Capítulo 16
Natália POV
Este foi provavelmente o sábado mais tardio a chegar.
Enquanto desperto, sou recebida por um maravilhoso sol que me aquece o quarto e me faz sorrir. Por ser fim-de-semana, se fosse uma empregada comum teria a oportunidade de ir dormir a casa.
Desde aquela reunião com o empresário Santoro, um homem de expressão dura, também ele com óculos, uma postura impecável e cujo primeiro nome continuo a desconhecer, nunca mais estive com o Pietro.
Jamais teria sido capaz de ter denunciado à Sociedade a morada da mansão da família Santoro, no entanto sei que para o Pietro o mais seguro é desconfiar de tudo e de todos, incluindo de mim.
Já fiz mais de mil suposições sobre o que a Sociedade estará a preparar para que lhes seja preciso essa morada, porém, uma coisa é certa; eles sabem que não completei a minha missão, pois nunca cheguei a entrar naquele táxi à porta do hotel para regressar ao aeroporto caso a tivesse terminado.
De qualquer forma, mal aquela reunião terminou ele meteu-se no quarto e só saiu para ir de férias com a Sabrina a Madrid, informação que acabei só por saber ontem à noite graças à Nina.
Enquanto assassinos, somos treinados a desconfiar de todos e a identificar comportamentos suspeitos. Porém não fui ainda capaz de encontrar nenhum e algo me diz que os empregados já desconfiam de algo devido à ausência prolongada do Pietro e da aparições cada vez menos frequentes do pai dele.
Nestes últimos dias tenho-me dedicado à jardinagem, e até criei uma amizade mais forte com a Nina e a Eleanora, que me têm contado tudo sobre a família.
De acordo com elas, o empresário Santoro e a mulher muito raramente estão juntos, e o Pietro e a Maria, a irmã mais nova dele, sentem-se revoltados por isso, já que, em vez dos pais optarem pelo divórcio, escolhem andar nesse chove não molha, em que não são um casal nem estão separados.
Por ser sábado, a Eleanora e a Nina foram ter com as respetivas famílias, o que me fez ficar sozinha pois os únicos empregados que cá ficaram foram os seguranças, o Faz-tudo — o meu companheiro de jardim — e o mordomo, que tem andado muito mais atarefado desde aquela reunião.
Para o almoço acabo por meter no microondas uma salada de atum que estava no frigorífico e almoço no banco de jardim que está na entrada da casa dos empregados.
Aquela mansão é tão grande que parece que aumenta a cada diz que passa. Ao olhar para as imensas janelas viradas para as traseiras, pergunto-me se alguma delas será a do Pietro e quanto tempo faltará para ele regressar.
Depois do almoço, tomo a decisão de ir pesquisar mais sobre a família e a namorada dele, com o cuidado de apagar depois o histórico do navegador.
Ao pesquisar Pietro Santoro, tal como já tinha feito antes, não me aparece nenhum resultado que possa associar diretamente a ele, por isso tento Sabrina, o que também se torna inútil.
Penso um pouco mais sobre como poderei encontrá-la, pois não sei qual o último nome dela, e pesquiso de seguida "Sabrina de Roma". Por mais tolo que possa parecer, resulta, e uma quantidade interminável de sites de notícias de famosos e de moda informam-me do sobrenome dela: Vientura.
Ao colocar desta vez o nome completo, sinto um arrepio ao encontrar fotografias dela e do Pietro, algo que não estava nada à espera.
Algumas fotografias são de saídas à noite, outras na praia, abraçados e cheios de afetos, e fazem parte de manchetes que anunciam frases como: "Sabrina Vientura e Pietro Albano, a saga continua", "Família Vientura e o novo herdeiro?", "Estará para breve o casamento de Sabrina e Pietro?".
A primeira notícia que abro diz o seguinte:
Pietro Albano e Sabrina Vientura de férias em Madrid
No passado dia 15 de agosto, o casal mais famoso de Roma decidiu comemorar o Ferragosto ao viajar para Madrid, a capital de Espanha.
Tal como nos mostram as seguintes fotos retiradas das redes sociais da relações-públicas Sabrina Vientura, os pombinhos aproveitaram para realizar um jantar romântico à luz das velas num dos mais conceituados restaurantes madrilenos, e ainda aproveitaram a manhã para visitar o estádio do Real Madrid.
Resta-nos esperar para saber se será esta a oportunidade de Pietro para pedir Sabrina em casamento e terminar assim com todas as especulações relativamente à data do grande dia.
