Capítulo 29
Jeff
Eu não devia ter me empolgado; mas o André era gostoso demais! Eu me sentia como um adolescente de cara espinhenta em plena puberdade, estalando de vontade de experimentar coisas com ele. Acho que a gente passa por uma nova onda de explosão sexual quando descobre uma nova faceta da nossa sexualidade, é o que explicaria esse fogo no rabo que eu vinha sentindo.
Mas eu tinha exagerado. Além da exaustão, fiquei com aquela pontada no pulmão e cheguei a me questionar se eu não tinha estragado alguma coisa por dentro. Bem, pontos não se romperiam, porque os médicos haviam feito uma parada no meu pulmão, usaram um Super Bonder lá pra fechar a fissura, um tipo de cola biológica ou algo assim.
Devia ser normal esse incômodo. As costelas ardiam por dentro e eu não podia respirar plenamente. Meu abdômen doía bem menos, mas doía, e ainda tinha o ombro e o meu estômago, que qualquer coisa que eu comia parecia chegar lá como ácido e eu me segurava pra não devolver tudo.
Por essas e outras, depois da aventura no banho, eu meio que capotei embalado pelos analgésicos. Quando acordei, vi André ao meu lado no sofá. Ele fazia um ruído enquanto ressonava, não chegava a ser um ronco, era uma respiração meio ruidosa. Me peguei olhando para ele por muito tempo, banhado pela claridade que entrava pelas frestas da cortina. Era meio da manhã, e a temperatura parecia subir lentamente devido ao sol que brilhava num lindo céu sem nuvens.
Eu amava esse lugar. Não me lembrava de ter apreciado tanto um lugar assim antes. Minha primeira casa depois da adoção não tinha nem cozinha. Era um tipo de alojamento com várias outras pessoas, de crianças a adolescentes, todos instrumentos de entretenimento daquela quadrilha de criminosos. Eu ia do quarto compartilhado com outras quatro crianças para o local de filmagem, depois voltava. Era alimentado com marmitas descartáveis, às vezes dividia com os demais.
Não passei fome de comida, isso não, porém não tive acesso a outras coisas que teriam sido essenciais para meu desenvolvimento socioemocional. Não cresci com carinho, diálogo, educação ou qualquer tipo de contato com outras pessoas além dos que me gravavam e dormiam comigo no alojamento.
Eu me lembrava bem de quando era tirado do alojamento para gravar; eu viajava de carro por quase uma hora, ia até uma área movimentada da cidade e entrava pela porta dos fundos de uma espécie de bar. Me lembrava dos engradados de bebidas amontoados em meio a baratas, ratos e dejetos, e do cheiro rançoso de álcool, suor e gordura velha. Lá havia uma porta escondida que dava para uma escada no subsolo, onde ficava o estúdio.
Dentro do estúdio, eu tirava a roupa em cima de uma cama num cenário que simulava um ambiente doméstico, e ficava lá, brincando de carrinho, ou às vezes pediam para eu brincar de boneca. Uma vez ou outra fui tocado por algum cinegrafista, tocado intimamente, e me considerava sortudo pois nunca cheguei a ser estuprado, como ocorria eventualmente com alguma criança mais velha do alojamento.
Quando Doralice me encontrou, tinha sido depois de uma situação assim. Um dos assistentes de filmagem me levara até o banheiro e pedira para mexer no meu pênis. Ele acabou me machucando e eu fiquei com medo de voltar à cena. Não queriam me gravar chorando então me esqueceram num canto e foram gravar outra criança.
Doralice me pegou no colo e saiu pelas portas dos fundos dizendo que me levaria até uma farmácia para um curativo. Ninguém se importou muito, então ela andou, andou, andou tanto que eu jamais poderia saber disso aos sete anos de idade se não tivesse ocorrido por uma boa porção de tempo.
Chegamos a uma estação de trem, embarcamos e viajamos por um par de horas. Quando desembarcamos numa estação remota e cheia de mato em volta, ela conversou com algumas pessoas e conseguiu uma carona, então me levou para o meio do nada e me manteve lá por um longo período.
Anos mais tarde, soube que ela chegara a ser procurada por sequestro. Seu rosto foi estampado em noticiários, mas o assunto morreu rapidamente quando fui dado como morto. Nunca mais mexeram nos registros, eu desapareci e só reapareci com uma nova identidade quando comecei a frequentar a escola, tardiamente.
Nunca soube como Doralice conseguiu burlar meus registros. Ela arrumou alguém que trocou os documentos da adoção e eu acabei virando um caso numa pasta na mesa de algum juiz qualquer. Ela nunca me disse onde ficava o bar, nunca deu nenhuma informação sobre o meu passado. Era como se nunca tivesse existido.
Na escola, decidi que queria ser policial. Eu achava maneiro os caras andando com armas pois assistia a filmes de ação e queria ser como eles. Na adolescência, achei que se me tornasse investigador, talvez resolvesse essa parada do meu passado.
Batalhei muito, estudei pra caralho e consegui ingressar na Acadepol. Me formei e comecei a policiar, e nessa época, me envolvi com muitas coisas erradas também.
Nunca encontrei as pessoas que me "adotaram" da primeira vez. Apenas sabia que eles haviam me procurado por cerca de dois anos, para queima de arquivo, mas Doralice fizera um excelente trabalho em me esconder. Ela não era uma mulher carinhosa, não era de me mimar, sequer de fazer um cafuné, mas me ensinou a sobreviver. Vivíamos com muito pouco, e aprendi com ela que não havia problema nenhum nisso.
Eu era grato pelo que ela havia feito, mas o vácuo do meu passado permeou minha existência e impactou a minha percepção da vida ao longo da adolescência e fase adulta, e a depressão foi uma das consequências disso.
A depressão me levou à bebida, que me levou ao comportamento autodestrutivo, até que me encontrei no fundo do poço com a arma na boca, como já mencionei. Eu honestamente não esperava nada diferente para um futuro, sequer achava que teria futuro, até a Larah acontecer.
Ela se tornou minha vida.
Eu consegui permanecer com ela por um ano, até que as drogas que a Hannah consumia começaram a minar nosso casamento já nada satisfatório. Eu estava com ela pela menina, nada além disso, e fazia o possível para proporcionar um ambiente adequado à criança, mas isso se tornou impossível quando descobri com quem Hannah andava confraternizando.
Estava divagando sobre tudo isso quando percebi o silêncio na casa. André não mais respirava ruidosamente. Olhei para ele e o encontrei olhando para mim.
– Como você está? – Ele tinha uma ruga de preocupação entre os olhos.
Pensei em fazer uma piada ou desconversar, mas me senti subitamente muito cansado para isso.
– Honestamente? Não sei.
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