Capítulo 14
André
Eu estava dirigindo há quase três horas. Depois de enfrentar o trânsito local, cruzar a cidade e trafegar por uma rodovia interestadual, estava há 20 minutos sacolejando numa estradinha de terra no meio do nada.
Sabe aqueles lugares que costumamos ver quando viajamos, pegamos a estrada e andamos por horas e horas em meio a pastos e vegetação inexplorada, imaginando quem seria louco a ponto de viver num lugar desses?
Pois é, a mulher que eu devia procurar aparentemente conseguira chegar nesse lugar e vivia lá, sabe-se lá como.
Eu tinha saído cedo de casa. Jeff ainda dormia quando fechei a porta, e dei graças a Deus por não ter trocado uma palavra ou olhar com ele depois daquele momento infame no sofá. Antes de sair, liguei pra Ângela e pedi que ela desse um pulo no meu apartamento para ficar de olho nele, ver se ele precisava de algo. Avisei que tinha restos de pizza na geladeira se ele sentisse fome e não falei mais nada, não queria que ela pensasse que eu estava preocupado demais em deixá-lo sozinho.
Porque eu estava.
Eu não havia dormido muito bem. Muitas coisas rondavam meus pensamentos, e a descoberta desses novos desejos carnais eram só uma parcela das minhas preocupações. Eu tinha um contrato com uma cliente que queria segredos acerca desse cara a ponto de sugerir que eu inventasse esses segredos. Em contrapartida, eu tinha a confiança desse mesmo cara em fazer algo sem sentido como cruzar o meio do mato de lugar nenhum só para dizer para uma mulher que estava tudo bem com ele.
Que mulher era essa?
Como ele havia encontrado essa casa no meio do mato e o que esse lugar tinha a ver com ele?
Por que ele fugia da ex-mulher?
Por que a ex-mulher queria derrubá-lo?
Qual era a história por trás de tudo isso?
Eram muitas perguntas, e por mais que tentasse negar, eu estava aborrecido por causa da tal mulher misteriosa. Seria uma amante? Se fosse, por que isso me aborrecia? Que caralhos eu tinha a ver com a vida pessoal do Jeff?
Tinha também o receio em descobrir algo que pudesse ser usado contra ele. Por mais que esse fosse o meu trabalho, o objeto do meu contrato, pela primeira vez na minha vida, essa não era a prioridade em meio a tudo o que eu estava fazendo. Havia uma comichão me cutucando, me dizendo que eu precisava mudar a ótica e investigar por outro ângulo.
Larah. Por que ele mencionara a filha? Por que Hannah não falara absolutamente nada sobre a criança, mas parecia que isso era o pilar de tudo?
Eu só vira a criança uma única vez, num vídeo que Hannah postara com a menina no colo. Era uma coisa absurdamente linda, cachos loiro-avermelhados, olhos imensos que só agora eu percebia serem iguais aos de Jeff. Nunca mais a vi, e para mim, não havia nada que indicasse qualquer problema nisso, a menina devia viver com a mãe, que a mantinha protegida da mídia e da exposição. Se eu fosse pai, faria o mesmo.
Mas Jeff a mencionara. O comportamento dele não fazia sentido para mim, pois se ele sabia que a ex-companheira o perseguia, por que ele não ficava de boa, escondido em algum lugar? Sei lá, num lugar como esse para onde eu estava indo, seria uma boa opção...
Wow... Confesso que demorei para fazer essa conexão. Estava ficando velho. Claramente, ele devia estar escondido aqui, onde Judas perdeu as botas.
Então, por que ele ficava saindo do esconderijo para dar a cara a tapa em bares pela cidade?
Essa resposta eu ainda não tinha, e enquanto especulava sobre isso, o casebre finalmente surgiu em meio à vegetação. Perguntei-me como Jeff fazia para chegar aqui, sendo que eu não tinha visto nenhum carro com ele em nenhuma das vigilâncias. Uber chegava a vir pra esses lados? Duvidava.
Antes mesmo de embicar o carro no pavimento empoeirado da frente do que parecia uma espécie de barracão de blocos de barro, uma senhora enrugada de meia-idade saiu pelas portas como quem estava pronta a jogar qualquer coisa no automóvel.
Essa era a mulher?
Saí do veículo e dei a volta. Ela me encarava com os braços cruzados à frente do corpo. Devia ter um metro e sessenta no máximo, magra, cabelo ruivo, curto e meio grisalho, roupas simples e uma carranca de dar medo. Em sua expressão, um misto de preocupação e irritação. Aproximei-me com cautela.
— Bom dia. Senhora Doralice?
Ela deu um passo atrás e empertigou-se. Fiquei a uns dois passos dela, e mesmo a essa distância, senti cheiro de cigarro.
— Sou eu mesma — ela respondeu com uma voz grave e rouca. Provavelmente ela devia fumar muito — pode me dizer o que faz aqui? Fale daí mesmo, não se aproxime.
— Vim trazer um recado do Jeff.
Ela arregalou os olhos e soltou os braços. Vi que tentou disfarçar o espanto, sem muito sucesso. Concluí que Jeff era importante para ela, e especulei se ela não seria parente dele, mesmo que não houvesse um traço físico sequer que insinuasse isso. Até onde eu sabia pelas minhas pesquisas, Jeff era órfão desde criança, talvez tivesse sido adotado por uma família, talvez por essa família.
— Diga logo, depois vá embora.
Certo. Educação não era um traço de família.
— Ele pediu para dizer que está bem, que a senhora não precisa se preocupar, e que assim que puder, mandará notícias.
— O que houve com ele? — ela perguntou, mas eu não estava autorizado a responder.
— Imprevistos. Não sei ao certo, mas ele está realmente bem — menti, algo que já estava se tornando um hábito — não se preocupe. Ele pediu para eu perguntar se o pacote que ele enviou para a senhora chegou em perfeito estado, e se precisa de algo mais.
— Diga a ele que adorei o presente, que a cada dia que passa fico mais encantada e que, ao que tudo indica, teremos bons frutos em breve — ela se aproximou de uma pequena árvore recém-plantada e acariciou as folhas.
— O que é isso?
— Um pé de cambuci.
Eu imagino que tenha ficado vermelho. De raiva. Que porra era essa? Ele me fez dirigir horas para perguntar a uma mulher enrugada no meio do nada sobre um pé de cambuci? Por pouco não transpareci minha indignação! A mulher parecia realmente encantada com a planta, e eu decidi que precisava ir embora o quanto antes.
— Certo. Eu vou deixá-la com sua... — fiz um gesto impaciente com a mão — árvore. Tenha um bom dia.
Sem esperar por uma resposta, entrei no carro e manobrei, levantando uma nuvem de poeira quando as rodas giraram velozmente em minha pressa de arrancar daquele buraco.
Será que tudo o que ele queria era me tirar do meu apartamento? Seria tudo um truque para me tirar de cena só para fugir ou me espionar? Seria toda essa merda uma grande conspiração?
Se fosse, agora eu mesmo iria arrancar os pontos daquele filho da puta!
Bạn đang đọc truyện trên: Truyen247.Pro