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Capítulo 5 - 19 dias de Resistência

A carruagem em que Lanna estava sentada era imponente, esculpida em mármore com diversos símbolos representando a força e a tradição da dinastia Milanidas. Em seus vinte e cinco anos de vida, jamais imaginou que experimentaria os luxos de uma vida Arkniana: agora, ali estava, desfilando, acenando para os plebeus com um sorriso confuso no rosto e uma coroa prateada repousando sobre sua cabeça.

Passou a última semana experimentando todos os vestidos de Octavia Milanidas; trouxe suas antigas consortes para morar com ela em sua nova residência e fez questão de demitir todos os empregados que ali trabalhavam anteriormente. Desmond não parecia se importar, ocupado demais, indo de um lado para outro da cidade, brincando de governar. Não demonstrava interesse no que se passava na Mansão de Veraneio dos Milanidas. Era como se ele não quisesse estar ali, apesar de ter sido ele mesmo quem decidira se mudar para lá. Vai entender.

Tudo estava correndo bem, em sua opinião. Mesmo assim, havia a inquietude. Pessoas haviam lotado a Catedral da Árvore Prateada naquele dia, buscando ver em primeira mão o novo casal ser consagrado aos Gêmeos um dia antes do grande festival. A cidade estava em polvorosa, e Desmond fez questão de se exibir para o maior número de pessoas possível.

Lanna olhou para o homem sentado ao seu lado. O plebeu, nascido de origens humildes, acenava pela janela da carruagem com entusiasmo, murmurando coisas para si mesmo enquanto mantinha o braço direito levantado. Ele não se comportava como um marido de verdade, o que a incomodava profundamente; parecia acreditar que poderia comprar sua felicidade com uma vida luxuosa. Bem, não estava completamente errado.

Para Lanna, no entanto, tudo se resumia a princípios: ele era seu marido agora, e estava colocando sua própria vida e a vida de Lanna em risco naquele momento. Embora a cidade estivesse lentamente começando a chamá-la de rainha — e ela adorasse cada segundo disso —, estar ali era perigoso.

Um perigo que deixava Lanna excitada.

Sua mudança para a mansão havia acontecido uma semana antes, mas, sempre que caminhava pelos vastos jardins, não conseguia evitar ficar maravilhada. No dia anterior, voluntários haviam terminado de limpar os jardins, prontos para reabrir ao público; com todo o sangue seco removido das pedras, as pessoas poderiam voltar e sempre olhar para cima, em direção ao Rei.

Este era o plano de Desmond, para Lanna, as coisas eram bem diferentes. Ela tinha uma mansão inteira para si, mobiliada com a fina história Arkniana, cuidada com o zelo de uma sociedade submissa.

E agora tudo aquilo era dela.

— Senhorita Lanna. — Desmond chamou sua atenção, enquanto guiava alguns legionários consigo. Sua guarda pessoal. Risível. — Estarei em meu escritório, me preparando para a viagem a Eliria.

Ele se aproximou e segurou a mão da mulher como um cavalheiro Arkniano faria. Lanna se perguntou de onde ele teria aprendido a agir daquela forma. Ele ajoelhou-se e beijou a mão dela levemente. A coroa bem posicionada em seu escalpo.

— Vossa Majestade não me contou sobre viagem alguma. — Lanna comentou com certa ironia em sua voz.

— Não é seguro que vá. Prefiro que fique aqui.

— Não há mais lugares seguros, Desmond. — Lanna olhou em volta, sentindo a contradição no que dizia. — Me dê alguns dias de preparo, e eu—

— Não se preocupe — Ele a interrompeu, já andando para além dela. — Eu designarei um Legionário a altura para protege-la, não precisa ter medo.

— Acha que pode fazer o que bem entende com a minha pessoa? — Ela perguntou, enfurecida.

— Não é minha intenção... — Ele parou, olhando distraído para além dela.

— Ao menos fale comigo olhando aos meus olhos! — Lanna exclamou.

A mulher cerrou os punhos.

— Tenho que ir. — Ele disse de repente, quando uma figura apareceu atrás da mulher.

Lanna olhou rapidamente, injuriada. Arregalou os olhos ao ver um homem. Um que ela tem a certeza absoluta que já vira antes. Desmond saiu apressado com sua guarda pessoal através dos grandes portões da mansão, rapidamente deixando Lanna sozinha no corredor de mármore da entrada. Lanna grunhiu, nervosa.

— Quem esse cara acha que é! Pra base do pilar com ele. Maldito!

Ela bateu em seu vestido, o arrumando enquanto caminhava a passos duros para fora da mansão. Não queria ir atrás dele — ela disse a si mesma —, estava apenas saindo para relaxar. Este era um dos poucos lugares verdadeiramente verdes na vasta cidade de Anizotte. Bom para respirar, pois ficava bem à sombra da Árvore Prateada.

No entanto, não havia exercícios de relaxamento que a livraria da raiva que estava sentindo no momento. Ela partiu amaldiçoando tudo que estava em seu caminho, até o gazebo nos limites entre os níveis dos grandes jardins. Lanna sentou-se naquele lindo lugar feito de madeira maciça, poltronas de couro e uma mesa com raras frutas e vinho provindos de Astinia; dali, pôde ver os plebeus aproveitando a reabertura dos jardins.

Não demorou para que alguém percebesse que sua rainha os observava. Acenaram e a reverenciaram com fervor, gritando seu nome. Lanna os olhou de cima.

E continuou olhando; saboreando seu vinho, sentada em sua poltrona, com sua coroa prateada repousando levemente sobre seus cabelos loiros e curtos, bem cortados.

— Malditos plebeus. — Comentou.

— Seus súditos a olham com expectativa.

Lanna assustou-se quando uma mão pesada segurou em seu ombro.

— E você quem é?

— General Myles, minha senhora. — Ele disse abaixando a cabeça em reverência. — Designado pelo Rei a servi-la.

— Pantomima, uma bela peça de teatro vocês estão fazendo. — Lanna riu. — Estou casada com seu Rei, então me chame apenas de Rainha, ou sua Majestade.

