Capítulo 50
André
A internet estava em polvorosa. Não se falava em outra coisa a não ser dos vídeos relacionados ao suposto abuso de Larah Albuquerque Prado, filha de Hannah Albuquerque, a "Rainha do Quadradinho". As imagens mostrando a digital influencer acompanhando criminosos drogando a criança para captação de imagens e vídeos levantaram uma multidão enfurecida de haters. A hashtag #HannahVadiaNaoEhMae já ocupava a segunda posição dos Top Trends, seguida por: #JusticaPorLarah e #chegaDeAbusoLarah
O vídeo dos criminosos filmando a criança, bem como outros que apresentavam a influenciadora usando drogas na presença da filha e até mesmo agredindo a menina com palavras e ações foram rapidamente removidos da internet, mas quando algo cai na rede, é simplesmente impossível controlar. As ferramentas de busca e banimento não davam conta de remover as publicações relacionadas, conteúdos produzidos por internautas usando trechos de vídeos e imagens garimpados pela internet.
O companheiro de Hannah também tinha se dado muito mal, pois em uma das filmagens, ele aparecia combinando o valor dos vídeos com os criminosos; uma Ordem de Prisão fora emitida e ele estava foragido. Na minha opinião profissional, ele nunca mais seria encontrado. Facções rivais já deviam ter dado cabo dele, aproveitando-se da vulnerabilidade do meliante. Muitos criminosos eram terminantemente contra esse tipo de abuso. Se não "sumissem" com ele, o cara ia acabar virando marmita de encarcerado na prisão e não duraria muito.
Eu torcia para que esse fosse seu fim.
Hannah seguia internada e escondida em uma clínica particular. Havia um mandado de prisão para ela também, contudo, com dinheiro tudo ficava mais fácil, então um advogado bem dispendioso conseguiu um adiamento da execução alegando problemas de saúde. A mulher ia acabar se safando com um laudo de incapacidade mental por ser adicta.
Em suma, Jeff havia explodido a internet e fodido terminantemente com a ex. Ele tinha se transformado na porra de um ídolo dos incontáveis pais e maridos injustiçados espalhados pela rede. Eu tinha certeza de que essa nunca fora sua intenção, mesmo assim, as hashtags #JeffMelhorPai e #juntosPorJeff polvilhavam incontáveis stories, reels e feeds das principais redes sociais.
Mesmo com toda essa comoção, ele continuava desaparecido. Muitos questionavam quando ele iria se manifestar, mas a polícia não divulgou seu desaparecimento para a mídia. Ainda havia um viés que buscava condená-lo por ter omitido os fatos, e muitos consideravam que ele também havia fugido. O fato de eu ter sido informado do paradeiro de Larah aliviou a situação para o lado dele, mesmo assim, ainda havia muitas perguntas que a polícia exigia respostas, e apenas Jeff poderia fornecê-las.
Os vídeos removidos das plataformas foram analisados pela polícia, e a alta definição das filmagens, bem como a qualidade do áudio das gravações feitas com a câmera escondida numa babá eletrônica permitia a identificação de rostos com grande precisão e detalhamento. Além de tudo, a empresa responsável pelo armazenamento dos dados tinha autorização de vigilância, um histórico impecável e uma conduta inquestionável.
Em outras palavras, os vídeos não poderiam ter sido plantados ou manipulados.
Se eu pudesse, beijaria Jeff bem agora. Um beijo longo e molhado com direito à pegação. Infelizmente, isso não seria possível, já que eu ainda não sabia onde ele estava. No momento, eu deixava a antessala da assistente social que conduzia o caso da Larah, ainda sob os cuidados de uma psicóloga infantil, num lar provisório cuja localização nem eu, nem Doralice tinha acesso. Tínhamos passado as últimas duas horas respondendo a perguntas sobre a criança e sobre Jeff, com o intuito de avaliar as condições em que Larah se encontrara desde que fora "resgatada" dos cuidados maternos.
— Você não consegue mesmo se lembrar do que estava escrito na placa? — perguntei mais uma vez à Doralice, que franzia o cenho e entrelaçava os dedos compulsivamente. Devia estar com vontade de fumar.
— Só me lembro da palavra "memória". Honestamente, acho isso tudo uma grande perda de tempo, André! O que garante que ainda exista essa placa em algum bar? Faz 20 anos que tudo aconteceu! O bar nem existe mais!
— Nada é perda de tempo, Doralice. Me pauto por essa verdade há anos. Um detalhe, ainda que pequeno, pode resolver um caso. Precisamos encontrar o Jeff.
Doralice havia me levado até o bar onde trabalhara há 20 anos, e de onde fugira com Jeff quando ele tinha apenas sete anos de idade. No lugar da construção, atualmente havia um edifício comercial de quatro andares. Só isso já seria suficiente para desistir da busca, mudar a ótica e tentar outro caminho.
