome, já falei esse nome, mas onde? Meu corpo treme por um motivo que não sei explicar.
ㅡ Vamos sair daqui primeiro... ㅡ digo, atordoada. Não adianta ficar aqui, dando voltas; vai ser no tudo ou nada, pelo visto. Não acho que conseguirei pensar em outra forma de escapar.
Pego a Triket no gibão, desmanchando aquele casulo com a manta, embora eu ainda estivesse enrolada. O frio ainda está presente.
Com tanta informação assim, fugir daqui já não parece tão impossível. Tampouco parece errado contar com a ajuda do príncipe. Ele está amaldiçoado, mas ainda pode usar magia ㅡ e, pelo visto, odeia os abatedores. Só não os odeia mais do que essa tal de Ameera. O nome ainda soa estranho, até mesmo nos meus pensamentos.
Tenho certeza de que o príncipe vai me ajudar, pelo menos enquanto tivermos um inimigo em comum. Depois, penso em como convencê-lo a me ajudar para sempre, mesmo que precise obrigá-lo.
ㅡ Triket... acorda... ㅡ Empurro a fada de leve. Ela apenas vira para o outro lado. ㅡ Tem algo que quero mostrar a você.
Ela continua ignorando.
ㅡ Será que vou ter que beijá-la para acordar também? ㅡ sussurro em seu ouvido.
ㅡ Eca... ㅡ A fada faz uma expressão de nojo, interrompida pelo meu dedo em sua boca.
ㅡ Faça silêncio... ainda estamos presas...
ㅡ Você é tão lenta que ainda estamos aqui... ㅡ Ela me encara com raiva, seus olhos faiscando. ㅡ O que você quer?
ㅡ Quero que tire as algemas do príncipe...
ㅡ Do príncipe! ㅡ A fada finalmente percebeu que não estávamos mais sozinhas no caixote, mas não liga muito para o transformo. ㅡ O que diabos está fazendo sentada em cima dele?
ㅡ É o melhor lugar para se sentar... ㅡ digo, com uma simplicidade sonsa, fazendo graça. Observo a inveja de Triket crescer mais do que o nervosismo do transformo pela mesma fala. ㅡ Anda logo, vamos sair daqui.
ㅡ Está bem... ㅡ a fada resmunga, claramente irritada. ㅡ Só que ele não parece nada bem...
ㅡ Não se preocupe, eu sei como fazer para ele ficar melhor... e em condições de nos tirar daqui... ㅡ digo, ajustando minha postura enquanto coloco Triket sobre as algemas do príncipe Dérium. ㅡ Só precisamos espancá-lo... Alguns tapas no rosto e dois chutes na barriga devem ser o suficiente.
A fada me olha surpresa, mas antes que consiga reagir, o transformo dá alguns passos em minha direção, claramente desesperado.
ㅡ Não! Só precisa beijá-lo. Não bata nele, por favor... ㅡ Ele tenta conter o desespero, mas a essa altura é impossível disfarçar a ansiedade em sua voz.
ㅡ Nossa! Como eu imaginaria isso? ㅡ pergunto, com a voz carregada de ironia, enquanto observo a criatura se encolher.
ㅡ Mentirosa... ㅡ Triket quase rosna, mas para de falar quando a encaro, recolhendo um pouco as asas. ㅡ Você está diferente...
ㅡ Diferente como?
ㅡ Não é nada... ㅡ murmura Triket, balançando a cabeça enquanto ajeita as algemas já abertas.
ㅡ Não... agora fala. ㅡ Tento pegar a fadinha, mas ela se esquiva no voo. Não insisto com receio de fazer muita bagunça.
ㅡ Társi! Veja bem... se for só um beijo, deixa que eu beijo... ㅡ A fada se oferece, flutuando bem perto do meu rosto, claramente tentando mudar de assunto.
Eu recuo por um instante, até entender do que ela está falando.
Sim, só um beijo. Um beijo que queima, arde, envenena e me deixa completamente debilitada, tornando a fuga impossível. É um beijo muito interessante, se não fosse por essa última parte. Consigo carregar a Triket, mas duvido que ela consiga me carregar por aí.
ㅡ Tá bom... ㅡ falo baixinho, relutante. Não queria concordar, mas, na balança, seria mais útil a Triket ser envenenada no meu lugar. ㅡ Todo seu... mas lembre-se... eu o vi primeiro.