Myles ergueu a cabeça, seus olhos escuros fixando-se nos dela com uma intensidade que fez Lanna estreitar os próprios. Ele sorriu de leve, mas o gesto era vazio. Distante.

— Como preferir, vossa Majestade. — Repetiu ele, o tom mais afiado do que respeitoso. — Embora eu deva lembrar que, na ausência do Rei, sou responsável por garantir a segurança do reino. Inclusive... a sua.

Lanna arqueou uma sobrancelha, um sorriso de canto surgindo em seu rosto. Ela balançou o liquido em sua taça lentamente enquanto refletia no que falar a seguir.

— Segurança, general? Parece mais que está me medindo.

— Medindo, não, minha Rainha. — Myles inclinou-se ligeiramente, sua voz baixa, o sopro bem perto de seu ouvido, fazendo Lanna arrepiar-se; audível o suficiente para que cada palavra penetrasse em sua mente. — Apenas observando. O Rei confia em mim para enxergar o que ele não pode. Para distinguir a lealdade da... conveniência.

O sorriso de Lanna murchou levemente, mas ela manteve a compostura, pousando a taça de vinho sobre o braço da poltrona. Ela cruzou as pernas devagar, como quem demonstra paciência diante de algo que julga trivial.

— Sugere que minha lealdade é... questionável? Logo a minha, que embarcou tão prontamente na empreitada de seu Rei plebeu? Tão solicita, tão submissa às vontades de meu irmão e de seu Rei fajuto enquanto ele finge que tem tudo sob controle—

— Sugiro que fale bem devagar e mantenha seu sorriso, minha Rainha. — Ele aproximou seu rosto frio no ouvido de Lanna, enquanto sua mão viajou lentamente do ombro dela até seu pescoço. — O povo precisa sentir que sua Rainha não os despreza.

Ele apontou para as pessoas que forçavam sua visão para vê-la lá no alto. Um povo esperançoso, feliz pela mudança alcançada por suas próprias mãos.

Myles fez uma pausa deliberada, seus olhos demorando-se no rosto dela, antes de completar:

— E eu... preciso sentir o mesmo.

Lanna inclinou-se ligeiramente para frente, como uma gata prestes a saltar. Seus olhos uma faísca de irritação, e até mesmo fascínio.

— Não tem medo do perigo, plebeu? Afinal, eu sou a rainha. Poderia achar uma grave transgressão a sua atitude comigo.

Ele sorriu novamente, dessa vez mais largo, mas não menos frio.

— Estou aqui apenas para servi-la, Majestade. — Myles recuou mais um passo, batendo os calcanhares e fazendo uma breve reverência. — E, a partir de agora, estarei sempre ao seu lado.

Myles deu um passo para trás e colocou as mãos para trás, olhando para frente irredutível. Lanna pensou em protestar, mas algo a impediu. A sensação do toque de sua mão pesada em seu pescoço a fez voltar a olhar para frente, apenas saboreando o vinho Arkniano que lhe trouxeram.

━◈━◈
Desmond

Desmond tirou a coroa para afagar os cabelos enquanto andava encarando o chão firmemente. Adam estava aqui? Havia sido informado por Alida e Oliver que o rapaz havia fugido antes da revolução acontecer, e poucos dias depois, descobriu que Glória havia sumido da mansão onde estava com seu marido. Não demorou muito para juntar os fatos. Desmond sabia do romance de sua irmã com ele, e uma parte dentro de si desejava que eles estivessem felizes e bem longe de Anizotte, mas, agora...

— Levante a cabeça, não pode deixar que te vejam olhando para baixo. — Gregor falou com uma voz repreensiva.

Ele não gritava mais com o neto como costumava a fazer.

Ele também não deveria estar ali, andando entre os vivos. Desmond sabia que o estresse estava o matando, trazendo fantasmas de seu passado para lhe atormentar; seria isso uma punição dos Gêmeos por tantas transgressões?

— Os Gêmeos cuidam dos afazeres divinos, eles deixaram a responsabilidade humana com a gente. — Stephan completou.

O irmão andava em seu lado esquerdo. Desmond não virou o rosto para vê-lo, assim como Gregor, também era um ser inexistente no mundo dos vivos. O homem apenas olhou para cima em direção ao Pilar Brilhante.

— O que minha corrente sanguínea fez para que vocês não os deixem descansar em paz... — Ele sussurrou como uma prece que mais parecia um desabafo.

— Não diga isto, irmão — Stephan colocou sua mão no ombro do irmão mais novo — Você é a nascente, a redefinição da Família Brante. O sangue mais puro desta terra.

Stephan falava com tanto orgulho que parecia querer chorar, Desmond apenas avançou, tentando deixar o irmão para trás enquanto andava.

O Rei caminhava velozmente em direção ao jornal. Sua guarda não andava apenas com ele, mas ia à frente e escoltava todo o caminho ao redor. O processo era rápido, os homens de Myles eram bem treinados e se importavam com a causa; Desmond não poderia pedir por melhores guarda-costas.

Enquanto percorria o trajeto, agradecia o tempo todo. Mantinha a boa aparência, a dignidade. Levantava seu queixo e sorria enquanto falava com a voz imponente.

— Muito bom, meu neto. — Gregor comentava em cada frase que Desmond dizia.

Gregor era um guia para a dignidade nobre. Desmond seguia suas palavras inconscientemente.

Quando finalmente chegou no jornal, um rosto familiar o encarou conflituoso.

Seu corpo se arrepiou e Desmond deu um passo para trás, mas não se desviou do abraço de sua irmã. Glória estava ali, tão linda e bem cuidada, diferente de todos os pensamentos que tivera sobre sua segurança ou integridade. Glória estava ali. Ela estava ali o abraçando.

E durante um minuto, Gregor e Stephan desapareceram.

Desmond a abraçou de volta, lutando firme contra a vontade de chorar.

— Oi, irmã.

Desmond a soltou, olhando ao seu redor. Sua guarda havia ficado do lado de fora, mas, dentro do local, Alida e Adam o observavam em seus cantos. O mesmo lugar que haviam criado o plano para invadir a mansão de Dorius Otton. O plano para conseguir evidências e leva-lo a julgamento. O plano que colocou Desmond na posição em que está hoje.