Mas não havia outro caminho.
Jeff estava desaparecido há mais de 48 horas, e fazia dois dias que eu não dormia, quase não comia e não fazia nada além de percorrer cada canto da cidade, analisar cada maldita anotação e passar horas e horas usando minha capacidade analítica para traçar probabilidades.
Para meu desespero, eu ainda não tinha nada. As únicas pistas que eu tinha eram uma tatuagem captada no vídeo, uma palavra de um quadro que provavelmente nem existia mais, e um perímetro nada pequeno para vasculhar.
Comecei a visitar os bares a partir do prédio comercial; em algumas visitas, Doralice me acompanhou, em outras ela alegou estar cansada demais para se juntar a mim, então ficava em meu apartamento, descansando. Jeff não havia comentado nada, mas eu desconfiava que ela tinha problemas de saúde, pois tossia demais e respirava com dificuldade.
Precisei recorrer à polícia para obter ajuda com as buscas. O departamento me ajudou fazendo a varredura da imagem da tatuagem nas câmeras espalhadas pela cidade, também fizeram ronda e chegaram a interceptar alguns locais, mas foi apenas na tarde do segundo dia de buscas que encontrei algo digno de atenção.
Eu transitava pelas imediações da estação de trem e avistei um pequeno estabelecimento, sem placa, mas claramente um bar pé sujo. O local estava empoeirado, contava com dois bêbados pensos nas banquetas e um atendente tão jovem que desconfiei ser menor de idade. Constatei que não era o caso quando me apresentei como policial (eu fazia isso usando um distintivo falso, apenas para apressar as coisas) e o rapaz me apresentou um documento que comprovava seus recém completos dezoito anos, mas ele tinha um olhar tão assustado que eu nem precisava ser investigador para saber que algo estava errado.
Joguei conversa fora por um tempo, mencionei Hannah e Larah, o assunto mais badalado da internet; fiz isso como quem quer puxar assunto, e perscrutei sua reação. Ele ficou inquieto, e o suor que despontou em sua testa gritava "socorro", mas ele não me deu nada. Mapeei cada movimento, monitorei cada piscada de olho e ficou óbvio para mim que ele mentia. Mesmo assim, o deixei. Saí do bar e fiquei de tocaia.
Aproximadamente uma hora depois, enquanto eu vigiava dentro do SUV oculto por trás de uma caçamba de entulho de construção, vi um sujeito grisalho, alto e tatuado entrar por uma porta de ferro na lateral do bar. Não dava para ver a tatuagem, mas todos os meus instintos me apontaram que o sujeito merecia ser investigado.
Desci do carro e caminhei de modo discreto pela calçada. O bar era pequeno, contava com duas mesas de madeira com cadeiras tubulares, um balcão coberto de fórmica azul-celeste, banquetas de madeira desgastada, lustres cheios de teia de aranha e prateleiras cobertas com garrafas engorduradas e foscas de pó. Apenas quando passei novamente em frente ao portão de ferro, notei a câmera escondida sob a marquise do prédio e entrei mais uma vez no estabelecimento.
— Olá, cidadão. Posso usar seu banheiro?
O moleque ficou branco como papel quando me viu novamente, mas não podia recusar meu pedido. Ele achava que eu era policial. Indicou-me uma porta de madeira estufada nos fundos do estabelecimento. Entrei no cubículo malcheiroso e sem janelas e me resignei a lavar as mãos. Quando estava saindo, vi uma série de placas de metal e ripas de madeira amontoadas num vão entre o salão e o pequeno hall de acesso ao banheiro.
Seguindo minha forte intuição, afastei algumas madeiras. Entre as tábuas empoeiradas e úmidas, encontrei uma placa de ferro enferrujada com o nome do bar, provavelmente do antigo prédio. Havia também um pedaço de madeira rústica, cortado diretamente de um tronco de árvore, preso a correntes enferrujadas no chão. A superfície escurecida pelo tempo trazia uma frase entalhada:
"Memórias são como grilhões que aprisionam, ou como adagas que libertam."
Meu coração deu um salto e foi parar em minha garganta. Aquele filho da puta do Jeff tinha finalmente achado o maldito bar! Devia ter encontrado quando estava a caminho da estação de trem!
Tive vontade de xingá-lo, beijá-lo e bater nele, tudo ao mesmo tempo!
Sem mais protelar, saí apressado do local, coloquei o carro em movimento e liguei para a delegacia de polícia. Tinha chegado a hora de bater em algumas portas. Eu não queria nem pensar no "se" eu encontraria o Jeff. Algo dentro de mim me dizia que ele estava vivo, e eu já não aguentava mais não poder olhar para ele, cuidar dele e tê-lo só para mim.
E quando eu o tivesse, não o deixaria ir embora nunca mais.
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro