Capítulo Oito
Sinto como se tivesse nascido de novo, encaro minhas próprias mãos calejadas, tremendo. O olhar desvia para os buracos na parede a milímetros da minha cabeça, feitos há um segundo pelo atirador no teto do veículo blindado. Com o carro ainda em movimento, ele despenca de lá, com a testa estourada por um único tiro, vindo do nosso prédio. Em seguida, um rápido projétil é lançado praticamente ao meu lado, e a viatura explode em chamas, fazendo o ar vibrar.
Olho para o homem que surge das sombras, Scott, ele percebe nosso estado, todavia não sabe ao certo o que fazer.
– Consegue ficar de pé?
– Consigo – forço os músculos, bastante debilitados, e eles negam na hora que aplico tensão nos joelhos, e assim, vou para o chão novamente.
Fico com raiva de estar esgotada num momento tão crucial.
– Você não está bem – diz o óbvio, suas mãos ocupadas guardam o lançador nas costas.
– Eu estou – minto, me arrastando uma vez para o lado, para tentar me levantar com ajuda da parede esburacada. – Leve Lukas com você.
Ele ignora meu pedido, e se aproxima para me auxiliar. Quando sinto seu toque, giro a cabeça em sua direção.
– Eu mandei levar Lukas – no meio das mechas do meu cabelo desgrenhado, encaro o fundo de seus olhos, com a chateação fervendo meu sangue.
O homem guarda silêncio, e dessa vez, obedece, indo ao socorro do meu amigo, puxando-o, ao mesmo tempo em que fala alguma coisa no rádio, e nesse instante a dúvida paira meus pensamentos, não sei se acatou meu pedido por vontade própria ou se de alguma forma utilizei a Eclípsia.
Esbanjando sofrimento, consigo ficar de pé, entretanto a sensação de fraqueza prevalece, é como se meus ossos fossem feitos de papelão molhado.
– Desculpe – é tudo que consigo pronunciar, baixinho, entre tossidas e arfadas.
Antes que Scott abra a boca, um ruído vindo de fora nos chama a atenção.
– Andróides! – julgando pela contração de seu rosto, estamos com ainda mais problemas.
Não dá tempo de reagir de forma adequada, meu olhar vai para os robôs no final da rua, eles apontam uma espécie de canhão portátil, e eu só tenho força para me jogar a alguns metros para o lado, Scott o faz para a direção oposta. Um estrondo próximo acontece, atingindo uma das paredes de concreto, que tremem forte. Pequenos escombros caem em minha cabeça, enquanto reúno a força de vontade necessária para rastejar enquanto a poeira impregna o ar, dói muito. O bombardeio continua chacoalhando as estruturas. Tusso por alguns instantes, infectada pelo ar. A boca está seca, mal consigo salivar. Tenho certeza que torci o tornozelo, pois a ardência é insuportável. Com arfadas e gemidos infinitos, fico de pé mais uma vez e não sei como isso é possível.
Olho para o outro lado, existe uma cratera impossível de pular entre nós. Se eu estivesse em bom estado, conseguiria. Mais um disparo é feito, e os estilhaços salpicam no ar, nos obrigando usar os braços para proteção. Faço um gesto para que ele volte de onde veio. Os seus olhos pesam, mas o homem o faz, levando Lukas.
Não ouso falar, pois os passos no andar sugerem que os andróides já entraram por algum outro canto, talvez tentando nos encurralar. A tensão volta à tona quando viro o rosto, e constato as luzes das lanternas dos inimigos no final do corredor. Mancando e com o pé implorando por tratamento, vou devagar para uma porta emperrada, que dá acesso a um quarto escuro. Olho ao redor, pela pouca iluminação que tenho, encontro apenas móveis revirados. Mesmo estando atenta, com um passo em falso, esbarro no que sobrou de um guarda-roupas. A porta de madeira velha cai num baque seco, o que só aumenta a movimentação dos andróides. Encosto no canto da parede próxima à porta e espero, incapaz de pensar em algo melhor. As batidas do coração são tão fortes que posso senti-las na cabeça, à medida em que os sons de suas botas ficam mais perto.