— Adam.

— Desmond, então é verdade? Você é o... O Rei? — Adam parecia extremamente incomodado em falar isto. — Onde está Sophia? Vocês eram amigos, então talvez—

— Ela está morta, eu a matei. — Desmond disse rápido.

Glória cerrou os lábios, olhando para o irmão. Seus olhos viajaram através dos contornos de sua face. Desmond olhou através dela em direção a Adam, que apenas virou-se de costas e entrou no cômodo da prensa, fechando a porta atrás de si.

— Acho que você o incomodou com sua frieza, Majestade — Alida comentou.

— Desmond... Por quê? Como? — As mãos de Glória suavam enquanto ela perguntava — Eu entendo você ter se tornado um juiz respeitado, você queria prender o Arkniano, mas...

Ela olhou para a coroa que o irmão usava.

— Eu quero saber onde você estava.

— Eu... — Glória cerrou os lábios. Olhou rapidamente para Alida, mas esta apenas desviou o olhar e subiu as escadas, se retirando do local. — Eu...

— Nossa irmã ainda aprontando — Stephan reapareceu no canto em que Alida estava anteriormente — Sabe, por isto eu a perturbava tanto. Ela sempre foi desse jeito indecisa, reclamona que nunca sabe o que quer.

— Cala a boca — Desmond falou, duro. Glória deu um pequeno salto, surpresa. O homem a olhou de volta de olhos arregalados. — Olha, eu entendo, irmã. Você queria fugir da armadilha que criamos para você.

— Desmy...

— Mas isso não te dá o direito de voltar! — Desmond cerrou os punhos, lutando contra o turbilhão de sentimentos em seu peito — Por que voltou, afinal?

— Ora, por você! — Glória respondeu exasperada.

— Então... qual o plano agora? — Desmond perguntou.

— O que quer dizer?

— José é um dos poucos nobres que ainda estão na cidade, logo ele saberá que você voltou.

— Não! — Ela estendeu uma mão — Não... eu... eu não saberia como encará-lo, por favor, irmão.

— A prole plebeia daquela mulher ainda causando problemas à nossa família — A voz de Gregor ressoou em Desmond — Robert foi um fraco por não ter se livrado dela o quanto antes. Vendê-la criança seria muito mais lucrativo.

Desmond virou o rosto em direção à voz, sentindo seus olhos lacrimejarem pela primeira vez em muito tempo. Como pode seu avô ainda falar tamanha barbaridade de sua irmã? Desmond se vingaria se ele ainda estivesse vivo.

Não. Ele tinha o dever de protege-la. Ele era nobre, um Rei, mas Glória ainda era sua irmã.

A memória das surras que levaram juntos quando crianças vieram à tona quando Desmond encarou o rosto de sua irmã, pedindo que ele não a entregasse. Sua irmã estava viva e bem. Ela não morrera nem desaparecera como o resto de sua família.

Ele não estava sozinho, afinal.

— Glória.

— Irmão?

— Tome cuidado, não saia muito. José não conheceu Adam, mas ele te reconheceria em qualquer lugar. — Desmond se aproximou, colocando a mão no ombro de sua irmã — Se cuida.

Glória sorriu, seus olhos marejados transmitiam uma alegria que Desmond estava desacostumado.

— Diga a Adam que... eu sinto muito. — Desmond se virou de costas, levantando a cabeça como havia se treinado a fazer.

— Volte aqui quando puder, irmão.

— Não quero atrapalhar o casal. — Desmond disse, rindo.

━◈━◈
Nadine

Era noite no grande Palácio de Silter. Seu mármore branco refletia a luz do luar com um esplendor quase sobrenatural, refratando-se nos grandes jardins repletos de flores azuis de diversas espécies. Cada detalhe parecia cuidadosamente projetado para receber os convidados com a maior estima que o Império Arknia poderia oferecer.

Aquela era a noite mais aguardada de toda a temporada social. Rumores percorriam os corredores: o Príncipe Jerian já havia escolhido a Arkniana que o acompanharia na dança principal no salão. Mas o príncipe herdeiro mantinha-se enigmático, escondido entre seu escritório e a biblioteca, seguindo sua rotina habitual sem dar qualquer indício. Nadine, no entanto, sabia que os rumores eram verdadeiros.

Ela era a escolhida.

Cada passo em direção ao salão principal do castelo parecia carregar o peso de um destino maior do que ela poderia suportar. Nadine forçava-se a manter-se firme, lutando contra o medo de desmaiar como havia acontecido no dia em que o Príncipe a convidara.

"Que vergonha... que vergonha", ela pensava sem parar, revivendo o momento em que acordou deitada sobre a mesa do escritório do Príncipe. Jerian a segurara em seus braços com destreza, limpando a mesa apressadamente para acomodá-la. Quando finalmente recuperou os sentidos, Nadine chorou e pediu desculpas, mas Jerian a tranquilizou com uma calma que a deixou ainda mais envergonhada.

Desde aquele dia, Nadine havia empenhado todo seu esforço para estar à altura da ocasião. Foi a cada canto da cidade em busca do vestido perfeito. Pediu ajuda aos pais — um pedido do qual logo se arrependeu, pois tinha certeza de que foram eles os responsáveis por espalhar os rumores. Ainda assim, eles gastaram todas as suas economias para contratar os melhores estilistas da região, na esperança de transformar a visão de Nadine em realidade.

Agora, ela nunca se sentira tão perfeita em toda sua vida. Seus cabelos volumosos e cacheados estavam presos com uma elegante tiara incrustada com três safiras azuis, que harmonizavam com a tonalidade azul do vestido. Suas luvas, que se estendiam até os antebraços, eram adornadas com delicados braceletes de ouro fino. O rosto, maquiado no estilo característicos da terra mãe, destacava o brilho discreto do azul-celeste Arkniano; os lábios com um batom rosa suave, os olhos brilhavam em um tom lilás como as cores do amanhecer. Nos seus pés, sapatilhas tão delicadas e impecáveis que pareciam pertencer a uma boneca de porcelana.

