Capítulo 35
André
Eu adoraria encontrar palavras para descrever o que senti quando dei de cara com o Jeff, saindo sorrateiramente da minha vida. Depois de dias de tormento, dias em que lamentei profundamente tê-lo conhecido e me envolvido, agora estava diante da minha melhor chance de mandar tudo pra casa do caralho.
Só não contava que me sentiria desse jeito.
Que jeito? Ah, eu disse que não saberia descrever.
– Aonde você pensa que vai? – Havia um tremor na minha voz, que eu torcia para que ele não tivesse notado.
– Ah... Oi – Jeff tinha os olhos vazios quando me fitou. Aquele prata translúcido parecia meio apagado agora.
– "Ah, oi"? Essa é sua resposta?
Ele suspirou e baixou a cabeça. O elevador fechou as portas e eu o senti se mover. Não sabia nem para onde estava indo.
Literal e figurativamente.
– Olha só, André. Você sabia que uma hora eu iria embora, certo? Na verdade, sei bem que você não via a hora de isso acontecer.
– Não é verdade!
As portas se abriram e duas garotas embarcaram. O assunto ficou suspenso até que a caixa metálica chegasse ao térreo. Quando as portas se abriram, Jeff foi ligeiro e desembarcou antes delas.
– Jeff... Espera! – Caminhei atrás dele. Não foi nada difícil alcançá-lo, ele ainda se movia devagar.
– O que você quer, André? – Ele perguntou sem me olhar. Caminhava com as mãos nos bolsos e o capuz cobrindo a cabeça. Reconheci a peça como a que eu tinha separado para jogar fora e acabara esquecendo.
– Jeff, vamos conversar, por favor.
– Não há o que conversar.
– Jeff..
– O que você quer, caralho? – Sua voz se elevou um pouco e reverberou no mármore do saguão vazio.
Eu parei onde estava. Ele também parou, mas não se voltou na minha direção. Me senti subitamente estúpido por estar fazendo esse papel, quase que implorando por atenção. Isso era algo que nunca precisei fazer, e prometi a mim mesmo que nunca faria.
– Quero que você pare de agir como um rato de rua e converse civilizadamente comigo. É possível? Ou só sirvo pra limpar sua sujeira?
Eu já estava puto depois que ele mandou aquela de "um lugar tão sagrado não serve para mim". Passei os dias seguintes evitando interagir com ele porque precisava entender o que estava sentindo, e agora ele simplesmente saía andando como se eu fosse um monte de bosta a ser evitado? Se antes eu estava puto, agora eu estava endemoniado!
– O que você esperava, André? Que eu ia virar gay da noite pro dia? Que ia deixar tudo de lado só pra "curtir" com você? Tenho problemas reais pra resolver, e um deles envolve a minha filha. Eu tenho uma filha, caralho! Não posso ficar brincando de "papai e papai" na sua casinha perfeita!
Eu entendia a autoindulgência do Jeff, até certo ponto. Sabia que ele tendia a se boicotar, e essa era sua ferramenta de fuga. Mesmo sabendo disso, suas palavras me machucaram. Muito. Era óbvio que eu havia feito meus questionamentos sobre o que estávamos sentindo e experimentando, mas não fui displicente com o que sentia, nem classifiquei tudo de maneira tão leviana.
– Esperava que você tivesse sido honesto comigo, como pedi – lamentei.
– Estou sendo honesto agora.
– E o que vai fazer? Vai continuar perseguindo seu passado pelos bares da cidade ou vai voltar pra casa da sua mãe para rever sua filha?
Só então ele se voltou na minha direção. Não deu pra disfarçar o ar de surpresa em seu semblante.
– O que é, Jeff? Achou que eu não ia fazer meu trabalho? Achou que eu não ia descobrir que Doralice adotou você na infância, e que algo muito sério aconteceu? Pensou que eu não ia descobrir que ela foi procurada por sequestrar você de uma família, e que essa família desapareceu sem deixar vestígios? Achou mesmo que eu não ligaria os pontos para concluir que o que você busca incessantemente está relacionado a essas pessoas do seu passado, enquanto finge ser apenas um bêbado qualquer, de bar em bar pela cidade? Finge não; você é um bêbado qualquer!
O jeito como ele olhou para mim me emocionou. Um brilho platinado passou por seus olhos, e a sombra de um sorriso torceu um lado dos seus lábios.
– Sabe, André. Eu o beijaria agora se não estivesse tão determinado a te deixar.
Engoli em seco. Estava magoado e irritado, e essa pedrada só piorou tudo.
– Ué, é o "Não gay" falando? Ou o bêbado? Ou será o suicida? Vá se foder, Jeff!
Ok, peguei pesado. Ele também. Que seja.
– Você não entende, não é? Não vê que eu sempre ferro com tudo à minha volta. Estou te dando um presente, hm? Aceite isso! Aceite que estou te livrando de mim.
– Você não acha que eu deveria opinar? Que deveria ter escolha? Afinal, trata-se de nós...
– Não existe nós!
Meu peito ardeu por dentro. Dei um passo atrás e por pouco não lhe dei as costas e voltei para o meu apartamento, mas fiquei pensando no que aconteceria quando ele cruzasse os portões do prédio. Da última vez, ele acabou num beco com uma arma engatilhada no queixo. O que poderia acontecer dessa vez? Por mais que me sentisse tentado a aceitar o presente que ele tão generosamente me oferecia, eu ainda era um ser-humano tentando fazer a coisa certa. Não conseguiria lidar com minha consciência se algo de ruim acontecesse com ele.
Não conseguiria lidar com meu coração partido também.
– Certo, certo. Você tem toda a razão. Eu aceito que vá embora, até quero que você desapareça, mas antes, me deixe fazer uma última coisa.
Me aproximei e o segurei firmemente pelo braço, arrastando-o até o elevador.
– O que está fazendo? – Ele resmungou e tentou soltar o braço do meu aperto.
– Eu vou te levar pra casa.
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