Os meus inimigos entram agitados no cômodo sem me notar no breu, eles fazem varredura no perímetro. Só então percebo que estes são humanos. Saco minha faca, basta que o homem se vire para mim que, com um único puxão, rasgo o seu pescoço, atingindo-o em cheio a artéria. Acerto um soco que joga outro soldado do para o canto do cômodo. Aos tropeços e com os músculos reclamando, corro para fora sob uma chuva de tiros atrasados, que atravessam algumas das paredes, deixando pequenos aglomerados de poeira e estalando os ouvidos. Mesmo com a minha agilidade sobre-humana, sou atingida. Seguro os urros com toda minha força, evitando assim gritar.
– Zedar! – é tudo que escuto no meio das vozes desorganizadas e chiado de rádio.
– Scott! Arhh! – finalmente berro agoniada por socorro no meio da escuridão, que agora é esporadicamente iluminada pelos disparos das armas de fogo. Vou para qualquer direção, batendo em paredes e móveis, totalmente sem rumo por estar tonta.
A perna arde como nunca, cada pisada parece uma martelada em chamas sobre ela.
Fujo, ainda abaixada e bastante desengonçada, sem conseguir ver um palmo à frente. Apenas borrões estáticos entram na minha visão, mas não faço ideia de quem ou que seja. Trombo em alguma coisa, apenas para descobrir que era uma porta apodrecida. Meus pés procuram o piso do novo cômodo, mas não o encontro, despenco. A queda leva poucos segundos, porém se mostra dolorosa, algo duro atinge minha cabeça.
Rolo em meio a poeira, madeira, e o que suponho ser pregos enferrujados, que prontamente perfuram minha pele. Prendo a respiração, numa inútil tentativa de parar as dores, mas ao invés disso, desencadeio outra crise de tosse e urros confusos. A minha primeira reação é procurar a faca que escapou das mãos, e tão logo sinto o líquido quente escorrer da minha testa. Tateio rapidamente o perímetro e a encontro, o som dos tiros lá em cima continua, passos, berros, baques.
Arrasto meu corpo para a única fonte de luz, que parece ser uma saída. A dor lancinante permanece, e não posso me dar ao luxo de gritar mais, estou zonza demais, e enfraquecida. Então, o que me resta é apertar os lábios de forma tão determinada que as poucas lágrimas que tenho escapam de novo. Posso sentir a umidade do meu sangue tomar conta das calças por conta do tiro, e é como se estivesse sendo ferroada por uma colmeia de marimbondos mortais dentro na perna esquerda.
Porém, quando penso que meus amigos podem estar com problemas e sobre tudo que passamos até chegar aqui, desde fome, privação de necessidades básicas e batalhas, junto tudo que tenho, e num movimento impossível, cravo as unhas na terra com violência, os dentes cerrados, e mesmo raspando a bochecha no chão, continuo me arrastando para um pequeno buraco que vejo na parede. Com a visão borrada, avanço, pouco a pouco, até atravessar a passagem.
– Parada! – sou surpreendida por uma luz forte que machuca as pupilas. Semicerro os olhos e levanto pouco a cabeça, dando de cara com o cano de uma arma apontada em minha direção. Ergo as mãos tremidas, e banhadas a sangue, deixando a minha faca cair em terra.
Meu corpo está esgotado, não há nada que possa fazer, falhei em meu propósito.
Leva alguns segundos até que um dos drones sobrevoe nossas cabeças. Os demais fazem varreduras em prédios próximos. Atrás do soldado, vários homens com um aspecto robótico permanecem enfileirados. As pupilas, iluminadas por um brilho artificial, o pescoço, com um número de série gravado. São mais andróides.
Minha única opção é ficar quieta. Não por estar encurralada, e sim por estar atordoada. Uma única, e possivelmente a última lágrima que tenho, escapa, por saber que é meu fim.
O homem ordena que eu fique de joelhos e vire de costas, provavelmente para que me execute sem ter que olhar para o rosto da vítima. Nesse momento, tenho que decidir entre respirar e prestar atenção no que ele esbraveja. O gosto metálico amarga na boca. A mão do soldado me alcança, violenta, para que seja erguida à força.
O meu olhar até então desfalecido, é atraído por uma silhueta que se ergue acima de um prédio próximo. Um dos drones percebe a sua presença, aponta sua lanterna para a escuridão, e emite seu sinal sonoro. Todos os robôs se voltam para lá quando a voz melodiosa do homem que inicia uma canção.
– I love you, baby, and if it's quite alright I need you, baby – o cara que se revela continua a canção enquanto salta de um prédio para o outro. Com uma única bala, meu executor tomba. – To warm the lonely night, I love you, baby,Trust in me when I say.