Mas o vestido... ah, o vestido. Ele era a verdadeira obra-prima. Sem alças, ajustava-se perfeitamente ao corpo de Nadine, como se houvesse sido esculpido para ela. Da cintura para baixo, o tecido fluía como uma cachoeira, com camadas de véus e tecidos que simulavam uma queda d'água. Aquele vestido não era apenas uma peça de roupa; era uma força da natureza, um reflexo de sua felicidade. Naquela noite, todo o mundo de Nadine estava ali, estampado em seu corpo.

Ela caminhou pelo tapete vermelho, observando outros Arknianos chegando à festa acompanhados de seus consortes ou apenas amigos; Nadine se sentiu um pouco envergonhada de estar ali sozinha.

Ao chegar no salão, garçons humanos corriam para todos os lados entregando bebidas e uma musica suave tocava no canto oposto, fazendo o som ecoar por todo o ambiente. Nadine sorriu, respirando fundo e absorvendo o ar do local. Era sua primeira vez em um evento deste porte: estava em um salão extenso que continha uma grande área para danças, e em sua lateral leste, grandes portões de vidro se abriam para dar lugar a uma grande área do jardim onde os jovens nobres Arknianos se reuniam para beber e conversar.

Nadine estava fascinada. De todos os eventos anteriores, nenhum se aproximava da magnitude — ou da grandiosidade — daquela noite. Hoje, quase toda a corte imperial se fazia presente; com toda a pompa e circunstância que a altíssima sociedade imperial apresentava sempre. Seu olhar vagou entre os convidados, procurando por Anna, mas a amiga estava fora de vista. Ao invés disso, seus olhos repousaram sobre alguém que a observava com intensidade.

O rapaz era baixo, ligeiramente menor que ela, e parecia ser mais jovem também. Ainda assim, Nadine sentiu-se intimidada pelo olhar penetrante de seus olhos azuis, tão frios quanto o gelo. Ele vestia uma camisa de linho refinado, de botões brilhantes e mangas rendadas, complementada por um colete vermelho vibrante que exibia o brasão da dinastia Monrogue. A calça preta básica e os sapatos de fivela completavam o conjunto, mas não suavizavam o ar severo que ele carregava.

Seu cabelo, de um vermelho flamejante, era curto e levemente ondulado. Enquanto ele se aproximava a passos largos, Nadine reconheceu que era o irmão mais novo de Anna. Apesar de lembrar vagamente de já tê-lo encontrado, ela não conseguia se recordar de seu nome. Uma das muitas dificuldades de navegar pelos eventos sociais sem consortes ao lado para ajudar.

— Senhor Monrogue. — Ela disse, esforçando-se para soar respeitosa e esconder a falha em lembrar seu nome.

— Nadine Fortuna. — Sua voz era fina, quase juvenil, revelando que não devia ter mais de dezoito anos. — Então você conseguiu seu lugar neste grande evento.

— Sim, estou amando a vista. — Nadine respondeu, tentando manter a compostura.

— Vejo que os padrões dos Tempest realmente diminuíram. — Ele endireitou a postura, colocando as mãos atrás das costas, seus olhos cravados nos dela como um desafio.

— Como assim? — A pergunta escapou antes que ela pudesse se conter.

— Por que não se retira dessa competição pífia? — Ele falou com a impassividade de alguém acostumado a ser ouvido. — Os Tempest devem escolher uma Arkniana de uma das grandes famílias desta vez, depois de tantas gerações. Não sei o que você faz aqui.

As palavras dele perfuraram sua confiança. Nadine recuou instintivamente, o peso do olhar de outros convidados começando a se tornar sufocante.

— Estou aqui apenas para me—

— Está perdendo seu tempo. — Ele a interrompeu, cortante. — Faça o seguinte: volte para sua fazenda enquanto é tempo. As coisas podem ficar difíceis para alguém como você.

Ao redor, cochichos surgiam. Nadine viu olhares rápidos e desviados, mas sabia que falavam dela. Sua garganta apertou, e seus olhos voltaram para o rapaz à sua frente, ainda imóvel, como se soubesse exatamente o impacto de suas palavras.

— O que está fazendo aqui, Paulus? — A voz firme de Anna cortou a tensão. Nadine sentiu a mão da amiga agarrar-lhe o braço, trazendo um alívio imediato. — Não importune minha amiga.

— Irmã, qual jogo está jogando agora? — Ele arqueou uma sobrancelha, mas Anna ignorou seu tom.

— Volte para o pai. Está novo demais para entender os assuntos do coração. — A resposta veio acompanhada de uma careta inesperada, tão caricata que Nadine não conseguiu conter uma risada baixa. — Não se importe com ele. Venha comigo. — Anna voltou-se para Nadine com um sorriso tranquilizador e a guiou para o jardim, onde jovens conversavam e brindavam sob as estrelas.

No frescor da noite, Nadine respirou fundo, deixando o ar puro de Silter acalmar seu coração agitado. Queria agradecer a Anna por resgatá-la antes que o pânico a dominasse.

Anna estava deslumbrante. Seu vestido longo e vermelho cobria os pés, enquanto adereços dourados enfeitavam seus cabelos curtos e ruivos. Um colar reluzente destacava o brasão dos Monrogue, mas ela parecia brilhar por conta própria. Observando a amiga, Nadine sentiu-se exagerada, uma boneca de porcelana forçada a parecer perfeita demais.

— É verdade que Jerian vai escolher uma das duquesas como esposa? — Nadine perguntou, a voz hesitante, ainda presa às palavras de Paulus.

— Claro que não, senão pessoas como Danielle Tullas não estariam tão ansiosas. — Anna indicou com o queixo um canto do jardim.

Lá estava Danielle, cercada por consortes e outros nobres de Astinia. Ela parecia comandar o grupo com um carisma feroz, todos seguindo seus movimentos com precisão militar. Danielle vestia um deslumbrante traje azul, o tecido escorrendo pelos ombros e caindo em cascatas até o chão, enquanto um véu delicado adornava seu penteado elegante. O brilho do vestido parecia intensificar o azul profundo de seus olhos e destacar seus lindos e longos cabelos loiros, transformando-a no centro das atenções no jardim.

Como se estivesse esperando por elas, Danielle as fitou com um olhar sério. Nadine sentiu um calafrio percorrer sua espinha; ela sabia que a noite estava apenas começando. Decidiu fechar os olhos e concentrar-se apenas na futura dança com o Príncipe Jerian.

No entanto, fechar os olhos para si mesma também significava fechar os olhos para a realidade lá fora. Quando abriu os olhos, percebeu que estava cercada de jovens Arknianos. Danielle aproximou-se no meio deles, como se os liderasse; lançou um olhar a Nadine de cima a baixo, com um rosto de desdém sem igual.

— Achei que tinha mantido o segredo sobre qual vestido eu viria para esse evento — Ela disse cruzando os braços sobre o peito, tão alta e com tanta classe que Nadine apenas desviou o olhar — Mas a ralé tem sempre uma forma de descobrir as coisas.

— Não sabia que havia etiquetas quanto à cor do vestido para o baile. — Anna se pôs na frente das duas, encarando Danielle.

— Não faz mal, sou caridosa. — Ela estendeu a mão. — Nunca conversamos antes, muito prazer, Danielle Tullas, filha de Cecil Tullas, o alto comandante das legiões de Astinia.

Nadine não voltou o olhar para ela.

— O que é? Não tem educação? De onde foi que você veio, afinal? Nunca ouvi falar da família Fortuna. Quase como se vocês fossem humanos.

Os outros ao redor riram.

Nadine segurou as lágrimas em seus olhos, recusando-se a chorar ali.

— Pelos Gêmeos, garota. — Anna suspirou pesadamente — Pode me dar licença?

— E onde a senhorita vai? — Danielle se pôs ao lado de Anna, dando as costas à Nadine. — Estamos armando uma Mesa de Palavras, que tal presidir sobre ela?

Uma Mesa de Palavras era um jogo sutil de poesia rimada. Criar uma ideia e seguir sua lógica, e ainda por cima com rimas. Nadine era ótima nesse jogo, não pôde deixar de se animar para jogar um de suas brincadeiras favoritas.

— Que tal deixar Nadine presidir? — Anna a encarou, respondendo.

— E por que eu faria isso?

— Não gosto desse jogo.

— Eu sei bem o que você gosta... — Danielle comentou baixinho, e então, virou-se para Nadine de volta. — Quer jogar?

Nadine apenas assentiu, respirando fundo.

— Certo. Venha, então.

Ela segurou a mão de Nadine, deixando Anna para trás. Diferente da amiga, Danielle a guiava como uma criança birrenta, forçando seu pulso e obrigando a menina a andar. Os consortes de Danielle se espalharam um pouco, alguns indo buscar bebidas, outros apenas se ausentando para que a mesa não ficasse muito atulhada de Arknianos em volta. A mesa do jogo era uma das mesas de mármore dispostas pelo grande jardim, entalhadas pelos maiores artistas Arknianos, com um tecido azul e dourado a cobrindo com o brasão da família Tempest.

— Sabe como jogar, não sabe, menina? — Danielle sentou-se na ponta oposta a Nadine. Ao levantar o vestido de leve, a graça natural da Arkniana chamou sua atenção até naquele gesto tão simples.

— Sim... sei sim. — Nadine respondeu, hesitante.

— Oh, ela fala! — Um rapaz exclamou ao se acomodar no lado esquerdo da mesa. — Achei que não tivesse língua. Não me apresentei ainda. Meu nome é Ralph Levett. — Ele fez uma reverência exagerada.

— Ela não está acostumada a tantas pessoas. Não a deixe com vergonha. — Um homem alto se sentou à direita e lançou um olhar sério para Ralph. — Thalis Pasquier.

Nadine evitou encará-los diretamente, focando-se no baralho à sua frente.

— Anda, dê as cartas. — Danielle ordenou com um sorriso que mais parecia um desafio.

Nadine pegou o baralho e começou a embaralhá-lo. As cartas eram compridas, maiores que suas mãos, e decoradas com símbolos de estrelas e o Pilar Brilhante em seus dorsos.

O jogo era simples: um dos jogadores age como o juiz, dando as cartas para os outros. Cada carta apresenta um tema variado, e o jogador deve convencer os outros a seguirem o tema de sua carta. O primeiro a criar uma rima poética sobre o assunto em sua carta faz a poesia girar em torno desse tema, e, a partir daí, cada jogador tem que criar uma estrofe com dois versos utilizando a última palavra do verso anterior, seguindo o tema e no tempo limite estipulado.

A Mesa de Palavras era um jogo muito jogado na terra mãe. Era considerado uma expressão do dom artístico e divino concedido aos Arknianos pelos Gêmeos. Era também a especialidade de Nadine.

A garota sorriu, iria ganhar esse jogo e mostrar para eles que—

— Ei? — O rapaz à sua direita a cutucou — Não vai dar as cartas não?

Nadine piscou os olhos, voltando à realidade.

— Ah! Claro...

Com uma última embaralhada, Nadine entregou uma carta aleatória para cada jogador, sendo ela a última a receber.

— Virem suas cartas — Danielle mandou.

— Maldição — Ralph levantou os braços teatralmente. — O que eu poderia falar sobre cachoeiras?

— Não é um galanteador? Use sua sagacidade, amigo. — Thalis respondeu.

Verde é a cor da inveja que arde — Danielle tomou a frente, e Nadine tratou de girar a ampulheta, se amaldiçoando por não ter nem ao menos visto o tema de sua carta. — E da ganância demonstrada pela covarde.

Danielle rimou e Nadine sentiu como se um chicote a açoitasse. Ela definitivamente havia atraído a ira da Arkniana, mas respirou fundo novamente, focando no jogo.

— Uh... — Ralph jogou a cabeça para cima, mas em poucos segundos veio com uma resposta: — Covarde é aquele que finge pureza, se escondendo no verde da mãe natureza.

