Capítulo 21
Minha mente está uma neblina, e até agradeço por isso. Não quero reviver o que aconteceu nos últimos minutos. Na verdade, se pudesse, esqueceria para sempre. Mas, talvez seja uma injustiça apagar tudo que vivi.
Penso sobre isso, não quero pensar, mas é inevitável. A culpa é minha por se sentir confortável na vida que levava, sem questionar meu passado? Então, a culpa é minha por todas essas mortes? Estremeço. Eles não me culpariam por isso... mesmo sabendo que todas as respostas para as minhas perguntas são sim.
Paro de pensar quando a vontade de fungar se torna incontrolável, enquanto luto contra as lágrimas. Não chorar está ficando cada vez mais difícil, assim como afastar os pensamentos sobre a morte deles. Mas o que mais me atormenta é a culpa. O que eu poderia ter feito de diferente?
A única solução que consigo imaginar seria nunca os ter conhecido. A única forma de aliviar essa dor seria realmente esquecer tudo. Mas eu não quero. Não é só porque ainda acho que seria uma injustiça; e sim porque acho que, talvez, eu mereça passar por isso. Um castigo por ser tão negligente comigo mesma.
Não fico triste com castigos, fico raiva deles e prefiro me sentir assim.
Fui carregada nos ombros do Cabeça de Metal até uma parte da floresta, ainda atordoada com tudo. Não derramei mais lágrimas, talvez porque, mais uma vez, não consigo entender o que está acontecendo. Ou talvez porque estou com raiva demais para deixar a tristeza vencer.
Raiva de mim, raiva por não ter magia, raiva por não conseguir fazer nada para ajudar, mesmo se tivesse magia. Raiva da Corte de Pinos, raiva deste mundo. Sinto raiva, muita raiva e me concentro nesse sentimento, mas não há muito que eu possa fazer com isso, além de evitar o choro. Por enquanto, isso é o suficiente.
Paramos no centro de um amontoado de bagunça, um acampamento ㅡ não o do circo, mas o deles. O lugar está vazio e parece um cemitério, com bolsas e entulhos espalhados desorganizadamente. Eles precisaram sair às pressas para nos caçar. Quando lembro estarmos tão perto de um final diferente... só precisávamos matar mais dois deles...
Será que não teria sido melhor ter ficado junto desde o princípio? Bem, não adianta mais pensar nisso. Nas possibilidades que não podem mais acontecer.
O Cabeça de Metal me joga no chão da forma menos delicada possível. Meu corpo se choca contra a superfície cercada de grama roxa, que combina com os pinheiros do mesmo tom. Não consigo evitar sentir um sobressalto de medo ao encarar o homem, que ganha um semblante ainda mais assustador naquela posição.
ㅡ Está mais colaborativa... ㅡ A voz do abatedor tinha um tom insuportavelmente risonho. ㅡ Parece que o gato realmente comeu a língua da ratinha.
ㅡ Que gato? Eu só vejo um ogro... Feio e asqueroso... ㅡ respondi, fechando o punho na grama. Deveria ficar calada; me repreendo mentalmente por não conseguir, mas me surpreendo quando o homem sorri.
ㅡ É melhor assim... Calada, pensariam que fizemos algo com você... ㅡ ele disse, agachando-se.
Recuo meu corpo, mas não a tempo de evitar que ele agarre meu pulso e me puxe para frente. Tenho vontade de cuspir em seu rosto, mas dessa vez consigo me conter. Não quero vê-lo irritado, principalmente quando sei o quão hostil ele pode ser.
ㅡ E nos sabemos que com você... bem, não fizemos nada com você.
Ele tira do bolso uma algema prateada, daquelas que os guardas usam, mas, por ser do mundo mágico, suponho que tenha efeito de conter a magia. Uma magia que eu não tenho e que, aparentemente, eles ainda não entenderam. Não sei se isso é bom ou ruim, parece que estão me confundindo. Parece que não sabem quem eu sou, depois de todo o desastre que fizeram.
ㅡ Modesta parte sua, apenas me traumatizaram pelo resto da vida. ㅡ falo, observando minhas mãos algemadas. ㅡ Para quem vão me entregar? E que diferença faz esse zelo todo que estão tendo?
Eles não responderam e não parecem querer me dar qualquer resposta. Seja o que for, vou ter que descobrir sozinha.
ㅡ É melhor que eu não seja ninguém importante... para o bem de vocês quando me entregarem. ㅡ falei, esperando alguma reação, alguma pista, mas ainda nada.
Não faço questão de me mover nem de sair do lugar; eles vão ter que me arrastar ou voltar a me carregar por aí. Pena que eu não sou tão pesada, e é uma pena também que, por serem feéricos, sejam naturalmente fortes. Reviro os olhos ao perceber que parece que estou o tempo todo lidando com essas injustiças.
Apenas espero ser carregada, mas não fazem isso.
O barulho de troncos quebrando desperta minha atenção, e não consigo conter a decepção no olhar. Magia, magia, magia... estou cansada dela. Nunca a meu favor, sempre contra mim, para me machucar, para ajudar meus inimigos. Começo a pensar que talvez seja melhor o Continente da Lua morrer de vez e a magia dessa parte do mundo sumir.
O Cabeça de Metal se concentra para contorcer a madeira dos pinheiros usando seu poder. Ele recita algo em um murmúrio e nem sequer pisca, enquanto os troncos se movem magicamente de um lado para o outro. Aos poucos, eles ganham a forma robusta de uma carruagem, com um acabamento péssimo, mas bom o suficiente para quem está improvisando.
Dá para ver que ele precisa de concentração para isso. Quando a magia pura é usada, é sempre assim ㅡ exigidos feitiços, conhecimento, prática e uma série de outras coisas, bem diferente das armas com magia embutida, como a espada que lança ventos com um movimento simples. Eu poderia aproveitar a oportunidade para fugir, mas a mulher com a cicatriz horrorosa no peito mantém os olhos fixos em mim.
Ela parece que desmaiará a qualquer momento; sua pele está pálida. O machucado que fiz nela está bem exposto e, com certeza, não deu tempo de cicatrizar. Mesmo assim, ela mantém a guarda na espada, os olhos fixos em mim, pronta para reagir. Ela tem uma arma e pode chamar a Cabeça de Metal no momento que perceber que estou aprontando algo, enquanto eu... eu não sei nem onde está minha bolsa.
Onde ela está? Deixei tudo nela, ingredientes, poção, meu grimório! Até a Triket. Pelo menos a fadinha está bem, longe de tudo, mas deve está tão desesperada... Olho ao redor, na esperança de encontrar a bolsa, mas óbvio que não encontro, não estou perto dela. Não sei onde estou.
ㅡ Podem me dizer para onde estamos indo, pelo menos?
Ninguém responde; o Cabeça de Metal está concentrado em seu trabalho, e a outra feérica permanece calada como um cadáver. Então, deito-me na grama, sinto meu corpo tão pesado quanto uma pedra, parece que corri por quilômetros.
O silêncio me desagrada, e meus pensamentos se voltam automaticamente para o pessoal do circo. Mas, antes que a tristeza comece a ganhar espaço, eu adormeço.
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