Os tiros começam a ser disparados na direção do desconhecido. Ele se encolhe com o impacto, e desaparece na noite com um baque seco. Em um instante, outro surge correndo numa velocidade anormal para um humano ao lado dos andróides, acertando dois deles em cheio no rosto, gerando uma pequena chuva de fagulhas elétricas. Os meus olhos se enchem de esperança por perceber que é mais um dos nossos.
– Oh, pretty baby, Don't bring me down, I pray, Oh, pretty baby – o garoto, que parece igual ao primeiro, completa o trecho da canção de seu parceiro abatido.
O restante dos andróides abrem fogo, atingindo por repetidas vezes o Zedar, que reage a cada tiro. A relva abraça o seu corpo largado ao relento. Fico horrorizada. Sua morte foi ridiculamente rápida, e imprudente, assim como o primeiro.
Quando as máquinas confirmam o abate do rebelde, voltam sua atenção para mim, e só o que consigo fazer é gemer de dor. Entretanto, sou surpreendida por outro companheiro de raça que aparece e derruba mais dois. Segundos depois, esse é morto de forma semelhante. E também, vem outro, e outro, e outro. Eles são todos idênticos, o cabelo cacheado descendo até o ombro, descalços para não fazer barulho. Todos seguem o mesmo padrão: atacam, são alvejados e morrem.
Até que o nono, se minhas contas estiverem corretas, consegue acabar com o último andróide, mas não sem antes ser eliminado com um tiro na cabeça.
– Now that I've found you, stay, And let me love you, baby... Let me love you... –
Levo um susto com a voz repentina ao meu lado, cantando a mesma melodia dos anteriores, a voz, a entoação, o sotaque australiano, é tudo igual. Olho para frente, e vejo todos os robôs destruídos, mas não encontro os corpos dos homens que o fizeram.
– Diga seu nome, minha nova garota.
Levanto o olhar com dificuldade, e busco as órbitas do garoto – agora agachado ao meu lado – tão confusa com o que acabou de acontecer e tão preocupada em ajudar meus amigos que ignoro o seu tom presunçoso.
– Heather – digo, entre gemidos dolorosos. – Precisamos... Entrar. Meus amigos – cada palavra parece lutar para não sair.
– Não se preocupe. Cuidarei disso – ele seguramente afirma, seus olhos cor de noz me encaram com calma.
Fico esperando ser deixada em algum lugar para que possa fazer, mas para meu desespero, o cara não se mexe e a minha dor só piora. A bala parece estar alojada em minha perna.
– Vai! Eles estão lá dentro! Você tem que ir agora! – perco o fôlego no final.
– Já estou ajudando.
Fico alguns bons segundos sofrendo, antes de conseguir falar.
– Como? Se você tá aqui parado olhando pra mim!? – A tosse sufocada intercala com meu berro afoito, quebrando completamente a discrição.
O garoto sorri, retirando os cabelos de seu rosto. Quando ele se levanta, algo em sua silhueta muda, os contornos se tornam maleáveis, até que uma nova, idêntica a dele, é criada. Agora são dois. Um imediatamente me deita, e inicia os primeiros socorros na minha perna estourada.
– A propósito, meu nome é Adam.
As únicas coisas que perturbam a calmaria do lago são as poucas bolhas que fogem do meu corpo submerso, e o avanço suave que faço, aproveitando a distração para não ser notada e conseguir ficar embaixo do velho cais.
Emerjo devagar, apenas o suficiente para que eu respire. Observo, pelas falhas de uma parte da madeira, dois soldados, utilizando as mesmas armaduras que vi na base. Reconheço o ponto do meu golpe em uma delas, pois ali, o metal apresenta sinais de reparação apressada. O rosto também é o mesmo, barba volumosa, pele caramelo e olhos pretos.
– Como posso ajudar? – a voz de Summer se sobressai aos rangidos da madeira velha.
– Estamos procurando uma fugitiva. Ela escapou há alguns dias, e é extremamente perigosa. Não deve ter ido longe, por isso estamos fazendo uma varredura na área. Não viu ninguém estranho por aqui?
– Não. Desculpe, mas... Realmente não vi ninguém.
– Foi você quem caçou aquele coelho? – o mesmo soldado diz, enquanto o outro, parece devorar a garota com os olhos. A sua língua passeia pelo lábio.
É o mesmo maníaco que me atacou.
– É, foi sim. Estava caçando, e decidi parar um pouco para me refrescar – o tom de voz de Summer é extremamente natural, bastante convincente.