A natureza... — Nadine hesitou por um momento — A natureza da dor para sentir, o... o processo do... — A garota mordeu a língua e fechou a boca, depois, olhou da ampulheta a Danielle, que ria baixinho.

— Acabou o tempo. — Thalis apontou para a ampulheta.

Como se um peso enorme caísse em suas costas, Nadine encolheu-se na mesa, sua mente girando tão rápido, tentando buscar o motivo para sua derrota.

Mas o jogo continuou, e nas próximas duas rodadas, a garota conseguiu sobreviver algumas rimas a mais que um dos dois rapazes. Contudo, Danielle continuava invicta, e sempre ditando o ritmo e o tema do jogo.

Esperança é coisa de alma vazia — Danielle alfinetou durante uma rodada, fitando Nadine com frieza. — Que vive perdida na fantasia.

A acusação foi tão direta que Nadine congelou. Quando sua vez chegou, sua mente estava completamente vazia.

A vergonha tomou conta. Incapaz de segurar as lágrimas, abaixou a cabeça e deixou que escorressem.

— Acho melhor encerrarmos o jogo. — Danielle recolheu o baralho, deixando-o sobre a mesa. — Não quero deixá-la mais constrangida.

— Podemos jogar mais uma? —

Nadine evitou limpar a lágrima com a mão, pegando então um lencinho para isto, mas... a voz que ouviu agora a assustou de tal forma que o lenço em sua mão voou.

O rapaz de que a voz pertencia abaixou-se, capturando o lenço antes que tocasse o chão.

— Príncipe Jerian?! — Nadine quase engasgou. Ele apenas a olhou com olhos gentis e sorriu.

— Majestade! Quando chegou? Não ouvimos nenhum anúncio! — Danielle perguntou, visivelmente surpresa.

— Estou aqui desde o início do evento. Seria de extrema dificuldade estudar enquanto outros fazem os últimos preparativos para o baile. — Ele disse abrindo uma pequena sacola de pano, pegando sua coroa de lá de dentro.

Só então foi que Nadine prestou atenção nas roupas não convencionais que o príncipe trajava. Uma camisa de botões levemente aberta, sua gola era rendada de uma forma que apenas burocratas usam. Um medalhão sutil derramando-se em seu peito. Havia raspado completamente a barba e cortado um pouco dos cabelos; mesmo assim, sua aura relaxada e seu cheiro mentolado levavam Nadine à loucura.

O rapaz não seguir a etiqueta padrão de um baile de tamanha estirpe contribuiu para que ninguém o percebesse ali. Porém, ele estar usando um capuz e uma bolsa a tiracolo de pano marrom fez todos os outros o tratarem como apenas um servo humano desimportante.

— Podemos jogar? — Ele perguntou para Danielle com um olhar divertido.

— Com... toda certeza, Majestade — Danielle desviou o olhar da direção de Jerian, Nadine pôde ver de onde estava a forma da qual ela ficou desconcertada — Thalis, dê espaço.

Ele a olhou por meio segundo até assentir e se levantar da mesa. O rapaz era mais alto que o príncipe, mas, por algum motivo, parecia menor naquele momento. Jerian não tirou o sorriso simpático e verdadeiro do rosto em nenhum momento, mesmo assim, todos ali em volta sentiram seu corpo ficar tenso. Danielle embaralhou as cartas por uns instantes, balançando levemente as pernas. Não muito tempo depois, ela entregou as cartas e sinalizou para que todos as virassem ao mesmo tempo.

— Uma ótima carta, essa que você me deu. — Jerian comentou.

Em sua carta, a arte de duas crianças Arknianas correndo em um campo aberto, escrito "Liberdade".

— O senhor gosta desse tema? Se desejar, podemos trocar — Danielle sugeriu, olhando para a sua carta. Nela, uma adaga perfurava o peito de um humano caído no chão; a "Dominância"

— Não me torne uma exceção à regra. Pelo contrário, prossiga. Pude ver quão habilidosa é a senhorita nesse jogo.

Danielle engoliu seco.

Amor é a chama que aquece e ilumina — Pela primeira vez, Nadine tomou a frente. — Concedida pelos Gêmeos em sua graça divina.

Ela disse com uma confiança impulsiva, olhando para Jerian como se esperasse que ele correspondesse.

Divina é a sensação do desejo, que se torna realidade através de um beijo. — Ele disse poucos segundos depois, sem desviar o olhar de Nadine.

Beijo este que — Danielle respondeu rapidamente, mas pausou buscando uma finalização decente. — Beijo este que é sempre um tormento, para quem transborda sentimento.

Ralph respondeu quase no fim de seu tempo, espreguiçando enquanto olhava as estrelas. Não parecia se importar tanto com a presença do Príncipe como todo mundo se importava. Nadine se perguntou se eram amigos.

Balançou a cabeça, tinha que focar. Respondeu a rima do rapaz com precisão, se certificando de manter-se no tema que ela mesma propôs. Príncipe Jerian não tomava nem sequer um segundo para sua resposta, palavras fluíam de sua boca tão facilmente que deixou Nadine estupefata. Seu vocabulário demonstrava o quão inteligente e estudado ele era.

Perfeito.

Amor é a chama que aquece a alma — Jerian disse enquanto observava o Pilar Brilhante em sua carta — Cantando à noite com doce calma.

Calma é uma mentira que o amor pregou, porque sempre destrói o que prometeu.

— Senhorita Danielle — Ralph levantou a mão — A senhorita perdeu.

— Como assim? — Ela respondeu já vermelha, talvez cansada depois de tantas rodadas no mesmo tema.

Ela piscou o olho e encarou Ralph, depois, voltou o olhar a Jerian.

— Está tudo bem, Senhorita. — Jerian disse já se levantando. — É apenas um jogo.

Não demorou muito para que ele apenas virasse o rosto em direção a Nadine e estendesse a mão.

— O... o quê?

— Me desculpe a demora, eu sinto muito. — Ele fez um gesto com a mão, pedindo para que ela se levantasse também. — Ainda estou apto para lhe pedir uma dança?