Ao pesquisar Pietro Albano confirmo que esse é nome pelo qual ele é conhecido, e ao ler aquilo novamente percebo que, para além de não me ter dito que tinha uma namorada, também nunca referiu que estava pronto a pedi-la em casamento.
Depois de ler mais um pouco sobre a vida pública dos dois, apago o histórico, desligo o computador e vou tratar da relva, já que não tenho mais nada para fazer.
Enquanto o sol se põe, subo para o terraço da casa dos empregados e aprecio a vista deitada numa cama de rede, desta vez sem a companhia do Pietro.
Sou acordada por um grito perto da piscina e percebo imediatamente que adormeci e já passou imenso tempo, pois a luz do sol deu lugar a uma noite escura, fria e estrelada.
— Aconteceu alguma coisa? — grito lá de cima para o Faz-tudo, que está a correr de um lado para o outro.
— Menina Natália, precisamos da sua ajuda!
Desço rapidamente as escadas e vou ter com ele, que está à minha espera junto à piscina.
— Estou aqui.
— Menina! O empresário Santoro desapareceu! — diz ao fazer sinal para entrarmos dentro da mansão principal.
— Mas isso não é comum de acontecer?
— Não nestas circunstâncias!
— Tenha calma, Faz-tudo — digo ao tentar acalmá-lo enquanto subimos as escadas para o escritório do empresário Santoro. — O que o leva a crer que esta seja uma situação fora do normal?
— Ele não está no escritório, nem na mansão inteira, e a cadeira de rodas continua no escritório.
Paro por uns segundos e absorvo aquela informação.
A verdade é que a única vez que o vi ele estava sentado, e o fato de ele andar de cadeira de rodas pode
explicar o motivo para nunca andar na vivenda.
— Sem ajuda, ele nunca conseguiria ter descido as escadas! Alguém o levou, menina! E agora?
— Já alertaram a mulher e os filhos?
— Eles não estão em casa. Acha que os devamos avisar?
— Sim, diga a alguém para se encarregar das chamadas e outra pessoa que se encarregue da polícia. Eu vou dar uma vista de olhos pelo escritório.
— Está bem, menina, irei distribuir as tarefas tal como me está a dizer.
— Muito obrigada por me teres alertado, Faz-tudo.
— Eu é que agradeço — diz já a correr novamente para o piso inferior.
Sozinha, avanço até ao escritório dele enquanto tremo por receio que as minhas suposições se mostrem reais.
Ao chegar, confirmo o que já desconfiava; as estátuas de marfim ainda estão no mesmo sítio, o que significa que quem fez isto não veio com motivações para o roubar.
À primeira vista, parece estar tudo impecável, porém presto atenção às infinitas variáveis e encontro diferenças desde a última vez que cá estive.
A poltrona de pele que pertencia ao empresário está chegada para trás, e os cortinados amarrotados a meio, como se enquanto estivesse a desmaiar o empresário se tivesse agarrado a eles.
Por cima da mesa, as folhas não estão milimetricamente arrumadas, tal como estavam antes, o que indica que enquanto lhe colocavam a seringa no pescoço ele se tentou defender e acabou por desarrumar a mesa.
Sem sangue nem balas perdidas, o objetivo daquela missão não era matá-lo, mas sim deixá-lo inconsciente e transportar o corpo para outro sítio.
Um pedaço de papel amarrotado no canto da sala deixa-me intrigada. Ao desdobrá-lo, leio as seguintes palavras:
Nome: Epifanio Italo Santoro
Sexo: Masculino
Profissão: Empresário no ramo hoteleiro
Idade: Desconhecida
Características diferenciadoras: Desloca-se numa cadeira de rodas.
E, no fim da folha, o símbolo de uma folha de árvore desenhada em henna, o que confirma aquilo que já desconfiava: isto é obra da SIAT.
Releio várias vezes o nome completo dele. A cadeira de rodas, o nome, a forma de falar; há qualquer coisa nele que traz memórias, porém não consigo perceber quais.
Guardo aquele papel no bolso e desço até à sala de visitas, para não destruir por acaso alguma prova importante que indique a identidade do responsável por aquele desaparecimento.
— Senhor Pietro? — Vejo o mordomo a realizar uma chamada.
— Com licença, posso falar com ele?
O mordomo olha para mim de lado e não me responde, quase como se estivesse desconfiado.
— Já sei quem são os responsáveis — sussurro.
Vira-se novamente para mim, e o olhar dele quase que me acusa de ter sido eu a responsável.