– Se me lembro bem, disse que não sabia caçar.
Burra.
– É verdade. Porém com a alta demanda por comida, estou me esforçando. Levei duas horas, mas consegui pegá-lo.
Os dois soldados trocam olhares incompreensíveis, um deles muda o peso da perna, e a madeira canta de novo. A fazendeira permanece quieta, ela ergue as sobrancelhas e sorri, o que é mais que suficiente para receber uma piscada do homem que observa seu corpo seminu.
– Está decidido! Venha conosco, gracinha, temos um servicinho para você – o que fala esfrega a barba, eufórico. Eu reajo apenas semicerrando os olhos, repudiando suas intenções.
– Tucker, não! Já disse o que vai acontecer se me desobedecer! – o outro militar o repreende no momento em que agarra o braço de Summer.
Eles têm um breve confronto de olhares, até que o atrevido recua a mão, e se afasta, indo para a direção oposta, visivelmente frustrado.
Nesse instante, o sorriso da fazendeira some, seu olhar abaixa, não é como se estivesse amedrontada, e sim decepcionada por não conseguir fazer nada para se defender.
– Senhorita... – o mais sensato deles começa e faz um gesto para que ela refresque sua memória.
– Hatford.
– Oh, sim, senhorita Harford. Peço perdão pelo inconveniente, sabe como são os soldados, sempre muito estressados, com a adrenalina nas alturas. Mas garanto que nosso trato continua intacto. Seu pai e eu, sinto que estamos nos tornando amigos, e isso é bom, não temos tantos homens para cobrir toda a área. Não tocaremos em sua família, nem em sua propriedade se colaborar com nossas exigências, algo que, não posso reclamar, estão fazendo muito bem. Nossas tropas estão abastecidas, e devemos isso a vocês.
– Tudo bem, senhor. Desculpas aceitas – ela suspira pesado, engolindo seco. Em seguida, uma coçada no couro cabeludo. – Quer saber? Acho que vi sim alguém estranho por aqui.
Com sua resposta, meu coração bate fora do ritmo. Summer vai me entregar em nome de sua família? Olho para os lados, em busca de alguma arma que possa me ajudar a combater se necessário. Seguro o meu arco firme. Mesmo que eu derrube o que conversa com ela, terei que lidar com o outro, que não hesitará em abrir fogo. Ainda mais considerando que tem contas a acertar comigo.
Minha única opção é mergulhar, e tentar ficar no fundo até que decidam ir, ou sair na margem oposta. Ainda assim, são caminhos bastante árduos, mas não tenho escolha. Prendo a respiração.
– Hoje de manhã vi um vulto passar em direção ao sul, indo para a cidade – sua explicação me faz parar, está mentindo. – Não tenho certeza... Mas juro que vi alguma coisa passar correndo. E-eu só não quero que achem que estou tentando enganar, e por isso...
– Acalme-se, senhorita – a voz suave do militar, junto ao seu olhar a faz parar de falar. – Acreditamos em você. Não importa o que viu, iremos até lá e vamos verificar. Continue prestando um bom serviço, e quem sabe, algum dia poderá se juntar a nós – ele confirma a declaração com um gesto amigável. – Estamos de saída. Agradecemos pela informação.
Os passos no cais quebrado ficam cada vez mais distantes, até desaparecerem. Continuo estática como uma pedra por muito tempo, até que a fala de Summer quebra o silêncio.
– Já pode sair, eles se foram – diz, instantes mais tarde.
Mesmo com sua confirmação, espio as redondezas antes de segurar na estaca do cais e subir.
– Agora sei porque não queria tirar a roupa...
– Um soldado nunca deve largar seu uniforme, menos ainda em território inimigo. E se acha que essa propriedade é de vocês, estão muito enganados. Só estão usando a sua mão de obra e terra para abastecer seus homens.
– É, eu sei, não acredito em nada que eles dizem – a garota apressadamente veste as roupas, o embaraço em seu rosto é quase palpável.
Estudando mais a fundo seu olhar, ele ainda imprime a mim a sensação de decepção. Não é algo que me importo, mas considerando que teremos de conviver juntas, pode muito bem influenciar no que estamos prestes a fazer. Lembro das lições que recebi no exército, sobre como a liderança deve e precisa manter o moral de seu pessoal em bons níveis.
– Agiu bem. Pensou rápido – digo, mesmo sem vontade.