Nadine não precisou se mexer, apenas assentiu com o rosto e se levantou, esquecendo do mundo ao seu redor. Deixou Danielle Tullas e seus consortes na mesa onde estavam, ignorou os olhares dos que a observavam e viu um sorriso se formando no rosto de Anna, que estava a alguns metros dali, segurando a mão de Flavius, pronta para guiá-lo até o salão, assim como Jerian estava fazendo.

A música quase entorpeceu seus sentidos. Enquanto respirava fundo para que não desmaiasse, ela seguiu os passos graciosos do príncipe através do salão. Ouvia cochichos, mas não se importava; era a hora de provar verdadeiros os rumores sobre ela ter sido a escolhida.

Era a hora de se permitir sonhar acordada.

O príncipe a segurou firme pela cintura, juntando seu corpo ao dela, guiando-a através dos passos da música lenta. O salão havia se aberto para que os dois pudessem dançar à vontade; afinal, toda aquela celebração era dedicada a Jerian. A cada passo, a música e o coração de Nadine aceleravam cada vez mais. Quando a garota finalmente tomou coragem para olhar para cima e encontrar o olhar do príncipe, tão próximo ao seu, ela mordeu os lábios e se forçou, por tudo quanto era mais sagrado, a não pisar nos pés dele.

— Fique tranquila. Se desmaiar aqui, eu a carrego. — Ele riu baixinho. Nadine não sabia onde enfiar a cara.

— Por favor, Majestade... podemos esquecer essa história?

— Mas é uma anedota tão divertida. — Ele protestou de forma manhosa. — Não se preocupe, eu estou aqui por você. Pode relaxar.

Ela assentiu de novo, encostando o rosto no peito descoberto do príncipe, sentindo de perto o calor e os batimentos calmos de seu coração. Ela sorriu, pensando em como contaria essa história aos seus filhos.

Filhos? Ela arregalou os olhos. Respirando fundo, pediu a si mesma que se acalmasse.

A música veio e foi, e aqueles minutos de dança passaram como se fossem apenas segundos. Sem que ela percebesse, Jerian havia se livrado do capuz e de sua bolsa de pano — agora com a coroa menor quase que entrelaçada aos seus fios dourados e luvas de couro pretas que compunham seu estilo relaxado muito bem. Todos os nobres Arknianos no salão vieram cumprimentá-lo após a dança, como mandava a etiqueta.

Quando perguntado sobre quem Nadine era, ele apenas sorria e mudava de assunto. A garota não sabia o que pensar sobre aquilo... não queria que sua ansiedade a dominasse, então apenas agiu da forma que sua mãe ostensivamente havia posto em sua cabeça: sorrir e acenar.

— Com licença, devo mostrar ao meu par um achado que fiz no jardim. — Jerian segurou a mão de Nadine novamente, após alguns minutos de conversas dispersas com Arknianos que ela não conhecia.

"Par?".

Ela se deixou ser levada pelo príncipe através do salão a uma outra direção diferente do jardim onde a Mesa de Palavras aconteceu. Caminharam devagar através dos corredores do castelo; janelas altas liberavam o caminho para a luz lunar preencher o lugar, construídas com o ângulo perfeito para que o Pilar inteiro pudesse brilhar pelo corredor.

Nadine nunca havia caminhado por ali, afinal, o Castelo de Silter era como um labirinto de pedras e quadros dos diversos integrantes da família Tempest. No entanto, quando Jerian abriu a porta no final do corredor, lá estavam eles na grande biblioteca.

A garota abriu um sorriso de orelha a orelha. Ela soltou a mão do príncipe e caminhou até o segundo nível de prateleiras, onde, em um banco de couro, uma pequena pilha de livros estava escondida no canto.

— Então é aqui que passou o tempo antes do baile. — Jerian se aproximou, observando-a se acomodar ao lado da pilha de livros. — Lhe trouxe aqui para conversarmos sobre livros, mas jamais imaginaria que tivesse o seu próprio canto na minha biblioteca.

— Isso não é... proibido, é? — Nadine perguntou, hesitante.

— Não! — Ele respondeu rapidamente, sentando-se ao lado dela e pegando um livro aleatório na prateleira mais próxima. — Por favor, sinta-se em casa.

— Obrigada, Majestade.

— Por favor, me chame de Jerian. — Ele estendeu o braço, pegando um dos livros da pilha dela. — "O Estudo das Plantas e seus Frutos"? Está pensando em se tornar especialista em botânica?

— Talvez... para ajudar no negócio da minha família.

— Ah, sim, os frutos da Fazenda Fortuna. — Jerian abriu o livro, folheando as páginas. — Seu pai não gosta muito da ideia de humanos trabalhando nas terras, não é?

— É... bem, ele quer manter tudo como vem sendo há gerações. — Nadine respondeu, ajustando o tom. — Uma fazenda puramente Arkniana. Ele não confia em humanos.

— E você? Confia?

— Eu... é difícil. Nunca interagi com um. — Nadine juntou as mãos delicadamente, respirando fundo antes de continuar. — Não sei se conseguiria.

— Conversar com um humano não é tão diferente de conversar comigo.

— É impensável elevar um humano ao seu patamar, Majestade.

— E, no entanto, aqui está você, conversando comigo e sorrindo. — Ele observou com um sorriso brincalhão.

Nadine arregalou os olhos, desviando o olhar.

— Eu sou... um pouco tímida.

— Eu entendo. Já fui como você. — Jerian suspirou. — Na verdade, ainda sou. Apenas aprendi a lidar com isso. Quando participei daquele torneio no Colégio Imperial, foi justamente para me desafiar. Queria superar minha timidez à força. — Ele fez uma pausa, olhando para ela com um sorriso discreto. — Certo, também foi uma ordem do meu tio Gaius. Ele dizia que, para liderar o Império um dia, eu precisava me afeiçoar aos humanos. Os tempos estão mudando.

— Mudando... — Nadine ecoou, perdida em seus pensamentos.

— Sim... e agora, a maior temporada social Arkniana do último século — Ele balançou as mãos, dramatizando a frase — Meu pai... meu pai está doente, está preocupado comigo.