Sento-me no sofá enquanto espero impacientemente que a chamada termine, até que por fim decido interromper passado uns bons minutos.
— Estive o tempo todo dentro da mansão; não posso ter sido eu a fazer isto. Por favor, deixe-me falar com o Pietro, pois tenho algo que poderá ajudar na investigação — digo alto demais para que ele me oiça do outro lado da linha.
Sem outra alternativa e a pedido do próprio Pietro, ele passa-me o telefone, e sento-me no sofá mais afastado do centro da sala, de forma a que mais ninguém me oiça.
— Natália?
— Desculpa por vos ter interrompido, mas tenho a confirmação de que foi a Sociedade.
— Só podem ter sido eles — diz com um certo ódio.
— Encontrei um papel com informações sobre o teu pai e que contém o logótipo da SIAT.
— Logótipo? Para que raio precisam disso?
— É uma forma de sabermos que as cartas são realmente deles, entre outras coisas, mas depois explico-te melhor. De qualquer forma, o papel que encontrei serve como anexo às cartas que enviam, o que significa que pertencia ao assassino contratado para esta missão.
— Estou a ver...
— Pietro, preciso da tua ajuda. Isto pode parecer uma pergunta estranha, mas o teu pai tem por hábito enunciar paradoxos?
Ele demora a responder, e as minhas certezas aumentam.
— Sim, porquê?
E então, toda a memória se forma na minha cabeça, e lembro-me finalmente do que aconteceu.
— Natália, estás aí? — pergunta-me, no entanto não consigo responder pois tudo acabou de fazer sentido.
Há uns anos, quando ainda estava no ensino regular e tornar-me uma assassina estava longe de se tornar uma das minhas preocupações, encontrei um homem numa cadeira de rodas na paragem do autocarro em frente à escola.
— Precisa de ajuda para subir quando o veículo chegar? — perguntei.
— Obrigado, mas não estou à espera do transporte.
Esperámos juntos por alguns minutos, até que ele me disse algo:
— Quando alguém persegue a felicidade, esse alguém é miserável. No entanto, quando alguém persegue outro objetivo, esse alguém atinge a felicidade.
Olhei para ele enquanto refletia sobre o que me acabara de dizer. À medida que o veículo se aproximava no final da rua, ele ainda comentou que aquele era o seu paradoxo preferido.
Fiz sinal para que ele parasse na nossa paragem, contudo, antes de embarcar, esse homem disse-me uma última coisa.
— O meu nome é Epifanio. Um dia ainda nos havemos de reencontrar.
Claro que quando ele me disse isso ainda temi que fosse um dos malucos dos transportes públicos, porém acabei por nunca mais o ver e esqueci-me completamente da aparência dele. Até agora.
Mesmo assim, aquelas palavras continuaram a perseguir-me por vários anos. Até que, na altura em que deveria decidir entrar ou não na Sociedade, voltaram a tornar-se relevantes. Tanto que, na altura, pensei que o mais acertado a fazer seria aceitar, pois a felicidade não surgiria caso a procurasse recusando a proposta, mas sim seguindo o rumo normal da minha vida, que seria seguir o mesmo caminho que os meus pais e avós.
Agora tudo isso me soa como uma ideia confusa e sem muito sentido, mas na altura parecia-me importantíssima.
— Natália?
— Sim, diz, Pietro.
— Por que estás a perguntar isso?
— É uma longa história... depois conto-te. E que paradoxos ele costuma referir?
— Nos últimos tempos, nenhum. Mas quando era mais novo costumava perguntar-me se Deus seria capaz de criar uma pedra que não fosse capaz de levantar. Percebes a contradição, certo? Se Deus é capaz de tudo, então também seria capaz de levantar a pedra.
— Sim, percebo... Quando é que regressas?
— Ainda esta noite, provavelmente de madrugada.
— Encontramo-nos daqui a umas horas.
— Assim será. Até logo, Natália.
Despeço-me e após terminarmos a chamada regresso ao meu quarto, onde já sei que não irei conseguir dormir até que ele chegue.
Aquela situação do empresário Santoro, que agora sei que se chama Epifanio, parece-me tão improvável e deixa-me tantas questões sem resposta.
O empresário Santoro terá sido um assassino no passado? Mesmo assim, não faz sentido. Se o fosse, jamais conseguiria estar vivo durante tantos tempo após abandonar a Sociedade.
E o Pietro, será que irá acreditar em mim?
Esta é a minha nova missão: desvendar este mistério e salvar o pai do Pietro. Mas, sobretudo, destruir a Sociedade.
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