ㅡ Eu sei... eu sei... ㅡ disse a fada, arrumando os cabelos de um jeito irritante, como se estivesse se preparando para ele. ㅡ Não precisa ficar enciumada, não é como se estivesse apaixonada por ele de verdade, sabemos o que você quer...
Ela tem razão, mas o jeito presunçoso dela me incomoda. Então, não vou contar sobre o beijo envenenado; quero ver ela experimentar. Tenho certeza de que esse será o primeiro e o último que ela dará nele. Quando perceber os danos, com o jeito medroso e dramático que tem, não vai querer mais nem se aproximar do príncipe. Posso me contentar com isso.
ㅡ Não vai funcionar... ㅡ disse o transformo, e antes que Triket pudesse perguntar algo, tampei sua boca com o dedo. ㅡ Só funciona se houver alguma compatibilidade... fadas pequenas não funcionam.
ㅡ Como assim? Explica isso direito. ㅡ pergunta a fadinha, cabisbaixa, quando conseguiu se soltar de mim, voando na direção do transformo para tirar satisfação.
ㅡ Não posso dizer... ㅡ Como de costume, ele se encolheu ao falar, seus olhos focados no chão, evitando qualquer contato visual.
ㅡ É... não tem jeito... ㅡ falo, tentando esconder um sorriso que ameaça aparecer. Embora eu realmente quisesse ver a Triket se envenenar um pouquinho. ㅡ Acho que o sacrifício tem que ser meu...
Olho para o príncipe Dérium, sentindo uma onda de vergonha me invadir, especialmente agora que temos uma plateia. Embora eu estivesse acostumada com as apresentações no circo, beijar alguém na frente de todos ㅡ mesmo que seja apenas um selinho ㅡ não é algo que eu costumo fazer, principalmente com grande expectativa.
Ainda assim, pensando bem, de todas as criaturas mágicas que já beijei ou pensei em beijar, com certeza o príncipe está no topo da lista. Afinal, quem imaginaria que realmente encontraria um andando por aí? É quase como um conto de fadas de verdade, mas com um toque de realidade crua, algo que me faz sorrir, apesar de toda a tensão do momento.
Só espero que ele realmente odeie os abatedores e que não precise de explicações sobre o que fazer quando acordar. Já estou cansada de tentar encontrar uma solução diferente para sair daqui; meu cérebro está fritando. Por isso, espero que dessa vez dê certo. Não, de todos os fracassos que já tive, espero que, finalmente, isso compense e vá além do que eu imagino. Preciso que dê certo.
ㅡ Me mostre o seu ódio... que seja tão grande quanto o meu. ㅡ sussurro em seu ouvido, acreditando que, de alguma forma mágica e encantada, a mensagem chegue até ele. ㅡ Mesmo que esse ódio seja por mim.
Então, eu o beijo.
Dessa vez, não paro, mesmo quando os calafrios percorrem meu corpo com uma intensidade desconcertante. Suporto a queimação na garganta, que aumenta como se fogo estivesse consumindo minhas entranhas. Sinto minha pele reagir, tornando-se mais sensível a cada segundo, enquanto o vento gelado sopra, agora com um toque cortante. Tudo isso deveria ser insuportável, mas estou tão acostumada ao prazer estranho que vem ao suportar essa sensação, que não me incomodo.
Quando finalmente sinto seus olhos se abrindo, me afasto, apenas o suficiente para encará-lo. A sensação de fraqueza me consome, mas tenho certeza de que consigo me manter em pé. Ainda tenho controle, posso correr, me esconder e fugir quando for preciso.
Não estou tão mal.
Dérium me encara, ainda não parece bem, ainda carrega aquele ar de morto-vivo, mas é impossível não reconhecer a expressão que exibe.
É o mesmo olhar de quando me viu pela primeira vez, aquele semblante de confusão profunda estampado em seus olhos. A mesma expressão de quando me confundiu com aquela garota. Agora, parte da memória finalmente se encaixa, e percebo de onde já havia escutado seu nome. Ele me confundiu com Ameera naquele dia.
E talvez ainda esteja me confundindo quando me puxa para outro beijo, e, desta vez, é mais intenso, mais apressado e muito mais elaborado, quase invasivo. Com certa intimidade que duvido que seja minha.
Nos meus pensamentos, eu até poderia afastá-lo, mas meu corpo reage primeiro e essa ideia se dissolve.
Apenas aceito.
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