Minhas palavras acendem, mesmo que pouco, sua expressão. Ela provavelmente deixa de lado a chateação da perda de seus amigos.
– Obrigada, Rachel.
Não sorrio como ela, mas deixo explícito, ao menos uma fração do meu estado bem humorado, algo raro de acontecer. Vou, pelo cais, até a minha caça. Arremato-a rapidamente e seguimos até um canto afastado da floresta. Não podemos ir direto para casa de Summer, pois os soldados devem estar por lá e podem estar monitorando tudo, então, aguardaremos algumas horas. E Summer irá na frente, confirmando se não estão nos vigiando.
Ensino a garota a forma mais eficiente de se limpar um coelho, como também as partes retiradas que podem ser aproveitadas. Enquanto ela faz uma fogueira propositalmente chamativa sob minhas ordens, eu faço uma rápida ronda pelos arredores. Vejo as pegadas, inspeciono a copa das árvores e abaixo das rochas grandes. As feridas ainda doem, e tenho certeza de que não estou cem por cento, mas sei também que não há tempo para recuperação total.
Volto ao acampamento, e a caça está pronta. O tronco de árvore atravessado, servindo como banco me faz lembrar de meus companheiros, de quando estávamos na base de Cairns. Aqueles garotos animados, entoando, de forma muito errada, as canções antigas do nosso povo, me fazem perceber o quanto sinto falta de nossa terra natal. Nosso planeta.
Devoro a perna assada do coelho em silêncio, refletindo sobre como deve estar lá fora. Estamos perdendo? Ganhando terreno? Não faço a menor ideia. Tudo que sei é que independente de ganhos ou perdas, sangue Zedar está sendo derramado e isso me aflige.
Ao desviar o olhar, pego a jovem fazendeira me observando, um pequeno sorriso emerge dela, e não entendo bem o porquê, mas começo a notar que existe certa frequência nesses gestos. Ela desliza para perto de mim.
– O que é? – levanto a sobrancelha.
– Não vai dizer?
– Dizer o quê?
– Que euzinha aqui estava certa – mordisca sua carne, com aquela mesma cara idiota.
– Não sei do que está falando.
– Eu disse pra você que comunicação era importante. Eles caíram direitinho no meu teatro. Primeiro fingi estar coagida, bom, fingi mais ou menos. Depois fiz acreditarem que estava escondendo algo por não ter certeza, e por medo de passar como mentirosa. A propósito, de nada – a garota vomita a frase de uma vez, se gabando. – Posso te ensinar, qualquer dia desses. Já que está me ensinando a sobreviver.
– Eu passo, obrigada – volto a olhar para a frente.
– Ah, Rachel! Qual é! – a loura entra com a cabeça no meu campo de visão. – Você viu! Eles estavam tão vulneráveis que se estivéssemos juntas, a gente venceria fácil! Eu derrubaria um com uma flechada e você quebraria o outro em pedacinhos, até não sobrar nada.
– Não preciso disso para lutar! – digo, me levantando.
Está na hora de ir. Ajeito meu arco nas costas e confiro o estado das flechas. Boas.
– Aposto que é porque não consegue – posso ouvir sua risadinha atrás de mim.
– O quê? Repita isso! – me volto imediatamente para ela, furiosa.
Essa garota é mesmo de dar nos nervos. Infantil, teimosa e relaxada demais!
– Então vai lá, começa uma conversa, finge que sou sua inimiga e tem que me derrubar usando elemento surpresa, mas – dá ênfase na última palavra, um dedo erguido. – Não pode se esconder para me pegar desprevenida. Tem que ser cara a cara.
Os meus punhos fecham com tanta força que meus dedos parecem atravessar a carne. Poderia nocauteá-la com um único golpe.
– Eu não vou fazer nada! E esse assunto acabou! – dou as costas, pegando a trilha.
– É claro que não vai, toda-poderosa.
– Toda-poderosa? – o olhar vai por cima do ombro.
– É você, hihihi.
– Cale a boca, idiota.
Em alguns segundos, estamos lado a lado.
– Seus olhos são como as nuvens em uma tempestade, sabia?
– Por que está dizendo essas coisas?
– Pra você ir treinando seus elogios, quando for lutar. Ou, de repente, pra quando for falar com o garoto que te viu de biquíni.
Reviro os olhos, exausta de tanta baboseira.
– Vamos voltar. Temos que informar seu pai. Vou explicar meu plano a vocês.
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