— O Imperador Uther Tempest está doente?! — Nadine exclamou.

— Por favor, mantenha em segredo. — Jerian pediu com um rosto solene — Não queremos que isto se torne um grande assunto, mas, sim.

Algumas peças se encaixaram na mente da garota quando ele lhe confessou isto. A convocação às pressas, o caráter urgente que tantos eventos estão sendo idealizados um atrás do outro. Os rumores que o príncipe estava com tanta pressa para casar-se... saber disso trouxe paz a ela. De um jeito estranho, era bom saber que o Príncipe Jerian não era a mente por trás desses atos.

— Então... é verdade que vai se casar com uma duquesa? — Nadine perguntou.

— O quê? — Ele parecia genuinamente surpreso.

— É que eu... eu... — Nadine balançou a cabeça — Pensei que...

— Não quero me casar, verdadeiramente falando. Sendo sincero, gostaria de fazer uma expedição. Conhecer o continente Arkniano, ver a vida dos humanos lá fora.

— Como o Duque Rebelde?

— Sua biografia é um ótimo livro, não é? — Jerian sorriu.

O Duque Rebelde, Char Milanidas, foi o responsável pela maldição nas terras de Magra. Contudo, antes de virar essa força que assola o Império até os dias de hoje, ele era apenas um Arquiduque que gostava de estudar e viajar. Seus diários foram mantidos e seus pensamentos estudados. Tornou-se uma leitura quase que indispensável para os líderes de Arknia. Todos eles, com a exceção de seu grimório, estavam ali na biblioteca do castelo.

— Bem, não tenho nenhum motivo para ir contra as vontades do meu pai, se é isto que lhe pareceu — Ele riu — Mas, sim, eu gostaria de conhecer mais as pessoas. Ver de perto as coisas que apenas leio em relatórios.

— Isto é uma atitude louvável para o futuro Imperador. — Nadine comentou.

— Por favor, não me alimente com elogios baratos. Já não basta todos aqueles no salão lá embaixo.

Ele disse duramente, apontando vagamente em direção ao salão. A música e as conversas tão altos que mesmo da biblioteca eles conseguiam ouvi-los.

— Desculpe, não foi minha intenção. — Nadine se retratou.

— Está tudo bem... — Ele sorriu, colocando de volta o livro na pilha da garota — Eu vim te observando nos últimos dias, sempre sozinha por aqui, lendo e estudando.

— Você ficou me observando? — Nadine se encolheu um pouco, envergonhada.

— Não! Espere! — Agora foi a vez de ele arregalar os olhos e ruborizar. — Não quero que entenda mal, é só que, muitas vezes venho a biblioteca escondido, e você está sempre por aqui. Isso sim que acho louvável.

Nadine o olhou com um sorriso gentil no rosto.

— Devo ser sincera com você, Príncipe Jerian... eu também vim para cá obrigada por meus parentes. Posso simpatizar com você... não que eu queira viajar, mas adoraria explorar, ter novas inspirações...

— Que tal viajarmos juntos, então? — Jerian sugeriu animadamente. — Gostaria de visitar meus colegas do torneio de esgrima. Um deles virou Juiz de Anizotte, pelo que soube. Eu nunca pus os pés em Magra, então seria uma ótima viagem.

— Sim! — Nadine respondeu com a mesma intensidade — Imagino os poemas que eu poderia compor tendo de inspiração a Árvore Prateada.

Eles estavam em sintonia, complementando a ideia um do outro como se operassem com a mesma mente. Aquilo era, por voto unanime, ordens de magnitude melhor do que estar o tempo todo ansiosa para impressionar alguém ou para seduzir alguém, Nadine conjecturou. Com Jerian, podia ser ela mesma: uma garota estudiosa e cheia de ideias criativas. Queria ser isso para o príncipe, não queria ter que esquentar a cabeça buscando formas de armar um casamento.

Eles não poderiam ser grandes amigos, afinal?

Ela segurou a mão dele enquanto o mostrava os seus livros favoritos. Alguns de ficção, alguns didáticos. Todos eles sempre acompanhados pelo "Grande Império e seu Conteúdo"; uma grande enciclopédia onde todo o conhecimento se reunia. Também conhecido como "o livro sagrado de todos os sem graça" pela família Fortuna.

Diferente deles, no entanto, esse era um dos livros favoritos de Jerian Tempest.

Num estalo, o livro pulou de sua mão quando Nadine mostrava ao príncipe uma de suas flores favoritas descritas no livro. Um grito abafado ressoou através da biblioteca, vindo do salão de festa. A música parou, e as conversas também pararam.

Os dois jovens Arknianos se entreolharam, e, sem nenhuma palavra, se dirigiram até o salão rapidamente.

Jerian correu, e Nadine se esforçou para acompanha-lo de perto. Não demorou muito para que chegassem novamente ao Salão, mas, dessa vez, havia uma grande diferença.

Enquanto respirava pesadamente por conta da corrida, Nadine viu que a quantidade de guardas presentes havia dobrado. No centro deles, uma figura que Nadine não conhecia.

Jerian soltou a mão da garota e passou entre os guardas até ver quem estava lá. Era um Arkniano sujo e com roupas desgastadas. Ele olhava ao seu redor com um rosto endurecido, determinado.

— Tio Gaius?! — Jerian exclamou, surpreso. — O que faz aqui? Que roupas são essas?

— Viajei o mais rápido possível com a Guilda dos Mensageiros. — Ele diz bem alto, para todos ouvirem. Depois, pega a espada em sua cintura e a levanta bem alto. Enquanto todos prendiam a respiração para saber o que ele faria a seguir, Gaius Tempest a segurou na horizontal e quebrou sua lâmina ao meio, batendo-a em seu joelho. — Não há mais tempo a perder. Eu me declaro culpado de meus crimes em Magra. Me prenda, meu Príncipe.

Como se não existisse ar no Salão, o tempo parou para Nadine. Gaius estava transtornado, isto era fato, mas... o que aconteceria agora com o seu grande amigo? 

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