Capítulo 31
André
Eu esperei até que a nuvem de poeira baixasse antes de abrir a porta do carro. Removi minha jaqueta e a deixei no banco, permanecendo apenas com uma manga longa fina. Aparentemente, a frente fria tinha dado trégua, e o clima desse início de tarde prometia ser um pouco mais agradável.
Dessa vez, ninguém veio me receber no meio do caminho tentando impedir meu avanço. A casa estava toda fechada e eu imaginei se não teria sido uma viagem perdida. Caminhei tranquilo pelo pavimento de terra e cascalho e dei duas batidas na porta de madeira. Enquanto ninguém atendia, fiquei acompanhando o caminho que uma formiga fazia nos frisos de tinta descascada da porta pintada com um azul desbotado.
Depois que deixei Jeff sozinho no meu apartamento, dirigi sem rumo por um tempo, até que notei que não andava sem rumo. Minhas curvas e retas me levaram a uma rodovia, e segui por ela até uma pequena cidade no interior do estado. Agora eu estava batendo numa porta que não deveria bater, invadindo um espaço que não me pertencia, mas Jeff não havia me dado escolha.
Eu era um investigador, um detetive, e descobrir segredos era o que eu fazia de melhor. Não sabia por que tinha entrado nessa de esperar que Jeff me entregasse seus segredos numa bandeja de prata. Eu me envolvi emocionalmente com o objeto da minha busca, e fatalmente isso tinha interferido na minha objetividade, mas eu estava disposto a repensar e mudar a ótica mais uma vez.
Quando a porta se abriu, o cheiro de cigarro me atingiu, causando um mal-estar, e fiquei constrangido por minha reação involuntária. Pois é, eu era um chato de galocha com essas coisas, não podia evitar.
– O que está fazendo aqui? – A mulher me questionou e, embora parecesse rude, não foi possível esconder o alarme em seus olhos. Vendo-a desta maneira, imaginei o quanto devia ser difícil viver esperando por uma má notícia.
– A senhora tem um tempinho?
– Você viajou horas para me pedir um tempinho? Deixe de enrolação!
Mulher ligeira.
– Eu queria conversar sobre o Jeff...
– Se quer saber sobre ele, pergunte a ele.
– Imagino que a senhora deva saber que ele não é muito de falar.
Ela continuava com o semblante fechado, mas um traço de humor passou por trás dos seus olhos castanhos rodeados de pés de galinha.
– Ele é um desgraçado arrogante, se quer saber. – Ela murmurou.
– Ele é mesmo. – Concordei.
Ficamos nos encarando por um tempo, até que um ruído dentro da residência chamou a atenção da mulher.
– Eu preciso fazer minhas coisas. O que quer saber?
– Eu posso entrar?
– Não.
Ia ser bem mais difícil do que eu imaginava.
– A senhora é a mãe do Jeff? – Perguntei de uma vez.
– Não. – Ela respondeu de pronto.
– A senhora o criou?
Ela ficou em silêncio. O que já era uma resposta.
– Por que ele está fugindo? – Perguntei.
– Ele não está fugindo.
– Não é o que parece. Ele até foi ferido tentando escapar. Se isso não configura uma fuga, o que seria?
– Ele não está fugindo.
– Ele pediu para eu o vigiar enquanto estava no hospital. Certamente está se escondendo de alguém!
– Já disse que ele não está fugindo! Você é surdo ou o quê?
– Mas... Como? – Eu não conseguia entender. Essa história estava colocando todos os meus instintos e minha capacidade analítica no chinelo!
– Ele não está fugindo. Jeff não foge de nada, infelizmente. Na verdade, estão fugindo dele.
– Quê? Estamos falando do mesmo Jeff, certo?
– Abre bem o ouvido, porque não vou te dizer nada além disso: Jeff não está fugindo. Ele está perseguindo, e quando ele encontrar o que persegue, será o fim dessas pessoas que estão tentando acabar com ele.
Com essa frase de impacto, a mulher fechou a porta e me deixou plantado do lado de fora. Voltei para o carro e passei um tempo considerável pensando na informação.
Jeff não fugia de nada. Fazia sentido, afinal, se ele queria se esconder com a filha, bastava vir pra esse pedaço de lugar nenhum. Se queria desaparecer, era só ficar quieto num canto. Mas não era o que ele fazia. Ele se colocava em evidência, pelos bares da cidade. Era como se ele fosse...
Uma isca.
Ele queria chamar a atenção de alguém, talvez encontrar alguém.
"– Eu estava procurando uma coisa."
"– Que coisa?"
"– Um lugar."
Se ele de fato não mentia, era exatamente o que ele estava fazendo. Talvez procurando alguém que o levasse a um lugar.
Um lugar que ficava num bar...
Por isso ele ficava rodando pelos bares, mas apenas de uma determinada região da cidade. Agora restava saber o quê ele procurava, e se eu tivesse sorte, encontraria quem ele procurava.
Dei a partida no carro e peguei o caminho de casa. No trajeto, liguei para a Ângela usando o Hands Off.
– Tudo bem? – Perguntei – Você ainda está no apartamento?
– Não. Já saí. Você está voltando?
– Sim. Umas duas horas, duas horas e meia e chegarei. Alguma novidade?
– Você quer saber se o Jeff está bem?
Ângela me conhecia tão bem que sabia que ainda me constrangia perguntar abertamente sobre ele.
– Ele está?
– Ele está cansado, dolorido e não consegue comer. Levei alguns suplementos para ajudar. Aconteceu alguma coisa? Ele me pareceu bem... Não sei se seria aborrecido, acho que apático. Isso. Parecia apático demais.
– É o que te falei. Ele tem esse lance de depressão.
A ligação ficou muda por tanto tempo que pensei que Ângela tinha desligado. Quando ela falou, foi numa voz contida, quase triste.
– Não o isole, André. Esteja com ele. Sei que não é do seu feitio, sei que você tem seus entraves, sua dificuldade em se abrir, se entregar, se relacionar e confiar, mas não deixe isso te prender.
– Ele não é só um caso que levei pra casa, Ângela. É complicado...
– Não importa o quanto é complicado se você gosta dele. Ele me pareceu bem inerte, não sei. Acho que ele gosta de você, mas não espera nada, entende? Como se estivesse conformado que o lance de vocês não vai dar em nada, como se não merecesse isso.
– Você descobriu isso tudo só auscultando o corpo do homem?
– Não. Eu descobri isso tudo convivendo com você.
– Como é?
– É muito difícil se sentir importante ou digno de qualquer coisa quando se está perto de você, André.
Agora, quem ficou um tempo sem falar fui eu. Não podia entender o que ela dizia. Eu nunca pensei que parecia assim para outras pessoas, ainda mais para alguém que viveu sob o mesmo teto que eu.
– Você não se sentia importante?
– Você não tem ideia do quanto é intimidador conviver com você. Um homem perfeito, inteligente, inatingível... Sempre no controle de tudo. Jeff está debilitado, cheio de problemas e, no momento, sozinho. Talvez esteja sozinho por muito tempo e tenha se acostumado a isso, mas estar acostumado não torna a solidão mais fácil.
Me despedi e passei o caminho todo pensando no que ela havia dito. De repente, eu não via a hora de chegar em casa. Não via a hora de ver o Jeff e dizer a ele que ele não precisava se sentir assim tão sozinho. Havia uma luta ferrenha dentro de mim entre fazer o que devia fazer para desvendar sua história, ou abrir mão disso e pular no desconhecido por um homem que acabara de conhecer.
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